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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
MARIA ALICE CABRAL MAIA
MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO:
um estudo sobre políticas públicas no Brasil e na França
SÃO PAULO - SP
2013
MARIA ALICE CABRAL MAIA
MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO:
um estudo sobre políticas públicas no Brasil e na França
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Coordenadoria do curso de Administração
Pública da Escola de Administração de
Empresas de São Paulo como requisito parcial
à obtenção do título de Bacharel em
Administração.
Orientadora: Profª Dra.Zilma Borges de Souza
SÃO PAULO - SP
2013
MARIA ALICE CABRAL MAIA
MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO:
um estudo sobre políticas públicas no Brasil e na França
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Coordenadoria do curso de Administração
Pública da Escola de Administração de
Empresas de São Paulo como requisito parcial
à obtenção do título de Bacharel em
Administração.
Orientadora: Profª Dra.Zilma Borges de Souza
Data da Aprovação:
____/____/______
Banca Examinadora:
Profa. Dra. Zilma Borges de Souza
(Orientadora)
FGV – EAESP
Prof. Dr. Marco Antonio Carvalho Teixeira
FGV – EAESP
SÃO PAULO - SP
2013
DEDICATÓRIA
A meus pais e avós,
meus primeiros e eternos exemplos, motivação para chegar até aqui.
Ao meu afilhado Henrique,
motivação para que eu seja, a cada dia, exemplo para alguém.
“Que situação extraordinária é a nossa, mortais! Cada um de nós está aqui para uma breve
estadia; para um propósito que não conhece, apesar de algumas vezes pensar que sente. Mas
do ponto de vista da vida cotidiana, sem ir a fundo, nós existimos para nossos semelhantes –
em primeiro lugar para aqueles de cujos sorrisos e bem-estar nossa felicidade depende, e em
seguida para todos aqueles desconhecidos com cujos destinos nós estamos ligados pelo laço
de simpatia. Cem vezes todos os dias lembro a mim mesmo que minha vida interior e exterior,
depende dos trabalhos de outros homens, vivos ou mortos, e que devo esforçar-me a fim de
devolver na mesma medida que recebi.”1
(The World As I See It – Albert Einstein)
1
Tradução própria: “What an extraordinary situation is that of us mortals! Each of us is here for a brief sojourn;
for what purpose he knows not, though he sometimes thinks he feels it. But from the point of view of daily life,
without going deeper, we exist for our fellow-men – in the first place for those on whose smiles and welfare all
our happiness depends, and next for all those unknown to us personally with whose destinies we are bound up by
the tie of sympathy. A hundred times every day I remind myself that my inner and outer life depend on the
labours of other men, living and dead, and that I must exert myself in order to give in the same measure as I have
received and am still receiving.”
AGRADECIMENTOS
Hoje, quando olho para trás, não vejo histórias, mas pessoas. Pessoas que me
ajudaram, orientaram e deram comigo cada um dos passos para chegar até aqui. Para mim, a
GV foi muito mais que uma escola de administração. Nos últimos quatro anos, eu vivi no
maior centro potencializador de talentos que já conheci. A cada dia, uma nova experiência
enriquecedora era oferecida. E por cada uma dessas oportunidades, eu devo muitos
agradecimentos.
Em primeiro lugar, aos meus pais e avós. Vocês foram meu primeiro exemplo de
trabalho duro e dedicação, e são meu apoio fundamental em todas as horas. A toda a minha
família e meus amigos, que compreenderam minhas ausências e sempre me deram energia
quando eu precisei. Aos meus amigos de sala, que fizeram cada dia mais alegre, e foram
motivação quando sobrava cansaço. À Keka, que me compreendeu da forma mais profunda
possível, e me ensinou a sempre entregar meu melhor, no que quer que eu fizesse. Aos
professores, que me orientaram. Pelo apoio e, principalmente, dedicação, agradeço à
professora Zilma Borges, que me acompanha desde o primeiro semestre de curso, e seguiu de
perto o desenvolvimento da pesquisa de campo da experiência francesa. Aos colegas e ex-
colegas de trabalho e gestores e ex-gestores, que me ensinaram o valor do profissionalismo.
Aos funcionários da FGV, por sua constante simpatia e prestatividade. Meu agradecimento
especial àqueles que, anonimamente, acreditaram na educação e me apoiaram como
filantropos, oferecendo oportunidades que antes eu somente sonhava em conquistar.
Finalmente, meu agradecimento especial a Deus, por ter orquestrado lá de cima para que
todas essas bênçãos se concretizassem.
Por fim, este trabalho só se tornou viável pelo suporte de tantas pessoas, tantas
vozes e tantas mãos, que permitiram que as primeiras hipóteses se transformassem em
respostas, as primeiras percepções formassem ideias, e as ideias então, se transformassem em
texto e pesquisa. Sinceros agradecimentos aos professores responsáveis pelo Conexão Local e
à equipe do GV Pesquisa, que se esforçaram para que cada uma das investigações se tornasse
possível. Aos entrevistados e aos que abriram suas casas, suas histórias e suas mais sinceras
reflexões, espero tê-las retratado de forma justa e com o merecido respeito, atendendo à
responsabilidade que me incumbiram.
RESUMO
Este trabalho aborda a interação entre poder público e sociedade civil para a implementação
de microcrédito produtivo orientado para agricultores familiares, microempreendedores e
empreendedores informais. A pesquisa traz uma descrição da realidade local e dos atores
envolvidos para analisar os desafios da viabilização do desenvolvimento socioeconômico a
partir da oferta de politicas públicas de apoio ao crédito. Ao longo deste trabalho são
abordados temas como o impacto de tal interação para os processos de formulação e de
implementação da política pública, além de sua influência na realidade local. Além disso, são
abordadas as principais lições ou melhores práticas reveladas pelos casos estudados. A
metodologia de pesquisa de vertente qualitativa foi realizada por meio de pesquisa
documental e de investigação de campo no Brasil e na França, e é fundamentada em
referencial teórico sobre microcrédito, especialmente focalizando agricultores e pequenos
empreendedores como públicos alvo destas políticas.
Palavras-chave: poder público, microcrédito, crédito público, agricultura familiar,
microempreendedores, empreendedores informais, Brasil-França.
ABSTRACT
This plan deals with relevant issues over the interaction between public policies and society in
the implementation of productive oriented microcredit for family agribusiness, micro-
entrepreneurs and informal entrepreneurs. The research briefly describes the local reality and
the actors involved to, finally, analyze the challenges of fostering socioeconomic development
through credit-based public policies. Throughout this work, it discusses the impact of this
interaction for public policies’ formulation an implementation processes and its influence in
the local context. Nonetheless, it studies the main lessons or best practices revealed by the
cases studied. The qualitative research methodology was performed by the use of
documentary research and field investigation, both in Brazil and France. Nonetheless, it is
based in the conceptual framework regarding microcredit, especially the ones targeting
farmers and entrepreneurs.
Keywords: public sector, microcredit, public credit, family agribusiness, micro-entrepreneurs,
informal entrepreneurs, Brazil-France
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
DAP – Declaração de Aptidão ao Pronaf
DLOC – Desenvolvimento Local Orientado à Comunidade
ERDF – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
JASPERS – Assistência Conjunta para o Apoio a Projetos nas Regiões Europeias
JEREMIE – Recursos Europeus Conjuntos para Micro e Médias Empresas
JESSICA – Apoio Europeu Conjunto para Investimentos Sustentáveis em Áreas Urbanas
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PIB – Produto Interno Bruto
PITCE – Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
PMEs – Pequenas e Médias Empresas
PNMPO – Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PSB – Partido Socialista Brasileiro
SEDETUR – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo
STTRT – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Timon
TIC – Tecnologia da Informação e Comunicações
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 11
1.1 Apresentação do tema e sua relevância 11
1.2 Objetivos do trabalho 14
1.2.1 Objetivo Geral 14
1.2.2 Objetivos Específicos 15
1.3 Metodologia 15
2 REFERENCIAL TEÓRICO 18
2.1 O Crédito Público e o Financiamento da Produção 18
2.2. Produção agrícola no Brasil 20
2.3. Pequenas Empresas, Microempreendedorismo e Empreendedorismo Informal 23
3. RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO 25
3.2. As políticas de microcrédito na França 25
3.2.1. O contexto estudado 25
3.2.2. O Modelo da Política Pública Delegativas 27
3.2.3. A percepção e o impacto do Modelo Delegativo pelos Atores Entrevistados 30
3.3. As políticas de microcrédito no Brasil 31
3.3.1. O Contexto estudado 31
3.3.2. O Projeto de Política Pública 39
3.3.3. A Percepção e o Impacto da Formulação da Política de Microcrédito em Timon 41
3.4. Análise comparada das duas experiências estudadas 43
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 47
5. REFERÊNCIAS 49
11
1 INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação do tema e sua relevância
O tema deste Trabalho de Conclusão de Curso é o crédito público, em especial o
Microcrédito Produtivo Orientado para microempreendedores, empreendedores informais e
agricultores familiares. Propõe-se como objetivo geral analisar a formulação e a
implementação de políticas públicas de microcrédito, visando à compreensão da interação
entre poder público e sociedade civil para alcançar resultados mais positivos na aplicação
destas políticas ao nível local.
A escolha de microempreendimentos, produtores informais e pequenos produtores
agrícolas, como público alvo para estudo neste TCC tem como justificativa a ênfase dada
pelas políticas públicas de microcrédito para tais tipos de público e a oportunidade de
realização de pesquisa de campo dentro dos projetos Ciência sem Fronteiras e Conexão Local,
pela autora. Este direcionamento será mais bem explicado na metodologia deste trabalho e
envolve o estudo de casos de interação em duas realidades distintas: a França e o Brasil. O
estudo da experiência francesa se refere a um modelo já implementado e direcionado para a
produção agrícola e pequenos empreendedores, que atuam no beneficiamento de produtos
agrícolas ou em outros mercados relacionados ao meio ambiente e à sustentabilidade
ambiental. Já o estudo brasileiro aborda um caso específico, que envolve a política pública
ainda em processo de formulação. Neste caso, a política tem seu direcionamento inicial
voltado para microempreendedores e empreendedores individuais (no formato de um projeto
piloto), mas com o planejamento de também atender a pequenos produtores agrícolas.
O conceito de microcrédito surgiu nas últimas décadas, e é definido pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como, “[...] a concessão de
empréstimos de pequeno valor a microempreendedores formais e informais, normalmente sem
acesso ao sistema financeiro tradicional.” (BNDES, 2013, p.33). Conforme o exposto, o
microcrédito se torna, com frequência, uma alternativa de crédito para o público que, por
razões particulares, são excluídos de outras modalidades de financiamento. Essas razões
incluem questões como baixa renda, incapacidade de fornecer garantias, informalidade do
negócio ou, até mesmo, por não possuírem conta bancária em uma instituição financeira
tradicional.
Destaca-se, aqui, a modalidade do microcrédito produtivo orientado, que se
apresenta com grande frequência entre os programas e políticas públicas e os projetos sociais.
12
Na modalidade de microcrédito produtivo, o crédito se destina a uma finalidade específica
(como microempreendimentos ou produção agrícola, por exemplo), sendo, comumente
destinado à compra de insumos ou de bens de capital para a produção. Já quando definido
como “orientado”, a modalidade supõe a existência de um agente de orientação, que, em
alguns casos, pode ser o próprio agente de crédito, que, além de avaliar a concessão do crédito,
acompanha a sua utilização pelo tomador, garantindo que o mesmo seja realizado. O papel do
agente de orientação pode, aqui, limitar-se à avaliação macro da concessão de crédito e do
plano de negócios ou do projeto apresentado ou pode, em outra vertente, abranger o nível
mínimo de detalhe, acompanhando com frequência o tomador e orientando-o sobre estratégias,
produtos (ou culturas, no caso da agricultura) e monitorando seu resultado financeiro. Em
alguns casos, o agente orientador alcança, inclusive, o nível de “semeador”, capaz de
impulsionar uma aproximação entre o tomador e seu mercado consumidor ou mesmo
potenciais parceiros.
O microcrédito produtivo orientado surge, portanto, como alternativa de política
pública para enfrentar a exclusão do sistema financeiro. A longo prazo, sua importância se
estende pela possível redução da desigualdade, aumento da renda e, consequentemente,
combate à pobreza. O estudo da formulação de políticas públicas de microcrédito se faz
necessário, portanto, para compreender suas formas mais efetivas e eficazes, trazendo lições
relevantes a longo prazo.
Neste sentido, a participação da sociedade civil representando atores interessados,
as organizações do terceiro setor e de origem comunitária têm um papel relevante no
desenvolvimento político e econômico das sociedades, atuando na construção de iniciativas
voltadas para o bem público. Geralmente, este tipo de organização aparece em contextos de
interação com o poder público. Em menor nível, essa interação pode ocorrer na
implementação da política, buscando facilitar o acesso ao público alvo. Em nível maior, tais
organizações conseguem interagir com o poder público desde o momento da formulação das
políticas públicas, reestruturando seu modelo e impactando seus resultados. No contexto do
microcrédito, essas organizações auxiliam na formulação de estratégias e no direcionamento
das ações. Em seu movimento, aceleram a tendência de mudança do cenário do microcrédito,
viabilizando o financiamento para micro e pequenos projetos, que buscam por apoiadores
econômicos nos mais diversos meios. Do lado do governo, no caso do Brasil, vem ocorrendo
o aumento da oferta de programas de crédito e financiamento e, adicionalmente, a necessidade
de viabilizar sua aplicação em realidades distintas.
13
O financiamento de produção agrícola, por exemplo, envolve alternativas de
crédito que se originam de fontes públicas, de organização popular e ainda de fontes privadas,
como grandes bancos que vem se interessando pelo tema. A complexidade relacionada ao
financiamento da produção agrícola é crescente e apresenta novas variáveis que precisam ser
compreendidas para que as inovações e novas perspectivas representem soluções adequadas à
realidade brasileira inserida em um mercado global. Revelam-se, no cenário atual, novas
oportunidades de inserir pequenos produtores em cadeias de valor que gerem riqueza e
desenvolvimento social com compromisso com as questões ambientais. Tais oportunidades
precisam ser consideradas e podem trazer benefícios para que a agricultura se estruture de
forma planejada e eficaz. Considera-se que a interação entre políticas públicas, organizações
populares e organizações do terceiro setor, quando efetiva, é capaz de maximizar os impactos
positivos da ação governamental. Paralelamente, é possível mitigar ou reduzir riscos, como
demonstra o caso da Cooperativa Cresol, que será abordado mais adiante durante o presente
trabalho.
O presente trabalho de pesquisa busca também agregar experiências internacionais
que possam contribuir de forma comparativa aos programas desenvolvidos no Brasil. O
levantamento da realidade na França sobre um dos modelos de política pública de
microcrédito é de relevância para o campo de pesquisa por existirem casos de referência em
diversos tipos de políticas pública para a produção agrícola e para o desenvolvimento de
microempreendimentos no país. O financiamento de experiências de natureza tão distinta
requer o conhecimento de quais demandas são registradas no contexto atual brasileiro, e de
como soluções já desenvolvidas em outros países podem acrescentar parâmetros comparativos
de atenção às especificidades detectadas.
Compreender todos os aspectos envolvidos para a definição e análise de
programas de financiamento neste campo é de grande relevância, não somente para o Brasil,
mas também em âmbito global. Os interesses em expandir espaços de comercialização para os
pequenos produtores se integram dessa forma ao atendimento de necessidades globais de
produção de alimentos e a questões sociais relevantes em diversos países.
Já no campo do empreendedorismo individual e do microempreendedorismo, a
tendência percebida é relativa à crescente preocupação acerca de seu impacto para o
desenvolvimento econômico, incluindo as perspectivas de desdobramento, a longo prazo, das
mudanças econômicas geradas, fator especialmente articulado em países em desenvolvimento.
No Brasil, as políticas públicas relacionadas ao empreendedorismo são concentradas, ainda,
no estímulo ao desenvolvimento de micro e pequenas empresas, havendo sobreposição de
14
programas entre as três instâncias de governo e, inclusive, de políticas com diferentes focos
estratégicos e setoriais. O mesmo acontece com a questão do financiamento, envolvendo
programas de financiamento do próprio Estado, de fundações públicas e outras autarquias e,
inclusive, linhas de crédito oferecidas por bancos públicos (SARFATI, 2013).
O Brasil tem programas inovadores de origem estatal em diversas linhas de
financiamento e também vem apresentando experiências importantes com crédito originado
de organização popular com base em associativismo e cooperativas. É necessário identificar
as diferentes demandas que as regiões brasileiras apresentam e analisar a adequação da
aplicação do crédito a estas demandas. As contribuições que as Instituições de Ensino,
Pesquisa e Extensão podem trazer para este campo são diversas e entende-se que os estudos
da Administração como campo de conhecimento são cruciais para entender as melhores
formas de gestão e de estratégia que atendam as necessidades dos agricultores e de cada
região específica.
1.2 Objetivos do trabalho
1.2.1 Objetivo Geral
Considerando o exposto, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a
formulação e a implementação de políticas públicas de microcrédito, abrangendo a
compreensão da interação entre poder público e sociedade civil para alcançar resultados mais
positivos na aplicação destas políticas ao nível local. Como resultados pretendidos, buscou-se
trazer visibilidade para pontos importantes acerca do relacionamento entre o poder público e
órgãos representantes de comunidades locais e sociedade civil, bem como organizações do
terceiro setor, valorizando aquelas experiências reconhecidas por aumentar a entrega de
resultados e seu impacto por meio dessa articulação.
Para isto foi verificada a interação entre setor público e organismos representantes
da comunidade local na França e buscou-se observar pontos convergentes e divergentes com a
experiência brasileira estudada. Com isso, espera-se apontar resultados trazidos por essa
interação e apresentar lições para o aprimoramento da mesma para outros contextos
brasileiros, por meio de adaptação de práticas e criação de novas políticas públicas que se
façam necessárias e viáveis. Por fim, espera-se que a comparação entre modelos de
financiamento por microcrédito no Brasil e na França permita identificar lições sobre a
relação entre sociedade civil e programas da área pública orientados para a oferta de crédito,
15
visando à compreensão e à disponibilização de informações acerca de modelos de interação
que produzam resultados positivos capazes de mitigar dificuldades recorrentes nos modelos
de atuação existentes.
1.2.2 Objetivos Específicos
1. Identificar formatos de interação entre políticas públicas de microcrédito e
organizações da sociedade civil (representantes de públicos interessados e do terceiro setor);
2. Analisar a capacidade destas interações em gerar impacto positivo para
iniciativas empreendedoras;
3. Compreender de que modo essas interações mitigam possíveis dificuldades
enfrentadas pelas políticas públicas atualmente;
4. Estabelecer uma base comparativa entre o modelo estudado na França e o caso
brasileiro;
5. Disponibilizar informações sobre as relações estudadas para permitir futuras
análises de consequências resultantes dessas relações.
1.3 Metodologia
Para este trabalho, realizou-se pesquisa de abordagem qualitativa (CRESWELL,
2010) envolvendo a análise de dados secundários por meio de estudo bibliográfico e análise
documental e, adicionalmente, pesquisa qualitativa primária, com entrevistas de atores
relevantes para o contexto, como cidadãos, professores, autoridades locais, presidentes de
organizações de origem popular, gestores de organizações do terceiro setor, formuladores de
políticas públicas e outros funcionários públicos. A vantagem de se realizar uma pesquisa por
meio da observação do contexto local está na maior possibilidade de compreender influências
e forças, uma vez que se tem acesso às diferentes impressões de cada um dos atores sobre o
tema tratado (SPINK, 2008).
Para o referencial teórico foram buscados autores que tratam deste tema com uma
visão tanto da formulação, como da implementação de políticas públicas de microcrocrédito.
Desta forma, pode-se compreender avanços e desafios colocados para a efetividade destas.
Durante a análise de dados secundários, buscou-se, em primeiro lugar, pesquisas quantitativas
e qualitativas que pudessem contribuir com uma compreensão mais abrangente sobre o
16
contexto dos ambientes estudados. Complementarmente, utilizou-se bibliografia acerca de
casos franceses e brasileiros de políticas públicas de microcrédito, envolvendo a interação
entre poder público e organizações da sociedade civil ou do terceiro setor.
A primeira etapa de pesquisa in loco realizou-se na França, como parte do
programa Ciência sem Fronteiras, realizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), sob financiamento do Governo Federal. Esta etapa realizou-
se durante o primeiro semestre de 2012, e envolveu o acompanhamento de professores
franceses, com o objetivo de compreender o modelo francês de políticas públicas, no âmbito
do microcrédito. A etapa envolveu participação em cursos e eventos relacionados, como a
Sustainable Business Conference (Conferência de Negócios Sustentáveis) 2012, sediada no
Campus da Hautes Études Commerciales de Paris (HEC Paris), onde foi possível obter uma
compreensão abrangente dos principais temas tratados em relação à sustentabilidade e
desenvolvimento econômico, e abordar a visão dos atores sobre o microcrédito.
Complementarmente, foram realizadas entrevistas com gestores de organizações como o
projeto de Finanças Solidárias Finansol2
e de uma das organizações populares do cluster de
Rhônes-Alpes, uma das regiões francesas, e oficiais do Parlamento e da Comissão da União
Europeia, em Bruxelas (Bélgica), visando à maior compreensão do papel da União Europeia
no contexto estudado. Para vivência e conhecimento do contexto agrário francês, realizou-se
visita a agricultores e produtores da região de Reims e Champagne, que permitiu a coleta de
informações acerca da característica de atuação coletiva dos agricultores franceses. Essa etapa
visou à compreensão do contexto político e social local, formando assim o corpus para análise
de boas práticas nas políticas públicas (BAUER; AARTS, 2007). Ao longo da pesquisa, para
obter uma maior compreensão do modelo francês, se abordou o modelo de política pública de
microcrédito no país, preterindo o aprofundamento em um caso exclusivo, mas realizando o
contato com diversos atores e casos relevantes. O resultado da participação no programa
Ciência sem Fronteira foi apenas um relatório técnica, indicando os atores entrevistados e
relatos sobre disciplinas estudadas durante a estadia na França. Desta forma, em acordo com a
orientadora, decidiu-se elaborar a análise aprofundada do estudo, para utilização no presente
Trabalho de Conclusão de Curso.
O segundo momento da pesquisa de campo realizou-se em Julho de 2013, no
Brasil, por meio da observação do processo de formulação de uma política pública municipal
2
Finansol é uma associação responsável por campanhas de comunicação, conscientização e promoção de
produtos da econômica solidária – investimentos que, além de retorno financeiro, geram retorno social,
comoprojetos de habitação, emprego, energia renovável, sustentabilidade e agricultura. Além de produzir um
selo de certificação pela associação, o Finansol também é um coletivo de atores do setor. (FINANSOL, 2013)
17
de microcrédito no município de Timon, no Maranhão. Nesse contexto, foram realizadas
entrevistas semiestruturadas e observações não participantes com atores (FLICK, 2009)
relevantes para os casos estudados, como formuladores e implementadores das políticas
públicas e gestores de organizações populares, além de líderes comunitários, autoridades
religiosas, servidores públicos e a comunidade local, que seria, potencialmente, beneficiada
pela implementação da política. A pesquisa em campo no Brasil envolveu também, além de
entrevistas, visitas a comunidades rurais e participação em reuniões entre gestores públicos do
município e reuniões entre membros de organizações da sociedade civil.
Assim, durante a pesquisa foram catalogados informações e materiais sobre
relações entre programas públicos e organizações populares ou do terceiro setor, em ações
orientadas ao microcrédito produtivo orientado, buscando, exclusivamente, iniciativas que,
por meio de seu modelo de atuação, almejem contribuir para o atendimento das necessidades
financeiras de empreendimentos produtivos. A partir dos dois primeiros momentos de
pesquisa, a terceira etapa constituiu-se, então, da análise das observações e materiais
coletados, a fim de elaborar conclusões relevantes acerca da formulação e implementação dos
modelos de políticas de microcrédito.
18
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Nesta etapa, são abordados conceitos relevantes sobre o crédito público, a
produção agrícola de pequeno porte no Brasil e o empreendedorismo, abrangendo os
microempreendedores, as pequenas e médias empresas e o empreendedorismo informal. Com
esta análise, pretende-se trazer contribuições do debate teórico sobre as políticas de
microcrédito e também sobre os dois públicos-alvo principais destas políticas, que são foco de
análise neste trabalho. O referencial teórico inclui ainda pesquisas de outros autores que
estudaram a interação entre poder público e sociedade civil e seus resultados, além de dados
secundários sobre a eficácia de políticas públicas de crédito. O objetivo é fornecer uma base
conceitual para a compreensão do tema e a análise dos casos abordados a seguir.
2.1 O Crédito Público e o Financiamento da Produção
Por parte do Governo Federal brasileiro, foi criado, em 2005, o Programa
Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), que visava à aproximação entre
instituições financeiras e de microcrédito, vinculando outros serviços complementares que
facilitassem o acesso a informações e orientação direcionada para consultoria e
acompanhamento dos pequenos produtores familiares. Este programa definiu o marco legal
para o microcrédito produtivo, incluindo a regulamentação para o repasse de recursos dos
bancos para instituições de microcrédito. O programa prevê o atendimento das necessidades
financeiras de pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno
porte, e inova na proposição de uma metodologia baseada no relacionamento direto com os
empreendedores no local onde é executada a atividade econômica. Em 2010 este programa foi
revisado, na busca pela ampliação do número de agentes financeiros que atuam com a
população de baixa renda, com fortalecimento da relação com os bancos comunitários, que
serão comentados mais à frente neste texto. Atualmente, mais da metade (57,27%) da carteira
ativa de microcrédito é fornecida por Bancos de Desenvolvimento e outros 12,12%, por
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), segundo o Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE, 2013). Já as cooperativas de crédito representam 4,34% do valor
total da carteira ativa.
A partir de meados da década de 90, a operacionalização de linhas de crédito, o
surgimento de novos espaços produtivos e a criação de conhecimento e tecnologia por parte
de Universidades e grupos organizados de agricultores, vêm, junto com legislação específica e
19
medidas tomadas pelo Governo Federal, concretizando oportunidades de geração de riqueza e
trazendo à luz o debate da agricultura familiar. No contexto brasileiro registra-se a existência
de um número crescente de bancos comunitários e novas intervenções governamentais que
ampliam a oferta de soluções, mas ampliam também a complexidade dos modelos de
financiamento e crédito para o agronegócio familiar sustentável. Os Bancos Comunitários são
uma das principais formas de microcrédito reconhecidas no país. Segundo o MTE, Bancos
Comunitários são projetos de apoio a economias populares de municípios de baixo IDH, e
incentivam a geração de trabalho e renda, promovendo a economia solidária. Desde 2004 o
MTE apoia tais projetos e incentiva o alinhamento junto a bancos públicos, debatendo
alternativas de crédito para a economia solidária. Segundo a Rede Brasileira de Bancos
Comunitários, atualmente são 103 bancos comunitários no Brasil, dentre os quais se destaca o
Banco Palmas, considerado referência no país, e que estruturou o hoje denominado Instituto
Palmas, cujo objetivo é contribuir com a gestão do conhecimento das boas práticas entre tais
bancos. Poucos estudos recentes se voltaram à análise dos setores aqui descritos, havendo
ainda um gap de informação relativa a seus impactos sociais e sua relação com as políticas
públicas e governamentais.
Dentro das linhas de crédito do Plano Safra, destacam-se as linhas ECO e
Agroecologia, principais beneficiadas com os investimentos em assistência técnica, que de
2003 para 2010 aumentaram de 46 milhões de reais para 626 milhões de reais. Segundo o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), desde a sua criação, a maior conquista do
programa foi o aumento da assistência para dois milhões de famílias, abrangendo todo o país.
Além disso, o programa apresenta a menor taxa de juros para o crédito rural e a inclusão de
famílias de baixa renda e distribuição de custos e riscos entre o sistema financeiro e o governo
federal. No ano de 2006, 781 mil estabelecimentos familiares praticaram a captação de
recursos, sendo o custeio a principal finalidade (405 mil estabelecimentos), seguido da
finalidade de investimento (344 mil estabelecimentos), além da comercialização (8 mil
estabelecimentos) e manutenção do estabelecimento (74 mil estabelecimentos). Por outro
lado, o Censo Agropecuário 2006 registrou mais de 3,5 milhões de estabelecimentos da
agricultura familiar que não obtiveram financiamento, especialmente porque “não precisaram”
ou por “medo de contrair dívidas” (MDA, 2009).
A experiência entre o Sistema Cresol de Cooperativas de Crédito Rural e o
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar demonstra que uma
organização de microfinanças pode fundamentar sua atuação em sua relação com políticas
governamentais relacionadas, interagindo e contribuindo para a produção agrícola sustentável
20
(ABRAMOVAY e JUNQUEIRA, 2004). Desde a prestação de serviços financeiros à
intermediação de transferência de renda ou subsídios, essas articulações entre os diferentes
setores da economia são capazes de fortalecer ambas as instituições, fortalecendo, inclusive,
possibilidades para a expansão da organização não governamental sem comprometer sua
sustentabilidade financeira.
Uma das poucas publicações que contrariam tal afirmação, trazendo uma análise
comparada entre beneficiários e não beneficiários, é o estudo do Centro de Políticas Sociais
publicado em 2008, que comparou indivíduos semelhantes de dois grupos: clientes e não
clientes do Crediamigo. No âmbito do microcrédito para empreendedorismo, o Crediamigo,
oferecido pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), é um dos programas mais conhecidos do
país, recebendo, inclusive, reconhecimentos internacionais. O que os principais resultados se
revelaram quanto à probabilidade de mobilidade social: A probabilidade de ascensão social
para o cliente do Crediamigo é de 54,72%, 36,92% e 9,95%, dentre as classes E, D e C,
respectivamente. Já para o grupo controle, de microempresários de Recife e Salvador, a
probabilidade foi de 38,82%, 34,03 e 7,55%. Tais resultados reforçam a importância do
estudo das políticas de microcrédito para o público empreendedor, assim como o estudo do
seu impacto e de sua operacionalização.
2.2.Produção agrícola no Brasil
Criar um modelo de desenvolvimento agrícola que propicie formas sustentáveis
de produção e amplie a representação do Brasil no contexto internacional é um dos desafios
postos na agenda para o planejamento econômico do país. Requer desenvolver propostas de
modelos que equilibrem a geração de riqueza com outros objetivos, inclusive a conservação
ambiental. A questão, no entanto, não é tão simples, e apresenta uma complexidade inerente à
multiplicidade de interesses em jogo. Envolve a mudança de padrões sedimentados por
projetos de geração de riqueza no meio agrícola, como os disseminados pelo modelo de
“modernização da agricultura” que é uma referência ao processo mais intensivo de
desenvolvimento capitalista do meio rural ocorrido no Brasil no período pós 1964 (BORGES,
2012). As transformações pertinentes a esse padrão de crescimento econômico no meio rural
foram fortemente impulsionadas pelo Estado brasileiro, mediante uma série de políticas
setoriais e instrumentos específicos (crédito, seguro agrícola, assistência técnica, pesquisa
pública, investimentos em infraestrutura, subsídios ao preço dos combustíveis), que tiveram
como objetivo principal a adequação da estrutura de produção agrícola nacional ao
21
crescimento econômico planejado pelo governo militar. Entre os efeitos sociais do modelo de
modernização agrícola utilizado no Brasil até aproximadamente final a década de 1980,
citam-se: a redução da oferta de empregos agrícolas e o consequente êxodo rural, o aumento
do trabalho temporário, a intensificação da pobreza rural, o aumento da concentração de terras
no país, entre outros (BEDUSCHI FILHO e ABRAMOVAY, 2004).
Na década de 1990, a diminuição do papel do Estado “na regulação da competição
do campo, bem como a reestruturação do setor agropecuário em direção às normas de
mercado” levaram a “uma nova rodada de modernização da estrutura produtiva desse setor,
visando adequá-lo rapidamente ao contexto da reinserção econômica do Brasil no cenário
internacional” (POCHMANN, 2008, p. 149). Como consequência desse processo ocorreu
uma difusão de novos métodos de gestão voltados a parâmetros de competitividade, maior
mecanização e uso de insumos químicos. Os investimentos ocorreram com capital
internacional e se obteve uma intensificação do agronegócio, com aumento de produtividade
em detrimento do emprego no meio rural, fator que abre espaço para o produtor familiar e
remete a discussões sobre a caracterização deste como categoria e a especificidade de sua
condição (BORGES, 2012).
Um dado significativo é a mudança na composição das ocupações, ocorrida no
final da década de 1980 em diante, com o crescimento da “participação de moradores na área
rural que exercem atividades não-agrícolas” (POCHMANN, 2008:154). Essa mudança
sinaliza um perfil que tende a adquirir a produção agrícola mais voltada a mercados
específicos e segmentados e a uma nova percepção do meio rural pela sociedade, cada vez
menos como um espaço estritamente produtivo. Suas funções de preservação ambiental, de
criação de um quadro favorável ao lazer, ao contato com a natureza e com um estilo de vida
diferente do característico das cidades são cada vez mais valorizadas. “Não há qualquer razão
técnica que afaste em tese os agricultores familiares do imenso potencial representado pelos
mercados de qualidade e pelas novas funções - preservação ambiental e lazer - que o meio
rural preenche para a sociedade.” (ABRAMOVAY, 1996:10).
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (2009) divulgou os resultados do
Censo Agropecuário 2006, o primeiro censo a contar com estatísticas oficiais sobre a
agricultura familiar. Este censo permitiu visualizar, entre outras questões, a concentrada
estrutura agrária brasileira, na qual a agricultura familiar representa 84,4% de
estabelecimentos, mas apenas 24,3% da área total. De acordo com o censo, a área média de
estabelecimentos familiares era de 18,37 ha, enquanto a dos não familiares era de 309,18 ha.
O documento divulgado pelo MDA explica também que o número total de pessoas ocupadas
22
pela agricultura familiar, 12,3 milhões de pessoas, é duas vezes maior que o número de
ocupações geradas pela construção civil. Em relação a número de propriedades por região, as
regiões Nordeste, Sul e Sudeste detêm, respectivamente, 50%, 19% e 16% dos
estabelecimentos familiares do país. Já em relação à área, se destacam as regiões Nordeste,
Norte, Sudeste e Sul, com 35%, 21%, 16% e 16%, respectivamente. Segundo o censo, a área
com matas, florestas ou sistemas agroflorestais ocupavam 24% das terras, enquanto as
pastagens ocupavam 45% e as lavouras representavam 22% do total de 80,25 milhões de
hectares. Apesar de pequena área destinada a lavouras, a agricultura familiar responde por 70%
dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, representando 10% do Produto Interno
Bruto do País. O Censo Agropecuário 2006 também revelou que a agricultura familiar é 89%
mais produtiva que a agricultura patronal, destacando a renda de R$667,00 da agricultura
familiar, contra R$358,00 da agricultura patronal. A partir de tais dados, constata-se a grande
representatividade da agricultura familiar para a geração de riqueza e renda no país, assim
como para o abastecimento de alimentos (Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2009).
O agronegócio familiar representa, nesse contexto, um caminho relevante para a
estruturação de práticas sustentáveis no âmbito social, econômico, ambiental e ético.
Considerando-se os desafios enfrentados por esse público, o fator financeiro destaca-se,
principalmente quando se considera a impossibilidade de competição por mercado com o
agronegócio de maior escala e pela resposta adequada a uma produção contínua que atenda as
prerrogativas ambientais. Esse cenário implica, então, na demanda de crédito orientado para o
atendimento das necessidades específicas dos pequenos produtores (MDA, 2009).
No Brasil, no âmbito do microcrédito para a agricultura familiar, as principais
iniciativas estão relacionadas ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar), ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que liga a oferta de crédito ao
acesso ao mercado, e ao Plano Safra. Ambos completaram dez anos em 2013. Segundo o site
da CONAB, as ações do PAA resultaram em um aumento de 130% na renda média das
famílias beneficiadas, que passou de R$1.972,41 para R$4.553,95 de 2003 para 2012. Outros
resultados do Pronaf são revelados também pela Agência Carta Maior (2012): nos últimos dez
anos, o segmento da agricultura familiar cresceu 52%, sendo que cerca de 3,7 milhões de
pessoas ascenderam à classe média. Segundo o Anuário Estatístico do Crédito Rural (2013),
77,86% dos contratos de crédito rural fornecido a produtores e cooperativas é oferecido por
bancos federais. Já as cooperativas de crédito representam 12,34%. Em valores, os dois tipos
de instituição representam 54,15% e 9,85% do total do país, respectivamente.
23
2.3.Pequenas Empresas, Microempreendedorismo e Empreendedorismo Informal
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2013),
Microempreendedor Individual (MEI) é a pessoa que trabalha por conta
própria e que se legaliza como pequeno empresário. Para ser um
microempreendedor individual, é necessário faturar no máximo até R$
60.000,00 por ano e não ter participação em outra empresa como sócio ou
titular. O MEI também pode ter um empregado contratado que receba o
salário mínimo ou o piso da categoria.
No Brasil, o termo se popularizou a partir da Lei Complementar 128 de 2008, que
formalizou a figura jurídica do Microempreendedor individual.
A relação entre os níveis de empreendedorismo de um país e seu desenvolvimento
econômico tem sido objeto frequente de estudos. Muito se discute sobre o impacto do
empreendedorismo sobre indicadores como geração de empregos, aumento da produtividade e
geração de riqueza em uma nação. Estudos mais recentes, contudo, discutem a questão como
um ciclo virtuoso: o empreendedorismo como fomentador do desenvolvimento econômico e o
desenvolvimento econômico como fomentador do empreendedorismo, ao propiciar um
ambiente mais favorável ao mesmo. (CARREE e THURIK, 2005) Dados do Instituto
Empreender Endeavor (2005, prefácio), “[...] as pequenas empresas geram grande parte dos
postos de trabalho no nosso país, mas têm um impacto social pouco duradouro e significativo.
[...] 60% dos novos empreendimentos não passa dos cinco anos de vida.”.
As políticas públicas para o pequeno e o micro empreendedorismo no Brasil são
de uma variedade extensa, mas segundo Sarfati (2013), ocorrem seguindo dois grandes eixos
principais: o primeiro, no âmbito regulatório, e o segundo na instituição da Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), que passou a priorizar pequenas e médias
empresas (PMEs) como alvo de ações de políticas públicas. Ainda segundo o autor, há,
contudo, gaps a serem preenchidos na coordenação das políticas: novas mudanças no
ambiente regulatório, fomento à cultura empreendedora e, finalmente, a coordenação de
políticas de financiamento, hoje ainda praticadas de forma sobreposta pelos mais diversos
órgãos públicos.
Em seu trabalho de pesquisa, Andreassi (2004), que analisou 88 questionários
respondidos por empreendedores tomadores de crédito do Bancri, um banco de crédito
popular intermunicipal de Santa Catarina, concluiu que “o microcrédito recebido teve um
impacto positivo no negócio do empreendedor, dado que 100% dos entrevistados afirmaram
24
ter havido um incremento nas vendas após o recebimento do microcrédito. Grande parte
[96,6%] do crédito recebido é destinada ao financiamento do capital de giro da empresa.”.
Nesta mesma pesquisa, 88,1% declaram que o crédito possibilizou a expansão dos negócios.
Acerca da destinação do crédito, 62,3% afirmaram que o crédito possibilitou o aumento no
estoque de matéria prima e 61,3% a compra de ativos. A contratação de mais trabalhadores foi
mencionada por 43,8% dos empreendedores.
Neri (2008) estudou o caso do Crediamigo, programa do BNB, para entender os
impactos do microcrédito para autônomos e microempresários. Dentre os resultados,
percebeu-se o aumento real de 30,7% no lucro operacional (equivalente à renda do trabalho,
para autônomos). Já o lucro bruto aumentou 35,1%. Além disso, 60,8% dos beneficiários que
se situavam abaixo da linha da pobreza ascenderam, saindo dessa condição. No mesmo estudo,
o autor aborda o potencial do Nordeste para o microcrédito: com mais de 4 milhões de
profissionais autônomos ou microempresários empregadores, a região se destaca por seu
crescimento do acesso ao crédito produtivo: de 3,97% para 6,27%, taxa de crescimento
superior a outras cidades do país.
A oferta de microcrédito à atividade empreendedora e ao empreendedorismo
individual é capaz, portanto, de trazer impactos relevantes para sua produtividade, sua
sustentabilidade a longo prazo e, inclusive, sua capacidade de expansão. Por consequência,
esse estímulo resulta em consequências positivas para o desenvolvimento da economia, por
meio de geração de empregos e renda, aumento da produção interna e redução da
desigualdade. O estudo do microcrédito como estímulo ao micro e pequeno empreendedor e
mesmo ao empreendedor informal vem, nesse sentido, potencializar as oportunidades de
crescimento e revelar novas alternativas de métodos e modelos.
Para a aplicação de políticas públicas, as organizações da sociedade civil e do
terceiro setor podem funcionar como elemento facilitador. Devido à sua grande compreensão
da realidade local, sua maior proximidade de atores locais e, inclusive, ao seu nível de
influência, tais organizações podem se tornar elemento relevante para todas as etapas da
política pública: da formulação à avaliação dos resultados. Quando se fala do microcrédito, e,
especialmente, no âmbito dos bancos comunitários, essas organizações já estruturadas podem
se tornar fundamentais, pela formação do senso de coletivo.
25
3. RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO
Nesta etapa serão apresentados os resultados de pesquisa, seguindo primeiramente
uma linha descritiva acerca da realidade local, do contexto investigado e do processo de
implementação (na experiência francesa) ou do processo de formulação (no caso brasileiro)
da política pública.
Os casos de estudo franceses envolvem a organização de clusters e redes de
pequenos produtores com as mais diversas finalidades produtivas e histórico de programas
integrados para o financiamento da produção agrícola sustentável. Dentro do quadro de crise
econômica atual os encaminhamentos dados a tais questões e o desafio de manter a
continuidade das operações e programas trazem novas contribuições ao quadro. O país
destaca-se também por políticas públicas delegativas, envolvendo intensamente os níveis
locais, inclusive por meio da participação de organizações do terceiro setor ou de
organizações da sociedade civil.
O caso brasileiro, como se verá adiante, envolve a implementação de projetos-
piloto em duas realidades distintas. Por essa razão, a etapa descritiva buscará trazer
observações mais detalhadas dos dois públicos beneficiários. Após essa descrição, será
realizada a análise, apresentando uma comparação entre os dois casos.
3.2.As políticas de microcrédito na França
3.2.1. O contexto estudado
O contexto político francês é constituído, historicamente, por uma forte presença
do Estado, como “protetor” da sociedade, tendo os servidores o importante papel de garantir
que a implementação atenda às necessidades de todos. Apesar de um regime
semipresidencialista, o papel do presidente é fortalecido, sendo esse instituído de um mandato
de cinco anos. No Estado francês, os assuntos de defesa e política externa são tratados pelo
presidente, enquanto o primeiro ministro, nomeado pelo presidente, foca a política interna.
Para compreender o serviço público francês, considera-se dois grupos principais: os
servidores da linha de frente e o alto escalão, sendo este último formando nas Grandes Écoles
e com posterior experiência nos “Grands Córps”, geralmente compondo altos escalões de
ministérios ou conselhos, além de corpos diplomáticos ou de Prefeitos, por exemplo.
26
Politicamente, a França se divide em 26 regiões e 100 departamentos, sendo que
cada um destes possui um conselho eleito e um representante do poder executivo (prefeito).
Há, finalmente, a subdivisão em 329 distritos (arrondissements), com seus subprefeitos
indicados por Paris, em 3879 distritos eleitorais (cantons) e, finalmente, em 36782 comunas
(municípios), cada uma com um conselho eleito e um prefeito. Das regiões, quatro estão
localizadas em outros continentes, como a Guiana Francesa, por exemplo. Cada uma dessas
divisões abrange um nível de responsabilidade, conforme sua extensão territorial. As regiões,
por exemplo, atuam sobre o desenvolvimento econômico e social, enquanto as comunas têm
atuação sobre assuntos mais pontuais de seu território. E é a nível local que se articulam
adaptações das decisões do Estado francês, para uma implementação mais adequada à
realidade.
Finalmente, quando se fala em Estado francês, um dos pontos de maior impacto é
a influência da União Europeia. A investigação de campo da França ocorreu durante o
primeiro semestre de 2012, momento em que a União Europeia enfrentava,
concomitantemente aos efeitos da crise econômica de 2008, o problema dos excedentes
agrícolas (discutindo, inclusive, o sistema de cotas), que resultou em uma queda dos preços
dos produtos. Na ocasião, ocorriam também as eleições presidenciais. E o que se viu foi um
Estado que, ainda em recuperação econômica, tentava atender às principais dificuldades
enfrentadas pela população, como o desemprego e a recente migração para o campo. A
combinação dessas variáveis macroeconômicas foi uma redução do financiamento público,
principalmente no âmbito da produção de produtos primários. O bloco econômico desdobrava
a PAC3
, ou Política Agrícola Comum. Seguindo as diretrizes do bloco econômico, com
reduzida autonomia para tomar decisões sobre o volume de produção, o Estado francês passou
a mudar suas políticas de crédito para o agricultor, incentivando-o a diminuir sua produção e
buscar novas fontes de receita. Tal movimento influenciou a agricultura francesa, alternando
de produtos alimentícios, como vinho, cereais e suínos, para a revitalização do meio rural, por
meio do incentivo à prática de novas atividades econômicas, como o beneficiamento de
commodities, o turismo rural ou mesmo campos mais distantes, como a produção de energia.
3
Política que visava ao aumento do valor agregado e ao desenvolvimento de novas atividades econômicas pelos
agricultores A ideia principal era manter o agricultor na propriedade rural, mas movê-lo para além da produção
de produtos primários.
27
3.2.2. O Modelo da Política Pública Delegativas
Por meio de análise documental, conversas e entrevistas semiestruturadas, o que
se buscou compreender, em primeiro lugar, foi o modelo de implementação das políticas
públicas de microcrédito do Estado francês. A PAC, por exemplo, implicava na oferta de
crédito aos produtores rurais que se dispusessem a direcionar seus esforços para o
beneficiamento de produtos primários, mais do que à simples comercialização de
commodities.
Desde meados da década de 90 o Estado francês vem se baseando em uma
metodologia de Desenvolvimento Local Orientado à Comunidade (DLOC) que, conforme
informativo da própria Comissão Europeia (2013a), tem como objetivos principais: 1)
incentivar as comunidades locais a desenvolver abordagens integradas participativas; 2) gerar
capacidade comunitária e incentivar a inovação; 3) promover a propriedade comunitária; e 4)
apoiar a governança multinível. Este último objetivo é explicado, no mesmo informativo,
como “[abrir] caminho à total participação das comunidades locais no desenvolvimento da
implementação de objetivos da UE em todas as áreas”. Essa descrição vem a introduzir o
modelo apresentado posteriormente como “Política Pública Delegativa” ou “Finanças
Delegativas”, por um dos professores entrevistados, do Instituto de Estudos Políticos de Paris
(Science Po Paris).
A Comissão Europeia se reúne com os representantes de seus países membros, e
as negociações entre cada governo e a Comissão resultam no desdobramento da estratégia
europeia em programas públicos nacionais, coesos com a estratégia do bloco e capazes de
atingir os objetivos do mesmo. A essência da política pública delegativa está no
desdobramento das reponsabilidades e da tomada de decisão em diversas instâncias, do
Estado às comunas. O Estado francês, ao adotar uma estratégia macro ou implementar um
programa, o desdobra para suas regiões, que, por sua vez, indicam os departamentos em que o
DLOC será aplicado. Finalmente, são indicadas as comunas e os programas que serão
beneficiados. E é a nível local que se definem os critérios de seleção para beneficiários e as
estratégias de implementação do programa. Uma estratégia de desenvolvimento que parte da
instância maior de governo alcança a qualidade, então, de estratégia de desenvolvimento local.
Na prática, é como se a instância maior de governo inferisse apenas sobre as diretrizes gerais,
permitindo uma certa ‘margem de manobra’ para abordagens locais. Para os fundos
estruturais, por exemplo, cada Prefeito Regional age como Autoridade Administrativa dos
programas. A exceção é para a região de Alsace, onde o Conselho Regional atua como
28
Autoridade Administrativa (COMISSÃO EUROPEIA, 2007). Assim, cada instância para a
qual o programa é desdobrado possui capacidade de inferir sobre as melhores condições de
implementação, o melhor público beneficiário e, em alguns casos, até os perfis de atividades
mais adequados à região ou à categoria.
Nas áreas em que os Estados-Membros indiquem que o DLOC pode ser
utilizado, tanto estes como as Autoridades Locais terão de se envolver em
atividades de desenvolvimento de capacidades para garantir que as
comunidades locais, em especial as que se encontram em áreas vulneráveis
com capacidade limitada, gozem de total participação. Isto pode ser
alcançado através da criação de grupos de ação local e da formulação de
estratégias viáveis. Numa fase inicial, os potenciais grupos de ação local
terão de encetar diálogo com as Autoridades de Gestão competentes para
garantir que as suas necessidades e preocupações são conhecidas e que
podem ser contempladas na concessão dos programas. (COMISSÃO
EUROPEIA, 2013)
Segundo esse modelo, os Estados-Membros e a União Europeia dividem sua
responsabilidade, sendo a Comissão Europeia responsável pela definição das diretrizes dos
programas e das linhas de avaliação, além do controle da execução orçamentária. Os Estados-
Membros e suas instâncias inferiores se tornam responsáveis pelas parcerias locais e regionais,
além da seleção dos projetos apoiados. Um dos fundos envolvidos no programa de 2007 a
2013 foi o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (no inglês, ERDF), que atendeu, ao
todo, 31 programas operacionais. No período, três instrumentos foram criados para estreitar as
relações dos Estados-Membros com instituições financeiras como o Banco Europeu de
Investimento: Assistência Conjunta para o Apoio a Projetos nas Regiões Europeias, Recursos
Europeus Conjuntos para Micro e Médias Empresas e Apoio Europeu Conjunto para
Investimentos Sustentáveis em Áreas Urbanas (do inglês, denominados de JASPERS,
JEREMIE e JESSICA, respectivamente). A promoção do empreendedorismo recebeu cerca de
10% dos recursos da Comunidade Europeia (aproximadamente 1,4 bilhões de Euros), e três
regiões francesas incluíram o JEREMIE4
em seus programas. Conforme comunicação da
Comissão Europeia (2007), o país desenvolveu, na época, quatro programas multi-regionais,
na intenção de explorar a possiblidade de definir estratégias e prioridades relacionadas ao
território, ultrapassando fronteiras político-administrativas e de elaborar propostas para
questões referentes ao território, como bacias hidrográficas, por exemplo. Ainda em 2007, a
4
Através do JEREMIE, os Estados-Membros da União Européia podem utilizar (na instância nacional ou
regional), parte dos recursos dos fundos estruturais da Comissão Européia para financiar PMEs. Por ser flexível,
o programa prevê o uso de diferentes maneiras, que vão além do simples subsídio, como garantias, microcrédito,
seguro de crédito e fundos de transferência de tecnologia. O funcionamento de fundo permite que, com as
amortizações, o capital seja re-investido.
29
Comissão Europeia apresentou o Grupamento Europeu de Cooperação Territorial, que
forneceu a base jurídica para as cooperações territoriais, por meio de convenções entre
autoridades das diversas instâncias e territórios, sendo um incentivo ao surgimento de redes,
estabelecimento de cooperações e, inclusive, parcerias entre o poder público e organizações
do segundo e terceiro setor.
Na apresentação dos Resultados das Negociações para a Política de Coesão 2007-
2013, a Comissão Europeia (2007, tradução própria) argumenta:
Os Prefeitos Regionais também organizaram a parceria regional para
preparação dos programas 2007-13. As autoridades públicas, atores
socioeconômicos e representantes de associações relevantes e organizações
financeiras foram convidados a participar. Uma melhoria comparada aos
períodos anteriores de formulação de programas foi a ênfase dada à
importância de associar empresas e seus representantes na preparação dos
tópicos relacionados diretamente a eles, como Inovação, Pesquisa,
Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC), apoio a PMEs, etc.
Algumas regiões organizaram grupos de trabalho bem sucedidos,
envolvendo uma ampla seleção de parceiros do setor público e privado no
desenvolvimento das prioridades do programa.5
Durante o cascateamento das políticas públicas a nível local, nas comunas, além
de projetos específicos, outros atores podem pertencer ao grupo de beneficiários dos fundos
europeus. Tais atores são as organizações da sociedade civil e as organizações do terceiro
setor. Surgem então as cooperativas de crédito e as organizações coletivas. Um exemplo
estudado foi o cluster da região de Rhones Alpes, por meio de entrevista com Nicolas
Bertrand, Diretor de Desenvolvimento e Ações Internacionais. O cluster atua no apoio a micro
e pequenos empreendimentos de beneficiamento de produtos primários, produções orgânicas,
energia, tecnologia e outros mercados relacionados à sustentabilidade. A organização coletiva
recebe o financiamento dos fundos europeus, caracterizando o apoio financeiro regional, e
então se organiza para orientar mais de 180 MPEs participantes, analisando tendências de
consumo e gaps da oferta e organizando feiras e eventos para a promoção de seus membros.
Seu foco é a capacitação e o acesso à comercialização (inclusive para exportação), e no
âmbito da agricultura atendem àqueles que desejam deixar de ser simples produtores.
Segundo Bertrand, são mais de 2600 agricultores, que iniciam seus próprios empreendimentos,
5
“The Regional Prefects also organized the regional partnership for preparation of the 2007-13 programmes.
The public authorities, socio-economic actors, and representatives of relevant associations
and financing organisations were invited to participate. An improvement compared to the previous programming
period was the emphasis given to the importance of associating enterprises and their representatives in preparing
topics that relate to them directly (innovation, research, ICT, SME support, etc). Some regions organized
successful thematic working groups, involving a wide selection of public and private partners to develop
programme priorities” (COMISSÃO EUROPEIA, 2007).
30
abrangendo diferentes modelos de negócio, como linhas de cosméticos orgânicos. Até 2012, o
cluster havia recebido mais de 900 mil Euros de auxílio financeiro das regiões, diretamente
repassados às empresas participantes.
3.2.3. A percepção e o impacto do Modelo Delegativo pelos Atores Entrevistados
O modelo delegativo sugere, então, uma releitura ao modelo tradicional de
implementação de políticas públicas: as organizações coletivas se tornam, a nível local,
cogestoras da política ou do programa, ganhando importância política ao adquirir o direito à
tomada de decisão sobre a implementação da política no nível local. Ao delegar a tomada de
decisão sobre o financiamento, o Governo Francês flexibiliza as ações, aumentando a
visibilidade de atores menores, como agricultores familiares, micro empresários e PMEs. Para
aqueles que atuam coletivamente, por meio de organizações do terceiro setor ou sociedade
civil organizada, o espaço se torna ainda maior, com representativo ganho em autonomia de
tais organizações.
O que se percebeu nas falas dos entrevistados, também, foi o ganho em
capilaridade e escala, uma vez que, a nível local, as organizações são capazes de atingir
públicos mais remotos ou com pouca representatividade nacional, mas grande
representatividade local. Além disso, a percepção dos entrevistados é de que as organizações
agregam, à implementação, maior conhecimento da realidade local, permitindo uma
adequação da mesma, e um direcionamento capaz de atender melhor às necessidades de seu
público e do mercado local, quando aplicável.
Segundo publicação da Comissão Europeia (2009), um exemplo de projetos
beneficiados por tais políticas regionais é o Energivie, que visa à introdução e promoção do
uso de energias sustentáveis em setores como turismo e agricultura, além de projetos em
temáticas como inovação, apoio a empresas, meio ambiente, desenvolvimento urbano e rural,
turismo e cultura e energia. Ao todo, foram apoiados 140 mil projetos franceses, sendo
destinados 4,2 bilhões de Euros a Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação e 1,4 bilhões de
euros para a promoção do empreendedorismo e de pequenas e médias empresas. Dentre os
resultados mensurados no documento, estão a criação de 200 mil empregos e o aumento
médio de 1,5% no PIB per capita de algumas regiões, entre os anos de 2000 e 2006.
Apesar da percepção positiva e dos resultados demonstrados pelo DLOC, foi
possível notar também, nas falas e entrevistas, práticas de microfinanças e políticas
concorrentes aos programas públicos, o que pode indicar a existência de gaps na oferta
31
pública de microcrédito, em suas diretrizes ou em seu modelo de implementação. O primeiro
exemplo vem do próprio cluster de Rhones Alpes, mencionado anteriormente. Durante a
entrevista, além de encontros e orientações voltadas para o recebimento do crédito público,
foram mencionadas parcerias com bancos privados, direcionadas à oferta de linhas de
financiamento a taxas mais baratas. Além disso, durante as conversas com participantes e
palestrantes da Sustainable Business Conference 2012, realizada na penúltima semana de
Março de 2012, surgiu também o conceito de investimentos de alto impacto e finanças
solidárias. O modelo de finanças solidárias promove investimentos em empresas ou projeto
cujo negócio (ou finalidade) beneficie, diretamente, a sociedade, prezando pelo
desenvolvimento sustentável. Foi possível entrevistar, durante a permanência na França,
Thomas Brebion, responsável pela Missão de Financiamento Solidário no Finansol. Na época
o modelo, ainda incipiente no Brasil, já começava a ganhar espaço na França, e, segundo
Brebion, a crise econômica era um estímulo para seu crescimento, utilizando-se do argumento
de que, em um momento em que a maioria dos investimentos é de retorno incerto, as finanças
solidárias garantem, além do retorno financeiro, o retorno em capital social para comunidades
necessitadas. Por fim, um último conceito de financiamento concorrente ao financiamento
público, discutido tanto por Bertrand como por participantes da Sustainable Business
Conference 2012, foram os fundos de Venture Capital (em francês, Societé de Capital Risque).
Bertrand chegou a mencionar, como exemplo, a Garrigue, organização de Venture Capital
que apoia a criação ou o desenvolvimento de empresas que tenham como preocupações
principais o desenvolvimento social ou do meio ambiente. A Garrigue é também um dos
membros-fundadores do Finansol.
3.3.As políticas de microcrédito no Brasil
3.3.1. O Contexto estudado
A experiência brasileira aqui abordada aconteceu na região do município de
Timon, no estado do Maranhão. Localizado a aproximadamente 430 quilômetros da capital, o
município é o quarto maior de seu estado em Produto Interno Bruto (PIB), e o mais populoso,
com 155.460 habitantes em uma área de 1.743 km², conforme o Censo 2010 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O censo ainda traz informações sobre a
economia do município, essencialmente fundamentada no setor de serviços, responsável por
aproximadamente 80% de seu PIB. O crescimento do comércio, contudo, também é
32
considerável. Em artigo à revista Informe Econômico, Rocha Filho (2010) destaca o
crescimento do setor em mais de 47% durante o período de 2003 a 2008. No mesmo artigo, o
autor responsabiliza os programas sociais do governo por tais resultados. Em 2008, quase 16
milhões de reais foram inseridos no município pelos programas de transferência de renda do
governo federal. Como o dinheiro destes programas deve, obrigatoriamente, ser gasto em
alimentação, remédios, material escolar e vestuário, o comércio da cidade se vê estimulado. O
crescimento do comércio e as perspectivas de que o mesmo se perpetue são indicadores
positivos, mas deixam de mostrar pontos relevantes da economia local. Ainda segundo o
Rocha Filho (2010), somados aos benefícios do INSS em 2008, o valor inserido no município
alcança 79 milhões de reais, valor próximo às despesas de pessoal da prefeitura, estimada em
R$78 milhões em 2008. O peso do setor produtivo para a massa salarial do município,
portanto, não alcança 6% (cerca de R$ 8 milhões).
As informações econômicas trazem também outra perspectiva: em 2008, havia
cerca 26 mil famílias em situação de miséria ou extrema pobreza no município, cerca de 70%
do total de famílias). Na época, 24 mil famílias eram cadastradas no Cadastro Único para
Programas Sociais, e 19 mil eram beneficiárias do Bolsa Família. Cerca de 76 mil pessoas,
“um número assustador, considerando que [a população total de Timon é de pouco mais de
150 mil habitantes] [...] – uma massa de cidadãos e cidadãs sem emprego e que sobrevivem da
ajuda do governo” (ROCHA FILHO, 2010). Dois anos depois, em 2010, o município
apresentava um IDH6
de 0,649 e um índice de Gini7
de 0,42, com cerca de 40 mil habitantes
matriculados em algum nível de ensino, e aproximadamente 48% da sua população na faixa
de 0 a 24 anos de idade. O Censo 2010 revelou, também, que o município possuía 60% de
incidência de pobreza.
A atenção para a necessidade de geração de emprego e renda em Timon é
influenciada, também, por um aspecto geográfico do município: Timon se localiza a apenas 3
quilômetros da capital do estado vizinho, o Piauí. Com um nível de desenvolvimento
econômico superior e sendo considerada o pólo de saúde da região, Teresina tem impacto
fundamental sobre as finanças e a economia de Timon. Separados apenas pelas margens do
Rio Poty (cruzados de “barca”, por apenas R$1,00, ou pela ponte, a pé, de carro, motocicleta,
bicicleta ou ônibus), os fluxos entre municípios vão das mercadorias ao capital humano e
6
IDH: Indíce de Desenvolvimento Humano, medida comparativa composta por dados como expectativa de vida
ao nascer, educação e PIB per capita. No índice, 1 representa o completo desenvolvimento humano e 0
representa o completo não-desenvolvimento humano.
7
Índice (ou Coeficiente) de Gini é uma medida de desigualdade, em que 0 representa a completa igualdade de
renda, e 1 representa a completa desigualdade de renda. O cálculo utiliza a proporção acumulada da renda e a
proporção acumulada da população.
33
recursos financeiros. No âmbito do capital humano, foi possível perceber que parte da força
de trabalho de Timon (inclusive no setor público) é residente em Teresina, assim como grande
parte dos moradores de Timon desloca-se até Teresina para trabalhar, principalmente nos
setores de construção civil, limpeza e segurança privada.
O impacto maior, porém, encontra-se no fluxo de recursos financeiros. Durante as
entrevistas, foi possível notar que é comum o hábito de realizar compras em Teresina, mesmo
para aqueles que trabalham ou residem em Timon. Dentre as potenciais causas, destacam-se:
1) O comércio em Timon, em geral, é caracterizado por pequenos
estabelecimentos com baixo giro de estoque, que compram em Teresina e
revendem em Timon. Isso faz com que os produtos cheguem com preços
mais altos aos Timonenses; 2) Muitos habitantes de Timon trabalham em
Teresina, e aproveitam a ida diária para realizar compras para a família e; 3)
Muitos serviços ainda não existem em Timon (como a contratação do
CrediAmigo [e do AgroAmigo], um dos produtos do Banco do Nordeste do
Brasil [um dos programas de crédito mais populares da região]) ou tem
maior qualidade em Teresina. [...] Durante a visita à CEASA (Central de
Abastecimento de Alimentos) de Timon, alguns dos comerciantes revelaram
que até mesmo os itens comercializados ali são comprados na CEASA de
Teresina. O comércio local de Timon, segundo relatos de alguns dos
comerciantes, é estimulado principalmente por aqueles que vêm da zona
rural e essencialmente realizam suas compras em Timon. (MAIA e
MOLINAR, 2013).
Tal aspecto é ressaltado, principalmente, nos discursos dos gestores públicos do
município. O atual prefeito tem 33 anos e uma história política precoce, tendo sido eleito aos
22 anos o deputado federal mais jovem do país, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Durante os dois encontros com o prefeito, foi possível perceber um forte esforço de
reestruturação do modus operandi da administração pública. Atual presidente do Partido
Socialista Brasileiro (PSB) no estado, o prefeito afirma buscar um governo inovador e capaz
de gerar soluções mais eficazes e eficientes, demonstrando um desejo de que seu governo se
torne caso de sucesso para políticas públicas. Em seu governo, ele nomeou secretários
municipais e gestores públicos com títulos de mestres ou doutores, sendo alguns deles
profissionais do setor privado ou do meio acadêmico, que nunca antes atuaram no setor
público. As visitas a algumas das secretárias, como Planejamento, Tecnologia,
Desenvolvimento e Finanças, revelou que, já entre os cargos técnicos, há uma maior
experiência de atuação no setor. Em campo, foi possível verificar também que o município
possui muitos cargos comissionados ou terceirizados, resultado de um extenso período sem a
realização de concursos públicos.
34
Para compreender melhor o contexto dos dois projetos pilotos da política pública,
é necessário compreender mais profundamente as características de dois locais de Timon: a
região do Parque Alvorada e as comunidades da zona rural.
3.3.1.1.O Parque Alvorada
O Parque Alvorada se localiza a cerca de 15 minutos (de carro ou moto) do centro
da cidade. Mas, por estar próximo a uma das pontes sobre o Rio Poty, o tempo de
deslocamento até Teresina, também de carro ou moto, é de apenas 5 minutos. Durante a
investigação de campo foi possível notar a existência de duas vias principais, sendo que uma
delas concentra a maior parte do comércio da região, abrigando também uma feira local. Nas
proximidades das vias principais, percebe-se vias asfaltadas, casas de alvenaria e uma grande
concentração de estabelecimentos comerciais, principalmente de vestuário. Na região como
um todo, contudo, é possível encontrar outra realidade: ao visitar as casas de cinco famílias de
alunos de uma das escolas do bairro, a Escola Mãos Dadas, a realidade encontrada foi de
casas de pau-a-pique, algumas vezes com um único cômodo para toda a família e até mesmo
com redes ao invés de camas. Em três das cinco famílias, havia um único celular (pré-pago)
na casa. No bairro, o principal meio de transporte é a bicicleta, e muitas pessoas pedalam
diariamente até Teresina, onde trabalham.
Um ponto crucial para o desenvolvimento da região do Parque Alvorada é a
Escola Mãos Dadas, mencionada anteriormente. Localizada nas vias principais do bairro, a
escola é reconhecida como a melhor da região e uma das melhores da cidade. O idealizador
do projeto é um Padre português, que vive no Brasil há cerca de quarenta anos, a maioria
deles no Maranhão. Além da oferta de roupas e materiais escolares aos alunos mais
necessitados, a escola se diferencia pelo acompanhamento da realidade familiar de cada aluno
(em campo, foi possível notar que os funcionários conheciam de perto a história e a estrutura
familiar dos alunos) e pelo corpo docente, qualificado e dedicado às suas atividades. Além
disso, a escola oferece uma infraestrutura que foge do estereotipo de escolas públicas: além
das salas de aula, há um auditório onde ocorrem apresentações de balé e capoeira dos alunos,
campo de futebol, horta e padaria. Em conversa com o fundador da escola, este afirmou que
sua chegada em Timon foi seguida de um grande esforço para quebrar a cultura do
“coronelismo” e da subordinação existente na região. Segundo ele explicou, a quebra dessa
cultura aumentou, em certa medida, a violência na região, pois se antes havia um grande
individualismo e competição por oportunidades, era o coronelismo que ditava as regras para
35
essa competitividade, evitando que chegasse a extremos violentos. Quando se quebrou o
coronelismo, só restou então a competitividade e o individualismo. Por essa razão, com a
intenção de despertar o senso de coletivo, a escola exige dos pais o envolvimento na vida
escolar do aluno, a presença em reuniões de pais (que são precedidas por apresentações e
discussões, no auditório, de temas relevantes para a comunidade) e o engajamento cívico,
determinando um número mínimo de horas de trabalho para a comunidade.
A escola é um projeto da Associação Daniel Comboni, também idealizada pelo
padre português, seu atual presidente. A associação tinha o objetivo de discutir assuntos
relevantes para a comunidade, reunindo os moradores interessados em contribuir com tais
questões. Durante as entrevistas, os discursos de moradores e professores da escola frisaram a
grande importância da Associação para o desenvolvimento do bairro. Segundo os relatos, a
região antes tinha uma imagem associada à violência, incluindo crimes hediondos, como
extermínio, e somente após o projeto ganhou visibilidade, recebendo recursos e melhorias em
infraestrutura. Até o asfaltamento das vias principais são atribuídos aos resultados do projeto.
Vale ressaltar que, além do apoio do poder público, o projeto recebeu auxílio financeiro de
filantropos (o Padre desenvolveu relações principalmente na Europa). Os relatos de
professores indicaram, também, que por consequência da crise econômica estes recursos têm
diminuído.
3.3.1.2.As Comunidades Rurais
O município de Timon possui, em seus arredores, cerca de 300 comunidades
rurais, com aproximadamente 15 famílias por comunidade. As realidades das comunidades
são bem parecidas entre si, havendo apenas 3 casos de maior diferencial, por seu
desenvolvimento econômico. Durante as visitas ao Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Timon (STTRT), foi possível entrevistar presidentes e representantes
de associações de moradores de algumas destas comunidades. Na maioria, os relatos trazem
uma cultura de produção individualizada (cada família produz em seu próprio quintal) e
problemas comuns, como irrigação, falta de capacitação, falta de orientação sobre culturas
adequadas, acesso a crédito e perda da safra por questões climáticas e de infraestrutura. Para a
maioria das comunidades, os únicos meios de transporte existentes são o ônibus e a bicicleta.
Em alguma delas, tomar o ônibus para vir a Timon significa realizar um trajeto de quatro
horas por trecho. Quando questionados sobre meios de comunicação, os agricultores
revelaram que possuem de 1 a 2 celulares pré-pagos por família e que utilizam o celular
36
somente para chamadas, pois têm medo de enviar SMS por não compreender o modelo de
cobrança das mesmas. Disseram também que utilizam o serviço principalmente quando vêm a
Timon, pois em muitas comunidades há problemas de infraestrutura, não havendo sinal, ou
este sendo restrito a áreas mais altas. Em relação à organização coletiva, os relatos também
foram semelhantes, mencionando dificuldades para desenvolver projetos coletivos e, até
mesmo, para conseguir quórum para reuniões de rotina. Dentre os motivos apontados estão o
desinteresse espontâneo (e a mentalidade de progresso individual, sem necessidade de
associação a semelhantes) e a descrença em soluções coletivas, devido a um histórico de
promessas do poder público não cumpridas e de projetos descontinuados ou mal sucedidos.
Dentre as comunidades, São João dos Marrocos e Bambu têm perfis muito
distintos. A primeira é considerada por servidores públicos e outros líderes comunitários
como um caso de sucesso entre as comunidades, tida como a mais desenvolvida da região,
enquanto a segunda é o retrato da realidade mais comum, de pobreza e abandono. De fato,
São João dos Marrocos apresenta características impressionantes: os jovens trabalham em
uma cerâmica que foi construída há cerca de 20 anos por “Seu Mundico”, o líder da
comunidade. Os mais velhos trabalham no campo: os homens pescam (há um tanque de
peixes na comunidade) e são responsáveis pela produção de quiabo, e as mulheres cuidam de
uma horta. Toda a produção é feita em área coletiva (em uma terra arrendada), e os custos,
como eletricidade, são divididos entre todos, e cada morador cede uma parte da produção para
a associação. As casas da comunidade são de alvenaria, com construções complexas, de mais
de 2 cômodos. Muitos dos residentes são jovens (que deixam de procurar emprego na cidade,
uma vez que podem trabalhar na cerâmica). Ao conversar com Seu Mundico e os habitantes
locais, percebe-se uma forte influência do líder na construção do senso do coletivo. Firme, o
discurso dele sobre a participação da comunidade parece nem presumir a abstenção de
membros. Uma das senhoras da comunidade explicou: “Pode não ir na presença, mas tem que
ir no dinheiro.” (sic). E, ao serem questionados sobre as razões para o desenvolvimento, os
habitantes afirmam com frases como “É a união”. Um dos habitantes (que mora somente com
sua esposa) afirmou possuir uma renda familiar de 700 a 1500 reais, conforme produção.
A primeira diferença para a comunidade do Bambu se encontra no modelo de
produção: cada família planta sua cultura em seu próprio quintal (terreno geralmente inferior a
um hectare), e não coletivamente. A cultura na maioria das casas é o feijão, com espaço para a
mandioca em algumas delas, que possuem também o moedor para a produção de farinha. O
presidente da associação da comunidade queixou-se sobre as dificuldades em unir os
habitantes em um projeto ou ação coletiva. As casas são de pau-a-pique, sendo que a maioria
37
possui apenas um cômodo. De carro, o tempo de deslocamento até o centro de Timon é de 30
minutos, mas somente um dos moradores possui veículo próprio. Para o restante, o trajeto até
a cidade é feito de ônibus ou bicicleta. Na comunidade havia também um comércio local, com
itens de necessidade básica. Em entrevista, o comerciante afirmou que comprava as
mercadorias no supermercado do Parque Alvorada. Alguns outros moradores também
informaram que fazem compras mensais no bairro, pois possuem familiares morando ali.
3.3.1.3.A Relação com o Crédito e com o Sistema Financeiro
Durante a pesquisa de campo, foi possível entrevistar comerciantes e agricultores
sobre sua relação com o crédito, na intenção de compreender questões culturais e potenciais
oportunidades ou barreiras já existentes na região. Na região central do município há agências
de grandes bancos nacionais, como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Itaú,
além de uma agência do Banco do Nordeste do Brasil, um ponto de atendimento do
CrediAmigo e uma grande concentração de estabelecimentos de oferta de crédito (anunciando,
em alguns casos, a disponibilização de crédito para negativados e, inclusive, para o
pagamento de outras dívidas). Tudo isso em meio a um intenso comércio (especialmente de
vestuário), que inclui lojas como Armazém Paraíba e Comercial Carvalho, duas das maiores
redes de varejo e supermercado do Brasil, com forte atuação na região nordeste do país. Na
cidade, ainda foi possível encontrar pessoas sem inserção no sistema financeiro, mas a grande
maioria dos entrevistados possui ao menos conta poupança. A maioria destes, para
recebimento de aposentadoria ou outros benefícios governamentais, como programas de
transferência de renda. Os bancos mais citados foram Caixa Econômica Federal e Banco do
Brasil, além do BNB.
Durante as entrevistas com comerciantes dessa região, foi possível encontrar
muitos tomadores de microcrédito. Entre os ambulantes foi possível identificar um evento
frequente: o comerciante possui o capital de giro para seu negócio, mas toma o crédito para
utilizar como tal e gastam o capital próprio com consumo. Na prática, o valor do capital de
giro se mantém, e gera-se a situação de dependência da constante renovação do crédito, sem
que ocorra impacto efetivo no negócio ou na renda do tomador. Nestes casos, a adesão ao
crédito geralmente ocorre por incentivo de pessoas próximas ou por excesso de ofertas de
crédito recebidas. Uma das comerciantes chegou a comentar “É pior que crack isso aí” (sic).
Os depoimentos revelaram também que é comum a tomada de um segundo empréstimo
38
(inclusive com agiotas) para o pagamento do primeiro, evitando o pagamento de juros por
atraso, mas aumentando o custo do capital.
Mas há, ainda, casos de sucesso. Um dos entrevistados é dono de uma loja de
bicicletas e acessórios, e deixou de tomar crédito há cerca de dois anos. Ele revelou que, no
início do seu negócio, possuía apenas cinco bicicletas, e que o crédito forneceu capital de giro
para que ele comprasse mais produtos e aumentasse sua oferta. Durante a nossa visita, havia
cerca de 20 bicicletas novas e seminovas no local, além de outros produtos. O comerciante
disse que prestou serviço militar, e que por essa razão aprendeu a se disciplinar com tudo,
inclusive com as finanças de seu estabelecimento. O empreendedor disse que, no início,
tomava crédito em uma modalidade coletiva, em grupos de pelo menos 4 pessoas, mas que em
seu grupo alguns não pagavam, e como todos eram responsabilizados pela divida, decidiu
passar a utilizar o crédito individual logo que conseguiu autonomia para isso: “Eu quis o
crédito com um objetivo, e só usei pra isso. Mas tem gente que pega (sic) o crédito e gasta,
não se planeja. Aí na frente [se referindo ao outro lado da rua, onde havia uma concentração
de comerciantes ambulantes] deve ter alguns assim”. A narrativa do comerciante reforçou um
dos apontamentos ouvidos de membros da Associação Daniel Comboni, “tem gente que pega
crédito junto e depois fica endividado por culpa dos outros” (sic).
Já no caso rural, durante as conversas no STTRT e na comunidade do Bambu,
alguns moradores chegaram a relatar o uso do crédito público pelo PRONAF, especialmente
por meio do AgroAmigo. Mas para grande parte, especialmente entre os mais velhos, a
palavra “crédito” foi recebida com perceptível surpresa e receio. Quando perguntados sobre a
razão, a justificativa é sempre a mesma: medo de endividamento. Outro discurso dos
moradores do campo era referente à oferta e ao acesso ao crédito. Segundo eles, há pouca
oferta e, quando esta é existente, os requisitos são muitos, dificultando o acesso. Segundo
técnicos da Secretaria da Agricultura, porém, o principal requisito para acesso ao crédito é a
DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), que é um documento exigido pelo Governo Federal,
e muitos agricultores têm conseguido acesso ao mesmo. Ainda segundo a visão dos técnicos,
o que falta é o interesse em produzir, a dedicação e o emprego correto do auxílio recebido.
Chegaram a relatar alguns casos, como o de uma comunidade que recebeu da secretaria kits
de irrigação, e ao invés de instala-los, revendeu. Contaram também de uma comunidade que
recebeu subsídios para a compra de equipamentos e insumos para a produção de Caju, e
aproveitavam somente o suco para a cajuína, descartando outras partes como a castanha, que
poderiam ser beneficiadas e ser revendidas com ainda maior valor agregado. Segundo os
técnicos, neste mesmo caso houve também desinteresse na continuidade do negócio: uma vez
39
que a produção acabou, não houve parte da receita reinvestida para a compra de mais insumos,
e esta foi gasta com fins não produtivos.
Mas também no campo é possível encontrar casos de sucesso, como o da
comunidade de São João dos Marrocos, já mencionado anteriormente. No caso, iniciado há
cerca de 20 anos, Seu Mundico uniu cerca de 10 moradores para a tomada de um valor maior
de crédito. Ao invés de cada um tomar os quase 2 mil reais e investir individualmente, o líder
comunitário investiu os 20 mil reais para preparar a terra e organizar a produção, que é feita
coletivamente, além da construção da cerâmica. A partir daí, os agricultores continuaram
renovando o crédito, mas para a expansão da produção e da cerâmica.
3.3.2. O Projeto de Política Pública
O projeto de Política Pública estudado era uma proposta da Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SEDETUR). Confirmando as características do
governo, a SEDETUR tem, entre seu pessoal, técnicos muito jovens, mas já com experiência
prévia no setor público. Já entre os altos gestores é possível encontrar mestres, como o então
secretário, com ainda pouca experiência profissional relacionada ao setor público. A gestora
responsável pela política é a Diretora de Acesso ao Crédito e Comercialização. Com
experiência no setor privado, mas sem atuação prévia no setor público, ela foi convidada a
participar do corpo da SEDETUR pelo secretário nomeado.
Como gestora pública do município de Timon, um dos primeiros desafios
apresentados à gestora foi a ideia do Banco Comunitário. Natural de Timon, o secretário já
conhecia a questão da mobilidade de recursos financeiros entre o município e Teresina, e
encarava isso como uma das discussões prioritárias do governo, tendo imaginado o Banco
Comunitário como um potencial mitigador do problema. A proposta do secretário considera o
Banco Comunitário como um potencializador do desenvolvimento econômico regional, e
acredita que, uma vez que este esteja estabelecido como agente de microcrédito local, será
possível inserir na economia uma moeda social. Moeda social é uma moeda com circulação e
poder de compra restritos a uma localidade específica. Em grande parte dos casos ela é criada
como modo de incentivar que a renda de uma determinada comunidade se mantenha
circulando dentro da mesma. Ao assumir a diretoria, a gestora se tornou responsável, portanto,
pelo desenvolvimento do projeto do Banco Comunitário e da moeda social. No caso estudado,
há ainda uma característica particular do projeto, que o diferencia de outros projetos com o
mesmo objetivo: a moeda social seria eletrônica. Para o secretário, essa restrição se deve ao
40
alto custo do papel moeda (segundo ele, de R$0,05 a R$0,10 por nota) e aos riscos de
danificação do papel, que podem comprometer a relação lastro/circulação. Legalmente, a
proposta tem seu embasamento na Medida Provisória 615/20138
, que dá autonomia ao Banco
Central para regulamentar os “arranjos de pagamento”, abrindo espaço para meios de
pagamento eletrônicos.
A partir das diretrizes dadas pelo secretário, a diretora de comercialização e
acesso ao crédito passou a se aprofundar no desenvolvimento do projeto. A intenção,
conforme verificado pelas entrevistas em campo, seria o desenvolvimento de dois bancos
comunitários piloto: um em um bairro da zona urbana, o Parque Alvorada, e outro para a zona
rural (sem comunidade ou área definidos até então). O Banco comunitário, além de agente de
microcrédito, teria uma função a mais: a orientação do uso do crédito, que abrangeria,
inclusive, a capacitação em gestão para os empreendedores e agricultores beneficiados. A
moeda social eletrônica circularia por meio de celulares e smartphones, mas ainda não havia
consenso sobre o formato definitivo dessa circulação: se por meio de SMS9
, aplicativo mobile
ou se pela utilização de créditos de celular pré-pago como moeda, seguindo o modelo
queniano da Safaricom10
, que se tornou caso de sucesso em microcrédito e mobile payment.
Outra característica até então sem definição se refere à qualidade do crédito: se este seria
oferecido somente para fins produtivos ou se abrangeria também fins não produtivos.
Segundo a gestora, a expectativa é de que o modelo entrasse em funcionamento
em um prazo de um ano, e que em mais um ano estivesse funcionando perfeitamente para a
tomada de crédito. Os recursos para seu funcionamento (inclusive para o lastro) seriam
provenientes de órgãos internacionais e federais, e a operação seria realizada pela comunidade
local e pela SEDETUR, prevendo um gradual desligamento da secretaria e aumento da
autonomia à comunidade.
8
Câmara dos Deputados. Projetos de Lei e outras Proposições.
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=577468> Acesso em 25 de
Setembro 2013
9
Short Message Service, ou Serviço de Mensagens Curtas, padrão de comunicação de texto entre celulares.
10
Após perceber o comportamento de consumo dos usuários de celulares pré-pago Safaricom, empresa de
telefonia celular queniana, lançou a primeira conta de celulares, a M-PESA, que aumentou o acesso da
população a serviços financeiros formais. (FSD KENYA, 2011) Disponível em:
<http://www.fsdkenya.org/finaccess/documents/11-06-27_finaccess_09_results_analysis.pdf>. Acesso em 16 de
Novembro de 2013.
41
3.3.3. A Percepção e o Impacto da Formulação da Política de Microcrédito em Timon
A formulação da política pública iniciou-se, como explicado anteriormente, pelo
trabalho do secretário, sendo assumida pela gestora logo no início do mandato. Segundo os
relatos da gestora, os primeiros meses tinham sido utilizados para pesquisa e aquisição de
contatos, por meio de presença em eventos e cursos, por exemplo. Além disso, ela trabalhou
no desenvolvimento da formulação do projeto e seu planejamento estratégico, interagindo
também em outras ações da SEDETUR. Durante esta etapa, a gestora fez contato com
organizações dos diversos setores, como universidades, centros de pesquisa, órgãos federais
para o desenvolvimento econômico e organizações internacionais de financiamento de
projetos para o desenvolvimento econômico. Em Julho, foi possível acompanhar a segunda
etapa do processo: a visita da gestora às organizações da sociedade civil para a apresentação
do projeto. A primeira organização visitada foi o STTRT. A diretora realizou uma palestra no
local, onde apresentou dois vídeos: um fazia referência ao Banco Palmas e outro à
comercialização de produtos agrícolas. Após os vídeos, ela explicou a proposta do banco
comunitário e como isso poderia desenvolver a comunidade e fomentar o acesso à
comercialização. A apresentação foi seguida de uma discussão com os agricultores, e houve
pouco interesse em discutir a proposta específica, com foco maior na discussão da atenção
dada pelo poder público em geral. O que se pôde perceber, pela discussão, é que, para muitos
que participaram não há uma diferenciação entre as instâncias ou entre os diferentes órgãos
públicos. As críticas revelaram, principalmente, uma descrença em relação à eficácia do poder
público, seja devido ao número de projetos apresentados e não cumpridos, ou pelo difícil
acesso e complexidade dos requisitos exigidos pelos que se realizam de fato. Já os presidentes
de associações demonstravam interesse na proposta, com esperança de que esta pudesse
mudar a realidade de sua comunidade.
A segunda apresentação do projeto foi na Associação Daniel Comboni, grupo
estratégico para a apresentação do projeto. Muitas vezes a importância do papel do Padre foi
ressaltada pelos atores do poder público, em frases como “Se o Padre não quiser, esse projeto
não sai do papel.”. Na ocasião, a apresentação era somente um dos itens da pauta da reunião.
Um dos primeiros itens, contudo, tinha relação com o projeto formulado: era a aprovação do
planejamento estratégico da associação, que incluía a criação do Banco Comunitário. Segundo
apresentado no dia, alguns dias antes, a SEDETUR teria se reunido com membros da
Associação e professores da Escola Mãos Dadas para a formulação do planejamento
estratégico, com missão, visão, valores e eixos de atuação. Após a apresentação, no momento
42
da votação, a vice-presidente da associação se manifestou, questionando a representatividade
dos associados na reunião de formulação, perante tantos outros participantes não associados.
A discussão se seguiu brevemente, com alguns outros associados se manifestando, mas logo
foi interrompida para a votação do planejamento, que foi aceito pela maioria. Ao fim da
votação, a vice-presidente declarou seu desligamento. Este acontecimento pode indicar a
existência de pontos de tensão na tomada de decisão e no diálogo entre as duas vozes: a
SEDETUR, representando o poder público, e a Associação Daniel Comboni, uma organização
da sociedade civil. O desenvolvimento da relação entre os dois grupos de interesse se torna
fundamental para a implementação da política e, principalmente, de quaisquer parcerias que
venham a ocorrer.
Por fim, a Escola Mãos Dadas foi a última apresentação pública do projeto
presenciada (houve ainda algumas apresentações individuais, que serão tratadas adiante). Ali,
duas professoras apresentavam o projeto a um grupo de cerca de 400 pais de alunos,
acompanhadas pela diretora da SEDETUR e pelo Padre. Era o dia de reunião de pais e
professores, e cada período (matutino e vespertino) se iniciava com a fala do Padre no
auditório. A apresentação pelas professoras foi bem recebida pelos pais. Ao questionar sobre
o apoio ao projeto, poucas mãos não se levantaram. As questões apresentadas eram pontuais,
e especificamente sobre o funcionamento do Banco Comunitário. Apesar de positiva, é
preciso tomar a aceitação com cautela. Quando solicitado que aqueles que não levantaram a
mão se manifestassem, ninguém se apresentou. O apontamento, aqui, é para a relação de
dependência que se tem: as regras da escola são rígidas, e as vagas são disputadas por alunos
de toda a região. Muitos pais vêem a escola como a oportunidade de acesso de seus filhos a
uma formação de qualidade. E talvez por essa razão, possa haver uma construção de respeito e
influência que seja limítrofe à obediência e subordinação, influenciando a discussão de
projetos como esses.
Em paralelo a essas apresentações, durante o mês de julho houve também reuniões
com outros gestores da SEDETUR, outros secretários municipais e com o prefeito, para a
apresentação do projeto. De modo geral, todos apresentaram aceitação e disposição para
discutir o projeto. Contudo, grande parte afirmou não ter conhecimento do projeto até o
momento, mesmo que em linhas gerais. Em uma das secretarias, o gestor explicou que o
município era altamente dependente de recursos federais, e que por essa razão um projeto
desse porte deveria ser amplamente comunicado entre as secretarias.
43
3.4.Análise comparada das duas experiências estudadas
Como foi explicitado na descrição dos casos, a experiência francesa se dá em um
momento de recuperação econômica e de contenção dos excedentes agrícolas, em que o
estímulo ao empreendedorismo é utilizado, inclusive, como modo de deslocar a atividade
econômica do campo da produção primária para o beneficiamento de produtos e
desenvolvimento de tecnologias. O modelo de política pública do país se constitui, portanto,
de um processo de formulação centralizado na União Europeia ou no Estado, que se desdobra
para as regiões, comunas e, finalmente, tem seus efeitos em projetos de origem comunitária.
Verificou-se que, apesar de gerar uma percepção positiva acerca da autonomia das comunas e
regiões para a alocação dos recursos, permitindo uma adequação à realidade local, o contexto
francês revela o fortalecimento de alternativas de financiamento concorrentes às políticas
públicas, o que pode indicar que ainda existe espaço para desenvolvimento destas.
O caso brasileiro, por outro lado, traz a realidade de um município cuja economia
é altamente dependente de recursos do Estado, mais especificamente dos programas de
transferência de renda. O caso estuda a formulação de uma política pública que busca, por
meio da criação de uma moeda social que concentre o consumo da população no próprio
município, fomentar o desenvolvimento econômico local. Em Timon, o processo de
formulação se iniciou com o planejamento e contato com organizações para o financiamento
de projetos de desenvolvimento, além de outras organizações de ensino e pesquisa. A etapa
seguinte ao planejamento envolveu a interação com outros agentes do poder público e com
atores da sociedade civil, como meio de divulgar a política e de buscar apoio que fortalecesse
a implementação da mesma.
Portanto, a partir dos casos investigados, é possível identificar três principais
fatores de diferenciação entre as políticas francesa e brasileira, sendo eles: as diretrizes da
política pública quanto ao seu público alvo e suas consequências; o momento da primeira
interação Estado-sociedade; e a finalidade deste contato e a accountability.
A primeira diferença, portanto, diz respeito às diretrizes da política pública. Na
França, a experiência estudada se volta especificamente para públicos determinados,
conforme direcionamento estratégico do governo. Considerando a questão dos excedentes,
por exemplo, há um direcionamento do financiamento para negócios e projetos que não se
limitem à simples produção agrícola. Já no Brasil, o caso estudado previa uma concessão
generalizada de crédito, para diferentes públicos e negócios, sem um direcionamento
específico por parte do poder público. Quanto às estruturas de generalização ou especificação,
Microcrédito Produtivo Orientado - um estudo sobre políticas públicas no Brasil e na França
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Microcrédito Produtivo Orientado - um estudo sobre políticas públicas no Brasil e na França

  • 1. FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO MARIA ALICE CABRAL MAIA MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO: um estudo sobre políticas públicas no Brasil e na França SÃO PAULO - SP 2013
  • 2. MARIA ALICE CABRAL MAIA MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO: um estudo sobre políticas públicas no Brasil e na França Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenadoria do curso de Administração Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Administração. Orientadora: Profª Dra.Zilma Borges de Souza SÃO PAULO - SP 2013
  • 3. MARIA ALICE CABRAL MAIA MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO: um estudo sobre políticas públicas no Brasil e na França Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenadoria do curso de Administração Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Administração. Orientadora: Profª Dra.Zilma Borges de Souza Data da Aprovação: ____/____/______ Banca Examinadora: Profa. Dra. Zilma Borges de Souza (Orientadora) FGV – EAESP Prof. Dr. Marco Antonio Carvalho Teixeira FGV – EAESP SÃO PAULO - SP 2013
  • 4. DEDICATÓRIA A meus pais e avós, meus primeiros e eternos exemplos, motivação para chegar até aqui. Ao meu afilhado Henrique, motivação para que eu seja, a cada dia, exemplo para alguém.
  • 5. “Que situação extraordinária é a nossa, mortais! Cada um de nós está aqui para uma breve estadia; para um propósito que não conhece, apesar de algumas vezes pensar que sente. Mas do ponto de vista da vida cotidiana, sem ir a fundo, nós existimos para nossos semelhantes – em primeiro lugar para aqueles de cujos sorrisos e bem-estar nossa felicidade depende, e em seguida para todos aqueles desconhecidos com cujos destinos nós estamos ligados pelo laço de simpatia. Cem vezes todos os dias lembro a mim mesmo que minha vida interior e exterior, depende dos trabalhos de outros homens, vivos ou mortos, e que devo esforçar-me a fim de devolver na mesma medida que recebi.”1 (The World As I See It – Albert Einstein) 1 Tradução própria: “What an extraordinary situation is that of us mortals! Each of us is here for a brief sojourn; for what purpose he knows not, though he sometimes thinks he feels it. But from the point of view of daily life, without going deeper, we exist for our fellow-men – in the first place for those on whose smiles and welfare all our happiness depends, and next for all those unknown to us personally with whose destinies we are bound up by the tie of sympathy. A hundred times every day I remind myself that my inner and outer life depend on the labours of other men, living and dead, and that I must exert myself in order to give in the same measure as I have received and am still receiving.”
  • 6. AGRADECIMENTOS Hoje, quando olho para trás, não vejo histórias, mas pessoas. Pessoas que me ajudaram, orientaram e deram comigo cada um dos passos para chegar até aqui. Para mim, a GV foi muito mais que uma escola de administração. Nos últimos quatro anos, eu vivi no maior centro potencializador de talentos que já conheci. A cada dia, uma nova experiência enriquecedora era oferecida. E por cada uma dessas oportunidades, eu devo muitos agradecimentos. Em primeiro lugar, aos meus pais e avós. Vocês foram meu primeiro exemplo de trabalho duro e dedicação, e são meu apoio fundamental em todas as horas. A toda a minha família e meus amigos, que compreenderam minhas ausências e sempre me deram energia quando eu precisei. Aos meus amigos de sala, que fizeram cada dia mais alegre, e foram motivação quando sobrava cansaço. À Keka, que me compreendeu da forma mais profunda possível, e me ensinou a sempre entregar meu melhor, no que quer que eu fizesse. Aos professores, que me orientaram. Pelo apoio e, principalmente, dedicação, agradeço à professora Zilma Borges, que me acompanha desde o primeiro semestre de curso, e seguiu de perto o desenvolvimento da pesquisa de campo da experiência francesa. Aos colegas e ex- colegas de trabalho e gestores e ex-gestores, que me ensinaram o valor do profissionalismo. Aos funcionários da FGV, por sua constante simpatia e prestatividade. Meu agradecimento especial àqueles que, anonimamente, acreditaram na educação e me apoiaram como filantropos, oferecendo oportunidades que antes eu somente sonhava em conquistar. Finalmente, meu agradecimento especial a Deus, por ter orquestrado lá de cima para que todas essas bênçãos se concretizassem. Por fim, este trabalho só se tornou viável pelo suporte de tantas pessoas, tantas vozes e tantas mãos, que permitiram que as primeiras hipóteses se transformassem em respostas, as primeiras percepções formassem ideias, e as ideias então, se transformassem em texto e pesquisa. Sinceros agradecimentos aos professores responsáveis pelo Conexão Local e à equipe do GV Pesquisa, que se esforçaram para que cada uma das investigações se tornasse possível. Aos entrevistados e aos que abriram suas casas, suas histórias e suas mais sinceras reflexões, espero tê-las retratado de forma justa e com o merecido respeito, atendendo à responsabilidade que me incumbiram.
  • 7. RESUMO Este trabalho aborda a interação entre poder público e sociedade civil para a implementação de microcrédito produtivo orientado para agricultores familiares, microempreendedores e empreendedores informais. A pesquisa traz uma descrição da realidade local e dos atores envolvidos para analisar os desafios da viabilização do desenvolvimento socioeconômico a partir da oferta de politicas públicas de apoio ao crédito. Ao longo deste trabalho são abordados temas como o impacto de tal interação para os processos de formulação e de implementação da política pública, além de sua influência na realidade local. Além disso, são abordadas as principais lições ou melhores práticas reveladas pelos casos estudados. A metodologia de pesquisa de vertente qualitativa foi realizada por meio de pesquisa documental e de investigação de campo no Brasil e na França, e é fundamentada em referencial teórico sobre microcrédito, especialmente focalizando agricultores e pequenos empreendedores como públicos alvo destas políticas. Palavras-chave: poder público, microcrédito, crédito público, agricultura familiar, microempreendedores, empreendedores informais, Brasil-França.
  • 8. ABSTRACT This plan deals with relevant issues over the interaction between public policies and society in the implementation of productive oriented microcredit for family agribusiness, micro- entrepreneurs and informal entrepreneurs. The research briefly describes the local reality and the actors involved to, finally, analyze the challenges of fostering socioeconomic development through credit-based public policies. Throughout this work, it discusses the impact of this interaction for public policies’ formulation an implementation processes and its influence in the local context. Nonetheless, it studies the main lessons or best practices revealed by the cases studied. The qualitative research methodology was performed by the use of documentary research and field investigation, both in Brazil and France. Nonetheless, it is based in the conceptual framework regarding microcredit, especially the ones targeting farmers and entrepreneurs. Keywords: public sector, microcredit, public credit, family agribusiness, micro-entrepreneurs, informal entrepreneurs, Brazil-France
  • 9. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNB – Banco do Nordeste do Brasil BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico DAP – Declaração de Aptidão ao Pronaf DLOC – Desenvolvimento Local Orientado à Comunidade ERDF – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística JASPERS – Assistência Conjunta para o Apoio a Projetos nas Regiões Europeias JEREMIE – Recursos Europeus Conjuntos para Micro e Médias Empresas JESSICA – Apoio Europeu Conjunto para Investimentos Sustentáveis em Áreas Urbanas MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário MTE – Ministério do Trabalho e Emprego OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PAA – Programa de Aquisição de Alimentos PDT – Partido Democrático Trabalhista PIB – Produto Interno Bruto PITCE – Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior PMEs – Pequenas e Médias Empresas PNMPO – Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PSB – Partido Socialista Brasileiro SEDETUR – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo STTRT – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Timon TIC – Tecnologia da Informação e Comunicações
  • 10. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 1.1 Apresentação do tema e sua relevância 11 1.2 Objetivos do trabalho 14 1.2.1 Objetivo Geral 14 1.2.2 Objetivos Específicos 15 1.3 Metodologia 15 2 REFERENCIAL TEÓRICO 18 2.1 O Crédito Público e o Financiamento da Produção 18 2.2. Produção agrícola no Brasil 20 2.3. Pequenas Empresas, Microempreendedorismo e Empreendedorismo Informal 23 3. RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO 25 3.2. As políticas de microcrédito na França 25 3.2.1. O contexto estudado 25 3.2.2. O Modelo da Política Pública Delegativas 27 3.2.3. A percepção e o impacto do Modelo Delegativo pelos Atores Entrevistados 30 3.3. As políticas de microcrédito no Brasil 31 3.3.1. O Contexto estudado 31 3.3.2. O Projeto de Política Pública 39 3.3.3. A Percepção e o Impacto da Formulação da Política de Microcrédito em Timon 41 3.4. Análise comparada das duas experiências estudadas 43 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 47 5. REFERÊNCIAS 49
  • 11. 11 1 INTRODUÇÃO 1.1 Apresentação do tema e sua relevância O tema deste Trabalho de Conclusão de Curso é o crédito público, em especial o Microcrédito Produtivo Orientado para microempreendedores, empreendedores informais e agricultores familiares. Propõe-se como objetivo geral analisar a formulação e a implementação de políticas públicas de microcrédito, visando à compreensão da interação entre poder público e sociedade civil para alcançar resultados mais positivos na aplicação destas políticas ao nível local. A escolha de microempreendimentos, produtores informais e pequenos produtores agrícolas, como público alvo para estudo neste TCC tem como justificativa a ênfase dada pelas políticas públicas de microcrédito para tais tipos de público e a oportunidade de realização de pesquisa de campo dentro dos projetos Ciência sem Fronteiras e Conexão Local, pela autora. Este direcionamento será mais bem explicado na metodologia deste trabalho e envolve o estudo de casos de interação em duas realidades distintas: a França e o Brasil. O estudo da experiência francesa se refere a um modelo já implementado e direcionado para a produção agrícola e pequenos empreendedores, que atuam no beneficiamento de produtos agrícolas ou em outros mercados relacionados ao meio ambiente e à sustentabilidade ambiental. Já o estudo brasileiro aborda um caso específico, que envolve a política pública ainda em processo de formulação. Neste caso, a política tem seu direcionamento inicial voltado para microempreendedores e empreendedores individuais (no formato de um projeto piloto), mas com o planejamento de também atender a pequenos produtores agrícolas. O conceito de microcrédito surgiu nas últimas décadas, e é definido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como, “[...] a concessão de empréstimos de pequeno valor a microempreendedores formais e informais, normalmente sem acesso ao sistema financeiro tradicional.” (BNDES, 2013, p.33). Conforme o exposto, o microcrédito se torna, com frequência, uma alternativa de crédito para o público que, por razões particulares, são excluídos de outras modalidades de financiamento. Essas razões incluem questões como baixa renda, incapacidade de fornecer garantias, informalidade do negócio ou, até mesmo, por não possuírem conta bancária em uma instituição financeira tradicional. Destaca-se, aqui, a modalidade do microcrédito produtivo orientado, que se apresenta com grande frequência entre os programas e políticas públicas e os projetos sociais.
  • 12. 12 Na modalidade de microcrédito produtivo, o crédito se destina a uma finalidade específica (como microempreendimentos ou produção agrícola, por exemplo), sendo, comumente destinado à compra de insumos ou de bens de capital para a produção. Já quando definido como “orientado”, a modalidade supõe a existência de um agente de orientação, que, em alguns casos, pode ser o próprio agente de crédito, que, além de avaliar a concessão do crédito, acompanha a sua utilização pelo tomador, garantindo que o mesmo seja realizado. O papel do agente de orientação pode, aqui, limitar-se à avaliação macro da concessão de crédito e do plano de negócios ou do projeto apresentado ou pode, em outra vertente, abranger o nível mínimo de detalhe, acompanhando com frequência o tomador e orientando-o sobre estratégias, produtos (ou culturas, no caso da agricultura) e monitorando seu resultado financeiro. Em alguns casos, o agente orientador alcança, inclusive, o nível de “semeador”, capaz de impulsionar uma aproximação entre o tomador e seu mercado consumidor ou mesmo potenciais parceiros. O microcrédito produtivo orientado surge, portanto, como alternativa de política pública para enfrentar a exclusão do sistema financeiro. A longo prazo, sua importância se estende pela possível redução da desigualdade, aumento da renda e, consequentemente, combate à pobreza. O estudo da formulação de políticas públicas de microcrédito se faz necessário, portanto, para compreender suas formas mais efetivas e eficazes, trazendo lições relevantes a longo prazo. Neste sentido, a participação da sociedade civil representando atores interessados, as organizações do terceiro setor e de origem comunitária têm um papel relevante no desenvolvimento político e econômico das sociedades, atuando na construção de iniciativas voltadas para o bem público. Geralmente, este tipo de organização aparece em contextos de interação com o poder público. Em menor nível, essa interação pode ocorrer na implementação da política, buscando facilitar o acesso ao público alvo. Em nível maior, tais organizações conseguem interagir com o poder público desde o momento da formulação das políticas públicas, reestruturando seu modelo e impactando seus resultados. No contexto do microcrédito, essas organizações auxiliam na formulação de estratégias e no direcionamento das ações. Em seu movimento, aceleram a tendência de mudança do cenário do microcrédito, viabilizando o financiamento para micro e pequenos projetos, que buscam por apoiadores econômicos nos mais diversos meios. Do lado do governo, no caso do Brasil, vem ocorrendo o aumento da oferta de programas de crédito e financiamento e, adicionalmente, a necessidade de viabilizar sua aplicação em realidades distintas.
  • 13. 13 O financiamento de produção agrícola, por exemplo, envolve alternativas de crédito que se originam de fontes públicas, de organização popular e ainda de fontes privadas, como grandes bancos que vem se interessando pelo tema. A complexidade relacionada ao financiamento da produção agrícola é crescente e apresenta novas variáveis que precisam ser compreendidas para que as inovações e novas perspectivas representem soluções adequadas à realidade brasileira inserida em um mercado global. Revelam-se, no cenário atual, novas oportunidades de inserir pequenos produtores em cadeias de valor que gerem riqueza e desenvolvimento social com compromisso com as questões ambientais. Tais oportunidades precisam ser consideradas e podem trazer benefícios para que a agricultura se estruture de forma planejada e eficaz. Considera-se que a interação entre políticas públicas, organizações populares e organizações do terceiro setor, quando efetiva, é capaz de maximizar os impactos positivos da ação governamental. Paralelamente, é possível mitigar ou reduzir riscos, como demonstra o caso da Cooperativa Cresol, que será abordado mais adiante durante o presente trabalho. O presente trabalho de pesquisa busca também agregar experiências internacionais que possam contribuir de forma comparativa aos programas desenvolvidos no Brasil. O levantamento da realidade na França sobre um dos modelos de política pública de microcrédito é de relevância para o campo de pesquisa por existirem casos de referência em diversos tipos de políticas pública para a produção agrícola e para o desenvolvimento de microempreendimentos no país. O financiamento de experiências de natureza tão distinta requer o conhecimento de quais demandas são registradas no contexto atual brasileiro, e de como soluções já desenvolvidas em outros países podem acrescentar parâmetros comparativos de atenção às especificidades detectadas. Compreender todos os aspectos envolvidos para a definição e análise de programas de financiamento neste campo é de grande relevância, não somente para o Brasil, mas também em âmbito global. Os interesses em expandir espaços de comercialização para os pequenos produtores se integram dessa forma ao atendimento de necessidades globais de produção de alimentos e a questões sociais relevantes em diversos países. Já no campo do empreendedorismo individual e do microempreendedorismo, a tendência percebida é relativa à crescente preocupação acerca de seu impacto para o desenvolvimento econômico, incluindo as perspectivas de desdobramento, a longo prazo, das mudanças econômicas geradas, fator especialmente articulado em países em desenvolvimento. No Brasil, as políticas públicas relacionadas ao empreendedorismo são concentradas, ainda, no estímulo ao desenvolvimento de micro e pequenas empresas, havendo sobreposição de
  • 14. 14 programas entre as três instâncias de governo e, inclusive, de políticas com diferentes focos estratégicos e setoriais. O mesmo acontece com a questão do financiamento, envolvendo programas de financiamento do próprio Estado, de fundações públicas e outras autarquias e, inclusive, linhas de crédito oferecidas por bancos públicos (SARFATI, 2013). O Brasil tem programas inovadores de origem estatal em diversas linhas de financiamento e também vem apresentando experiências importantes com crédito originado de organização popular com base em associativismo e cooperativas. É necessário identificar as diferentes demandas que as regiões brasileiras apresentam e analisar a adequação da aplicação do crédito a estas demandas. As contribuições que as Instituições de Ensino, Pesquisa e Extensão podem trazer para este campo são diversas e entende-se que os estudos da Administração como campo de conhecimento são cruciais para entender as melhores formas de gestão e de estratégia que atendam as necessidades dos agricultores e de cada região específica. 1.2 Objetivos do trabalho 1.2.1 Objetivo Geral Considerando o exposto, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a formulação e a implementação de políticas públicas de microcrédito, abrangendo a compreensão da interação entre poder público e sociedade civil para alcançar resultados mais positivos na aplicação destas políticas ao nível local. Como resultados pretendidos, buscou-se trazer visibilidade para pontos importantes acerca do relacionamento entre o poder público e órgãos representantes de comunidades locais e sociedade civil, bem como organizações do terceiro setor, valorizando aquelas experiências reconhecidas por aumentar a entrega de resultados e seu impacto por meio dessa articulação. Para isto foi verificada a interação entre setor público e organismos representantes da comunidade local na França e buscou-se observar pontos convergentes e divergentes com a experiência brasileira estudada. Com isso, espera-se apontar resultados trazidos por essa interação e apresentar lições para o aprimoramento da mesma para outros contextos brasileiros, por meio de adaptação de práticas e criação de novas políticas públicas que se façam necessárias e viáveis. Por fim, espera-se que a comparação entre modelos de financiamento por microcrédito no Brasil e na França permita identificar lições sobre a relação entre sociedade civil e programas da área pública orientados para a oferta de crédito,
  • 15. 15 visando à compreensão e à disponibilização de informações acerca de modelos de interação que produzam resultados positivos capazes de mitigar dificuldades recorrentes nos modelos de atuação existentes. 1.2.2 Objetivos Específicos 1. Identificar formatos de interação entre políticas públicas de microcrédito e organizações da sociedade civil (representantes de públicos interessados e do terceiro setor); 2. Analisar a capacidade destas interações em gerar impacto positivo para iniciativas empreendedoras; 3. Compreender de que modo essas interações mitigam possíveis dificuldades enfrentadas pelas políticas públicas atualmente; 4. Estabelecer uma base comparativa entre o modelo estudado na França e o caso brasileiro; 5. Disponibilizar informações sobre as relações estudadas para permitir futuras análises de consequências resultantes dessas relações. 1.3 Metodologia Para este trabalho, realizou-se pesquisa de abordagem qualitativa (CRESWELL, 2010) envolvendo a análise de dados secundários por meio de estudo bibliográfico e análise documental e, adicionalmente, pesquisa qualitativa primária, com entrevistas de atores relevantes para o contexto, como cidadãos, professores, autoridades locais, presidentes de organizações de origem popular, gestores de organizações do terceiro setor, formuladores de políticas públicas e outros funcionários públicos. A vantagem de se realizar uma pesquisa por meio da observação do contexto local está na maior possibilidade de compreender influências e forças, uma vez que se tem acesso às diferentes impressões de cada um dos atores sobre o tema tratado (SPINK, 2008). Para o referencial teórico foram buscados autores que tratam deste tema com uma visão tanto da formulação, como da implementação de políticas públicas de microcrocrédito. Desta forma, pode-se compreender avanços e desafios colocados para a efetividade destas. Durante a análise de dados secundários, buscou-se, em primeiro lugar, pesquisas quantitativas e qualitativas que pudessem contribuir com uma compreensão mais abrangente sobre o
  • 16. 16 contexto dos ambientes estudados. Complementarmente, utilizou-se bibliografia acerca de casos franceses e brasileiros de políticas públicas de microcrédito, envolvendo a interação entre poder público e organizações da sociedade civil ou do terceiro setor. A primeira etapa de pesquisa in loco realizou-se na França, como parte do programa Ciência sem Fronteiras, realizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob financiamento do Governo Federal. Esta etapa realizou- se durante o primeiro semestre de 2012, e envolveu o acompanhamento de professores franceses, com o objetivo de compreender o modelo francês de políticas públicas, no âmbito do microcrédito. A etapa envolveu participação em cursos e eventos relacionados, como a Sustainable Business Conference (Conferência de Negócios Sustentáveis) 2012, sediada no Campus da Hautes Études Commerciales de Paris (HEC Paris), onde foi possível obter uma compreensão abrangente dos principais temas tratados em relação à sustentabilidade e desenvolvimento econômico, e abordar a visão dos atores sobre o microcrédito. Complementarmente, foram realizadas entrevistas com gestores de organizações como o projeto de Finanças Solidárias Finansol2 e de uma das organizações populares do cluster de Rhônes-Alpes, uma das regiões francesas, e oficiais do Parlamento e da Comissão da União Europeia, em Bruxelas (Bélgica), visando à maior compreensão do papel da União Europeia no contexto estudado. Para vivência e conhecimento do contexto agrário francês, realizou-se visita a agricultores e produtores da região de Reims e Champagne, que permitiu a coleta de informações acerca da característica de atuação coletiva dos agricultores franceses. Essa etapa visou à compreensão do contexto político e social local, formando assim o corpus para análise de boas práticas nas políticas públicas (BAUER; AARTS, 2007). Ao longo da pesquisa, para obter uma maior compreensão do modelo francês, se abordou o modelo de política pública de microcrédito no país, preterindo o aprofundamento em um caso exclusivo, mas realizando o contato com diversos atores e casos relevantes. O resultado da participação no programa Ciência sem Fronteira foi apenas um relatório técnica, indicando os atores entrevistados e relatos sobre disciplinas estudadas durante a estadia na França. Desta forma, em acordo com a orientadora, decidiu-se elaborar a análise aprofundada do estudo, para utilização no presente Trabalho de Conclusão de Curso. O segundo momento da pesquisa de campo realizou-se em Julho de 2013, no Brasil, por meio da observação do processo de formulação de uma política pública municipal 2 Finansol é uma associação responsável por campanhas de comunicação, conscientização e promoção de produtos da econômica solidária – investimentos que, além de retorno financeiro, geram retorno social, comoprojetos de habitação, emprego, energia renovável, sustentabilidade e agricultura. Além de produzir um selo de certificação pela associação, o Finansol também é um coletivo de atores do setor. (FINANSOL, 2013)
  • 17. 17 de microcrédito no município de Timon, no Maranhão. Nesse contexto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e observações não participantes com atores (FLICK, 2009) relevantes para os casos estudados, como formuladores e implementadores das políticas públicas e gestores de organizações populares, além de líderes comunitários, autoridades religiosas, servidores públicos e a comunidade local, que seria, potencialmente, beneficiada pela implementação da política. A pesquisa em campo no Brasil envolveu também, além de entrevistas, visitas a comunidades rurais e participação em reuniões entre gestores públicos do município e reuniões entre membros de organizações da sociedade civil. Assim, durante a pesquisa foram catalogados informações e materiais sobre relações entre programas públicos e organizações populares ou do terceiro setor, em ações orientadas ao microcrédito produtivo orientado, buscando, exclusivamente, iniciativas que, por meio de seu modelo de atuação, almejem contribuir para o atendimento das necessidades financeiras de empreendimentos produtivos. A partir dos dois primeiros momentos de pesquisa, a terceira etapa constituiu-se, então, da análise das observações e materiais coletados, a fim de elaborar conclusões relevantes acerca da formulação e implementação dos modelos de políticas de microcrédito.
  • 18. 18 2 REFERENCIAL TEÓRICO Nesta etapa, são abordados conceitos relevantes sobre o crédito público, a produção agrícola de pequeno porte no Brasil e o empreendedorismo, abrangendo os microempreendedores, as pequenas e médias empresas e o empreendedorismo informal. Com esta análise, pretende-se trazer contribuições do debate teórico sobre as políticas de microcrédito e também sobre os dois públicos-alvo principais destas políticas, que são foco de análise neste trabalho. O referencial teórico inclui ainda pesquisas de outros autores que estudaram a interação entre poder público e sociedade civil e seus resultados, além de dados secundários sobre a eficácia de políticas públicas de crédito. O objetivo é fornecer uma base conceitual para a compreensão do tema e a análise dos casos abordados a seguir. 2.1 O Crédito Público e o Financiamento da Produção Por parte do Governo Federal brasileiro, foi criado, em 2005, o Programa Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), que visava à aproximação entre instituições financeiras e de microcrédito, vinculando outros serviços complementares que facilitassem o acesso a informações e orientação direcionada para consultoria e acompanhamento dos pequenos produtores familiares. Este programa definiu o marco legal para o microcrédito produtivo, incluindo a regulamentação para o repasse de recursos dos bancos para instituições de microcrédito. O programa prevê o atendimento das necessidades financeiras de pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, e inova na proposição de uma metodologia baseada no relacionamento direto com os empreendedores no local onde é executada a atividade econômica. Em 2010 este programa foi revisado, na busca pela ampliação do número de agentes financeiros que atuam com a população de baixa renda, com fortalecimento da relação com os bancos comunitários, que serão comentados mais à frente neste texto. Atualmente, mais da metade (57,27%) da carteira ativa de microcrédito é fornecida por Bancos de Desenvolvimento e outros 12,12%, por Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 2013). Já as cooperativas de crédito representam 4,34% do valor total da carteira ativa. A partir de meados da década de 90, a operacionalização de linhas de crédito, o surgimento de novos espaços produtivos e a criação de conhecimento e tecnologia por parte de Universidades e grupos organizados de agricultores, vêm, junto com legislação específica e
  • 19. 19 medidas tomadas pelo Governo Federal, concretizando oportunidades de geração de riqueza e trazendo à luz o debate da agricultura familiar. No contexto brasileiro registra-se a existência de um número crescente de bancos comunitários e novas intervenções governamentais que ampliam a oferta de soluções, mas ampliam também a complexidade dos modelos de financiamento e crédito para o agronegócio familiar sustentável. Os Bancos Comunitários são uma das principais formas de microcrédito reconhecidas no país. Segundo o MTE, Bancos Comunitários são projetos de apoio a economias populares de municípios de baixo IDH, e incentivam a geração de trabalho e renda, promovendo a economia solidária. Desde 2004 o MTE apoia tais projetos e incentiva o alinhamento junto a bancos públicos, debatendo alternativas de crédito para a economia solidária. Segundo a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, atualmente são 103 bancos comunitários no Brasil, dentre os quais se destaca o Banco Palmas, considerado referência no país, e que estruturou o hoje denominado Instituto Palmas, cujo objetivo é contribuir com a gestão do conhecimento das boas práticas entre tais bancos. Poucos estudos recentes se voltaram à análise dos setores aqui descritos, havendo ainda um gap de informação relativa a seus impactos sociais e sua relação com as políticas públicas e governamentais. Dentro das linhas de crédito do Plano Safra, destacam-se as linhas ECO e Agroecologia, principais beneficiadas com os investimentos em assistência técnica, que de 2003 para 2010 aumentaram de 46 milhões de reais para 626 milhões de reais. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), desde a sua criação, a maior conquista do programa foi o aumento da assistência para dois milhões de famílias, abrangendo todo o país. Além disso, o programa apresenta a menor taxa de juros para o crédito rural e a inclusão de famílias de baixa renda e distribuição de custos e riscos entre o sistema financeiro e o governo federal. No ano de 2006, 781 mil estabelecimentos familiares praticaram a captação de recursos, sendo o custeio a principal finalidade (405 mil estabelecimentos), seguido da finalidade de investimento (344 mil estabelecimentos), além da comercialização (8 mil estabelecimentos) e manutenção do estabelecimento (74 mil estabelecimentos). Por outro lado, o Censo Agropecuário 2006 registrou mais de 3,5 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar que não obtiveram financiamento, especialmente porque “não precisaram” ou por “medo de contrair dívidas” (MDA, 2009). A experiência entre o Sistema Cresol de Cooperativas de Crédito Rural e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar demonstra que uma organização de microfinanças pode fundamentar sua atuação em sua relação com políticas governamentais relacionadas, interagindo e contribuindo para a produção agrícola sustentável
  • 20. 20 (ABRAMOVAY e JUNQUEIRA, 2004). Desde a prestação de serviços financeiros à intermediação de transferência de renda ou subsídios, essas articulações entre os diferentes setores da economia são capazes de fortalecer ambas as instituições, fortalecendo, inclusive, possibilidades para a expansão da organização não governamental sem comprometer sua sustentabilidade financeira. Uma das poucas publicações que contrariam tal afirmação, trazendo uma análise comparada entre beneficiários e não beneficiários, é o estudo do Centro de Políticas Sociais publicado em 2008, que comparou indivíduos semelhantes de dois grupos: clientes e não clientes do Crediamigo. No âmbito do microcrédito para empreendedorismo, o Crediamigo, oferecido pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), é um dos programas mais conhecidos do país, recebendo, inclusive, reconhecimentos internacionais. O que os principais resultados se revelaram quanto à probabilidade de mobilidade social: A probabilidade de ascensão social para o cliente do Crediamigo é de 54,72%, 36,92% e 9,95%, dentre as classes E, D e C, respectivamente. Já para o grupo controle, de microempresários de Recife e Salvador, a probabilidade foi de 38,82%, 34,03 e 7,55%. Tais resultados reforçam a importância do estudo das políticas de microcrédito para o público empreendedor, assim como o estudo do seu impacto e de sua operacionalização. 2.2.Produção agrícola no Brasil Criar um modelo de desenvolvimento agrícola que propicie formas sustentáveis de produção e amplie a representação do Brasil no contexto internacional é um dos desafios postos na agenda para o planejamento econômico do país. Requer desenvolver propostas de modelos que equilibrem a geração de riqueza com outros objetivos, inclusive a conservação ambiental. A questão, no entanto, não é tão simples, e apresenta uma complexidade inerente à multiplicidade de interesses em jogo. Envolve a mudança de padrões sedimentados por projetos de geração de riqueza no meio agrícola, como os disseminados pelo modelo de “modernização da agricultura” que é uma referência ao processo mais intensivo de desenvolvimento capitalista do meio rural ocorrido no Brasil no período pós 1964 (BORGES, 2012). As transformações pertinentes a esse padrão de crescimento econômico no meio rural foram fortemente impulsionadas pelo Estado brasileiro, mediante uma série de políticas setoriais e instrumentos específicos (crédito, seguro agrícola, assistência técnica, pesquisa pública, investimentos em infraestrutura, subsídios ao preço dos combustíveis), que tiveram como objetivo principal a adequação da estrutura de produção agrícola nacional ao
  • 21. 21 crescimento econômico planejado pelo governo militar. Entre os efeitos sociais do modelo de modernização agrícola utilizado no Brasil até aproximadamente final a década de 1980, citam-se: a redução da oferta de empregos agrícolas e o consequente êxodo rural, o aumento do trabalho temporário, a intensificação da pobreza rural, o aumento da concentração de terras no país, entre outros (BEDUSCHI FILHO e ABRAMOVAY, 2004). Na década de 1990, a diminuição do papel do Estado “na regulação da competição do campo, bem como a reestruturação do setor agropecuário em direção às normas de mercado” levaram a “uma nova rodada de modernização da estrutura produtiva desse setor, visando adequá-lo rapidamente ao contexto da reinserção econômica do Brasil no cenário internacional” (POCHMANN, 2008, p. 149). Como consequência desse processo ocorreu uma difusão de novos métodos de gestão voltados a parâmetros de competitividade, maior mecanização e uso de insumos químicos. Os investimentos ocorreram com capital internacional e se obteve uma intensificação do agronegócio, com aumento de produtividade em detrimento do emprego no meio rural, fator que abre espaço para o produtor familiar e remete a discussões sobre a caracterização deste como categoria e a especificidade de sua condição (BORGES, 2012). Um dado significativo é a mudança na composição das ocupações, ocorrida no final da década de 1980 em diante, com o crescimento da “participação de moradores na área rural que exercem atividades não-agrícolas” (POCHMANN, 2008:154). Essa mudança sinaliza um perfil que tende a adquirir a produção agrícola mais voltada a mercados específicos e segmentados e a uma nova percepção do meio rural pela sociedade, cada vez menos como um espaço estritamente produtivo. Suas funções de preservação ambiental, de criação de um quadro favorável ao lazer, ao contato com a natureza e com um estilo de vida diferente do característico das cidades são cada vez mais valorizadas. “Não há qualquer razão técnica que afaste em tese os agricultores familiares do imenso potencial representado pelos mercados de qualidade e pelas novas funções - preservação ambiental e lazer - que o meio rural preenche para a sociedade.” (ABRAMOVAY, 1996:10). O Ministério do Desenvolvimento Agrário (2009) divulgou os resultados do Censo Agropecuário 2006, o primeiro censo a contar com estatísticas oficiais sobre a agricultura familiar. Este censo permitiu visualizar, entre outras questões, a concentrada estrutura agrária brasileira, na qual a agricultura familiar representa 84,4% de estabelecimentos, mas apenas 24,3% da área total. De acordo com o censo, a área média de estabelecimentos familiares era de 18,37 ha, enquanto a dos não familiares era de 309,18 ha. O documento divulgado pelo MDA explica também que o número total de pessoas ocupadas
  • 22. 22 pela agricultura familiar, 12,3 milhões de pessoas, é duas vezes maior que o número de ocupações geradas pela construção civil. Em relação a número de propriedades por região, as regiões Nordeste, Sul e Sudeste detêm, respectivamente, 50%, 19% e 16% dos estabelecimentos familiares do país. Já em relação à área, se destacam as regiões Nordeste, Norte, Sudeste e Sul, com 35%, 21%, 16% e 16%, respectivamente. Segundo o censo, a área com matas, florestas ou sistemas agroflorestais ocupavam 24% das terras, enquanto as pastagens ocupavam 45% e as lavouras representavam 22% do total de 80,25 milhões de hectares. Apesar de pequena área destinada a lavouras, a agricultura familiar responde por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, representando 10% do Produto Interno Bruto do País. O Censo Agropecuário 2006 também revelou que a agricultura familiar é 89% mais produtiva que a agricultura patronal, destacando a renda de R$667,00 da agricultura familiar, contra R$358,00 da agricultura patronal. A partir de tais dados, constata-se a grande representatividade da agricultura familiar para a geração de riqueza e renda no país, assim como para o abastecimento de alimentos (Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2009). O agronegócio familiar representa, nesse contexto, um caminho relevante para a estruturação de práticas sustentáveis no âmbito social, econômico, ambiental e ético. Considerando-se os desafios enfrentados por esse público, o fator financeiro destaca-se, principalmente quando se considera a impossibilidade de competição por mercado com o agronegócio de maior escala e pela resposta adequada a uma produção contínua que atenda as prerrogativas ambientais. Esse cenário implica, então, na demanda de crédito orientado para o atendimento das necessidades específicas dos pequenos produtores (MDA, 2009). No Brasil, no âmbito do microcrédito para a agricultura familiar, as principais iniciativas estão relacionadas ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que liga a oferta de crédito ao acesso ao mercado, e ao Plano Safra. Ambos completaram dez anos em 2013. Segundo o site da CONAB, as ações do PAA resultaram em um aumento de 130% na renda média das famílias beneficiadas, que passou de R$1.972,41 para R$4.553,95 de 2003 para 2012. Outros resultados do Pronaf são revelados também pela Agência Carta Maior (2012): nos últimos dez anos, o segmento da agricultura familiar cresceu 52%, sendo que cerca de 3,7 milhões de pessoas ascenderam à classe média. Segundo o Anuário Estatístico do Crédito Rural (2013), 77,86% dos contratos de crédito rural fornecido a produtores e cooperativas é oferecido por bancos federais. Já as cooperativas de crédito representam 12,34%. Em valores, os dois tipos de instituição representam 54,15% e 9,85% do total do país, respectivamente.
  • 23. 23 2.3.Pequenas Empresas, Microempreendedorismo e Empreendedorismo Informal Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2013), Microempreendedor Individual (MEI) é a pessoa que trabalha por conta própria e que se legaliza como pequeno empresário. Para ser um microempreendedor individual, é necessário faturar no máximo até R$ 60.000,00 por ano e não ter participação em outra empresa como sócio ou titular. O MEI também pode ter um empregado contratado que receba o salário mínimo ou o piso da categoria. No Brasil, o termo se popularizou a partir da Lei Complementar 128 de 2008, que formalizou a figura jurídica do Microempreendedor individual. A relação entre os níveis de empreendedorismo de um país e seu desenvolvimento econômico tem sido objeto frequente de estudos. Muito se discute sobre o impacto do empreendedorismo sobre indicadores como geração de empregos, aumento da produtividade e geração de riqueza em uma nação. Estudos mais recentes, contudo, discutem a questão como um ciclo virtuoso: o empreendedorismo como fomentador do desenvolvimento econômico e o desenvolvimento econômico como fomentador do empreendedorismo, ao propiciar um ambiente mais favorável ao mesmo. (CARREE e THURIK, 2005) Dados do Instituto Empreender Endeavor (2005, prefácio), “[...] as pequenas empresas geram grande parte dos postos de trabalho no nosso país, mas têm um impacto social pouco duradouro e significativo. [...] 60% dos novos empreendimentos não passa dos cinco anos de vida.”. As políticas públicas para o pequeno e o micro empreendedorismo no Brasil são de uma variedade extensa, mas segundo Sarfati (2013), ocorrem seguindo dois grandes eixos principais: o primeiro, no âmbito regulatório, e o segundo na instituição da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), que passou a priorizar pequenas e médias empresas (PMEs) como alvo de ações de políticas públicas. Ainda segundo o autor, há, contudo, gaps a serem preenchidos na coordenação das políticas: novas mudanças no ambiente regulatório, fomento à cultura empreendedora e, finalmente, a coordenação de políticas de financiamento, hoje ainda praticadas de forma sobreposta pelos mais diversos órgãos públicos. Em seu trabalho de pesquisa, Andreassi (2004), que analisou 88 questionários respondidos por empreendedores tomadores de crédito do Bancri, um banco de crédito popular intermunicipal de Santa Catarina, concluiu que “o microcrédito recebido teve um impacto positivo no negócio do empreendedor, dado que 100% dos entrevistados afirmaram
  • 24. 24 ter havido um incremento nas vendas após o recebimento do microcrédito. Grande parte [96,6%] do crédito recebido é destinada ao financiamento do capital de giro da empresa.”. Nesta mesma pesquisa, 88,1% declaram que o crédito possibilizou a expansão dos negócios. Acerca da destinação do crédito, 62,3% afirmaram que o crédito possibilitou o aumento no estoque de matéria prima e 61,3% a compra de ativos. A contratação de mais trabalhadores foi mencionada por 43,8% dos empreendedores. Neri (2008) estudou o caso do Crediamigo, programa do BNB, para entender os impactos do microcrédito para autônomos e microempresários. Dentre os resultados, percebeu-se o aumento real de 30,7% no lucro operacional (equivalente à renda do trabalho, para autônomos). Já o lucro bruto aumentou 35,1%. Além disso, 60,8% dos beneficiários que se situavam abaixo da linha da pobreza ascenderam, saindo dessa condição. No mesmo estudo, o autor aborda o potencial do Nordeste para o microcrédito: com mais de 4 milhões de profissionais autônomos ou microempresários empregadores, a região se destaca por seu crescimento do acesso ao crédito produtivo: de 3,97% para 6,27%, taxa de crescimento superior a outras cidades do país. A oferta de microcrédito à atividade empreendedora e ao empreendedorismo individual é capaz, portanto, de trazer impactos relevantes para sua produtividade, sua sustentabilidade a longo prazo e, inclusive, sua capacidade de expansão. Por consequência, esse estímulo resulta em consequências positivas para o desenvolvimento da economia, por meio de geração de empregos e renda, aumento da produção interna e redução da desigualdade. O estudo do microcrédito como estímulo ao micro e pequeno empreendedor e mesmo ao empreendedor informal vem, nesse sentido, potencializar as oportunidades de crescimento e revelar novas alternativas de métodos e modelos. Para a aplicação de políticas públicas, as organizações da sociedade civil e do terceiro setor podem funcionar como elemento facilitador. Devido à sua grande compreensão da realidade local, sua maior proximidade de atores locais e, inclusive, ao seu nível de influência, tais organizações podem se tornar elemento relevante para todas as etapas da política pública: da formulação à avaliação dos resultados. Quando se fala do microcrédito, e, especialmente, no âmbito dos bancos comunitários, essas organizações já estruturadas podem se tornar fundamentais, pela formação do senso de coletivo.
  • 25. 25 3. RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO Nesta etapa serão apresentados os resultados de pesquisa, seguindo primeiramente uma linha descritiva acerca da realidade local, do contexto investigado e do processo de implementação (na experiência francesa) ou do processo de formulação (no caso brasileiro) da política pública. Os casos de estudo franceses envolvem a organização de clusters e redes de pequenos produtores com as mais diversas finalidades produtivas e histórico de programas integrados para o financiamento da produção agrícola sustentável. Dentro do quadro de crise econômica atual os encaminhamentos dados a tais questões e o desafio de manter a continuidade das operações e programas trazem novas contribuições ao quadro. O país destaca-se também por políticas públicas delegativas, envolvendo intensamente os níveis locais, inclusive por meio da participação de organizações do terceiro setor ou de organizações da sociedade civil. O caso brasileiro, como se verá adiante, envolve a implementação de projetos- piloto em duas realidades distintas. Por essa razão, a etapa descritiva buscará trazer observações mais detalhadas dos dois públicos beneficiários. Após essa descrição, será realizada a análise, apresentando uma comparação entre os dois casos. 3.2.As políticas de microcrédito na França 3.2.1. O contexto estudado O contexto político francês é constituído, historicamente, por uma forte presença do Estado, como “protetor” da sociedade, tendo os servidores o importante papel de garantir que a implementação atenda às necessidades de todos. Apesar de um regime semipresidencialista, o papel do presidente é fortalecido, sendo esse instituído de um mandato de cinco anos. No Estado francês, os assuntos de defesa e política externa são tratados pelo presidente, enquanto o primeiro ministro, nomeado pelo presidente, foca a política interna. Para compreender o serviço público francês, considera-se dois grupos principais: os servidores da linha de frente e o alto escalão, sendo este último formando nas Grandes Écoles e com posterior experiência nos “Grands Córps”, geralmente compondo altos escalões de ministérios ou conselhos, além de corpos diplomáticos ou de Prefeitos, por exemplo.
  • 26. 26 Politicamente, a França se divide em 26 regiões e 100 departamentos, sendo que cada um destes possui um conselho eleito e um representante do poder executivo (prefeito). Há, finalmente, a subdivisão em 329 distritos (arrondissements), com seus subprefeitos indicados por Paris, em 3879 distritos eleitorais (cantons) e, finalmente, em 36782 comunas (municípios), cada uma com um conselho eleito e um prefeito. Das regiões, quatro estão localizadas em outros continentes, como a Guiana Francesa, por exemplo. Cada uma dessas divisões abrange um nível de responsabilidade, conforme sua extensão territorial. As regiões, por exemplo, atuam sobre o desenvolvimento econômico e social, enquanto as comunas têm atuação sobre assuntos mais pontuais de seu território. E é a nível local que se articulam adaptações das decisões do Estado francês, para uma implementação mais adequada à realidade. Finalmente, quando se fala em Estado francês, um dos pontos de maior impacto é a influência da União Europeia. A investigação de campo da França ocorreu durante o primeiro semestre de 2012, momento em que a União Europeia enfrentava, concomitantemente aos efeitos da crise econômica de 2008, o problema dos excedentes agrícolas (discutindo, inclusive, o sistema de cotas), que resultou em uma queda dos preços dos produtos. Na ocasião, ocorriam também as eleições presidenciais. E o que se viu foi um Estado que, ainda em recuperação econômica, tentava atender às principais dificuldades enfrentadas pela população, como o desemprego e a recente migração para o campo. A combinação dessas variáveis macroeconômicas foi uma redução do financiamento público, principalmente no âmbito da produção de produtos primários. O bloco econômico desdobrava a PAC3 , ou Política Agrícola Comum. Seguindo as diretrizes do bloco econômico, com reduzida autonomia para tomar decisões sobre o volume de produção, o Estado francês passou a mudar suas políticas de crédito para o agricultor, incentivando-o a diminuir sua produção e buscar novas fontes de receita. Tal movimento influenciou a agricultura francesa, alternando de produtos alimentícios, como vinho, cereais e suínos, para a revitalização do meio rural, por meio do incentivo à prática de novas atividades econômicas, como o beneficiamento de commodities, o turismo rural ou mesmo campos mais distantes, como a produção de energia. 3 Política que visava ao aumento do valor agregado e ao desenvolvimento de novas atividades econômicas pelos agricultores A ideia principal era manter o agricultor na propriedade rural, mas movê-lo para além da produção de produtos primários.
  • 27. 27 3.2.2. O Modelo da Política Pública Delegativas Por meio de análise documental, conversas e entrevistas semiestruturadas, o que se buscou compreender, em primeiro lugar, foi o modelo de implementação das políticas públicas de microcrédito do Estado francês. A PAC, por exemplo, implicava na oferta de crédito aos produtores rurais que se dispusessem a direcionar seus esforços para o beneficiamento de produtos primários, mais do que à simples comercialização de commodities. Desde meados da década de 90 o Estado francês vem se baseando em uma metodologia de Desenvolvimento Local Orientado à Comunidade (DLOC) que, conforme informativo da própria Comissão Europeia (2013a), tem como objetivos principais: 1) incentivar as comunidades locais a desenvolver abordagens integradas participativas; 2) gerar capacidade comunitária e incentivar a inovação; 3) promover a propriedade comunitária; e 4) apoiar a governança multinível. Este último objetivo é explicado, no mesmo informativo, como “[abrir] caminho à total participação das comunidades locais no desenvolvimento da implementação de objetivos da UE em todas as áreas”. Essa descrição vem a introduzir o modelo apresentado posteriormente como “Política Pública Delegativa” ou “Finanças Delegativas”, por um dos professores entrevistados, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Science Po Paris). A Comissão Europeia se reúne com os representantes de seus países membros, e as negociações entre cada governo e a Comissão resultam no desdobramento da estratégia europeia em programas públicos nacionais, coesos com a estratégia do bloco e capazes de atingir os objetivos do mesmo. A essência da política pública delegativa está no desdobramento das reponsabilidades e da tomada de decisão em diversas instâncias, do Estado às comunas. O Estado francês, ao adotar uma estratégia macro ou implementar um programa, o desdobra para suas regiões, que, por sua vez, indicam os departamentos em que o DLOC será aplicado. Finalmente, são indicadas as comunas e os programas que serão beneficiados. E é a nível local que se definem os critérios de seleção para beneficiários e as estratégias de implementação do programa. Uma estratégia de desenvolvimento que parte da instância maior de governo alcança a qualidade, então, de estratégia de desenvolvimento local. Na prática, é como se a instância maior de governo inferisse apenas sobre as diretrizes gerais, permitindo uma certa ‘margem de manobra’ para abordagens locais. Para os fundos estruturais, por exemplo, cada Prefeito Regional age como Autoridade Administrativa dos programas. A exceção é para a região de Alsace, onde o Conselho Regional atua como
  • 28. 28 Autoridade Administrativa (COMISSÃO EUROPEIA, 2007). Assim, cada instância para a qual o programa é desdobrado possui capacidade de inferir sobre as melhores condições de implementação, o melhor público beneficiário e, em alguns casos, até os perfis de atividades mais adequados à região ou à categoria. Nas áreas em que os Estados-Membros indiquem que o DLOC pode ser utilizado, tanto estes como as Autoridades Locais terão de se envolver em atividades de desenvolvimento de capacidades para garantir que as comunidades locais, em especial as que se encontram em áreas vulneráveis com capacidade limitada, gozem de total participação. Isto pode ser alcançado através da criação de grupos de ação local e da formulação de estratégias viáveis. Numa fase inicial, os potenciais grupos de ação local terão de encetar diálogo com as Autoridades de Gestão competentes para garantir que as suas necessidades e preocupações são conhecidas e que podem ser contempladas na concessão dos programas. (COMISSÃO EUROPEIA, 2013) Segundo esse modelo, os Estados-Membros e a União Europeia dividem sua responsabilidade, sendo a Comissão Europeia responsável pela definição das diretrizes dos programas e das linhas de avaliação, além do controle da execução orçamentária. Os Estados- Membros e suas instâncias inferiores se tornam responsáveis pelas parcerias locais e regionais, além da seleção dos projetos apoiados. Um dos fundos envolvidos no programa de 2007 a 2013 foi o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (no inglês, ERDF), que atendeu, ao todo, 31 programas operacionais. No período, três instrumentos foram criados para estreitar as relações dos Estados-Membros com instituições financeiras como o Banco Europeu de Investimento: Assistência Conjunta para o Apoio a Projetos nas Regiões Europeias, Recursos Europeus Conjuntos para Micro e Médias Empresas e Apoio Europeu Conjunto para Investimentos Sustentáveis em Áreas Urbanas (do inglês, denominados de JASPERS, JEREMIE e JESSICA, respectivamente). A promoção do empreendedorismo recebeu cerca de 10% dos recursos da Comunidade Europeia (aproximadamente 1,4 bilhões de Euros), e três regiões francesas incluíram o JEREMIE4 em seus programas. Conforme comunicação da Comissão Europeia (2007), o país desenvolveu, na época, quatro programas multi-regionais, na intenção de explorar a possiblidade de definir estratégias e prioridades relacionadas ao território, ultrapassando fronteiras político-administrativas e de elaborar propostas para questões referentes ao território, como bacias hidrográficas, por exemplo. Ainda em 2007, a 4 Através do JEREMIE, os Estados-Membros da União Européia podem utilizar (na instância nacional ou regional), parte dos recursos dos fundos estruturais da Comissão Européia para financiar PMEs. Por ser flexível, o programa prevê o uso de diferentes maneiras, que vão além do simples subsídio, como garantias, microcrédito, seguro de crédito e fundos de transferência de tecnologia. O funcionamento de fundo permite que, com as amortizações, o capital seja re-investido.
  • 29. 29 Comissão Europeia apresentou o Grupamento Europeu de Cooperação Territorial, que forneceu a base jurídica para as cooperações territoriais, por meio de convenções entre autoridades das diversas instâncias e territórios, sendo um incentivo ao surgimento de redes, estabelecimento de cooperações e, inclusive, parcerias entre o poder público e organizações do segundo e terceiro setor. Na apresentação dos Resultados das Negociações para a Política de Coesão 2007- 2013, a Comissão Europeia (2007, tradução própria) argumenta: Os Prefeitos Regionais também organizaram a parceria regional para preparação dos programas 2007-13. As autoridades públicas, atores socioeconômicos e representantes de associações relevantes e organizações financeiras foram convidados a participar. Uma melhoria comparada aos períodos anteriores de formulação de programas foi a ênfase dada à importância de associar empresas e seus representantes na preparação dos tópicos relacionados diretamente a eles, como Inovação, Pesquisa, Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC), apoio a PMEs, etc. Algumas regiões organizaram grupos de trabalho bem sucedidos, envolvendo uma ampla seleção de parceiros do setor público e privado no desenvolvimento das prioridades do programa.5 Durante o cascateamento das políticas públicas a nível local, nas comunas, além de projetos específicos, outros atores podem pertencer ao grupo de beneficiários dos fundos europeus. Tais atores são as organizações da sociedade civil e as organizações do terceiro setor. Surgem então as cooperativas de crédito e as organizações coletivas. Um exemplo estudado foi o cluster da região de Rhones Alpes, por meio de entrevista com Nicolas Bertrand, Diretor de Desenvolvimento e Ações Internacionais. O cluster atua no apoio a micro e pequenos empreendimentos de beneficiamento de produtos primários, produções orgânicas, energia, tecnologia e outros mercados relacionados à sustentabilidade. A organização coletiva recebe o financiamento dos fundos europeus, caracterizando o apoio financeiro regional, e então se organiza para orientar mais de 180 MPEs participantes, analisando tendências de consumo e gaps da oferta e organizando feiras e eventos para a promoção de seus membros. Seu foco é a capacitação e o acesso à comercialização (inclusive para exportação), e no âmbito da agricultura atendem àqueles que desejam deixar de ser simples produtores. Segundo Bertrand, são mais de 2600 agricultores, que iniciam seus próprios empreendimentos, 5 “The Regional Prefects also organized the regional partnership for preparation of the 2007-13 programmes. The public authorities, socio-economic actors, and representatives of relevant associations and financing organisations were invited to participate. An improvement compared to the previous programming period was the emphasis given to the importance of associating enterprises and their representatives in preparing topics that relate to them directly (innovation, research, ICT, SME support, etc). Some regions organized successful thematic working groups, involving a wide selection of public and private partners to develop programme priorities” (COMISSÃO EUROPEIA, 2007).
  • 30. 30 abrangendo diferentes modelos de negócio, como linhas de cosméticos orgânicos. Até 2012, o cluster havia recebido mais de 900 mil Euros de auxílio financeiro das regiões, diretamente repassados às empresas participantes. 3.2.3. A percepção e o impacto do Modelo Delegativo pelos Atores Entrevistados O modelo delegativo sugere, então, uma releitura ao modelo tradicional de implementação de políticas públicas: as organizações coletivas se tornam, a nível local, cogestoras da política ou do programa, ganhando importância política ao adquirir o direito à tomada de decisão sobre a implementação da política no nível local. Ao delegar a tomada de decisão sobre o financiamento, o Governo Francês flexibiliza as ações, aumentando a visibilidade de atores menores, como agricultores familiares, micro empresários e PMEs. Para aqueles que atuam coletivamente, por meio de organizações do terceiro setor ou sociedade civil organizada, o espaço se torna ainda maior, com representativo ganho em autonomia de tais organizações. O que se percebeu nas falas dos entrevistados, também, foi o ganho em capilaridade e escala, uma vez que, a nível local, as organizações são capazes de atingir públicos mais remotos ou com pouca representatividade nacional, mas grande representatividade local. Além disso, a percepção dos entrevistados é de que as organizações agregam, à implementação, maior conhecimento da realidade local, permitindo uma adequação da mesma, e um direcionamento capaz de atender melhor às necessidades de seu público e do mercado local, quando aplicável. Segundo publicação da Comissão Europeia (2009), um exemplo de projetos beneficiados por tais políticas regionais é o Energivie, que visa à introdução e promoção do uso de energias sustentáveis em setores como turismo e agricultura, além de projetos em temáticas como inovação, apoio a empresas, meio ambiente, desenvolvimento urbano e rural, turismo e cultura e energia. Ao todo, foram apoiados 140 mil projetos franceses, sendo destinados 4,2 bilhões de Euros a Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação e 1,4 bilhões de euros para a promoção do empreendedorismo e de pequenas e médias empresas. Dentre os resultados mensurados no documento, estão a criação de 200 mil empregos e o aumento médio de 1,5% no PIB per capita de algumas regiões, entre os anos de 2000 e 2006. Apesar da percepção positiva e dos resultados demonstrados pelo DLOC, foi possível notar também, nas falas e entrevistas, práticas de microfinanças e políticas concorrentes aos programas públicos, o que pode indicar a existência de gaps na oferta
  • 31. 31 pública de microcrédito, em suas diretrizes ou em seu modelo de implementação. O primeiro exemplo vem do próprio cluster de Rhones Alpes, mencionado anteriormente. Durante a entrevista, além de encontros e orientações voltadas para o recebimento do crédito público, foram mencionadas parcerias com bancos privados, direcionadas à oferta de linhas de financiamento a taxas mais baratas. Além disso, durante as conversas com participantes e palestrantes da Sustainable Business Conference 2012, realizada na penúltima semana de Março de 2012, surgiu também o conceito de investimentos de alto impacto e finanças solidárias. O modelo de finanças solidárias promove investimentos em empresas ou projeto cujo negócio (ou finalidade) beneficie, diretamente, a sociedade, prezando pelo desenvolvimento sustentável. Foi possível entrevistar, durante a permanência na França, Thomas Brebion, responsável pela Missão de Financiamento Solidário no Finansol. Na época o modelo, ainda incipiente no Brasil, já começava a ganhar espaço na França, e, segundo Brebion, a crise econômica era um estímulo para seu crescimento, utilizando-se do argumento de que, em um momento em que a maioria dos investimentos é de retorno incerto, as finanças solidárias garantem, além do retorno financeiro, o retorno em capital social para comunidades necessitadas. Por fim, um último conceito de financiamento concorrente ao financiamento público, discutido tanto por Bertrand como por participantes da Sustainable Business Conference 2012, foram os fundos de Venture Capital (em francês, Societé de Capital Risque). Bertrand chegou a mencionar, como exemplo, a Garrigue, organização de Venture Capital que apoia a criação ou o desenvolvimento de empresas que tenham como preocupações principais o desenvolvimento social ou do meio ambiente. A Garrigue é também um dos membros-fundadores do Finansol. 3.3.As políticas de microcrédito no Brasil 3.3.1. O Contexto estudado A experiência brasileira aqui abordada aconteceu na região do município de Timon, no estado do Maranhão. Localizado a aproximadamente 430 quilômetros da capital, o município é o quarto maior de seu estado em Produto Interno Bruto (PIB), e o mais populoso, com 155.460 habitantes em uma área de 1.743 km², conforme o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O censo ainda traz informações sobre a economia do município, essencialmente fundamentada no setor de serviços, responsável por aproximadamente 80% de seu PIB. O crescimento do comércio, contudo, também é
  • 32. 32 considerável. Em artigo à revista Informe Econômico, Rocha Filho (2010) destaca o crescimento do setor em mais de 47% durante o período de 2003 a 2008. No mesmo artigo, o autor responsabiliza os programas sociais do governo por tais resultados. Em 2008, quase 16 milhões de reais foram inseridos no município pelos programas de transferência de renda do governo federal. Como o dinheiro destes programas deve, obrigatoriamente, ser gasto em alimentação, remédios, material escolar e vestuário, o comércio da cidade se vê estimulado. O crescimento do comércio e as perspectivas de que o mesmo se perpetue são indicadores positivos, mas deixam de mostrar pontos relevantes da economia local. Ainda segundo o Rocha Filho (2010), somados aos benefícios do INSS em 2008, o valor inserido no município alcança 79 milhões de reais, valor próximo às despesas de pessoal da prefeitura, estimada em R$78 milhões em 2008. O peso do setor produtivo para a massa salarial do município, portanto, não alcança 6% (cerca de R$ 8 milhões). As informações econômicas trazem também outra perspectiva: em 2008, havia cerca 26 mil famílias em situação de miséria ou extrema pobreza no município, cerca de 70% do total de famílias). Na época, 24 mil famílias eram cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais, e 19 mil eram beneficiárias do Bolsa Família. Cerca de 76 mil pessoas, “um número assustador, considerando que [a população total de Timon é de pouco mais de 150 mil habitantes] [...] – uma massa de cidadãos e cidadãs sem emprego e que sobrevivem da ajuda do governo” (ROCHA FILHO, 2010). Dois anos depois, em 2010, o município apresentava um IDH6 de 0,649 e um índice de Gini7 de 0,42, com cerca de 40 mil habitantes matriculados em algum nível de ensino, e aproximadamente 48% da sua população na faixa de 0 a 24 anos de idade. O Censo 2010 revelou, também, que o município possuía 60% de incidência de pobreza. A atenção para a necessidade de geração de emprego e renda em Timon é influenciada, também, por um aspecto geográfico do município: Timon se localiza a apenas 3 quilômetros da capital do estado vizinho, o Piauí. Com um nível de desenvolvimento econômico superior e sendo considerada o pólo de saúde da região, Teresina tem impacto fundamental sobre as finanças e a economia de Timon. Separados apenas pelas margens do Rio Poty (cruzados de “barca”, por apenas R$1,00, ou pela ponte, a pé, de carro, motocicleta, bicicleta ou ônibus), os fluxos entre municípios vão das mercadorias ao capital humano e 6 IDH: Indíce de Desenvolvimento Humano, medida comparativa composta por dados como expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capita. No índice, 1 representa o completo desenvolvimento humano e 0 representa o completo não-desenvolvimento humano. 7 Índice (ou Coeficiente) de Gini é uma medida de desigualdade, em que 0 representa a completa igualdade de renda, e 1 representa a completa desigualdade de renda. O cálculo utiliza a proporção acumulada da renda e a proporção acumulada da população.
  • 33. 33 recursos financeiros. No âmbito do capital humano, foi possível perceber que parte da força de trabalho de Timon (inclusive no setor público) é residente em Teresina, assim como grande parte dos moradores de Timon desloca-se até Teresina para trabalhar, principalmente nos setores de construção civil, limpeza e segurança privada. O impacto maior, porém, encontra-se no fluxo de recursos financeiros. Durante as entrevistas, foi possível notar que é comum o hábito de realizar compras em Teresina, mesmo para aqueles que trabalham ou residem em Timon. Dentre as potenciais causas, destacam-se: 1) O comércio em Timon, em geral, é caracterizado por pequenos estabelecimentos com baixo giro de estoque, que compram em Teresina e revendem em Timon. Isso faz com que os produtos cheguem com preços mais altos aos Timonenses; 2) Muitos habitantes de Timon trabalham em Teresina, e aproveitam a ida diária para realizar compras para a família e; 3) Muitos serviços ainda não existem em Timon (como a contratação do CrediAmigo [e do AgroAmigo], um dos produtos do Banco do Nordeste do Brasil [um dos programas de crédito mais populares da região]) ou tem maior qualidade em Teresina. [...] Durante a visita à CEASA (Central de Abastecimento de Alimentos) de Timon, alguns dos comerciantes revelaram que até mesmo os itens comercializados ali são comprados na CEASA de Teresina. O comércio local de Timon, segundo relatos de alguns dos comerciantes, é estimulado principalmente por aqueles que vêm da zona rural e essencialmente realizam suas compras em Timon. (MAIA e MOLINAR, 2013). Tal aspecto é ressaltado, principalmente, nos discursos dos gestores públicos do município. O atual prefeito tem 33 anos e uma história política precoce, tendo sido eleito aos 22 anos o deputado federal mais jovem do país, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Durante os dois encontros com o prefeito, foi possível perceber um forte esforço de reestruturação do modus operandi da administração pública. Atual presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) no estado, o prefeito afirma buscar um governo inovador e capaz de gerar soluções mais eficazes e eficientes, demonstrando um desejo de que seu governo se torne caso de sucesso para políticas públicas. Em seu governo, ele nomeou secretários municipais e gestores públicos com títulos de mestres ou doutores, sendo alguns deles profissionais do setor privado ou do meio acadêmico, que nunca antes atuaram no setor público. As visitas a algumas das secretárias, como Planejamento, Tecnologia, Desenvolvimento e Finanças, revelou que, já entre os cargos técnicos, há uma maior experiência de atuação no setor. Em campo, foi possível verificar também que o município possui muitos cargos comissionados ou terceirizados, resultado de um extenso período sem a realização de concursos públicos.
  • 34. 34 Para compreender melhor o contexto dos dois projetos pilotos da política pública, é necessário compreender mais profundamente as características de dois locais de Timon: a região do Parque Alvorada e as comunidades da zona rural. 3.3.1.1.O Parque Alvorada O Parque Alvorada se localiza a cerca de 15 minutos (de carro ou moto) do centro da cidade. Mas, por estar próximo a uma das pontes sobre o Rio Poty, o tempo de deslocamento até Teresina, também de carro ou moto, é de apenas 5 minutos. Durante a investigação de campo foi possível notar a existência de duas vias principais, sendo que uma delas concentra a maior parte do comércio da região, abrigando também uma feira local. Nas proximidades das vias principais, percebe-se vias asfaltadas, casas de alvenaria e uma grande concentração de estabelecimentos comerciais, principalmente de vestuário. Na região como um todo, contudo, é possível encontrar outra realidade: ao visitar as casas de cinco famílias de alunos de uma das escolas do bairro, a Escola Mãos Dadas, a realidade encontrada foi de casas de pau-a-pique, algumas vezes com um único cômodo para toda a família e até mesmo com redes ao invés de camas. Em três das cinco famílias, havia um único celular (pré-pago) na casa. No bairro, o principal meio de transporte é a bicicleta, e muitas pessoas pedalam diariamente até Teresina, onde trabalham. Um ponto crucial para o desenvolvimento da região do Parque Alvorada é a Escola Mãos Dadas, mencionada anteriormente. Localizada nas vias principais do bairro, a escola é reconhecida como a melhor da região e uma das melhores da cidade. O idealizador do projeto é um Padre português, que vive no Brasil há cerca de quarenta anos, a maioria deles no Maranhão. Além da oferta de roupas e materiais escolares aos alunos mais necessitados, a escola se diferencia pelo acompanhamento da realidade familiar de cada aluno (em campo, foi possível notar que os funcionários conheciam de perto a história e a estrutura familiar dos alunos) e pelo corpo docente, qualificado e dedicado às suas atividades. Além disso, a escola oferece uma infraestrutura que foge do estereotipo de escolas públicas: além das salas de aula, há um auditório onde ocorrem apresentações de balé e capoeira dos alunos, campo de futebol, horta e padaria. Em conversa com o fundador da escola, este afirmou que sua chegada em Timon foi seguida de um grande esforço para quebrar a cultura do “coronelismo” e da subordinação existente na região. Segundo ele explicou, a quebra dessa cultura aumentou, em certa medida, a violência na região, pois se antes havia um grande individualismo e competição por oportunidades, era o coronelismo que ditava as regras para
  • 35. 35 essa competitividade, evitando que chegasse a extremos violentos. Quando se quebrou o coronelismo, só restou então a competitividade e o individualismo. Por essa razão, com a intenção de despertar o senso de coletivo, a escola exige dos pais o envolvimento na vida escolar do aluno, a presença em reuniões de pais (que são precedidas por apresentações e discussões, no auditório, de temas relevantes para a comunidade) e o engajamento cívico, determinando um número mínimo de horas de trabalho para a comunidade. A escola é um projeto da Associação Daniel Comboni, também idealizada pelo padre português, seu atual presidente. A associação tinha o objetivo de discutir assuntos relevantes para a comunidade, reunindo os moradores interessados em contribuir com tais questões. Durante as entrevistas, os discursos de moradores e professores da escola frisaram a grande importância da Associação para o desenvolvimento do bairro. Segundo os relatos, a região antes tinha uma imagem associada à violência, incluindo crimes hediondos, como extermínio, e somente após o projeto ganhou visibilidade, recebendo recursos e melhorias em infraestrutura. Até o asfaltamento das vias principais são atribuídos aos resultados do projeto. Vale ressaltar que, além do apoio do poder público, o projeto recebeu auxílio financeiro de filantropos (o Padre desenvolveu relações principalmente na Europa). Os relatos de professores indicaram, também, que por consequência da crise econômica estes recursos têm diminuído. 3.3.1.2.As Comunidades Rurais O município de Timon possui, em seus arredores, cerca de 300 comunidades rurais, com aproximadamente 15 famílias por comunidade. As realidades das comunidades são bem parecidas entre si, havendo apenas 3 casos de maior diferencial, por seu desenvolvimento econômico. Durante as visitas ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Timon (STTRT), foi possível entrevistar presidentes e representantes de associações de moradores de algumas destas comunidades. Na maioria, os relatos trazem uma cultura de produção individualizada (cada família produz em seu próprio quintal) e problemas comuns, como irrigação, falta de capacitação, falta de orientação sobre culturas adequadas, acesso a crédito e perda da safra por questões climáticas e de infraestrutura. Para a maioria das comunidades, os únicos meios de transporte existentes são o ônibus e a bicicleta. Em alguma delas, tomar o ônibus para vir a Timon significa realizar um trajeto de quatro horas por trecho. Quando questionados sobre meios de comunicação, os agricultores revelaram que possuem de 1 a 2 celulares pré-pagos por família e que utilizam o celular
  • 36. 36 somente para chamadas, pois têm medo de enviar SMS por não compreender o modelo de cobrança das mesmas. Disseram também que utilizam o serviço principalmente quando vêm a Timon, pois em muitas comunidades há problemas de infraestrutura, não havendo sinal, ou este sendo restrito a áreas mais altas. Em relação à organização coletiva, os relatos também foram semelhantes, mencionando dificuldades para desenvolver projetos coletivos e, até mesmo, para conseguir quórum para reuniões de rotina. Dentre os motivos apontados estão o desinteresse espontâneo (e a mentalidade de progresso individual, sem necessidade de associação a semelhantes) e a descrença em soluções coletivas, devido a um histórico de promessas do poder público não cumpridas e de projetos descontinuados ou mal sucedidos. Dentre as comunidades, São João dos Marrocos e Bambu têm perfis muito distintos. A primeira é considerada por servidores públicos e outros líderes comunitários como um caso de sucesso entre as comunidades, tida como a mais desenvolvida da região, enquanto a segunda é o retrato da realidade mais comum, de pobreza e abandono. De fato, São João dos Marrocos apresenta características impressionantes: os jovens trabalham em uma cerâmica que foi construída há cerca de 20 anos por “Seu Mundico”, o líder da comunidade. Os mais velhos trabalham no campo: os homens pescam (há um tanque de peixes na comunidade) e são responsáveis pela produção de quiabo, e as mulheres cuidam de uma horta. Toda a produção é feita em área coletiva (em uma terra arrendada), e os custos, como eletricidade, são divididos entre todos, e cada morador cede uma parte da produção para a associação. As casas da comunidade são de alvenaria, com construções complexas, de mais de 2 cômodos. Muitos dos residentes são jovens (que deixam de procurar emprego na cidade, uma vez que podem trabalhar na cerâmica). Ao conversar com Seu Mundico e os habitantes locais, percebe-se uma forte influência do líder na construção do senso do coletivo. Firme, o discurso dele sobre a participação da comunidade parece nem presumir a abstenção de membros. Uma das senhoras da comunidade explicou: “Pode não ir na presença, mas tem que ir no dinheiro.” (sic). E, ao serem questionados sobre as razões para o desenvolvimento, os habitantes afirmam com frases como “É a união”. Um dos habitantes (que mora somente com sua esposa) afirmou possuir uma renda familiar de 700 a 1500 reais, conforme produção. A primeira diferença para a comunidade do Bambu se encontra no modelo de produção: cada família planta sua cultura em seu próprio quintal (terreno geralmente inferior a um hectare), e não coletivamente. A cultura na maioria das casas é o feijão, com espaço para a mandioca em algumas delas, que possuem também o moedor para a produção de farinha. O presidente da associação da comunidade queixou-se sobre as dificuldades em unir os habitantes em um projeto ou ação coletiva. As casas são de pau-a-pique, sendo que a maioria
  • 37. 37 possui apenas um cômodo. De carro, o tempo de deslocamento até o centro de Timon é de 30 minutos, mas somente um dos moradores possui veículo próprio. Para o restante, o trajeto até a cidade é feito de ônibus ou bicicleta. Na comunidade havia também um comércio local, com itens de necessidade básica. Em entrevista, o comerciante afirmou que comprava as mercadorias no supermercado do Parque Alvorada. Alguns outros moradores também informaram que fazem compras mensais no bairro, pois possuem familiares morando ali. 3.3.1.3.A Relação com o Crédito e com o Sistema Financeiro Durante a pesquisa de campo, foi possível entrevistar comerciantes e agricultores sobre sua relação com o crédito, na intenção de compreender questões culturais e potenciais oportunidades ou barreiras já existentes na região. Na região central do município há agências de grandes bancos nacionais, como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Itaú, além de uma agência do Banco do Nordeste do Brasil, um ponto de atendimento do CrediAmigo e uma grande concentração de estabelecimentos de oferta de crédito (anunciando, em alguns casos, a disponibilização de crédito para negativados e, inclusive, para o pagamento de outras dívidas). Tudo isso em meio a um intenso comércio (especialmente de vestuário), que inclui lojas como Armazém Paraíba e Comercial Carvalho, duas das maiores redes de varejo e supermercado do Brasil, com forte atuação na região nordeste do país. Na cidade, ainda foi possível encontrar pessoas sem inserção no sistema financeiro, mas a grande maioria dos entrevistados possui ao menos conta poupança. A maioria destes, para recebimento de aposentadoria ou outros benefícios governamentais, como programas de transferência de renda. Os bancos mais citados foram Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, além do BNB. Durante as entrevistas com comerciantes dessa região, foi possível encontrar muitos tomadores de microcrédito. Entre os ambulantes foi possível identificar um evento frequente: o comerciante possui o capital de giro para seu negócio, mas toma o crédito para utilizar como tal e gastam o capital próprio com consumo. Na prática, o valor do capital de giro se mantém, e gera-se a situação de dependência da constante renovação do crédito, sem que ocorra impacto efetivo no negócio ou na renda do tomador. Nestes casos, a adesão ao crédito geralmente ocorre por incentivo de pessoas próximas ou por excesso de ofertas de crédito recebidas. Uma das comerciantes chegou a comentar “É pior que crack isso aí” (sic). Os depoimentos revelaram também que é comum a tomada de um segundo empréstimo
  • 38. 38 (inclusive com agiotas) para o pagamento do primeiro, evitando o pagamento de juros por atraso, mas aumentando o custo do capital. Mas há, ainda, casos de sucesso. Um dos entrevistados é dono de uma loja de bicicletas e acessórios, e deixou de tomar crédito há cerca de dois anos. Ele revelou que, no início do seu negócio, possuía apenas cinco bicicletas, e que o crédito forneceu capital de giro para que ele comprasse mais produtos e aumentasse sua oferta. Durante a nossa visita, havia cerca de 20 bicicletas novas e seminovas no local, além de outros produtos. O comerciante disse que prestou serviço militar, e que por essa razão aprendeu a se disciplinar com tudo, inclusive com as finanças de seu estabelecimento. O empreendedor disse que, no início, tomava crédito em uma modalidade coletiva, em grupos de pelo menos 4 pessoas, mas que em seu grupo alguns não pagavam, e como todos eram responsabilizados pela divida, decidiu passar a utilizar o crédito individual logo que conseguiu autonomia para isso: “Eu quis o crédito com um objetivo, e só usei pra isso. Mas tem gente que pega (sic) o crédito e gasta, não se planeja. Aí na frente [se referindo ao outro lado da rua, onde havia uma concentração de comerciantes ambulantes] deve ter alguns assim”. A narrativa do comerciante reforçou um dos apontamentos ouvidos de membros da Associação Daniel Comboni, “tem gente que pega crédito junto e depois fica endividado por culpa dos outros” (sic). Já no caso rural, durante as conversas no STTRT e na comunidade do Bambu, alguns moradores chegaram a relatar o uso do crédito público pelo PRONAF, especialmente por meio do AgroAmigo. Mas para grande parte, especialmente entre os mais velhos, a palavra “crédito” foi recebida com perceptível surpresa e receio. Quando perguntados sobre a razão, a justificativa é sempre a mesma: medo de endividamento. Outro discurso dos moradores do campo era referente à oferta e ao acesso ao crédito. Segundo eles, há pouca oferta e, quando esta é existente, os requisitos são muitos, dificultando o acesso. Segundo técnicos da Secretaria da Agricultura, porém, o principal requisito para acesso ao crédito é a DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), que é um documento exigido pelo Governo Federal, e muitos agricultores têm conseguido acesso ao mesmo. Ainda segundo a visão dos técnicos, o que falta é o interesse em produzir, a dedicação e o emprego correto do auxílio recebido. Chegaram a relatar alguns casos, como o de uma comunidade que recebeu da secretaria kits de irrigação, e ao invés de instala-los, revendeu. Contaram também de uma comunidade que recebeu subsídios para a compra de equipamentos e insumos para a produção de Caju, e aproveitavam somente o suco para a cajuína, descartando outras partes como a castanha, que poderiam ser beneficiadas e ser revendidas com ainda maior valor agregado. Segundo os técnicos, neste mesmo caso houve também desinteresse na continuidade do negócio: uma vez
  • 39. 39 que a produção acabou, não houve parte da receita reinvestida para a compra de mais insumos, e esta foi gasta com fins não produtivos. Mas também no campo é possível encontrar casos de sucesso, como o da comunidade de São João dos Marrocos, já mencionado anteriormente. No caso, iniciado há cerca de 20 anos, Seu Mundico uniu cerca de 10 moradores para a tomada de um valor maior de crédito. Ao invés de cada um tomar os quase 2 mil reais e investir individualmente, o líder comunitário investiu os 20 mil reais para preparar a terra e organizar a produção, que é feita coletivamente, além da construção da cerâmica. A partir daí, os agricultores continuaram renovando o crédito, mas para a expansão da produção e da cerâmica. 3.3.2. O Projeto de Política Pública O projeto de Política Pública estudado era uma proposta da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SEDETUR). Confirmando as características do governo, a SEDETUR tem, entre seu pessoal, técnicos muito jovens, mas já com experiência prévia no setor público. Já entre os altos gestores é possível encontrar mestres, como o então secretário, com ainda pouca experiência profissional relacionada ao setor público. A gestora responsável pela política é a Diretora de Acesso ao Crédito e Comercialização. Com experiência no setor privado, mas sem atuação prévia no setor público, ela foi convidada a participar do corpo da SEDETUR pelo secretário nomeado. Como gestora pública do município de Timon, um dos primeiros desafios apresentados à gestora foi a ideia do Banco Comunitário. Natural de Timon, o secretário já conhecia a questão da mobilidade de recursos financeiros entre o município e Teresina, e encarava isso como uma das discussões prioritárias do governo, tendo imaginado o Banco Comunitário como um potencial mitigador do problema. A proposta do secretário considera o Banco Comunitário como um potencializador do desenvolvimento econômico regional, e acredita que, uma vez que este esteja estabelecido como agente de microcrédito local, será possível inserir na economia uma moeda social. Moeda social é uma moeda com circulação e poder de compra restritos a uma localidade específica. Em grande parte dos casos ela é criada como modo de incentivar que a renda de uma determinada comunidade se mantenha circulando dentro da mesma. Ao assumir a diretoria, a gestora se tornou responsável, portanto, pelo desenvolvimento do projeto do Banco Comunitário e da moeda social. No caso estudado, há ainda uma característica particular do projeto, que o diferencia de outros projetos com o mesmo objetivo: a moeda social seria eletrônica. Para o secretário, essa restrição se deve ao
  • 40. 40 alto custo do papel moeda (segundo ele, de R$0,05 a R$0,10 por nota) e aos riscos de danificação do papel, que podem comprometer a relação lastro/circulação. Legalmente, a proposta tem seu embasamento na Medida Provisória 615/20138 , que dá autonomia ao Banco Central para regulamentar os “arranjos de pagamento”, abrindo espaço para meios de pagamento eletrônicos. A partir das diretrizes dadas pelo secretário, a diretora de comercialização e acesso ao crédito passou a se aprofundar no desenvolvimento do projeto. A intenção, conforme verificado pelas entrevistas em campo, seria o desenvolvimento de dois bancos comunitários piloto: um em um bairro da zona urbana, o Parque Alvorada, e outro para a zona rural (sem comunidade ou área definidos até então). O Banco comunitário, além de agente de microcrédito, teria uma função a mais: a orientação do uso do crédito, que abrangeria, inclusive, a capacitação em gestão para os empreendedores e agricultores beneficiados. A moeda social eletrônica circularia por meio de celulares e smartphones, mas ainda não havia consenso sobre o formato definitivo dessa circulação: se por meio de SMS9 , aplicativo mobile ou se pela utilização de créditos de celular pré-pago como moeda, seguindo o modelo queniano da Safaricom10 , que se tornou caso de sucesso em microcrédito e mobile payment. Outra característica até então sem definição se refere à qualidade do crédito: se este seria oferecido somente para fins produtivos ou se abrangeria também fins não produtivos. Segundo a gestora, a expectativa é de que o modelo entrasse em funcionamento em um prazo de um ano, e que em mais um ano estivesse funcionando perfeitamente para a tomada de crédito. Os recursos para seu funcionamento (inclusive para o lastro) seriam provenientes de órgãos internacionais e federais, e a operação seria realizada pela comunidade local e pela SEDETUR, prevendo um gradual desligamento da secretaria e aumento da autonomia à comunidade. 8 Câmara dos Deputados. Projetos de Lei e outras Proposições. <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=577468> Acesso em 25 de Setembro 2013 9 Short Message Service, ou Serviço de Mensagens Curtas, padrão de comunicação de texto entre celulares. 10 Após perceber o comportamento de consumo dos usuários de celulares pré-pago Safaricom, empresa de telefonia celular queniana, lançou a primeira conta de celulares, a M-PESA, que aumentou o acesso da população a serviços financeiros formais. (FSD KENYA, 2011) Disponível em: <http://www.fsdkenya.org/finaccess/documents/11-06-27_finaccess_09_results_analysis.pdf>. Acesso em 16 de Novembro de 2013.
  • 41. 41 3.3.3. A Percepção e o Impacto da Formulação da Política de Microcrédito em Timon A formulação da política pública iniciou-se, como explicado anteriormente, pelo trabalho do secretário, sendo assumida pela gestora logo no início do mandato. Segundo os relatos da gestora, os primeiros meses tinham sido utilizados para pesquisa e aquisição de contatos, por meio de presença em eventos e cursos, por exemplo. Além disso, ela trabalhou no desenvolvimento da formulação do projeto e seu planejamento estratégico, interagindo também em outras ações da SEDETUR. Durante esta etapa, a gestora fez contato com organizações dos diversos setores, como universidades, centros de pesquisa, órgãos federais para o desenvolvimento econômico e organizações internacionais de financiamento de projetos para o desenvolvimento econômico. Em Julho, foi possível acompanhar a segunda etapa do processo: a visita da gestora às organizações da sociedade civil para a apresentação do projeto. A primeira organização visitada foi o STTRT. A diretora realizou uma palestra no local, onde apresentou dois vídeos: um fazia referência ao Banco Palmas e outro à comercialização de produtos agrícolas. Após os vídeos, ela explicou a proposta do banco comunitário e como isso poderia desenvolver a comunidade e fomentar o acesso à comercialização. A apresentação foi seguida de uma discussão com os agricultores, e houve pouco interesse em discutir a proposta específica, com foco maior na discussão da atenção dada pelo poder público em geral. O que se pôde perceber, pela discussão, é que, para muitos que participaram não há uma diferenciação entre as instâncias ou entre os diferentes órgãos públicos. As críticas revelaram, principalmente, uma descrença em relação à eficácia do poder público, seja devido ao número de projetos apresentados e não cumpridos, ou pelo difícil acesso e complexidade dos requisitos exigidos pelos que se realizam de fato. Já os presidentes de associações demonstravam interesse na proposta, com esperança de que esta pudesse mudar a realidade de sua comunidade. A segunda apresentação do projeto foi na Associação Daniel Comboni, grupo estratégico para a apresentação do projeto. Muitas vezes a importância do papel do Padre foi ressaltada pelos atores do poder público, em frases como “Se o Padre não quiser, esse projeto não sai do papel.”. Na ocasião, a apresentação era somente um dos itens da pauta da reunião. Um dos primeiros itens, contudo, tinha relação com o projeto formulado: era a aprovação do planejamento estratégico da associação, que incluía a criação do Banco Comunitário. Segundo apresentado no dia, alguns dias antes, a SEDETUR teria se reunido com membros da Associação e professores da Escola Mãos Dadas para a formulação do planejamento estratégico, com missão, visão, valores e eixos de atuação. Após a apresentação, no momento
  • 42. 42 da votação, a vice-presidente da associação se manifestou, questionando a representatividade dos associados na reunião de formulação, perante tantos outros participantes não associados. A discussão se seguiu brevemente, com alguns outros associados se manifestando, mas logo foi interrompida para a votação do planejamento, que foi aceito pela maioria. Ao fim da votação, a vice-presidente declarou seu desligamento. Este acontecimento pode indicar a existência de pontos de tensão na tomada de decisão e no diálogo entre as duas vozes: a SEDETUR, representando o poder público, e a Associação Daniel Comboni, uma organização da sociedade civil. O desenvolvimento da relação entre os dois grupos de interesse se torna fundamental para a implementação da política e, principalmente, de quaisquer parcerias que venham a ocorrer. Por fim, a Escola Mãos Dadas foi a última apresentação pública do projeto presenciada (houve ainda algumas apresentações individuais, que serão tratadas adiante). Ali, duas professoras apresentavam o projeto a um grupo de cerca de 400 pais de alunos, acompanhadas pela diretora da SEDETUR e pelo Padre. Era o dia de reunião de pais e professores, e cada período (matutino e vespertino) se iniciava com a fala do Padre no auditório. A apresentação pelas professoras foi bem recebida pelos pais. Ao questionar sobre o apoio ao projeto, poucas mãos não se levantaram. As questões apresentadas eram pontuais, e especificamente sobre o funcionamento do Banco Comunitário. Apesar de positiva, é preciso tomar a aceitação com cautela. Quando solicitado que aqueles que não levantaram a mão se manifestassem, ninguém se apresentou. O apontamento, aqui, é para a relação de dependência que se tem: as regras da escola são rígidas, e as vagas são disputadas por alunos de toda a região. Muitos pais vêem a escola como a oportunidade de acesso de seus filhos a uma formação de qualidade. E talvez por essa razão, possa haver uma construção de respeito e influência que seja limítrofe à obediência e subordinação, influenciando a discussão de projetos como esses. Em paralelo a essas apresentações, durante o mês de julho houve também reuniões com outros gestores da SEDETUR, outros secretários municipais e com o prefeito, para a apresentação do projeto. De modo geral, todos apresentaram aceitação e disposição para discutir o projeto. Contudo, grande parte afirmou não ter conhecimento do projeto até o momento, mesmo que em linhas gerais. Em uma das secretarias, o gestor explicou que o município era altamente dependente de recursos federais, e que por essa razão um projeto desse porte deveria ser amplamente comunicado entre as secretarias.
  • 43. 43 3.4.Análise comparada das duas experiências estudadas Como foi explicitado na descrição dos casos, a experiência francesa se dá em um momento de recuperação econômica e de contenção dos excedentes agrícolas, em que o estímulo ao empreendedorismo é utilizado, inclusive, como modo de deslocar a atividade econômica do campo da produção primária para o beneficiamento de produtos e desenvolvimento de tecnologias. O modelo de política pública do país se constitui, portanto, de um processo de formulação centralizado na União Europeia ou no Estado, que se desdobra para as regiões, comunas e, finalmente, tem seus efeitos em projetos de origem comunitária. Verificou-se que, apesar de gerar uma percepção positiva acerca da autonomia das comunas e regiões para a alocação dos recursos, permitindo uma adequação à realidade local, o contexto francês revela o fortalecimento de alternativas de financiamento concorrentes às políticas públicas, o que pode indicar que ainda existe espaço para desenvolvimento destas. O caso brasileiro, por outro lado, traz a realidade de um município cuja economia é altamente dependente de recursos do Estado, mais especificamente dos programas de transferência de renda. O caso estuda a formulação de uma política pública que busca, por meio da criação de uma moeda social que concentre o consumo da população no próprio município, fomentar o desenvolvimento econômico local. Em Timon, o processo de formulação se iniciou com o planejamento e contato com organizações para o financiamento de projetos de desenvolvimento, além de outras organizações de ensino e pesquisa. A etapa seguinte ao planejamento envolveu a interação com outros agentes do poder público e com atores da sociedade civil, como meio de divulgar a política e de buscar apoio que fortalecesse a implementação da mesma. Portanto, a partir dos casos investigados, é possível identificar três principais fatores de diferenciação entre as políticas francesa e brasileira, sendo eles: as diretrizes da política pública quanto ao seu público alvo e suas consequências; o momento da primeira interação Estado-sociedade; e a finalidade deste contato e a accountability. A primeira diferença, portanto, diz respeito às diretrizes da política pública. Na França, a experiência estudada se volta especificamente para públicos determinados, conforme direcionamento estratégico do governo. Considerando a questão dos excedentes, por exemplo, há um direcionamento do financiamento para negócios e projetos que não se limitem à simples produção agrícola. Já no Brasil, o caso estudado previa uma concessão generalizada de crédito, para diferentes públicos e negócios, sem um direcionamento específico por parte do poder público. Quanto às estruturas de generalização ou especificação,