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ANTROPOLOGIA IANTROPOLOGIA I
Ensaio sobre a dádiva.
Forma e razão da troca
nas sociedades arcaicas
(p. 39-56)
Marcel Mauss: Sociólogo e antropólogo
francês
Nascimento: Épinal, 10 de Maio de 1872
Morte: Paris, 10 de Fevereiro de 1950
Formou-se em filosofia e se especializou em
história das religiões
“Pai” da antropologia Francesa, que se inicia
quando Marcel Mauss publica, com Henri
Hubert, em 1903, a obra “Esboço de uma
Teoria Geral da Magia”, onde forja os
conceitos de “mana” e “dádiva”
Biografia
Sucedeu seu tio Durkhein no L’Année
Sociologique
Nunca fez trabalho de campo.
Considerava-se um “etnólogo de
museu”
Considerado um dos maiores nomes
da sociologia e antropologia
Militante socialista, procurava separar
sua vida pessoal e acadêmica (política e
ciência não se misturam)
Entretanto Mauss supera Durkheim
Rompimento com Durkheim: a) estabelece um novo estatuto para a
Antropologia: ciência autônoma; b) inaugura uma postura epistemológica
interdisciplinar
Assim como Durkheim, Mauss:
•Enfatiza também o papel fundamental das instituições para a
compreensão da vida econômica: Acredita que várias instituições
econômicas modernas encontram sua origem no comportamento
religioso (propriedade privada, contrato). Durkheim analisa
mais particularmente o contrato (Da divisão do trabalho social-
1893) e Mauss a dádiva (Ensaio sobre a dádiva);
Obras
Escreveu vários livros sobre temas diversos: Esboço de uma teoria geral
sobre magia (1904); Sobre a história das religiões (1909); Relações reais e
práticas entre a psicologia e a sociologia (1924); Efeito físico no indivíduo
da ideia da morte sugerida pela coletividade; “Austrália, Nova Zelândia”
(1926); Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedade
arcaicas (1926)
Suas obras se caracterizam por ser ao mesmo tempo discretas e
influentes, profundas e abrangentes, sem a preocupação de criar um
sistema teórico
ENSAIO SOBRE A DÁDIVA. FORMA E RAZÃOENSAIO SOBRE A DÁDIVA. FORMA E RAZÃO
DA TROCA NAS SOCIEDADES ARCAICASDA TROCA NAS SOCIEDADES ARCAICAS
Podemos dizer que a tese central
desta última obra se refere à dádiva
como fundamento de toda
sociabilidade e comunicação
humanas, assim como sua presença
e sua diferente institucionalização
em várias sociedades analisadas por
Mauss, capitalistas e não
capitalistas.
É reconhecido como o estudo de
caráter etnográfico, antropólogico e
sociológico mais antigo e
importante
Paradigma do dom
Hipótese 1: Mauss oferece uma teoria sociológica que pode efetuar
a harmonização dos dois outros paradigmas sociológicos;
individualista e holista;
Hipótese 2: Essência e núcleo de toda a socialidade universalidade
da tríplice obrigação de dar, receber e retribuir.
Paradigma do dom:
•Dádiva: ‘[...] é o que circula em prol do ou em
nome do laço social’ (Godbout, 1998);
•Essa circulação não está relacionada ao
mercado, Estado ou violência física
•Procura-se responder ‘a partir do seu meio,
horizontalmente, em função do conjunto das
inter-relações que ligam os indivíduos e o
transforma em atores propriamente sociais’
(Caillé, 2002, p.19)
Objeto da dádiva
“Por exemplo, trocavam peixes, pássaros em conserva, esteiras. Tudo
isso é trocado entre tribos ou ‘famílias amigas sem nenhuma espécie de
estipulação’”. (p.53).
Mas a dádiva inclui não só presentes como também visitas, festas,
comunhões, esmolas, heranças, um sem número de “prestações”.
De acordo com Mauss, tudo que existe pode se transformar em “coisa a
ser dada e retribuída” – palavras, bens, e mulheres
“O que trocam não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e
imóveis, coisas economicamente úteis. Trata-se, antes de tudo,
de gentileza, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres,
crianças, danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um
dos momentos e onde a circulação de riqueza constitui apenas
um termo de um contrato muito mais geral e permanente”. (p.
45)
A troca como fundamento da vida social
Dar, receber e retribuir necessidades culturais, não somente
utilitárias ou econômicas
As trocas, sejam elas quais forem, dizem respeito à sociedade no
seu conjunto e derivam todas da obrigação de dar.
Sistema de
trocas como
início da moral.
O progresso da
sociedade se dá
com o
fortalecimento
do sistemas de
dádivas e trocas
que criam
coesão social
Aliança, simultaneidade e coletividade
A dádiva produz alianças (matrimoniais, políticas, sociais, religiosas,
econômicas, jurídicas e diplomáticas).
A dádiva reúne simultaneamente
questões religiosas, econômicas,
políticas, matrimoniais e jurídicas.
As trocas eram realizadas pelas
coletividades.
O presente nas relações sociais
No “ensaio”, Mauss mostra como o ato de presentear traz consigo
algumas “obrigações” sociais – a obrigação de dar, de receber e a de
retribuir o presente. " Um presente dado espera sempre um presente de
volta"
Mauss ressalta que na troca primitiva, os presentes carregam consigo
duas categorias de experiência diferentes – eles são tanto SAGRADOS
como PROFANOS. Os objetos criam a relação da obrigatoriedade social
uma vez que levam consigo o “espírito” da coisa dada.
Sociedades arcaicas e modernas
Certeza que animava Mauss:
“Não se poderia compreender a troca e contrato, típico da
modernidade, sem previamente destacar as suas formas arcaicas e
antecedentes, as formas do dom. Mercado de um lado, estado do
outro, individualismo e holismo, portanto não se tornam inteligíveis
a não ser como formas especializadas e autonomizadas de uma
realidade maior e mais englobante desse fato social total que tem um
dom sua expressão” (Caillé, 2002, p. 22)
Região pesquisada
Povos da Polinésia, inclusive Samoa (extremo Oesta da Oceania), e da
Melanésia (ilhas a oeste da Austrália) e os indígenas da América do Norte,
Samoa.
Tema central do “ensaio sobre a dádiva”
Entendimento da constituição da vida social por um constante
dar-e-receber.
Mostra ainda como, universalmente, dar e retribuir são
obrigações, mas organizadas de modo particular em cada caso.
Daí a importância de entendermos como as trocas são
concebidas e praticadas nos diferentes tempos e lugares, de fato
que elas podem tomar formas variadas, da retribuição pessoal à
redistribuição de tributos.
Métodos de troca nas sociedades tidas como primitiva.
Contribuições fundamentais
os fatores econômicos não são dissociáveis de outros aspectos da
vida social e
a vida social não é só circulação de bens, mas também de pessoas
(mulheres concebidas como dádivas em praticamente todos os sistemas
de parentesco conhecidos), nomes, palavras, visitas, títulos, festas.
Contexto da obraContexto da obra
Civilização escandinava, mas em muitas outras: “trocas e
contratos fazem-se sob a forma de presentes, teoricamente
voluntários, mas na realidade obrigatoriamente dados e
retribuídos.” (p. 41)
Estudos mais vastos realizados há anos por Mauss: “regime
de direito contratual e [...] sistema de prestações econômicas
entre as diversas seções ou subgrupos de que se compõem as
sociedades chamadas de primitivas e também aquelas que
poderíamos chamar de arcaicas.” (p. 41)
Fenômenos sociais totaisFenômenos sociais totais
 No âmbito dos estudos realizados por Mauss, encontram-se
os fenômenos sociais totais = “conjunto de fatos”, “e que
são por si mesmos muito complexos”. “Tudo neles se
mistura” (p. 41)
 Nestes fenômenos sociais totais, “exprimem-se, ao mesmo
tempo e de uma só vez, toda espécie de instituições”:
religiosas, jurídicas e morais (políticas e familiais ao mesmo
tempo), econômicas (produção e consumo, prestação e
distribuição), sem falar de fenômenos estéticos e
morfológicos das próprias instituições (p. 41)
Foco da pesquisaFoco da pesquisa
1) Primeiro foco da delimitação
Dentro da questão dos fenômenos sociais totais:
 “caráter voluntário, por assim dizer, aparentemente livre e
gratuito e, no entanto, imposto e interessado dessas
prestações” (p. 41)
APARÊNCIA PODE
ACOMPANHAR
A TRANSAÇÃO
REALIDADE
“presente, regalo
ofertado
generosamente” (p.
41)
“ficção, formalismo e
mentira social” (p.
42)
“obrigação e interesse
econômico” (p. 42)
Foco da pesquisaFoco da pesquisa
2) Segundo foco da delimitação
“Qual é a regra de direito e de interesse que, nas sociedades
de tipo atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido
seja obrigatoriamente retribuído? Que força há na coisa dada
que faz com o que donatário a retribua?” (p. 42)
– Além da resposta às perguntas acima, também apresenta “a
que novos problemas somos levados: uns concernentes a uma
forma permanente da moral contratual, ou seja, a maneira
como o direito real permanece, ainda em nossos dias, ligado
ao direito pessoal; outros, concernentes às formas e às idéias
que presidiram sempre, ao menos em parte, à troca, e que,
ainda hoje substituem em parte a noção de interesse
individual” (p. 42)
Dupla metaDupla meta
1) Conclusões arqueológicas sobre a natureza das transações
humanas nas sociedades que nos cercam ou nas que nos
precederam imediatamente.
– Transações que, apesar de diferentes das que realizamos no
mundo ocidental das nações “desenvolvidas”, já que fundadas na
troca, constituem mercados econômicos
– Transações que possuem uma moral e economia própria
– Transações que se constituem, na visão do autor, “uma das rochas
humanas sobre as quais estão erigidas nossas sociedades” (p. 42)
2) “inferir algumas conclusões morais sobre alguns problemas
colocados pela crise de nosso direito e de nossa economia”.
MétodoMétodo
 Comparação precisa:
1) estudo dos temas apenas em “áreas determinadas e
escolhidas: Polinésia, Melanésia, noroeste americano e algumas
regiões amplas”;
2) elegeu-se apenas lugares aos quais se tem acesso “à
consciência da própria sociedade”, “graças aos documentos e ao
trabalho filológico” (P. 43)
 Se limitou a “descrever, um de cada vez [os sistemas], na
íntegra” (p. 43)
“renunciou a uma comparação constante” (p. 43)
Economia natural (estado de natureza)Economia natural (estado de natureza)
 Parece que jamais existiu algo semelhante à economia natural na
prática, apesar de ter-se atribuído às trocas e permutas entre aos
polinésios (objeto do presente estudo também) tal natureza
(textos de Cook)
 Mas, para Mauss, “estão bastante distanciados, em matéria de
direito e de economia, do estado de natureza” (p. 44)
– “não constatamos nunca [...] simples trocas de bens, de riquezas
ou de produtos”, por três motivos:
• primeiro, porque não são os indivíduos, mas as coletividades que “se
obrigam mutuamente, trocam e contratam” (pessoas morais = clãs,
tribos, famílias), mediante a representação de seus chefes ou não
(próprio grupo) (p. 44-5); “todo clã contrata por todos, por tudo que
possui e por tudo que faz, através da figura do chefe como
intermediário” (p. 46-7)
• segundo, porque não se troca exclusivamente “bens e riquezas, móveis
e imóveis, coisas economicamente úteis”. Troca-se, sobretudo, de
“gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças,
danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um dos momentos e
onde a circulação de riquezas constitui apenas um termo de um contrato
muito mais geral e muito mais permanente” (p. 45)
• terceiro, porque prestações e contra-prestações são realizados de uma
forma sobretudo voluntária, por presentes, regalos, embora sejam, no
fundo, rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou
pública” (p. 45)
Mauss, então, propôs chamar de SISTEMA DE PRESTAÇÕES TOTAIS
Sistema de prestações totaisSistema de prestações totais
 Em duas últimas tribos do noroeste americano e em toda
essa região, “aparece uma forma típica sem dúvida, mas
evoluída e relativamente rara, dessas prestações totais” (p.
46)
 Tal forma típica do sistema de prestações totais, Mauss, na
mesma linha de autores americanos, propôs chamar de
POTLATCH (= alimentar, consumir)
 Tudo “confunde-se em uma inextricável trama de ritos, de
prestações jurídicas e econômicas, de fixações de posições
políticas na sociedade dos homens, na tribo e nas
confederações de tribos, e mesmo internacionalmente” (p.
46)
Gradação dos sistemas de trocasGradação dos sistemas de trocas
MODELO POTLATCH (=
prestações totais de
tipo agonístico)
- -
GRADAÇÃO “rivalidade exasperada” “Emulação mais
moderada”
“formas intermediárias”
CARACTERÍSTICAS “trocas de rivalidades
exasperadas, com
destruição de riquezas”
“tipo mais elementar de
prestação total”, “em
que os contratantes
rivalizam-se em
presentes”
“rivalizamos em nossos
presentes, nossas
estreias, nossas bodas,
nossos meros convites, e
sentimo-nos ainda
obrigados a
revanchieren”
LOCAL “tribos do noroeste
americano e na parte do
norte americano, nas
Melanésia e na Papuásia”
Toda parte: África,
Polinésia, Malásia,
América do Sul e América
do Norte
“Antigo mundo indo-
europeu, em particular
entre os trácios”
Potlatch
Potlatch
Potlatch = obrigação de dar e de receber; aliança e comunhão;
estabelecer ligação entre os dois lados; coesão social
Aquarela de
James G. Swan do
povo Klallam com
uma das esposas
do Chefe
Chetzemoka
distribuindo bens
no potlatch.
Potlatch
 Ritual conhecido entre os povos de todo o noroeste americano,
conhecido na literatura antropológica como POTLATCH, que na
língua chinook significa PRESENTE. Tanto a palavra como o ritual
estavam presentes em práticas dos nativos que ocupavam a região que
vai da Califórnia ao Alaska e todo o leste até as rochosas. Também há
um ritual semelhante na Melanésia.
A essência do Potlatch: “A
finalidade antes de tudo é
moral, seu objeto é produzir
um sentimento de amizade
entre as duas pessoas
envolvidas, e, se não tivesse
esse efeito, faltaria
tudo”(Schmidt apud Mauss,
2013, p. 37).
Potlatch
Consiste num festejo religioso de homenagem, geralmente envolvendo
um banquete de carne de foca ou salmão, seguido por uma renúncia a
todos os bens materiais acumulados pelo homenageado – bens que devem
ser entregues a parentes e amigos.
A aceitação de uma oferenda significa a disponibilidade para entrar no
jogo, quando não para permanecer. Durante todo o tempo da troca,
intervém atividades regularmente retribuídas, como a troca de mulheres e
hospitalidade.
"Interior da
Habitação é um
Potlatch"
Arte de John
Webber
(britânico),
abril 1778
Potlatch
Reflexões humanas sobre o presentear: Podemos dizer que o potlatch é um
sistema social e econômico onde status e posição são estabelecidos pelo ato
de “ser generoso”.
Para Mauss, presentear é dar uma parte de si mesmo. Essa representação do
indivíduo através do objeto concedido não é realizada corriqueiramente, mas
dentro de uma lógica ritual que, na visão de Mauss, representa também a posição
social dos sujeitos.
 O círculo dos presentes: um potlatch é um
evento no qual um grupo presenteia outro
grupo de forma esbanjadora com a finalidade
de mostrar reputação aos convidados. Os
“convidados” ao potlatch, que recebem os
presentes, tornam-se obrigados a retribuir –
não imediatamente, mas em uma ocasião
posterior apropriada (nascimento,
casamento...)
PotlatchPotlatch
 Elementos essenciais:
 1)“o elemento da honra, do
prestígio, de mana, que confere
riqueza;
 2) e o da obrigação absoluta de
retribuir essas dádivas sob pena de
perder esse mana, esta autoridade,
esse talismã e esta fonte de riqueza
que é a própria autoridade
 Princípio que domina as práticas:
 Rivalidade e antagonismo: batalha,
morte de chefes e nobres, destruição
de bens do chefe rival
 2
 Cunho agonístico
(“comportamento social
relacionado à luta” – wikipedia)
Potlatch – recebendo os hóspedes
Potlatch e Kula
Ponto culminante da vida econômica e civil, do sistema de prestações e
contraprestações: “Aparentemente, pelo menos, o kula – assim como o
potlatch do Noroeste americano – consiste em dar, da parte de uns, e de
receber, da parte de outros, os donatários de um dia sendo os doadores da
vez seguinte”(Mauss, 2013, p. 42).
 O kula em sua forma essencial, não é senão um momento, o mais solene, de um
vasto sistema de prestações e de contraprestações que, em verdade, parece englobar
a totalidade da vida econômica e civil das Trobriand” (Mauss, 2013, p. 49).
Polinésia - SamoaPolinésia - Samoa
 “Pareceu, durante muito tempo, que não havia potlatch
propriamente dito” – “O elemento de rivalidade, o de destruição,
de combate, pareciam falhar” (p. 49)
 Contudo, dois elementos essenciais do potlatch estão
presentes:
 “o elemento da honra, do prestígio, de mana que confere a riqueza e
o da obrigação absoluta de retribuir essas dádivas sob pena de perder
esse mana, essa autoridade, esse talismã e esta fonte de riqueza que é
a própria autoridade” (p. 50)
Oloa e TongaOloa e Tonga
Oloa Tonga
bens masculinos bens femininos
bens de natureza
estrangeira
bens de natureza indígena
“objetos, instrumentos na
maior parte, que são
especificamente os do
marido; são essencialmente
móveis. Aplica-se também
este termo, hoje, às coisas
provenientes de brancos”
(p. 51)
“parafernálias permanentes, em particular as
esteiras de casamento, herdadas pelas filhas
nascidas do dito casamento, as decorações e os
talismãs que entram, através da mulher, na família
recém-fundada, com a condição de devolução”;
“espécies de imóveis por destinação” (p. 51)
Por oposição ao último sentido de oloa, são “mais
ligados ao solo, ao clã, à família e à pessoa”
“propriedade-talismã”: “tudo aquilo que torna
alguém rico, poderoso e influente”
Exemplo - nascimentoExemplo - nascimento
 Pais recebem e retribuem os oloa (bens masculinos) e os tonga
(bens femininos). Não ficam mais ricos, mas se sentem hornados
 Criança é um tonga (bem uterino) – é dada para criação ao tio uterino
(“irmã e, por conseguinte, o cunhado, o tio uterino, recebem do irmão e do
cunhado para criar”). E é “o canal pelo qual os bens de natureza indígena,
os tonga, continuam a escoar da família da criança para esta família (p. 50-
1)
 A criança também “é o meio para seus pais obterem bens de natureza
estrangeira (otoa) dos pais que a adotaram, e isso durante todo o tempo de
vida da criança” (p. 51)
 “Em suma, a criança, bem uterino, é o meio pelo qual os bens da família
uterina são trocados pelos da família masculina” (p. 51)
 “Falta apenas o tema da rivalidade, do combate, da destruição,
para que haja potlatch”
O espírito da coisa dada (maori)O espírito da coisa dada (maori)
 Como vimos, “pelo menos na teoria do direito e da religião
maori”, os taonga (tonga?) estão “fortemente ligados à pessoa,
ao clã, ao solo”, (p. 52);
 Os taonga “são o veículo de seu mana, de sua força mágica, religiosa e
espitual” (p. 52-3)
 No caso, se o indivíduo a quem cabia retribuir um presente com
esta natureza não o retribui, que o mana do presente o destrua
HauHau (espírito das coisas)(espírito das coisas)
 “O hau não é o vento que sopra. Nada disso. Suponha que o
senhor possui um artigo determinado (taonga), e que me dê
esse artigo; [...] eu dou esse artigo a uma terceira pessoa
que, depois de algum tempo, decide dar alguma coisa em
pagamento (utu), presenteando-me com alguma coisa
(taonga). Ora, esse taonga que ele me dá é o espírito (utu)
de taonga que recebi do senhor e que dei a ele. Os taonga
que recebi por esses taonga (vindos do senhor) tenho que
devolver-lhe. Não seria justo (tika) de minha parte guardar
esses taonga para mim, quer sejam desejáveis (rawe) ou
desagradáveis (kino). Devo dá-los ao senhor, pois são um
hau de taonga que o senhor me havia dado. Se eu
conservasse esse segundo taonga para mim, isso poderia
trazer-me um mal sério, até mesmo a morte” (p. 53-4)
HauHau (espírito das coisas)(espírito das coisas)
 “O que, no presente recebido e trocado, cria uma obrigação,
é o fato de que a coisa recebida não é inerte. Mesmo
abandonada pelo doador, ela ainda é algo dele. Por meio
dela, o doador tem uma ascendência sobre o beneficiário.
[...] Pois o taonga é animado pelo hau de sua floresta, de
seu território, de seu solo [...] o hau persegue todo
detentor.” (p. 54)
 “E esse hau que vinga o roubado, que se apodera do ladrão,
encanta-lo, leva-o à morte ou o obriga à restituição” (p. 54)
Direito maoriDireito maori
 “o vínculo de direito, vínculo das coisas, é um vínculo de
almas, pois a própria coisa tem uma alma, é alma”
 “é preciso retribuir a outrem aquilo que, na verdade, é parcela de
sua natureza e substância, pois aceitar alguma coisa de alguém é
aceitar alguma coisa de sua essência espiritual, de sua alma: a
conservação desta coisa seria perigosa e mortal, e isso não
simplesmente porque seria ilícita, mas também por que esta coisa
que vem da pessoa, não só moralmente, mas física e
espiritualmente [...] dão uma ascendência mágica e religiosa sobre
o indivíduo”
 “esta coisa dada [...] tende a regressar [ao seu] ‘lar de origem’ ou
a produzir, para o clã e o solo de onde saiu, um equivalente que a
substitua”
Para finalizar... Havamal (poema do EddaPara finalizar... Havamal (poema do Edda
escandinavo)escandinavo)
“Nunca encontrei homem tão generoso
e tão liberal para alimentar seus hóspedes [...]
Com armas e vestes
devem os amigos agradar-se [...]
Aqueles que retribuem mutuamente os presentes
são amigos por mais tempo [...]
Deve-se ser amigo
para com o amigo
e retribuir presente com presente [...]
Tu o sabes: se tens um amigo
no qual tens confiança e queres obter bom resultado,
é preciso misturar tua alma à dele
e trocar presentes
e visitá-lo amiúde [...]
Os homens generosos e valorosos têm a melhor vida;
não tem medo algum.
Mas um poltrão tem medo de tudo;
o avaro tem sempre medo dos presentes” (p. 39-41)
Referências
1. CAILLÉ, A. Antropologia do dom : O terceiro paradigma.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
2. GODBOUT, J. T. Introdução à dádiva. Revista Brasileira de
Ciências Sociais , v. 13, n. 38, p. 39-52, 1998.
3. LANNA, Marcos. Nota sobre Marcel Mauss e o ensaio sobre a
dádiva. Rev. Sociol. Polít ., Curitiba, 14: p. 173-194, jun. 2000.
Fonte: http://www.fabricadofuturo.org.br/index.php?
pag=38&prog=46&id=13
4. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva. Forma e Razão da Troca
nas Sociedades Arcaicas. Sociologia e Antropologia. Volume II. São
Paulo: EPU,1974.
5. The history notes. Fonte: http://www.historynotes.info/wp-
content/uploads/2012/06/potlatch.jpg (imagem maior)

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Apresentação Mauss e Ensaio sobre a Dádiva

  • 1. ANTROPOLOGIA IANTROPOLOGIA I Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas (p. 39-56)
  • 2. Marcel Mauss: Sociólogo e antropólogo francês Nascimento: Épinal, 10 de Maio de 1872 Morte: Paris, 10 de Fevereiro de 1950 Formou-se em filosofia e se especializou em história das religiões “Pai” da antropologia Francesa, que se inicia quando Marcel Mauss publica, com Henri Hubert, em 1903, a obra “Esboço de uma Teoria Geral da Magia”, onde forja os conceitos de “mana” e “dádiva”
  • 3. Biografia Sucedeu seu tio Durkhein no L’Année Sociologique Nunca fez trabalho de campo. Considerava-se um “etnólogo de museu” Considerado um dos maiores nomes da sociologia e antropologia Militante socialista, procurava separar sua vida pessoal e acadêmica (política e ciência não se misturam) Entretanto Mauss supera Durkheim Rompimento com Durkheim: a) estabelece um novo estatuto para a Antropologia: ciência autônoma; b) inaugura uma postura epistemológica interdisciplinar
  • 4. Assim como Durkheim, Mauss: •Enfatiza também o papel fundamental das instituições para a compreensão da vida econômica: Acredita que várias instituições econômicas modernas encontram sua origem no comportamento religioso (propriedade privada, contrato). Durkheim analisa mais particularmente o contrato (Da divisão do trabalho social- 1893) e Mauss a dádiva (Ensaio sobre a dádiva);
  • 5. Obras Escreveu vários livros sobre temas diversos: Esboço de uma teoria geral sobre magia (1904); Sobre a história das religiões (1909); Relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia (1924); Efeito físico no indivíduo da ideia da morte sugerida pela coletividade; “Austrália, Nova Zelândia” (1926); Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedade arcaicas (1926) Suas obras se caracterizam por ser ao mesmo tempo discretas e influentes, profundas e abrangentes, sem a preocupação de criar um sistema teórico
  • 6. ENSAIO SOBRE A DÁDIVA. FORMA E RAZÃOENSAIO SOBRE A DÁDIVA. FORMA E RAZÃO DA TROCA NAS SOCIEDADES ARCAICASDA TROCA NAS SOCIEDADES ARCAICAS Podemos dizer que a tese central desta última obra se refere à dádiva como fundamento de toda sociabilidade e comunicação humanas, assim como sua presença e sua diferente institucionalização em várias sociedades analisadas por Mauss, capitalistas e não capitalistas. É reconhecido como o estudo de caráter etnográfico, antropólogico e sociológico mais antigo e importante
  • 7. Paradigma do dom Hipótese 1: Mauss oferece uma teoria sociológica que pode efetuar a harmonização dos dois outros paradigmas sociológicos; individualista e holista; Hipótese 2: Essência e núcleo de toda a socialidade universalidade da tríplice obrigação de dar, receber e retribuir. Paradigma do dom: •Dádiva: ‘[...] é o que circula em prol do ou em nome do laço social’ (Godbout, 1998); •Essa circulação não está relacionada ao mercado, Estado ou violência física •Procura-se responder ‘a partir do seu meio, horizontalmente, em função do conjunto das inter-relações que ligam os indivíduos e o transforma em atores propriamente sociais’ (Caillé, 2002, p.19)
  • 8. Objeto da dádiva “Por exemplo, trocavam peixes, pássaros em conserva, esteiras. Tudo isso é trocado entre tribos ou ‘famílias amigas sem nenhuma espécie de estipulação’”. (p.53). Mas a dádiva inclui não só presentes como também visitas, festas, comunhões, esmolas, heranças, um sem número de “prestações”. De acordo com Mauss, tudo que existe pode se transformar em “coisa a ser dada e retribuída” – palavras, bens, e mulheres “O que trocam não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas economicamente úteis. Trata-se, antes de tudo, de gentileza, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um dos momentos e onde a circulação de riqueza constitui apenas um termo de um contrato muito mais geral e permanente”. (p. 45)
  • 9. A troca como fundamento da vida social Dar, receber e retribuir necessidades culturais, não somente utilitárias ou econômicas As trocas, sejam elas quais forem, dizem respeito à sociedade no seu conjunto e derivam todas da obrigação de dar. Sistema de trocas como início da moral. O progresso da sociedade se dá com o fortalecimento do sistemas de dádivas e trocas que criam coesão social
  • 10. Aliança, simultaneidade e coletividade A dádiva produz alianças (matrimoniais, políticas, sociais, religiosas, econômicas, jurídicas e diplomáticas). A dádiva reúne simultaneamente questões religiosas, econômicas, políticas, matrimoniais e jurídicas. As trocas eram realizadas pelas coletividades.
  • 11. O presente nas relações sociais No “ensaio”, Mauss mostra como o ato de presentear traz consigo algumas “obrigações” sociais – a obrigação de dar, de receber e a de retribuir o presente. " Um presente dado espera sempre um presente de volta" Mauss ressalta que na troca primitiva, os presentes carregam consigo duas categorias de experiência diferentes – eles são tanto SAGRADOS como PROFANOS. Os objetos criam a relação da obrigatoriedade social uma vez que levam consigo o “espírito” da coisa dada.
  • 12. Sociedades arcaicas e modernas Certeza que animava Mauss: “Não se poderia compreender a troca e contrato, típico da modernidade, sem previamente destacar as suas formas arcaicas e antecedentes, as formas do dom. Mercado de um lado, estado do outro, individualismo e holismo, portanto não se tornam inteligíveis a não ser como formas especializadas e autonomizadas de uma realidade maior e mais englobante desse fato social total que tem um dom sua expressão” (Caillé, 2002, p. 22)
  • 13. Região pesquisada Povos da Polinésia, inclusive Samoa (extremo Oesta da Oceania), e da Melanésia (ilhas a oeste da Austrália) e os indígenas da América do Norte, Samoa.
  • 14. Tema central do “ensaio sobre a dádiva” Entendimento da constituição da vida social por um constante dar-e-receber. Mostra ainda como, universalmente, dar e retribuir são obrigações, mas organizadas de modo particular em cada caso. Daí a importância de entendermos como as trocas são concebidas e praticadas nos diferentes tempos e lugares, de fato que elas podem tomar formas variadas, da retribuição pessoal à redistribuição de tributos. Métodos de troca nas sociedades tidas como primitiva.
  • 15. Contribuições fundamentais os fatores econômicos não são dissociáveis de outros aspectos da vida social e a vida social não é só circulação de bens, mas também de pessoas (mulheres concebidas como dádivas em praticamente todos os sistemas de parentesco conhecidos), nomes, palavras, visitas, títulos, festas.
  • 16. Contexto da obraContexto da obra Civilização escandinava, mas em muitas outras: “trocas e contratos fazem-se sob a forma de presentes, teoricamente voluntários, mas na realidade obrigatoriamente dados e retribuídos.” (p. 41) Estudos mais vastos realizados há anos por Mauss: “regime de direito contratual e [...] sistema de prestações econômicas entre as diversas seções ou subgrupos de que se compõem as sociedades chamadas de primitivas e também aquelas que poderíamos chamar de arcaicas.” (p. 41)
  • 17. Fenômenos sociais totaisFenômenos sociais totais  No âmbito dos estudos realizados por Mauss, encontram-se os fenômenos sociais totais = “conjunto de fatos”, “e que são por si mesmos muito complexos”. “Tudo neles se mistura” (p. 41)  Nestes fenômenos sociais totais, “exprimem-se, ao mesmo tempo e de uma só vez, toda espécie de instituições”: religiosas, jurídicas e morais (políticas e familiais ao mesmo tempo), econômicas (produção e consumo, prestação e distribuição), sem falar de fenômenos estéticos e morfológicos das próprias instituições (p. 41)
  • 18. Foco da pesquisaFoco da pesquisa 1) Primeiro foco da delimitação Dentro da questão dos fenômenos sociais totais:  “caráter voluntário, por assim dizer, aparentemente livre e gratuito e, no entanto, imposto e interessado dessas prestações” (p. 41) APARÊNCIA PODE ACOMPANHAR A TRANSAÇÃO REALIDADE “presente, regalo ofertado generosamente” (p. 41) “ficção, formalismo e mentira social” (p. 42) “obrigação e interesse econômico” (p. 42)
  • 19. Foco da pesquisaFoco da pesquisa 2) Segundo foco da delimitação “Qual é a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído? Que força há na coisa dada que faz com o que donatário a retribua?” (p. 42) – Além da resposta às perguntas acima, também apresenta “a que novos problemas somos levados: uns concernentes a uma forma permanente da moral contratual, ou seja, a maneira como o direito real permanece, ainda em nossos dias, ligado ao direito pessoal; outros, concernentes às formas e às idéias que presidiram sempre, ao menos em parte, à troca, e que, ainda hoje substituem em parte a noção de interesse individual” (p. 42)
  • 20. Dupla metaDupla meta 1) Conclusões arqueológicas sobre a natureza das transações humanas nas sociedades que nos cercam ou nas que nos precederam imediatamente. – Transações que, apesar de diferentes das que realizamos no mundo ocidental das nações “desenvolvidas”, já que fundadas na troca, constituem mercados econômicos – Transações que possuem uma moral e economia própria – Transações que se constituem, na visão do autor, “uma das rochas humanas sobre as quais estão erigidas nossas sociedades” (p. 42) 2) “inferir algumas conclusões morais sobre alguns problemas colocados pela crise de nosso direito e de nossa economia”.
  • 21. MétodoMétodo  Comparação precisa: 1) estudo dos temas apenas em “áreas determinadas e escolhidas: Polinésia, Melanésia, noroeste americano e algumas regiões amplas”; 2) elegeu-se apenas lugares aos quais se tem acesso “à consciência da própria sociedade”, “graças aos documentos e ao trabalho filológico” (P. 43)  Se limitou a “descrever, um de cada vez [os sistemas], na íntegra” (p. 43) “renunciou a uma comparação constante” (p. 43)
  • 22. Economia natural (estado de natureza)Economia natural (estado de natureza)  Parece que jamais existiu algo semelhante à economia natural na prática, apesar de ter-se atribuído às trocas e permutas entre aos polinésios (objeto do presente estudo também) tal natureza (textos de Cook)  Mas, para Mauss, “estão bastante distanciados, em matéria de direito e de economia, do estado de natureza” (p. 44) – “não constatamos nunca [...] simples trocas de bens, de riquezas ou de produtos”, por três motivos:
  • 23. • primeiro, porque não são os indivíduos, mas as coletividades que “se obrigam mutuamente, trocam e contratam” (pessoas morais = clãs, tribos, famílias), mediante a representação de seus chefes ou não (próprio grupo) (p. 44-5); “todo clã contrata por todos, por tudo que possui e por tudo que faz, através da figura do chefe como intermediário” (p. 46-7) • segundo, porque não se troca exclusivamente “bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas economicamente úteis”. Troca-se, sobretudo, de “gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um dos momentos e onde a circulação de riquezas constitui apenas um termo de um contrato muito mais geral e muito mais permanente” (p. 45) • terceiro, porque prestações e contra-prestações são realizados de uma forma sobretudo voluntária, por presentes, regalos, embora sejam, no fundo, rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública” (p. 45) Mauss, então, propôs chamar de SISTEMA DE PRESTAÇÕES TOTAIS
  • 24. Sistema de prestações totaisSistema de prestações totais  Em duas últimas tribos do noroeste americano e em toda essa região, “aparece uma forma típica sem dúvida, mas evoluída e relativamente rara, dessas prestações totais” (p. 46)  Tal forma típica do sistema de prestações totais, Mauss, na mesma linha de autores americanos, propôs chamar de POTLATCH (= alimentar, consumir)  Tudo “confunde-se em uma inextricável trama de ritos, de prestações jurídicas e econômicas, de fixações de posições políticas na sociedade dos homens, na tribo e nas confederações de tribos, e mesmo internacionalmente” (p. 46)
  • 25. Gradação dos sistemas de trocasGradação dos sistemas de trocas MODELO POTLATCH (= prestações totais de tipo agonístico) - - GRADAÇÃO “rivalidade exasperada” “Emulação mais moderada” “formas intermediárias” CARACTERÍSTICAS “trocas de rivalidades exasperadas, com destruição de riquezas” “tipo mais elementar de prestação total”, “em que os contratantes rivalizam-se em presentes” “rivalizamos em nossos presentes, nossas estreias, nossas bodas, nossos meros convites, e sentimo-nos ainda obrigados a revanchieren” LOCAL “tribos do noroeste americano e na parte do norte americano, nas Melanésia e na Papuásia” Toda parte: África, Polinésia, Malásia, América do Sul e América do Norte “Antigo mundo indo- europeu, em particular entre os trácios”
  • 27. Potlatch Potlatch = obrigação de dar e de receber; aliança e comunhão; estabelecer ligação entre os dois lados; coesão social Aquarela de James G. Swan do povo Klallam com uma das esposas do Chefe Chetzemoka distribuindo bens no potlatch.
  • 28. Potlatch  Ritual conhecido entre os povos de todo o noroeste americano, conhecido na literatura antropológica como POTLATCH, que na língua chinook significa PRESENTE. Tanto a palavra como o ritual estavam presentes em práticas dos nativos que ocupavam a região que vai da Califórnia ao Alaska e todo o leste até as rochosas. Também há um ritual semelhante na Melanésia. A essência do Potlatch: “A finalidade antes de tudo é moral, seu objeto é produzir um sentimento de amizade entre as duas pessoas envolvidas, e, se não tivesse esse efeito, faltaria tudo”(Schmidt apud Mauss, 2013, p. 37).
  • 29. Potlatch Consiste num festejo religioso de homenagem, geralmente envolvendo um banquete de carne de foca ou salmão, seguido por uma renúncia a todos os bens materiais acumulados pelo homenageado – bens que devem ser entregues a parentes e amigos. A aceitação de uma oferenda significa a disponibilidade para entrar no jogo, quando não para permanecer. Durante todo o tempo da troca, intervém atividades regularmente retribuídas, como a troca de mulheres e hospitalidade. "Interior da Habitação é um Potlatch" Arte de John Webber (britânico), abril 1778
  • 30. Potlatch Reflexões humanas sobre o presentear: Podemos dizer que o potlatch é um sistema social e econômico onde status e posição são estabelecidos pelo ato de “ser generoso”. Para Mauss, presentear é dar uma parte de si mesmo. Essa representação do indivíduo através do objeto concedido não é realizada corriqueiramente, mas dentro de uma lógica ritual que, na visão de Mauss, representa também a posição social dos sujeitos.  O círculo dos presentes: um potlatch é um evento no qual um grupo presenteia outro grupo de forma esbanjadora com a finalidade de mostrar reputação aos convidados. Os “convidados” ao potlatch, que recebem os presentes, tornam-se obrigados a retribuir – não imediatamente, mas em uma ocasião posterior apropriada (nascimento, casamento...)
  • 31. PotlatchPotlatch  Elementos essenciais:  1)“o elemento da honra, do prestígio, de mana, que confere riqueza;  2) e o da obrigação absoluta de retribuir essas dádivas sob pena de perder esse mana, esta autoridade, esse talismã e esta fonte de riqueza que é a própria autoridade  Princípio que domina as práticas:  Rivalidade e antagonismo: batalha, morte de chefes e nobres, destruição de bens do chefe rival  2  Cunho agonístico (“comportamento social relacionado à luta” – wikipedia) Potlatch – recebendo os hóspedes
  • 32. Potlatch e Kula Ponto culminante da vida econômica e civil, do sistema de prestações e contraprestações: “Aparentemente, pelo menos, o kula – assim como o potlatch do Noroeste americano – consiste em dar, da parte de uns, e de receber, da parte de outros, os donatários de um dia sendo os doadores da vez seguinte”(Mauss, 2013, p. 42).  O kula em sua forma essencial, não é senão um momento, o mais solene, de um vasto sistema de prestações e de contraprestações que, em verdade, parece englobar a totalidade da vida econômica e civil das Trobriand” (Mauss, 2013, p. 49).
  • 33. Polinésia - SamoaPolinésia - Samoa  “Pareceu, durante muito tempo, que não havia potlatch propriamente dito” – “O elemento de rivalidade, o de destruição, de combate, pareciam falhar” (p. 49)  Contudo, dois elementos essenciais do potlatch estão presentes:  “o elemento da honra, do prestígio, de mana que confere a riqueza e o da obrigação absoluta de retribuir essas dádivas sob pena de perder esse mana, essa autoridade, esse talismã e esta fonte de riqueza que é a própria autoridade” (p. 50)
  • 34. Oloa e TongaOloa e Tonga Oloa Tonga bens masculinos bens femininos bens de natureza estrangeira bens de natureza indígena “objetos, instrumentos na maior parte, que são especificamente os do marido; são essencialmente móveis. Aplica-se também este termo, hoje, às coisas provenientes de brancos” (p. 51) “parafernálias permanentes, em particular as esteiras de casamento, herdadas pelas filhas nascidas do dito casamento, as decorações e os talismãs que entram, através da mulher, na família recém-fundada, com a condição de devolução”; “espécies de imóveis por destinação” (p. 51) Por oposição ao último sentido de oloa, são “mais ligados ao solo, ao clã, à família e à pessoa” “propriedade-talismã”: “tudo aquilo que torna alguém rico, poderoso e influente”
  • 35. Exemplo - nascimentoExemplo - nascimento  Pais recebem e retribuem os oloa (bens masculinos) e os tonga (bens femininos). Não ficam mais ricos, mas se sentem hornados  Criança é um tonga (bem uterino) – é dada para criação ao tio uterino (“irmã e, por conseguinte, o cunhado, o tio uterino, recebem do irmão e do cunhado para criar”). E é “o canal pelo qual os bens de natureza indígena, os tonga, continuam a escoar da família da criança para esta família (p. 50- 1)  A criança também “é o meio para seus pais obterem bens de natureza estrangeira (otoa) dos pais que a adotaram, e isso durante todo o tempo de vida da criança” (p. 51)  “Em suma, a criança, bem uterino, é o meio pelo qual os bens da família uterina são trocados pelos da família masculina” (p. 51)  “Falta apenas o tema da rivalidade, do combate, da destruição, para que haja potlatch”
  • 36. O espírito da coisa dada (maori)O espírito da coisa dada (maori)  Como vimos, “pelo menos na teoria do direito e da religião maori”, os taonga (tonga?) estão “fortemente ligados à pessoa, ao clã, ao solo”, (p. 52);  Os taonga “são o veículo de seu mana, de sua força mágica, religiosa e espitual” (p. 52-3)  No caso, se o indivíduo a quem cabia retribuir um presente com esta natureza não o retribui, que o mana do presente o destrua
  • 37. HauHau (espírito das coisas)(espírito das coisas)  “O hau não é o vento que sopra. Nada disso. Suponha que o senhor possui um artigo determinado (taonga), e que me dê esse artigo; [...] eu dou esse artigo a uma terceira pessoa que, depois de algum tempo, decide dar alguma coisa em pagamento (utu), presenteando-me com alguma coisa (taonga). Ora, esse taonga que ele me dá é o espírito (utu) de taonga que recebi do senhor e que dei a ele. Os taonga que recebi por esses taonga (vindos do senhor) tenho que devolver-lhe. Não seria justo (tika) de minha parte guardar esses taonga para mim, quer sejam desejáveis (rawe) ou desagradáveis (kino). Devo dá-los ao senhor, pois são um hau de taonga que o senhor me havia dado. Se eu conservasse esse segundo taonga para mim, isso poderia trazer-me um mal sério, até mesmo a morte” (p. 53-4)
  • 38. HauHau (espírito das coisas)(espírito das coisas)  “O que, no presente recebido e trocado, cria uma obrigação, é o fato de que a coisa recebida não é inerte. Mesmo abandonada pelo doador, ela ainda é algo dele. Por meio dela, o doador tem uma ascendência sobre o beneficiário. [...] Pois o taonga é animado pelo hau de sua floresta, de seu território, de seu solo [...] o hau persegue todo detentor.” (p. 54)  “E esse hau que vinga o roubado, que se apodera do ladrão, encanta-lo, leva-o à morte ou o obriga à restituição” (p. 54)
  • 39. Direito maoriDireito maori  “o vínculo de direito, vínculo das coisas, é um vínculo de almas, pois a própria coisa tem uma alma, é alma”  “é preciso retribuir a outrem aquilo que, na verdade, é parcela de sua natureza e substância, pois aceitar alguma coisa de alguém é aceitar alguma coisa de sua essência espiritual, de sua alma: a conservação desta coisa seria perigosa e mortal, e isso não simplesmente porque seria ilícita, mas também por que esta coisa que vem da pessoa, não só moralmente, mas física e espiritualmente [...] dão uma ascendência mágica e religiosa sobre o indivíduo”  “esta coisa dada [...] tende a regressar [ao seu] ‘lar de origem’ ou a produzir, para o clã e o solo de onde saiu, um equivalente que a substitua”
  • 40. Para finalizar... Havamal (poema do EddaPara finalizar... Havamal (poema do Edda escandinavo)escandinavo) “Nunca encontrei homem tão generoso e tão liberal para alimentar seus hóspedes [...] Com armas e vestes devem os amigos agradar-se [...] Aqueles que retribuem mutuamente os presentes são amigos por mais tempo [...] Deve-se ser amigo para com o amigo e retribuir presente com presente [...] Tu o sabes: se tens um amigo no qual tens confiança e queres obter bom resultado, é preciso misturar tua alma à dele e trocar presentes e visitá-lo amiúde [...] Os homens generosos e valorosos têm a melhor vida; não tem medo algum. Mas um poltrão tem medo de tudo; o avaro tem sempre medo dos presentes” (p. 39-41)
  • 41. Referências 1. CAILLÉ, A. Antropologia do dom : O terceiro paradigma. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. 2. GODBOUT, J. T. Introdução à dádiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais , v. 13, n. 38, p. 39-52, 1998. 3. LANNA, Marcos. Nota sobre Marcel Mauss e o ensaio sobre a dádiva. Rev. Sociol. Polít ., Curitiba, 14: p. 173-194, jun. 2000. Fonte: http://www.fabricadofuturo.org.br/index.php? pag=38&prog=46&id=13 4. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva. Forma e Razão da Troca nas Sociedades Arcaicas. Sociologia e Antropologia. Volume II. São Paulo: EPU,1974. 5. The history notes. Fonte: http://www.historynotes.info/wp- content/uploads/2012/06/potlatch.jpg (imagem maior)