1. I. A RAIZ AFRICANA E A RECRIAÇÃO AFRO-BRASILEIRA
Embora nascida a partir de uma funda raiz africana, a arte afro-brasileira teve
um longo percurso de séculos que lhe possibilitou, não só uma visível autonomia,
como uma criatividade própria. Ela percorreu uma trajetória de trocas, sobretudo
com os europeus, no seio de um mundo escravocrata e católico que lhe
acarretou perdas e ganhos, continuidade e mudança, sem contudo ter havido
uma ruptura.
Essa arte permaneceu realimentada pela seiva africana que lhe inspira uma
visão de mundo herdada do continente negro, mas sujeita a uma dinâmica
proveniente da evolução da sociedade brasileira. Participou de tal modo na
construção e desenvolvimento dessa sociedade que, pioneiramente, Gilberto
Freyre considerou o negro como “um co-colonizador, apesar da sua condição de
escravo”. Após a Abolição ele continuou sofrendo uma enredada, mas pertinaz
discriminação racial.
1. A ARTE AFRICANA TRADICIONAL
A arte africana, presente nas sociedades predominantemente rurais, não tem o
propósito de ser uma reprodução literal da realidade ou um objeto de pura
contemplação, embora o seja também de deleite espiritual e estético.
A sua função primordial é a de produzir valores emocionais para as comunidades
às quais pertence e que possuem um saber cultural já estabelecido. Por via
disso, as pessoas dessas comunidades têm uma capacidade de compreendê-la
que antecede qualquer reflexão. São apreciadas não pelo que apresentam, mas
sim pelo que representam.
A também chamada “arte negra” acompanha a vida da comunidade, é
instrumento da sua relação com o espiritual, participando dos ritos e rituais da
vida doméstica desde o nascimento, os ritos de passagem, passando pela morte
e continuando na perene ligação com a ancestralidade.
Essa arte africana não tem compromisso com o retrato da realidade. Ela se
apresenta sem a simetria e a proporção que poderíamos esperar. Quase sempre
a cabeça é demasiado grande, pois ela representa a personalidade, o saber,
sobretudo quando é a de um “Mais Velho” da comunidade; a língua, por vezes
ultrapassa a cavidade da boca: ela expressa a fala, que é a chave da tradição
2. oral; a barriga e os seios femininos representam a fertilidade; os pés,
normalmente grandes, são bem fixados na terra.
Tais representações são expressões culturais, sujeitas a diversidades étnicas,
mas todas provenientes do sopro do Criador, que emite uma força vital (axé, no
Brasil dos orixás, vindos do oeste nigeriano e leste do Benim). Essa força vital
circula por todos os reinos do universo: o humano e o animal, o vegetal e até o
mineral, e é passível de ser manipulada, e assim transferida entre todos os seres,
através da intervenção dos ancestrais, tendo como intermediários-intérpretes os
sacerdotes.
Essa arte africana, de base rural-comunitária, que feria os cânones europeus até
quase o final do século XIX, atraiu, com o seu “expressionismo”, pintores como
Picasso e Braque, quando eles enveredaram pelo cubismo. Entretanto, por essa
mesma época, os europeus também reagiram com espanto a um outro tipo de
arte africana: foram trazidos para a Europa, após a conquista colonial, os
“bronzes de Benim”. O crítico alemão F. von Luncham escreveu, em 1901: “Estes
trabalhos de Benim (elaborados com a secular técnica da ‘cera perdida’) estão
no patamar mais elevado da técnica de fundição da Europa. Cellini, e ninguém
antes nem depois dele, poderia tê-los fundido melhor”. Essas cabeças e estátuas
em bronze eram já assim produzidas pelos iorubás desde o século XVI, conforme
testemunharam os portugueses quando ali aportaram no tempo das
navegações.
Não é propósito deste texto tratar da arte africana contemporânea, produzida
sobretudo no período pós-colonial. Esta, seja figurativa ou abstrata, carrega a
tradição mas tem propósitos semelhantes ao de qualquer arte contemporânea
de caráter internacional.
Entretanto, artistas e artesãos continuam produzindo a arte tradicional, quer para
uso comunitário, quer para deleite dos turistas. Parte dela, de qualidade bem
menor, é chamada de “arte de aeroporto”.
2. A RECRIAÇÃO AFRO-BRASILEIRA
Analisando a fraca presença do negro brasileiro nas artes visuais
contemporâneas, em flagrante contraste com o período do barroco, quando
eram dominantes, Clarival do Prado Valadares, num texto de 1988, menciona
que essa presença passou a traduzir-se, quase que exclusivamente no que se
convencionou chamar de “arte primitiva”. E explicava que essa arte,
3. aceitavelmente dócil, era o que se esperava do negro. Enfim, uma arte adequada
ao lugar que era permitido ao negro na sociedade brasileira.
Compreende-se melhor isso ao consultar uma publicação do Ministério das
Relações Exteriores, em 1966, intitulada Quem é Quem nas Artes e Letras do
Brasil. Nela estão listadas 298 fichas biográficas de artistas brasileiros. Dessa
lista, somente 16 eram negros. O mesmo Itamaraty, numa edição, em francês,
do seu Anuário de 1966 (p. 227) assinala que, no que respeita à cor: “a maioria
da população brasileira é constituída de brancos; a percentagem de mestiços é
fraca”.
Hoje, não só desapareceu dos Anuários do Itamaraty essa “distração” étnica
quanto progrediu a participação dos negros nas artes nacionais. No entanto, em
tempo algum os negros constituíram uma elite nas nossas artes como aconteceu
na época do barroco.
II. O BARROCO AFRO-BRASILEIRO
O barroco brasileiro, com epicentro em Minas Gerais, mas com núcleos
importantes em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, beneficiou-se
economicamente do Ciclo do Ouro das décadas de 1729 a 1750. Além de terra
das pedras preciosas, Minas Gerais era o maior centro mundial de produção do
ouro na primeira metade do século XVIII. Apesar das restrições da Metrópole,
preocupada quase que exclusivamente com a arrecadação do metal para
cunhagem de moedas, Vila Rica, atual Ouro Preto, era uma das mais faustosas
cidades do mundo dessa época. No entanto, o auge do barroco só viria a ocorrer
um pouco depois, na segunda metade do século XVIII.
Sua inspiração é europeia, sobretudo italiana e francesa (estilo rococó). O
barroco foi uma tentativa de resposta ideológica e artística da Contra-Reforma,
à expansão das doutrinas ditas protestantes da Reforma e também à herança
humanista da Renascença. Isso ajuda a explicar a extrema religiosidade do
barroco; ele pretendia o triunfo da sensibilidade teatral sobre o intelectual.
Foi do período barroco que resultaram os mais belos monumentos religiosos do
Brasil, no dizer de Fernando Azevedo, que acrescenta ter sido o setecentos o
“século do Aleijadinho”.
Este foi o gênio que deu aos “centros urbanos de Minas Gerais algumas das
igrejas rococó mais belas do mundo”. É natural, portanto, que muitos críticos
4. considerem que é com o estilo barroco que se inicia, de fato, a história das artes
no Brasil.
Além do ouro e das pedras preciosas, o barroco mineiro foi beneficiado por
outras circunstâncias. Uma delas relaciona-se com as associações laicas
chefiadas por patronos abastados e a outra foi o enfraquecimento das ordens
religiosas, provocado pela política laica e centralizadora do Marquês de Pombal,
primeiro-ministro do rei D. José I, de Portugal. Essas ordens religiosas, além de
exclusivistas do ponto de vista racial, não toleravam a participação de quem não
provasse ter “sangue puro” (judeus, por exemplo).
Outro fator benéfico foram as Irmandades, a quem estavam ligadas as
corporações de ofícios. Estas eram separadas pela cor dos seus membros:
brancos, pardos (ou mulatos) e pretos, que competiam entre si. Contudo, não
era uma competição muito excludente já que, com freqüência, o talento era
priorizado. Dois exemplos: foi a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos quem
patrocinou a publicação, em Lisboa, do livro Testemunho Eucarístico de o
Aleijadinho, assim como ele foi o escolhido pela Irmandade de São Francisco,
de brancos, para fazer a planta e construir as suas duas mais belas igrejas, em
Vila Rica e em São João d’El Rei.
O ALEIJADINHO E MESTRE VALENTIM
Esses dois símbolos da brasilidade nasceram na mesma época, na mesma
capitania de Minas Gerais e morreram com a diferença de um ano. No entanto,
não há notícia de que tenham se encontrado. Ambos eram filhos de pai
português e mãe escrava. O primeiro, atuou em Minas Gerais, o segundo, no
Rio de Janeiro. O Aleijadinho, no terreno da arte religiosa, arquitetura e escultura.
Mestre Valentim imortalizou-se no campo do urbanismo e da construção civil.
Por quê os nomes de o Aleijadinho e de Mestre Valentim são tão facilmente
reconhecidos por qualquer brasileiro razoavelmente informado, mesmo que ele
nunca tenha lido um livro de arte colonial? Myriam Ribeiro de Oliveira, num
estudo comparativo entre essas duas figuras maiores da arte brasileira, fez essa
pergunta. Segundo ela, a sobrevivência desses dois nomes na memória coletiva
brasileira não se explica somente pela qualidade de suas obras, e comenta: “Há
algo com raízes mais profundas na psicologia do povo brasileiro que
arriscaríamos chamar de uma espécie de identidade nacional com esses dois
artistas, ambos mulatos e, portanto, representantes autênticos da originalidade
5. de uma cultura criada na periferia do mundo e que apresenta tal força e
originalidade”.
Originalidade capaz de manifestar uma força expressionista, de talha
geométrica, angulosa, tão próxima da África como se sente em o Aleijadinho. O
mesmo se pode dizer do Mestre Valentim, com os traços negróides de suas
esculturas e pinturas. Quem nos sugeriu o reconhecimento dessa africanidade
presente na arte desses dois mestres – e em tantos outros artistas, menos
estudados – foi o crítico George Nelson Prestan, com a sua teoria do
Neoafricanisimo voltada para a evolução da arte da diáspora africana nas
Américas.
Emanel Araújo lembra que Mário de Andrade chamava de racialidade brasileira
essa marca deixada pelos nossos artistas negros. Já SérgioBuarque de Holanda
preferiu o termo mulatismo, que não se limita aos dois artistas aqui citados. O
crítico Augusto de Lima Júnior considera o mulatismo uma marca que se
reconhece em artistas dessa época, muitas vezes anônimos, que também
apresentavam traços negróides nas figuras humanas dos painéis que pintavam.
ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA, O ALEIJADINHO (VILA RICA – C. 1738-1814)
Era filho de arquiteto português e de mãe escrava. Aprendeu arte com o pai, com
quem mais tarde concorreu para a execução de alguns projetos. Entre as
inúmeras igrejas que construiu em Minas Gerais, a que lhe granjeou mais fama
foi a de São Francisco de Assis, de Ouro Preto, com
as inovadoras plantas elípticas e de torres
redondas, quebrando com essa concepção original
a uniformidade do barroco de importação,
inspiração do novo barroco de Borromini.
No entanto, foi como escultor que produziu as suas
melhores obras: os doze profetas esculpidos em pedra sabão e as 66 figuras em
madeira pintada que reproduzem os Passos da Paixão de Cristo. Elas se
encontram no exterior do Seminário de Bom Jesus de Matosinhos, em
Congonhas do Campo (MG).
Perto dos 50 anos, uma doença degenerativa consumiu seu corpo, levando-o a
ter que trabalhar com os instrumentos amarrados no coto dos braços e com a
ajuda de discípulos, entre eles dois escravos de origem nigeriana.
VALENTIM DA FONSECA E SILVA (C. 1750-1813)
6. Conhecido como Mestre Valentim, era filho de um pequeno fidalgo português,
tornado contratador de diamantes, e de mãe escrava. Viveu parte da sua infância
e mocidade em Portugal, onde estudou com grandes mestres, inclusive
Bartolomeu da Costa, autor da estátua do Marquês de Pombal, com quem
aprendeu a torêutica, arte de esculpir ou cinzelar madeira, marfim e metais. De
regresso ao Brasil, no final do século XVIII, tornou-se o maior empresário de
obras do que hoje poderíamos chamar de urbanismo paisagístico e arquitetura
de equipamentos urbanos. Exemplos mais conhecidos dessas obras são as
realizadas no Rio de Janeiro no Passeio Público e no chafariz da Praça XV. No
Passeio, com os maciços de árvores em canteiros, estátuas de seres mitológicos
e fontes jorrando em cascata, construiu um espaço
“parisiense” adaptado aos trópicos. Essas obras
foram quase todas encomendadas pelo Vice-rei D.
Luís de Vasconcelos e Souza, durante o seu
governo no Rio entre 1779 e 1790.
A produção de talha e imagens de santos do Mestre
encontra-se em igrejas do Rio de Janeiro, como as da Boa Morte, do Mosteiro
de São Bento, da Ordem Terceira do Carmo e de São Francisco de Paula.
O Aleijadinho e Mestre Valentim utilizaram fontes distintas para a elaboração do
seu modelo próprio. Mestre Valentim, pelo que se sabe, foi mais inspirado pelo
rococó da Escola do Porto. Entre os discípulos de Mestre Valentim, os mais
citados são: Simeão José de Nazaré, Francisco de Paula Borges e José Carlos
Pinto. Formados no ateliê de o Aleijadinho destacaram-se José Soares da Silva
e Justino Ferreira de Andrade. São admirados também os entalhadores
Agostinho e Maurício, escravos de o Aleijadinho.
Registrem-se, finalmente, os biógrafos desses dois artistas: Rodrigo Gerreira
Bretas, professor da província de Minas Gerais, que publicou a biografia de o
Aleijadinho, em 1858, no Correio Oficial de Minas, em Ouro Preto; e Manuel de
Araújo Porto-Alegre, professor da Academia de Belas Artes, que publicou, em
1856, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a primeira
biografia de Mestre Valentim.
MANUEL DA CUNHA (1762-1809)
É o único pintor que se conhece ter iniciado a sua carreira na condição de
escravo e comprado a alforria com o produto de sua arte. Nascido e falecido no
7. Rio de Janeiro, conseguiu, depois de livre, completar os seus estudos em Lisboa,
dedicando-se à pintura e escultura.
Formou muitos discípulos, numa escola que mantinha em sua casa. Foi autor de
murais espalhados por várias igrejas do Rio de Janeiro, com destaque para os
que executou na Igreja da Boa Morte.
MANUEL DA COSTA ATAÍDE (1762-1830)
Considerado o maior pintor sacro do século XVIII, fez parte de um grupo de
artistas denominado “Escola de Mariana”. A sua atuação em várias irmandades
religiosas levou-o a receber a patente de alferes e, pouco depois, sendo titulado
Mestre em Arquitetura e pintura. O seu estilo barroco, embora influenciado pelas
escolas italiana e francesa, deixava transparecer a sua origem africana, não só
nas feições das figuras como na escolha das cores em suas obras. Entre elas
destaca-se a Glorificação da Virgem, pintada na nave da Igreja de São Francisco
de Assis, em Ouro Preto e A Ceia do Senhor, no Colégio do Caraça, em Santa
Bárbara, MG.
III. O NEGRO NAS ARTES NO SÉCULO XIX
O século XIX vai proporcionar uma nova feição às artes visuais brasileiras. Em
Novembro de 1800 foi criada, no Rio de Janeiro, a Escola Pública de Desenho e
Figura. A chegada da corte portuguesa, em 1808, foi um marco nessa mudança,
sobretudo com a chegada, em 1816, da Missão Francesa que irá instituir o
Neoclassicismo no Brasil. As artes passam então a participar diretamente de um
circuito internacional que o barroco não tivera. Diga-se, de passagem, que o
isolamento internacional que o barroco sofreu terá, provavelmente, contribuído
para a sua originalidade tão afro-brasileira.
Logo depois da chegada dos professores franceses foi criada, em agosto de
1818, a Escola Real de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro. Dois anos depois, com
a colaboração francesa é criada a Escola Imperial de Artes que se tornará, em
1890, a Escola Nacional de Belas Artes.
Se no período colonial a maior parte dos nossos tesouros artísticos foi de autoria
de negros, o mesmo não ocorrerá nos séculos XIX e XX. É preciso ter presente
a mentalidade reinante nessa época de escravismo, onde qualquer tipo de
trabalho, mesmo artístico, era indigno de um branco da casa-grande.
Dessa regra eram quase a única exceção os padres que, de modo geral,
aprendiam as artes na Metrópole. Para uma eficaz ação evangélica da Igreja
8. eram indispensáveis várias artes, e não só a retórica dos sermões. Eram
necessários muitos templos, que se espalhavam por cada capitania. Cada um
deles requisitava arquitetos, pintores, escultores, músicos (o padre José
Maurício Nunes Garcia é o músico mais reverenciado da época). E não
esqueçamos os corais, quase todos formados por negros, principalmente até
meados do setecentos, por jesuítas.
No início do século XIX, em face dos fatos atrás relatados, bem como da
consolidação do estilo implantado pela Academia, há um grande aumento de
encomendas dos governos, expande-se o mercado das artes e aumentam as
viagens de estudo ao exterior. Pela capacidade que a arte adquire de constituir
carreiras promissoras, ela finalmente passa a atrair os filhos da aristocracia rural
e da burguesia emergente.
O artista negro se refugia, na sua maioria, na arte de inspiração religiosa afro-
brasileira ou numa produção de tipo naif. Mencionaremos aqui, já no século XX,
os casos de Heitor dos Prazeres e de Mestre Didi. Contudo, durante os anos do
oitocentos, alguns artistas negros se sobressaíram na arte propugnada pela
Academia. Entre estes, citamos: Firmino Monteiro, Estevão Silva, Fernando
Pinto Bandeira e Artur Timóteo da Costa.
A arte afro-brasileira só passou a ser devidamente valorizada, como expressão
de grandeza de brasilidade, a partir do Movimento Modernista dos anos de 1920
e nas excursões que Mário de Andrade liderou por Minas Gerais e Nordeste. O
reconhecimento ganhou foros intelectuais com a criação da Universidade de São
Paulo em 1934 e, a seguir, com a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro.
IV ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS
1. HEITOR DOS PRAZERES
(1898-1966)
Compositor e pintor nascido e falecido no Rio de
Janeiro, foi um sambista pioneiro, participando da
fundação das escolas de samba da Portela e da
Mangueira. Rubem Braga, no seu texto Três
primitivos, narra seu passado de menino de rua e
suas parcerias musicais com os sambistasSinhô e
Noel Rosa. A sua carreira de pintor só foi iniciada em 1936, tendo como
inspiração o samba e o cotidiano dos morros cariocas, onde a sua gente aparecia
9. nos seus quadros com o rosto em perfil, o corpo de frente e “os dentinhos de
fora”. Tornou-se prestigiado após a sua participação na I Bienal de São Paulo,
em 1951, e foi um dos representantes da delegação brasileira no Festival
Mundial de Arte Negra, em Dacar (Senegal,1966).
2. MESTRE DIDI (1917)
Nome pelo qual se fez conhecido Deoscóredes Maximiliano
dos Santos, nascido em Salvador, filho biológico da
renomada ialorixá Mãe Senhora, da nação Ketu, do Axé
Opó Afonjá. Além de açobá, Mestre Didi é alto dignatário
do culto dos ancestrais na Bahia. O seu livro mais
conhecido, publicado em 1962 e reeditado, intitula-se
Contos negros da Bahia. Os seus trabalhos, de cunho
ritual, são sobretudo esculturas feitas com produtos
naturais.
Na contemporaneidade do século XX, os artistas negros enveredaram por várias
escolas, sem que, no entanto, deixassem de marcar a sua afro-brasilidade. A
dimensão dedicadaa este trabalho não permite – e também não é tão necessária
– uma introdução, como foi feita nos capítulos anteriores. Limitamo-nos assim, a
pequenos verbetes de alguns dos artistas considerados relevantes. Seguimos a
ordem cronológica.
DJANIRA DA MOTTA E SILVA (1914-79)
Embora não tivesse sangue negro, dedicou grande
atenção à cultura e às tradições africanas.
Descendente de índios guaranis e de austríacos,
nasceu no interior de São Paulo e foi morar na
capital, onde passou uma vida de privações.
Contraiu tuberculose aos 23 anos, mas conseguiu sobreviver. Mudou-se para o
Rio, onde trabalhou como modista e cozinheira, contudo logrou conseguir aulas
de pintura com Emeric Marcier e freqüentou o Liceu de Artes e Ofícios. Começou
10. a expor a partir de 1942, com ampla aceitação da crítica e
dopúblico. Fez o retrato apaixonado de sua terra e sua
gente,sem jamais recorrer ao anedótico, sem concessões
aofácil e ao pitoresco. Nunca se considerou uma pintora
ingênua.
JOSÉ DE DOME (1921-1982)
Nome artístico do sergipano José Antônio dos Santos.
Realizou sua primeira exposição individual em 1955.
Figurativista intuitivo e lírico, dedicou-
se a paisagens e a tipos populares.
Em Cabo Frio,onde viveu grande parte da sua vida, o
prédio da Secretaria de Cultura tem o seu nome.
RUBEM VALENTIM (1922-91)
Sua carreira se projeta a partir de 1942 e dois anos depois
expôs na Bahia aquele que é considerado como o primeiro
quadro abstrato executado no estado. Foi expositor
constante, como pintor e escultor, na Bienais de São Paulo
entre 1955 e 1977. Participouda delegação brasileira em
doisfestivais mundiais de Arte Negra: em Dacar (1966) e
em Lagos (1977), com uma arte geométricaostentando
símbolos dos cultos afro-brasileiros.
ANTÔNIO BANDEIRA (1922-1967)
Nascido no Ceará, formou-se em
Paris, onde veio a falecer. Com
valiosa produção abstracionista,
participou das Bienais de São Paulo
e Veneza, e tem sua obra distribuída por diversos museus
no Brasil e no exterior. Ocupa uma das mais destacadas
posições em toda a história da arte brasileira.
OTÁVIO ARAÚJO (1926)
11. Nascido em São Paulo, de condição modesta, conseguiu
realizar asuaprimeira exposição no Rio de Janeiro em
1946, participando
do “Grupodos 19”. A obtenção
de um prêmio permitiu-lhe
viajar para a Europa. Foi
assistente de Portinari entre
1952 e 1957. Viajou então
para a União Soviética, onde abraçou o surrealismo eslavo,
então em voga entre os dissidentes soviéticos.
MARIA AUXILIADORA (1938-74)
Artista mineira, teve a sua produção marcada por uma técnica de colagem de
cabelo natural, que iniciou em 1968. Ela descreve: “A tinta já ia junto com o
cabelo, já na tela, já ia bater no pincel para ficar ali (...). Nesse ano, o meu quadro
de candomblé ganhou o 1º prêmio em Embú”. A outra característica, onde alguns
vêm um afloramento da pop art, é a utilização da massa plástica para obter
relevo e movimento. Na sua arte misturam-se sexualidade e temas religiosos,
fertilidade e candomblé.
EMANOEL ARAÚJO (1940)
Artista baiano que, através da gravura, da madeira e
do aço, do figurativo ao abstrato, sempre se inspirou
nas tradições do povo baiano.
Como crítico de arte, produtor e administrador
cultural (Pinacoteca de São Paulo) e possuidor de
uma importante coleção de obras de arte, ele
organizou, em 1988, o livro A mão afro-brasileira, a
mais completa obra sobre o tema.