1. Antologia Poética
Vinícius de Moraes
Contexto Histórico
1914, da Primeira Guerra Mundial.
Grupos de artistas que comungam da mesma paixão pelo novo - Vanguardas européias.
Surgindo então os “ismos” futurismo, expressionismo, cubismo,
dadaísmo e surrealismo.
O Brasil não estava em guerra, mas as desigualdades sociais já eram evidentes, principalmente
a partir de 1950 com o êxodo rural.
O Modernismo no Brasil
O ideário de renovação não atingiu de forma total o Brasil, aderindo a tal idéia somente os
artistas mais jovens.
1922 – 100 anos da independência do Brasil
Oswald de Andrade e Mário de Andrade encabeçaram o movimento – semana de arte moderna
1922.
2. O Autor
Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes nasceu na madrugada de 19 de outubro de 1913, no
bairro da Gávea, Rio de Janeiro.
Cursou o Ensino Médio com os jesuítas do Colégio Santo Inácio e graduou-se em Direito em
1933.
O caminho para a distância, sua primeira obra. 1940, trabalhou como censor e como crítico de
cinema, além de estudar literatura inglesa em Oxford.
Em 1943, ingressou na carreira diplomática e serviu nos Estados Unidos, Espanha, Uruguai e
França. Aposentou-se como diplomata em 1968. Entregando-se somente aos prazeres da arte e
da boemia.
“Capitão-do-mato, poeta, diplomata, o branco mais preto do Brasil. Saravá!”
Antologia Poética
A primeira publicação aconteceu em 1954.
Uma segunda edição, acrescida de uma seleção dos novos poemas ii, (1959), aconteceu anos
mais tarde, em 1960
– 27 poemas correspondentes à fase transcendental do poeta (1933-1936);
– 05 elegias que ilustram a fase de transição do poeta (1943);
– 112 poemas correspondentes à fase de maior aproximação do mundo material.
Primeira Parte 1933-1936
Restaurar em Cristo não só a poesia, mas também o pensamento brasileiro em geral, mas de
forma moderna.
Procurava sempre pela intelectualidade, longe de ideários.
Elementos do romantismo.
Mulher aparece como tentação impura.
Duvida existencial
Linguagem abstrata e alegórica
Poesia solene, de inspiração bíblica
Amor: elemento negativo
Sensualismo e erotismo
Divinização da mulher
O olhar para trás (Trecho)
Talvez da carne do homem prostrado se visse sair uma sombra igual à minha
Que amasse as andorinhas, os seios virgens, os perfumes e os lírios da terra
Talvez… mas todas as visões estariam também em minhas lágrimas boiando
E elas seriam como óleo santo e como pétalas se derramando sobre o nada.
Fase de transição: Cinco elegias
Transição entre as duas tendências contraditórias de sua produção poética, uma mais mística e
a outra mais cotidiana.
Notamos o início dessa transformação não só nas temáticas, mas também na estruturação mais
livres dos poemas, tanto em relação às rimas como às métricas.
O eu lírico pede piedade para os políticos, as mulheres, a moça feia, a mulher na hora do parto,
as desquitadas, as casadas, as vagabundas, as primeiras namoradas etc.
3. Elegia quase uma ode (trecho)
A ti direi que és tu, Maria Aparecida!
A vós, no pudor de falar ante a vossa grandeza
Direi que é esquecer todos os sonhos, meus amigos.
Ao mundo, que ama a lenda dos destinos
Direi que é o meu caminho de poeta.
A mim mesmo, hei de chamá-lo inocência, amor, alegria, sofrimento, morte, serenidade (...)
Meu sonho, eu te perdi; tornei-me em homem.
O verso que mergulha o fundo de minha alma
É simples e fatal, mas não traz carícia...
Lembra-me de ti, poesia criança, de ti
Que te suspendias para o poema como que para um seio no espaço.
Levavas em cada palavra a ânsia
De todo o sofrimento vivido.
Segunda parte
Os poemas mais conhecidos do poeta estão reunidos nessa parte da obra. Adotando uma
postura mais voltada para a realidade, seu interesse volta-se para os aspectos do cotidiano e
para o relacionamento amoroso
linguagem torna-se mais dinâmica, mais concisa e mais criativa, embora o poeta não abandone
a forma fixa dos sonetos, porém revigora o modelo, adicionando-lhe linguagem cotidiana e
coloquial
26 sonetos, desde os mais famosos
Apelo ao cotidiano
Linguagem eclética: incorporação da conquistas da geração de 22
Linguagem clássica, forma fixa, soneto clássico
Exploração da sonoridade
Passagem do metafísico para o físico
Poesia Social
A Rosa de Hiroshima
Soneto da fidelidade
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas De tudo ao meu amor serei atento
Pensem nas meninas Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Cegas inexatas Que mesmo em face do maior encanto
Pensem nas mulheres Dele se encante mais meu pensamento.
Rotas alteradas
Pensem nas feridas Quero vivê-lo em cada vão momento
Como rosas cálidas E em seu louvor hei de espalhar meu canto
Mas, oh, não se esqueçam E rir meu riso e derramar meu pranto
Da rosa da rosa Ao seu pesar ou seu contentamento
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária E assim, quando mais tarde me procure
A rosa radioativa Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Estúpida e inválida Quem sabe a solidão, fim de quem ama
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica Eu possa me dizer do amor (que tive):
Sem cor sem perfume Que não seja imortal, posto que é chama
Sem rosa, sem nada Mas que seja infinito enquanto dure.
4. Trecho da bíblia
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do
mundo. E disse-lhe o Diabo: – Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi
entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus,
respondendo, disse-lhe: – Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e
só a Ele servirás. (Lucas, cap. V, vs. 5-8.)
O Operário em construção
Era ele que erguia casas E a coisa faz o operário. Foi dentro da compreensão
Onde antes só havia chão. De forma que, certo dia Desse instante solitário
Como um pássaro sem asas À mesa, ao cortar o pão Que, tal sua construção
Ele subia com as casas O operário foi tomado Cresceu também o operário.
Que lhe brotavam da mão. De uma súbita emoção Cresceu em alto e profundo
Mas tudo desconhecia Ao constatar assombrado Em largo e no coração
De sua grande missão: Que tudo naquela mesa E como tudo que cresce
Não sabia, por exemplo – Garrafa, prato, facão – Ele não cresceu em vão
Que a casa de um homem é Era ele quem os fazia Pois além do que sabia
um templo Ele, um humilde operário, – Exercer a profissão –
Um templo sem religião Um operário em construção. O operário adquiriu
Como tampouco sabia Olhou em torno: gamela Uma nova dimensão:
Que a casa que ele fazia Banco, enxerga, caldeirão A dimensão da poesia.
Sendo a sua liberdade Vidro, parede, janela
Era a sua escravidão. Casa, cidade, nação! E um fato novo se viu
Tudo, tudo o que existia Que a todos admirava:
De fato, como podia Era ele quem o fazia O que o operário dizia
Um operário em construção Ele, um humilde operário Outro operário escutava.
Compreender por que um Um operário que sabia
tijolo Exercer a profissão. E foi assim que o operário
Valia mais do que um pão? Do edifício em construção
Tijolos ele empilhava Ah, homens de pensamento Que sempre dizia sim
Com pá, cimento e esquadria Não sabereis nunca o quanto Começou a dizer não.
Quanto ao pão, ele o comia... Aquele humilde operário E aprendeu a notar coisas
Mas fosse comer tijolo! Soube naquele momento! A que não dava atenção:
E assim o operário ia Naquela casa vazia
Com suor e com cimento Que ele mesmo levantara Notou que sua marmita
Erguendo uma casa aqui Um mundo novo nascia Era o prato do patrão
Adiante um apartamento De que sequer suspeitava. Que sua cerveja preta
Além uma igreja, à frente O operário emocionado Era o uísque do patrão
Um quartel e uma prisão: Olhou sua própria mão Que seu macacão de zuarte
Prisão de que sofreria Sua rude mão de operário Era o terno do patrão
Não fosse, eventualmente De operário em construção Que o casebre onde morava
Um operário em construção. E olhando bem para ela Era a mansão do patrão
Teve um segundo a Que seus dois pés andarilhos
Mas ele desconhecia impressão Eram as rodas do patrão
Esse fato extraordinário: De que não havia no mundo Que a dureza do seu dia
Que o operário faz a coisa Coisa que fosse mais bela. Era a noite do patrão
5. Que sua imensa fadiga Mostrou-lhe toda a região E gritos de maldição
Era amiga do patrão. E apontando-a ao operário Um silêncio de fraturas
Fez-lhe esta declaração: A se arrastarem no chão.
E o operário disse: Não! – Dar-te-ei todo esse poder E o operário ouviu a voz
E o operário fez-se forte E a sua satisfação De todos os seus irmãos
Na sua resolução. Porque a mim me foi Os seus irmãos que
entregue morreram
Como era de se esperar E dou-o a quem bem quiser. Por outros que viverão.
As bocas da delação Dou-te tempo de lazer Uma esperança sincera
Começaram a dizer coisas Dou-te tempo de mulher. Cresceu no seu coração
Aos ouvidos do patrão. Portanto, tudo o que vês E dentro da tarde mansa
Mas o patrão não queria Será teu se me adorares Agigantou-se a razão
Nenhuma preocupação E, ainda mais, se De um homem pobre e
– "Convençam-no" do abandonares esquecido
contrário – O que te faz dizer não. Razão porém que fizera
Disse ele sobre o operário Em operário construído
E ao dizer isso sorria. Disse, e fitou o operário O operário em construção.
Que olhava e que refletia
Dia seguinte, o operário Mas o que via o operário
Ao sair da construção O patrão nunca veria.
Viu-se súbito cercado O operário via as casas
Dos homens da delação E dentro das estruturas
E sofreu, por destinado Via coisas, objetos
Sua primeira agressão. Produtos, manufaturas.
Teve seu rosto cuspido Via tudo o que fazia
Teve seu braço quebrado O lucro do seu patrão
Mas quando foi perguntado E em cada coisa que via
O operário disse: Não! Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
Em vão sofrera o operário E o operário disse: Não!
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram – Loucura! – gritou o patrão
Muitas outras seguirão. Não vês o que te dou eu?
Porém, por imprescindível – Mentira! – disse o operário
Ao edifício em construção Não podes dar-me o que é
Seu trabalho prosseguia meu.
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento E um grande silêncio fez-se
Da construção que crescia. Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Sentindo que a violência Um silêncio de prisão.
Não dobraria o operário Um silêncio povoado
Um dia tentou o patrão De pedidos de perdão
Dobrá-lo de modo vário. Um silêncio apavorado
De sorte que o foi levando Com o medo em solidão.
Ao alto da construção
E num momento de tempo Um silêncio de torturas