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AS AÇÕES AFIRMATIVAS SOB O
ENFOQUE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Paula Prux1
Bacharel em Direito pela FACNOPAR (Apucarana – Paraná).
Especialista em Ministério Público pela Fundação Escola do Ministério Público –– UNOPAR, Londrina.
Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF.
paulaprux@hotmail.com
RESUMO: Inicialmente, este artigo científico apresenta um estudo sobre o princípio da
igualdade, abrangendo os conceitos de igualdade formal e material, bem como a inserção do
aludido princípio na Constituição Federal de 1988. Em seguida, estuda a relação entre as
ações afirmativas e o direito internacional dos direitos humanos, abrangendo o conceito e
desenvolvimento histórico deste ramo do direito, bem como a importância dos Tratados e
Convenções Internacionais, que versam sobre direitos humanos, à proteção dos grupos mais
vulneráveis da sociedade. Ainda, aborda a efetividade das políticas de ações afirmativas na
promoção do valor igualdade, referindo-se à legislação nacional e internacional que
fundamenta a promoção das referidas ações. Por fim, analisa, sucintamente, o processo de
incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no ordenamento
jurídico brasileiro.
Palavras-chave: igualdade; ações afirmativas; direitos humanos; Constituição.
SUMÁRIO:
1. INTRODUÇÃO;
2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE;
2.1 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL;
2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988;
3. AS AÇÕES AFIRMATIVAS E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS;
4. AS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO PROMOÇÃO DA IGUALDADE;
5. A INCORPORAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO;
6. CONCLUSÃO.
1
Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, pela Fundação Escola do Ministério
Público – FEMPAR, Universidade Norte do Paraná – UNOPAR, Londrina.
1
1. INTRODUÇÃO
As ações afirmativas surgiram, originariamente, nos Estados Unidos, a partir da
década de 1960, com o desenvolvimento dos Direitos Civis. Com o tempo, estenderam-se a
diversos países e, no Brasil, ganharam força com a promulgação da Constituição Federal de
1988. Desde então, têm se tornado cada vez mais presentes e importantes na luta contra o
preconceito e a discriminação.
As ações afirmativas podem ser entendidas como medidas especiais que buscam
remediar um passado de discriminações, de injustiças, e almejam acelerar o processo de
alcance à igualdade por parte dos grupos socialmente vulneráveis, como as minorias étnicas,
raciais, os portadores de necessidades especiais, dentre outros grupos.
Encontram amparo na Constituição Federal de 1988, numa vasta legislação
infraconstitucional, bem como nos tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil
e incorporados ao ordenamento jurídico interno, principalmente nos que versam sobre a
proteção dos direitos fundamentais.
Tema que se justifica pela própria realidade social em que se vive atualmente, as
políticas de ações afirmativas são um importante mecanismo de construção de uma sociedade
mais justa, solidária, igualitária, em que cada um é respeitado tendo em vista suas
peculiaridades. A princípio, um ideal distante, mas possível, e amparado pelo nosso
ordenamento jurídico.
2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A Constituição Federal de 1988 faz alusão ao princípio da igualdade em inúmeras
passagens. No preâmbulo, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil e os
princípios que a regem, como premissa dos direitos e garantias fundamentais, permeando todo
o texto constitucional, lá está o princípio da igualdade; previsto tanto de maneira explícita,
quanto implícita e, por vezes, até aparentemente repetitiva, ele constitui importante
fundamento do Estado Democrático de Direito.
Mas o que significa o princípio da igualdade? A maioria dos estudiosos do Direito,
aprende, nos bancos acadêmicos, que igualdade significa tratar aos iguais igualmente e aos
desiguais desigualmente, na medida de sua desigualdade, e repetem essa afirmação feita por
Aristóteles sem realmente questionarem os limites que a norteiam, os parâmetros em que se
aplica e os efeitos que dela advém. Para se entender o âmago da questão, é preciso perguntar-
2
se: Quem são os iguais e quem são os desiguais? Qual a medida da desigualdade entre eles? E
qual o critério legítimo capaz de distinguir as pessoas, separá-las em grupos e conceder-lhes
um tratamento jurídico diferenciado, conforme o grupo em que se encaixem, sem ferir o valor
da isonomia? Somente a busca por essas respostas é que conduzirá uma reflexão sobre o que
significa igualdade no Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Para alcançar a efetividade do princípio da igualdade, a própria lei dispensa
tratamento desigual às pessoas. Esse tratamento jurídico desigual pauta-se em alguns critérios
de discriminação estabelecidos, também, por lei. Assim, cada pessoa é única e diferente de
todas as demais, sendo que uns são altos, outros baixos; uns têm a pele escura, outros têm a
pele clara; uns possuem escolaridade, outros não; enfim, existem milhares de critérios pelos
quais se pode diferenciar as pessoas, inclusive legalmente, mas há limites para tanto.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello2
,
[...] o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem
quebra da isonomia se divide em três questões:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;
b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator
erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento
jurídico diversificado;
c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os
interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.
Desta forma, o autor explica que, para que não haja desrespeito à isonomia, é
necessário examinar com cautela o critério discriminatório adotado, buscar as justificativas
para a adoção deste critério no caso específico e examinar se tais justificativas são ou não
relevantes e aceitas pelo nosso sistema jurídico constitucional, tendo em vista os valores
zelados pelo mesmo. 3
De fato, a imposição de tratamento desigual em determinadas situações, deve ser
feita levando-se em consideração o nosso ordenamento jurídico como um todo, a análise dos
fins a que se presta a norma, e tendo como premissa básica o respeito ao ser humano, e a
efetivação de seus direitos e garantias fundamentais. Somente com uma visão solidária, livre
de preconceitos, desprendida de interesses pessoais, é que se pode desigualar para alcançar a
igualdade.
2.1 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL
2
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. p. 21-20.
3
Idem.
3
São vários os conceitos apresentados para a igualdade formal e material, mas buscar-
se-á compreender, de maneira simplista, o significado destes termos.
A igualdade formal pode ser sintetizada na fórmula: “todos são iguais perante a lei”.
Refere-se, portanto, a uma enunciação abstrata, geral, dirigida a todos indistintamente. Este
conceito de igualdade surgiu num período de regime absolutista dos séculos XVIII e XIX,
como resultado de movimentos que buscavam um novo regime e o desenvolvimento de um
rol mínimo de direitos que pudessem oferecer proteção contra as arbitrariedades do Estado.
Assim, a igualdade formal foi, inicialmente, revelada pela Declaração de Direitos do Bom
Povo da Virgínia, em 1776; e, posteriormente, pela Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, em 1789. A partir de então, passou a ser reconhecida mundialmente. Apesar de
crucial para a abolição gradativa de privilégios, esta idéia de igualdade não é suficiente para a
efetivação dos valores a que se preza.
Segundo o Walter Claudius Rothenburg4
, “nessa diferenciação entre igualdade
formal (de direito) e material (de fato), reproduz-se a distância entre o esperado (no plano
normativo) e o acontecido (no plano da realidade), e a distinção corresponde a uma suposta
diferença entre teoria (igualdade formal) e prática (igualdade material)”.
De fato, tanto a igualdade formal quanto a igualdade material possuem aspectos
fundamentais na construção do valor igualdade. A igualdade formal, apesar de não ser, por si
só, suficiente, representa uma conquista, um primeiro passo em direção à implementação
efetiva do Direito, dentro do Estado Democrático. Já a igualdade material significa a efetiva
realização da igualdade, a partir da concretização dos direitos humanos, e levando em
consideração as desigualdades presentes na sociedade.
2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Uma simples olhadela às Constituições brasileiras anteriores demonstra que, em
todas, o princípio da igualdade se fez presente. Isso não significa dizer, é claro, que a
igualdade se fez presente na sociedade brasileira desde a primeira Constituição, pois a
efetivação deste direito assegurado é, até hoje, um grande desafio.
A Constituição de 1824, em seu artigo 179, inciso XIII, previu: “A Lei será igual
para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos mecanismos de
4
ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade Material e Discriminação Positiva: o Princípio da Isonomia.
Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/32745/public/32745-40386-1-
PB.pdf> Acesso em: 22 nov. 2009.
4
cada um”. Paradoxalmente, esta mesma Constituição tolerava a escravidão. A Constituição de
1891 estabeleceu, em seu artigo 72, parágrafo 2º: “A República não admite privilégio de
nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas
as sua prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliários e de conselho”. E assim por
diante, todas as demais constituições brasileiras previram em seus textos a igualdade de
direitos e deveres entre todos.
A Constituição brasileira de 1988, já em seu preâmbulo, eleva a igualdade a um valor
supremo, insere-a dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,
estabelece, em seu artigo 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade” (...), e reforçando, no inciso I do
mesmo artigo, prevê que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Essas são
apenas as primeiras menções que a atual Constituição faz ao princípio da igualdade, que pode
ser encontrado em inúmeros outros artigos do texto constitucional.
Aparentemente repetitivo, o legislador da Constituição de 1988 quis dar um enfoque
especial ao princípio da igualdade, elevando-o a um patamar superior àquele que ocupava nas
constituições anteriores. A atual Constituição busca assegurar não só a igualdade em seu
sentido formal, afirmando que todos são iguais perante a lei, mas também a igualdade
material, mais especificamente, prevendo tratamentos diferenciados àqueles que deles
necessitam para igualarem-se, em direitos, aos demais.
Importante mencionar, nesse contexto, que Constituição de 1988, ao trazer capítulos
específicos sobre os trabalhadores, as crianças, os idosos, os indígenas, bem como artigos
específicos voltados à proteção das mulheres, dos portadores de necessidades especiais etc.,
ampliou o conceito de sujeito de direitos. Foi, deste modo, criado um aparato normativo
destinado a grupos específicos e o ser humano destinatário da norma deixou de ser genérica e
abstrativamente considerado para receber tratamento especial conforme sua especial
condição.
Sob essa perspectiva, a igualdade significa não apenas a vedação à discriminação
indevida, mas, também, o estabelecimento de discriminações devidas, o que se dá por meio de
ações afirmativas.
As ações afirmativas são um instrumento na luta pela conquista da igualdade
material; são de fundamental importância para o progresso do Estado Democrático de Direito,
cuja tarefa fundamental, segundo José Afonso da Silva5
, “consiste em superar as
5
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros. 2005. p.122.
5
desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime que realize a justiça social”.
Assim, à luz da Constituição Federal, as discriminações que tendem a abolir direitos
(discriminações negativas, indevidas) não podem ser aceitas. Já, aquelas que buscam a
efetivação dos direitos e garantias das pessoas e a concretização da igualdade material
(discriminações positivas, devidas), estão em perfeita harmonia com o sistema constitucional.
3. AS AÇÕES AFIRMATIVAS E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS
O Direito Internacional dos Direitos Humanos surgiu, basicamente, em decorrência
da Segunda Guerra Mundial, no século XX, e teve como impulso inicial para o seu
desenvolvimento as alarmantes atrocidades cometidas no período de Hitler e a certeza de que
muitas dessas atrocidades poderiam ter sido evitadas, se existisse, no momento, uma
legislação internacional de direitos humanos e formas efetivas de se proteger tais direitos.
O fundamento do Direito Internacional dos Direitos Humanos está na obrigação que
todos os Estados possuem de respeitar os direitos humanos e de protestar, caso estes estejam
sendo violados. A competência para legislar e decidir em matéria de direitos humanos não
pode ser, exclusivamente, da jurisdição interna de cada nação, até porque o interesse pela
causa dos direitos humanos é mundial.
De acordo com a doutrinadora Flávia Piovesan6
:
[...] fortalece-se a idéia de que a proteção dos direitos humanos não se deve
reduzir ao domínio reservado do Estado, isto é, não deve se restringir à
competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque
revela tema de legítimo interesse internacional. Por sua vez, esta concepção
inovadora aponta para duas importantes conseqüências;
1) a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa
a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas
intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos;
isto é, permitem-se formas de monitoramento e responsabilização
internacional, quando os direitos humanos forem violados;
2) a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na
esfera internacional, na condição de sujeito de Direito”.
Neste contexto do pós-guerra, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas
e, em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que trouxe uma visão
contemporânea dos direitos humanos ao valorizar a universalidade e indivisibilidade dos
mesmos. Tanto a universalidade quanto a indivisibilidade são características lógicas de
6
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 32.
6
direitos que são comuns a todo ser humano. Assim, os direitos humanos são universais,
porque se aplicam a todas as pessoas e são indivisíveis, porque estão, inevitavelmente,
relacionados a outros direitos, como aos direitos sociais e econômicos.
A Declaração Universal de 1948, além de ter delimitado uma nova concepção dos
direitos humanos, foi a alavanca inicial para o desenvolvimento do Direito Internacional dos
Direitos Humanos, pois, a partir dela, surgiram inúmeros tratados internacionais visando à
proteção dos direitos fundamentais.
Atualmente, existem dois sistemas paralelos de proteção dos direitos humanos: o
sistema normativo regional, que visa à internacionalização dos direitos humanos no âmbito
regional, principalmente na África, América e Europa e o sistema global. Este último é
composto por instrumentos de cunho geral, como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e
Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e por instrumentos que
possuem um cunho específico, como as Convenções internacionais que visam à proteção dos
direitos da mulher, do negro, do idoso, etc.
Os sistemas global e regional são complementares, interagem, e formam o universo
jurídico de proteção aos direitos humanos. Diante de uma violação dos direitos humanos, cabe
ao indivíduo lesado encontrar, dentro dos sistemas existentes, a proteção mais adequada ao
direito violado e, provavelmente, encontrará garantias dentro do sistema de alcance global, de
alcance regional, referente à matéria geral e específica7
.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos é um ramo do Direito Internacional
que, indubitavelmente, vem conquistando considerável espaço na ordem jurídica global,
principalmente, após a segunda metade do século XX, momento da História em que a pessoa
humana tem ganhado maior importância como sujeito de Direito Internacional.
Até a Segunda Guerra Mundial, apesar de terem sido elaborados documentos
importantes para o desenvolvimento do estudo dos direitos humanos, não existiam
documentos que, realmente, consagrassem a dignidade e a igualdade, em todas as suas
formas, protegendo o ser humano por meio da consolidação e efetivação de seus direitos.
As inúmeras atrocidades do período nazista e da Segunda Guerra Mundial deixaram
claro que os direitos humanos deveriam ter proteção no âmbito internacional. A idéia de
soberania, quando significar absoluta liberdade e autonomia jurídica para um Estado, deve ser
descartada em prol da valorização do ser humano. Para que haja evolução de pensamento e
7
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 39-41.
7
progresso da Humanidade, deve haver, primeiramente, a relativização das idéias, uma vez que
o absolutismo, via de regra, gera injustiças.
Em 1945, a estruturação da Organização das Nações Unidas abriu as portas à criação
de um dos mais importantes, se não o mais importante, documento da história dos direitos
humanos, que é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em dezembro de
1948, em Paris. A Declaração tem um texto bastante amplo que contém, seja de forma
expressa, seja implicitamente, os princípios substanciais dos direitos humanos. A Declaração
não representa, no entanto, uma obrigação para os Estados que a adotaram, visto que constitui
uma resolução da Assembléia da Organização das Nações Unidas.
Essa fase de proteção aos direitos humanos, desenvolvida num contexto pós guerra,
tem cunho generalíssimo, abstrato, e consagra a idéia de igualdade formal. O ser humano,
destinatário dos inúmeros tratados e convenções internacionais que se realizavam, era
protegido de forma geral, abstrata, sem atenção maior às suas peculiaridades.
Com o tempo, contudo, viu-se que era preciso ir além do que já se havia conquistado,
ampliando a proteção dos sujeitos de direitos às suas reais necessidades, abrangendo sua
particularidades, suas características singulares, para a promoção da igualdade, agora não
mais apenas formal, e sim, material. Nas palavras de Flávia Piovesan8
,
[...] vale dizer, na esfera internacional, se uma primeira vertente de
instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcionar uma
proteção geral, genérica e abstrata, refletindo o próprio temor da diferença,
percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a determinados grupos
uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria
vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a
aniquilação de direitos, mas, ao revés, para a sua promoção.
Assim, passaram a ter uma tutela especial, por exemplo, as crianças e adolescentes,
os idosos, os indígenas, os afro-descendentes, as mulheres, os trabalhadores rurais, bem como
vários outros grupos vulneráveis e carentes de uma proteção singular. O direito à diferença
tornou-se uma vertente do direito à igualdade, pois este não se realiza sem que as diferenças
sejam, de fato, respeitadas.
Nessa ótica, trazendo à tona uma nova fase de proteção aos direitos humanos, foi
aprovada, em 1965, pelas Nações Unidas, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil desde 1968. Essa Convenção tornou-
8
PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da perspectiva dos direitos humanos, publicado em: Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 124, jan/abril.2005, pg. 46. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100004> Acesso em: 14 out.
2009.
8
se solo fértil para a criação e execução de políticas de ações afirmativas que visem combater
doutrinas e práticas racistas. Em 1979, sob o mesmo enfoque de promoção da igualdade
material, eliminação de quaisquer formas de discriminação e elevação da dignidade da pessoa
humana, foi adotada, pela ONU, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, ratificada pelo Brasil desde 1984. Tanto uma quanto a outra
fazem parte do nosso ordenamento jurídico, posto que ratificadas pelo Brasil, e evidenciam a
necessidade de punir discriminações, bem como promover ações afirmativas no sentido de
fomentar a igualdade. Além destas Convenções, outras foram elaboradas para a proteção de
sujeitos específicos, como, por exemplo, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a
Convenção Internacional contra a Tortura, que merecem destaque por terem marcado essa
nova era de tutela especial dos direitos humanos, voltada a grupos pormenorizados, bem como
por incentivar as políticas de ações afirmativas e promover a igualdade material a partir da
discriminação positiva.
Por fim, importante mencionar que o sistema geral (que alcança a todos,
indistintamente) e o especial (que visa a grupos determinados), ambos norteados pelo
princípio da primazia da pessoa humana, complementam-se na defesa dos direitos
fundamentais. Assim, quando uma pessoa é específica destinatária de um documento
internacional, seja por sua cor, sua idade, sua origem, seu sexo, ou qualquer outro fator que
demande proteção especial, ainda pode utilizar-se dos princípios gerais contidos em
documentos como A Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos; e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
4. AS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO PROMOÇÃO DA IGUALDADE
As ações afirmativas essenciais na busca pela igualdade efetiva e, para uma melhor
compreensão do tema, não se pode deixar de conhecer, em princípio, alguns conceitos
apresentados pela doutrina.
Na lição da Dra. Flávia Piovesan9
, as ações afirmativas “constituem medidas
especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam
acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos
vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos”.
A doutrinadora afirma, também, que:
9
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 199/200.
9
As ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas para
aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório,
cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto democrático, que é a de
assegurar a diversidade e a pluralidade social. Trata-se de medidas concretas
que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve
se moldar no respeito à diferença e à diversidade. Através delas transita-se
da igualdade formal para a igualdade material e substantiva.10
Ainda, seguindo a mesma linha de raciocínio, no entanto, com um enfoque um pouco
diferenciado, de acordo com Joaquim Barbosa Gomes11
, as ações afirmativas são “um
conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário,
concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional,
bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por
objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a
educação e o emprego”.
Esmiuçando o conceito de ações afirmativas, pode-se dizer que são políticas (tanto
públicas quanto privadas); de caráter temporário ou definitivo, concebidas de forma
voluntária ou compulsória, direcionadas a grupos vulneráveis e minoritários, e que têm por
objetivos corrigir um passado de injustiças (feição compensatória), bem como prevenir as
discriminações na realidade atual (feição preventiva), por meio da concretização do valor da
isonomia.
As ações afirmativas podem advir tanto do poder público quanto da iniciativa
privada. Existem vários projetos, de iniciativa privada, que se tornaram exemplos a serem
seguidos, como o Projeto Geração XXI, que busca contribuir para com o desenvolvimento
educacional e cultural de jovens negros na cidade de São Paulo (Projeto Geração XXI)12
; a
ONG Geledés - Instituto da Mulher Negra13
, “que tem por missão institucional a luta contra o
racismo e o sexismo, a valorização e promoção das mulheres negras, em particular, e da
comunidade negra em geral”; e a ONG Pró-Yanomami14
, que tem como principal objetivo
lutar pela demarcação de terras em favor dos índios yanomami; dentre vários outros projetos
que merecem especial reconhecimento por sua atuação no meio em que se inserem.
10
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 199/200.
11
GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa: princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 40.
12
Projeto Geração XXI. Projeto Geração XXI ganha prêmio da ADVB. Disponível em:
<http://integracao.fgvsp.br/projetos24.htm> Acesso em: 25 jan. 2010.
13
GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/institucional/geledes-
instituto-da-mulher-negra.html> Acesso em: 26 jan. 2010.
14
ONG – Comissão Pró-Yanomami. Disponível em: <http://www.proyanomami.org.br/v0904/index.asp>
Acesso em: 26 jan. 2010.
10
De fato, na implementação das ações afirmativas, não se pode esperar que o Poder
Público seja o único responsável. Cada pessoa tem uma parcela de responsabilidade na
efetivação do valor igualdade, seja por meio da criação de projetos, ou simplesmente por meio
do efetivo exercício da cidadania, de forma individual, incentivando, e praticando a
solidariedade.
Seguindo no conceito acima exposto, não se pode dizer que todas as ações
afirmativas têm caráter temporário. Algumas, precisam de um longo período de
implementação para alcançar seus objetivos; outras precisam tornar-se definitivas a fim de
produzirem os resultados almejados. Exemplo de ações de caráter definitivo são aquelas que
buscam assegurar os direitos das populações indígenas, quilombolas e ciganas. A
implementação de uma política por tempo determinado, nesses casos, certamente não bastaria,
sendo necessária uma atuação constante do Estado em torno desses grupos minoritários.
Ainda, as ações afirmativas podem se apresentar de maneira compulsória ou
voluntária. Um exemplo de ação compulsória encontra-se na Portaria nº 115615
, de 20 de
dezembro de 2001, do Ministério da Justiça, a qual dispõe, em seu artigo 2º, inciso IV, que
nas contratações de empresas prestadoras de serviços, bem como de técnicos e consultores no
âmbito dos projetos desenvolvidos em parceria com organismos internacionais, será exigida a
observância da presença de afrodescendentes, mulheres e portadores de deficiência, em
percentagem ali estabelecida.
Por sua vez, como exemplo de ação voluntária, cumpre mencionar a Lei
11.096/200516
(conversão da Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004, editada
pelo Governo Federal), que instituiu o Programa Universidade Para Todos (PROUNI),
prevendo a concessão de bolsas de estudo, pelas instituições privadas de ensino superior, a
alunos que cursaram todo o ensino médio em escola da rede pública ou em instituições
privadas na condição de bolsista integral, a estudantes portadores de necessidades especiais e
a professores da rede de ensino pública, mediante a isenção de impostos e contribuições aos
que aderirem ao referido Programa.
Dando continuidade à análise do tema, importante fazer alguns breves comentários
acerca de como se desenvolveu o conceito de ações afirmativas, no mundo e, posteriormente,
no Brasil.
15
Portaria n. 1156 do MJ, de 20 de dezembro de 2001. Disponível em:
<http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/cidadania/gedef/legislacao/portaria_1156_01.asp> Acesso em: 26 jan. 2010.
16
LEI No
11.096, DE 13 DE JANEIRO DE 2005. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/LEI/L11096.htm> Acesso em: 16 dez. 2009.
11
A expressão affirmative action foi, pela primeira vez, empregada durante o governo
do Presidente dos Estados Unidos, Jhon F. Kennedy, por meio da Executive Order nº 10.925,
de 06 de março de 1961, que proibia a discriminação de candidato a emprego, ou de
trabalhador, em razão de sua raça, credo, cor ou nacionalidade. Logo depois, em 1963, no
governo do mesmo presidente, foi aprovado o Equal Pay Act, que impunha a não
discriminação, por parte do empregador, em matéria de contraprestação salarial, com base
unicamente no sexo do empregado.
Em seguida, no dia 02 de julho de 1964, no governo de Lyndon B. Johnson, foi
promulgada a Lei dos Direitos Civis (Civil Right Act), que novamente tratou sobre a
necessidade de promoção da igualdade nas relações trabalhistas.
Interessante transcrever um pequeno trecho do discurso proferido por Lyndon B.
Johnson, em 1965, na Howard University, pois registra um momento histórico em que aquele
presidente dos Estados Unidos reconhece a necessidade de se promover ações afirmativas
para a efetivação dos direitos humanos, posto que apenas a previsão dos aludidos direitos não
era mais suficiente:
Mas liberdade não é suficiente. Não se apagam as cicatrizes de séculos
dizendo: Agora você é livre para ir aonde você quiser, e fazer o que desejar,
e escolher os líderes que lhe agradem. Você não pode pegar uma pessoa que,
por anos, esteve acorrentada, e liberá-la, levá-la para o início de uma linha
de partida de corrida e então dizer, “você está livre para competir com todos
os demais”, e ainda acreditar que você foi completamente justo. Assim, não
é suficiente apenas abrir os portões da oportunidade. Todos os cidadãos
devem ter a habilidade para atravessar esses portões17
(tradução nossa).
Ainda no ano de 1965, um importante passo, em sede de ações afirmativas, foi dado
com a adoção, pela Resolução nº 2.106-A, da Assembléia das Nações Unidas, da Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, que excluiu do
âmbito da discriminação todas as medidas especiais voltadas à concretização do princípio da
igualdade. A Convenção, ratificada pelo Brasil no dia 27 de março de 1968, dispõe em seu
artigo 1º, parágrafo 4º, que:
17
No texto original: “But freedom is not enough. You do not wipe away the scars of centuries by saying, "Now
you are free to go where you want, and do as you desire, and choose the leaders you please." You do not take a
person who, for years, has been hobbled by chains and liberate him, bring him up to the starting line of a race
and then say, "You are free to compete with all the others," and still justly believe that you have been completely
fair. Thus it is not enough just to open the gates of opportunity. All our citizens must have the ability to walk
through those gates”. (AMERICAN EXPERIENCE. Disponível em:
http://www.pbs.org/wgbh/amex/eyesontheprize/sources/ps_bakke.html Acesso em: 06 jan. 2010.
12
Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas
com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos
raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser
necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou
exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais
medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos
separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido
alcançados os seus objetivos.18
Seguindo a mesma linha, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher, adotada pela Resolução 34/180 da Assembléia Geral das
Nações Unidas, em 18 de dezembro de 1979, e ratificada pelo Brasil em 01 de fevereiro de
1984, permite a “discriminação positiva”, quando prevê a adoção de medidas especiais de
proteção às mulheres.
Tanto a Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação
Racial quanto a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a
Mulher foram ratificadas pelo Brasil, que, portanto, obrigou-se, no plano internacional, a
eliminar todas as formas de discriminação, bem como garantir a efetiva igualdade material.
No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, pode-se afirmar que o atual
documento de maior importância para a legitimação das ações afirmativas é a Constituição
Federal de 1988. Após vinte anos de autoritarismo militar, que se estendeu de 1964 a 1985, a
Constituição marcou o início do processo de democratização do Estado brasileiro, e significou
um enorme avanço para a sociedade. Dentre outros progressos, a referida Carta positivou
uma série de direitos e garantias fundamentais, e inovou na proteção de grupos vulneráveis
como, por exemplo, as crianças e adolescentes, os indígenas e os idosos. Desta forma, abriu
espaço, ainda que indiretamente, à criação e consecução de programas e políticas afirmativas,
instrumentos de promoção da igualdade material.
Cumpre, para uma melhor compreensão do tema, citar alguns dispositivos, da
Constituição Federal, que fundamentam as políticas de ações afirmativas implantadas no
Brasil. Assim, logo no artigo 3º, está disposto:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
18
Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/discriraci.htm> Acesso em: 27 jan.
2010.
13
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ao estabelecer como objetivos fundamentais do Estado brasileiro a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação
da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; e a
promoção do bem de todos, sem quaisquer preconceitos ou discriminações, a Constituição
determinou a necessidade de se alcançar fins, para o que um dos caminhos possíveis é a
execução de políticas de ações afirmativas. Os objetivos elucidados no artigo 3º denotam uma
visão construtivista da Constituição, que busca mudar a realidade social em favor do
desenvolvimento de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, importante mencionar o entendimento do Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello19
, em palestra proferida em 20 de novembro de 2001,
no seminário “Discriminação e Sistema Legal Brasileiro”:
Do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a
percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso
da lei, com a imperatividade que ela deve ter em mercado desequilibrado, a
favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. Nesse
preceito são considerados como objetivos fundamentais de nossa República:
primeiro, construir – preste-se atenção a esse verbo – uma sociedade livre,
justa e solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional – novamente
temos aqui o verbo a conduzir, não a uma atitude simplesmente estática, mas
a uma posição ativa; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; e, por último, o que nos interessa,
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça e sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. Pode-se afirmar, sem
receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente
negativa, no que se proíbe a discriminação, para uma igualização eficaz,
dinâmica, já que os verbos “construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover”
implicam em si, mudanças de ótica, ao denotar `ação´. Não basta não
discriminar. É preciso viabilizar e encontrar, na Carta da República, base
para fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o
sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de tudo,
afirmativa.
Outros dispositivos evidenciam a tutela estatal às ações afirmativas, como, por
exemplo, o artigo 5º, inciso LXXIV, que garante assistência jurídica integral e gratuita
àqueles que comprovarem insuficiência de recursos; o artigo 7º, incisos XX, XXX, e XXXI,
que tratam da igualdade no âmbito do trabalho; o artigo 37, inciso VIII, que garante uma
19
MELLO, Marco Aurélio. Ótica Constitucional: A Igualdade e as Ações Afirmativas. In: MARTINS, Ives
Gandra Silva (Coord.). As vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América
Jurídica, 2002. p. 39.
14
reserva de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência; o artigo 230,
§ 2°, que assegura aos maiores de sessenta e cinco anos a gratuidade dos transportes coletivos
urbanos, bem como inúmeros outros.
Estes são apenas alguns exemplos de dispositivos que embasam as ações afirmativas,
no entanto, vários outros preceitos constitucionais voltam-se à promoção da igualdade
material e, fundamentalmente, levam à valorização da dignidade da pessoa humana. É obvio
que a Constituição Federal, por mais minuciosa que seja, não pode contemplar a proteção de
todos os grupos vulneráveis da sociedade, no entanto, ampara quaisquer políticas de ações
condizentes com seus princípios.
Além da Constituição Federal, que merece destaque por ser a base de todo o
ordenamento jurídico, existe, no Brasil, uma vasta legislação extravagante que prevê a
execução de ações afirmativas e, de forma mais ampla, a proteção de grupos vulneráveis,
como homens e mulheres afro descendentes, pessoas portadoras de necessidades especiais,
mulheres trabalhadoras, indígenas, crianças, idosos etc.
Por fim, concluí-se que as ações afirmativas contam com o um sólido aparato
jurídico, formado por tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil, pela
Constituição Federal de 1988 e, ainda, por uma série de normas que integram o ordenamento
interno.
5. A INCORPORAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A incorporação das normas internacionais que protegem os direitos humanos no
ordenamento jurídico brasileiro é assunto polêmico e que enseja discussões desde a
promulgação da Constituição Federal de 1988.
O artigo 5º, em seus parágrafos 2º e 3º, dispõe o seguinte:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.
Apesar de disposição expressa acerca do tema, a incorporação dos tratados
internacionais que versem sobre direitos humanos no ordenamento jurídico interno deve ser
15
vista com cautela, visto que uma mera interpretação gramatical da lei, neste caso, não resolve
as questões práticas atinentes à matéria.
O parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal assegura que os direitos e
garantias nela expressos não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte. Dizer que os direitos e garantias assegurados por
tratados internacionais não são excluídos pela Constituição Federal significa dizer que estão
inclusos em seu rol de direitos fundamentais, o que confere aos tratados internacionais de
direitos humanos status constitucional. Valério de Oliveira Mazzuoli20
ensina:
Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos
ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional, em virtude do
disposto no § 2º do art. 5º da Constituição (…), pois na medida em que a
Constituição não exclui os direitos humanos provenientes de tratados, é
porque ela própria os inclui no seu catálogo de direitos protegidos,
ampliando o seu ‘bloco de constitucionalidade’ e atribuindo-lhes hierarquia
de norma constitucional, como já assentamos anteriormente. Portanto, já se
exclui, desde logo, o entendimento de que os tratados de direitos humanos
não aprovados pela maioria qualificada do § 3º do art. 5º equivaleriam
hierarquicamente à lei ordinária federal, uma vez que os mesmos teriam sido
aprovados apenas por maioria simples (nos termos do art. 49, inc. I, da
Constituição) e não pelo quorum que lhes impõe o referido parágrafo. (…) O
que se deve entender é que o quorum que o § 3º do art. 5º estabelece serve
tão-somente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso
ordenamento jurídico interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível
materialmente constitucionais que eles já têm em virtude do § 2º do art. 5º da
Constituição.
O autor também explica que o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal,
(acrescentado pela emenda 45/2004) veio apenas trazer imperfeições ao sistema, pois uma
leitura desavisada do mesmo pode levar à conclusão de que os tratados de direitos humanos
não aprovados pela maioria qualificada (em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros) equivaleriam a lei ordinária
federal. No entanto, é essencial entender que o quorum a que se refere o parágrafo 3º apenas
atribui eficácia formal aos tratados que versam sobre direitos humanos, no ordenamento
jurídico interno. O status de norma constitucional, que equivale à eficácia material, já foi
atribuído a esses tratados pelo parágrafo § 2º do artigo 5º da Carta de 1988. 21
Cumpre mencionar o julgamento do Supremo Tribunal Federal, no dia 03 de
20
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 3ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: RT, 2009. p. 764.
21
MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Reforma do Judiciário e os Tratados de Direitos Humanos. Revista
Jurídica Eletrônica UNICOC. Disponível em:
<http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_63.pdf> Acesso em: 26 jan. 2010.
16
dezembro de 2008, (no Recurso Especial 466.343-SP), em que o Ministro Celso de Mello
aceitou a tese acima exposta, segundo a qual os tratados de direitos humanos têm status de
norma constitucional independentemente do seu quorum de aprovação no Brasil. A maioria
dos Ministros, no entanto, acompanhou o voto do Ministro Gilmar Mendes, que decidiu que
os tratados de direitos humanos não aprovados pelo quorum qualificado a que se refere o
parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição, ingressam no ordenamento jurídico interno em nível
supralegal e infraconstitucional. Ao menos, após esse julgamento histórico, o Supremo
Tribunal Federal deixou de equiparar os tratados internacionais de direitos humanos às leis
ordinárias, para colocá-los em posição supralegal.
Apesar de ainda não ter sido aceita pela Suprema Corte (posto que vencido o voto do
Ministro Celso de Mello), a tese que eleva os tratados de direitos humanos ao nível
constitucional, tendo ou não sido aprovados pelo quorum qualificado de que trata o parágrafo
3º do artigo 5º é, com toda a certeza, a mais condizente com a sistemática internacional de
proteção dos direitos humanos.
Toda essa discussão acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos
humanos, no ordenamento jurídico interno, ganha relevo quando se pensa nos tratados
ratificados pelo Brasil. Ao aceitar-se que os tratados que vêm ampliar os direitos
fundamentais integram o ordenamento jurídico brasileiro com patamar de norma
constitucional, entende-se que eles devem ser respeitados e cumpridos como se estivessem
escritos na Carta de 1988.
Atualmente, com o desenvolvimento cada vez maior do direito internacional dos
direitos humanos, em que os sujeitos de direitos são identificados por suas peculiaridades,
inúmeros são os documentos ratificados pelo Brasil e ampliadores dos direitos fundamentais.
Esses documentos não podem ser engavetados, ignorados, não servem para “florear” nossa
legislação, mas muito pelo contrário, são vigentes, eficazes, e vêm acrescentar ao nosso
ordenamento jurídico novas metas a serem executadas, ideais a serem seguidos e princípios a
serem observados.
As ações afirmativas vêm expressamente previstas em vários desses documentos,
como, por exemplo, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a
Mulher, na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, na Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, etc. Isso se dá pela necessidade e urgência, em muitos
países do mundo, assim como no Brasil, de se regatar o valor da igualdade, desfigurado por
um passado de preconceitos e discriminações.
17
As ações afirmativas, portanto, contam com a Constituição Federal de 1988, com
uma vasta legislação infraconstitucional e, ainda, com o sólido aparato dos tratados e
convenções de direitos humanos ratificados pelo Brasil (e que agregam ao ordenamento
jurídico brasileiro com status de norma constitucional). São instrumento eficaz na promoção
da igualdade material e, consequentemente, da dignidade da pessoa humana, foco central e
razão de ser de todo o ordenamento jurídico.
6. CONCLUSÃO
Para se alcançar o real sentido da igualdade, muitas vezes, é necessária a imposição
de um tratamento desigual, em favor dos grupos mais vulneráveis da sociedade. Assim, a
caminhada pela conquista dos direitos humanos desembocou no direito fundamental à
desigualdade. Este direito evidencia um outro lado da igualdade, possível apenas com o
respeito às diferenças.
As ações afirmativas são importante ferramenta na luta pela conquista da igualdade
material e, portanto, estão intimamente ligadas à causa dos direitos humanos. Estão
amparadas pela Constituição Federal de 1988, por uma vasta legislação extravagante e, ainda,
por uma gama de tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil e incorporados
ao ordenamento jurídico interno.
Finalmente, concluí-se que a realização do valor da igualdade compreende os
objetivos do nosso Estado Democrático de Direito e funda-se no princípio da primazia da
pessoa humana, sendo as ações afirmativas de suma importância para a construção de uma
sociedade mais justa, mais solidária e apta a promover a efetivação dos direitos e garantias
fundamentais.
REFERÊNCIAS
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<http://www.pbs.org/wgbh/amex/eyesontheprize/sources/ps_bakke.html> Acesso em: 06 jan. 2010.
ARAÚJO, José Carlos Evangelista de. Ações Afirmativas e Estado Democrático Social de Direito.
São Paulo: Editora Letras, 2009.
18
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
FACHIN, Zulmar. 20 anos da Constituição Cidadã. São Paulo: Método, 2008.
GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa: princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000.
KAUFFMAN, Roberta Fragoso Meneses. Ações Afirmativas à Brasileira: Necessidade ou Mito. São
Paulo: Livraria do Advogado, 2007.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 3ª ed., rev., atual. e ampl.,
São Paulo: RT, 2009.
MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Reforma do Judiciário e os Tratados de Direitos Humanos.
Revista Jurídica Eletrônica UNICOC. Disponível em:
<http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_63.pdf> Acesso em: 26 jan.
2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo:
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MELLO, Marco Aurélio. Ótica Constitucional: A Igualdade e as Ações Afirmativas. In: MARTINS,
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PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003.
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Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 124, jan/abril.2005, pg. 46. Disponível em:
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ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade Material e Discriminação Positiva: o Princípio da
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Acesso em: 22 nov. 2009.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.
SOUZA, Osiel Francisco de. Ações Afirmativas como Instrumento de Concretização da Igualdade
Material. São Paulo: All Print, 2008.

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Aedf06

  • 1. AS AÇÕES AFIRMATIVAS SOB O ENFOQUE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Paula Prux1 Bacharel em Direito pela FACNOPAR (Apucarana – Paraná). Especialista em Ministério Público pela Fundação Escola do Ministério Público –– UNOPAR, Londrina. Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF. paulaprux@hotmail.com RESUMO: Inicialmente, este artigo científico apresenta um estudo sobre o princípio da igualdade, abrangendo os conceitos de igualdade formal e material, bem como a inserção do aludido princípio na Constituição Federal de 1988. Em seguida, estuda a relação entre as ações afirmativas e o direito internacional dos direitos humanos, abrangendo o conceito e desenvolvimento histórico deste ramo do direito, bem como a importância dos Tratados e Convenções Internacionais, que versam sobre direitos humanos, à proteção dos grupos mais vulneráveis da sociedade. Ainda, aborda a efetividade das políticas de ações afirmativas na promoção do valor igualdade, referindo-se à legislação nacional e internacional que fundamenta a promoção das referidas ações. Por fim, analisa, sucintamente, o processo de incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Palavras-chave: igualdade; ações afirmativas; direitos humanos; Constituição. SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE; 2.1 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL; 2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988; 3. AS AÇÕES AFIRMATIVAS E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS; 4. AS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO PROMOÇÃO DA IGUALDADE; 5. A INCORPORAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; 6. CONCLUSÃO. 1 Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, pela Fundação Escola do Ministério Público – FEMPAR, Universidade Norte do Paraná – UNOPAR, Londrina.
  • 2. 1 1. INTRODUÇÃO As ações afirmativas surgiram, originariamente, nos Estados Unidos, a partir da década de 1960, com o desenvolvimento dos Direitos Civis. Com o tempo, estenderam-se a diversos países e, no Brasil, ganharam força com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Desde então, têm se tornado cada vez mais presentes e importantes na luta contra o preconceito e a discriminação. As ações afirmativas podem ser entendidas como medidas especiais que buscam remediar um passado de discriminações, de injustiças, e almejam acelerar o processo de alcance à igualdade por parte dos grupos socialmente vulneráveis, como as minorias étnicas, raciais, os portadores de necessidades especiais, dentre outros grupos. Encontram amparo na Constituição Federal de 1988, numa vasta legislação infraconstitucional, bem como nos tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil e incorporados ao ordenamento jurídico interno, principalmente nos que versam sobre a proteção dos direitos fundamentais. Tema que se justifica pela própria realidade social em que se vive atualmente, as políticas de ações afirmativas são um importante mecanismo de construção de uma sociedade mais justa, solidária, igualitária, em que cada um é respeitado tendo em vista suas peculiaridades. A princípio, um ideal distante, mas possível, e amparado pelo nosso ordenamento jurídico. 2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE A Constituição Federal de 1988 faz alusão ao princípio da igualdade em inúmeras passagens. No preâmbulo, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil e os princípios que a regem, como premissa dos direitos e garantias fundamentais, permeando todo o texto constitucional, lá está o princípio da igualdade; previsto tanto de maneira explícita, quanto implícita e, por vezes, até aparentemente repetitiva, ele constitui importante fundamento do Estado Democrático de Direito. Mas o que significa o princípio da igualdade? A maioria dos estudiosos do Direito, aprende, nos bancos acadêmicos, que igualdade significa tratar aos iguais igualmente e aos desiguais desigualmente, na medida de sua desigualdade, e repetem essa afirmação feita por Aristóteles sem realmente questionarem os limites que a norteiam, os parâmetros em que se aplica e os efeitos que dela advém. Para se entender o âmago da questão, é preciso perguntar-
  • 3. 2 se: Quem são os iguais e quem são os desiguais? Qual a medida da desigualdade entre eles? E qual o critério legítimo capaz de distinguir as pessoas, separá-las em grupos e conceder-lhes um tratamento jurídico diferenciado, conforme o grupo em que se encaixem, sem ferir o valor da isonomia? Somente a busca por essas respostas é que conduzirá uma reflexão sobre o que significa igualdade no Estado Democrático de Direito em que vivemos. Para alcançar a efetividade do princípio da igualdade, a própria lei dispensa tratamento desigual às pessoas. Esse tratamento jurídico desigual pauta-se em alguns critérios de discriminação estabelecidos, também, por lei. Assim, cada pessoa é única e diferente de todas as demais, sendo que uns são altos, outros baixos; uns têm a pele escura, outros têm a pele clara; uns possuem escolaridade, outros não; enfim, existem milhares de critérios pelos quais se pode diferenciar as pessoas, inclusive legalmente, mas há limites para tanto. De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello2 , [...] o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. Desta forma, o autor explica que, para que não haja desrespeito à isonomia, é necessário examinar com cautela o critério discriminatório adotado, buscar as justificativas para a adoção deste critério no caso específico e examinar se tais justificativas são ou não relevantes e aceitas pelo nosso sistema jurídico constitucional, tendo em vista os valores zelados pelo mesmo. 3 De fato, a imposição de tratamento desigual em determinadas situações, deve ser feita levando-se em consideração o nosso ordenamento jurídico como um todo, a análise dos fins a que se presta a norma, e tendo como premissa básica o respeito ao ser humano, e a efetivação de seus direitos e garantias fundamentais. Somente com uma visão solidária, livre de preconceitos, desprendida de interesses pessoais, é que se pode desigualar para alcançar a igualdade. 2.1 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL 2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 21-20. 3 Idem.
  • 4. 3 São vários os conceitos apresentados para a igualdade formal e material, mas buscar- se-á compreender, de maneira simplista, o significado destes termos. A igualdade formal pode ser sintetizada na fórmula: “todos são iguais perante a lei”. Refere-se, portanto, a uma enunciação abstrata, geral, dirigida a todos indistintamente. Este conceito de igualdade surgiu num período de regime absolutista dos séculos XVIII e XIX, como resultado de movimentos que buscavam um novo regime e o desenvolvimento de um rol mínimo de direitos que pudessem oferecer proteção contra as arbitrariedades do Estado. Assim, a igualdade formal foi, inicialmente, revelada pela Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, em 1776; e, posteriormente, pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. A partir de então, passou a ser reconhecida mundialmente. Apesar de crucial para a abolição gradativa de privilégios, esta idéia de igualdade não é suficiente para a efetivação dos valores a que se preza. Segundo o Walter Claudius Rothenburg4 , “nessa diferenciação entre igualdade formal (de direito) e material (de fato), reproduz-se a distância entre o esperado (no plano normativo) e o acontecido (no plano da realidade), e a distinção corresponde a uma suposta diferença entre teoria (igualdade formal) e prática (igualdade material)”. De fato, tanto a igualdade formal quanto a igualdade material possuem aspectos fundamentais na construção do valor igualdade. A igualdade formal, apesar de não ser, por si só, suficiente, representa uma conquista, um primeiro passo em direção à implementação efetiva do Direito, dentro do Estado Democrático. Já a igualdade material significa a efetiva realização da igualdade, a partir da concretização dos direitos humanos, e levando em consideração as desigualdades presentes na sociedade. 2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Uma simples olhadela às Constituições brasileiras anteriores demonstra que, em todas, o princípio da igualdade se fez presente. Isso não significa dizer, é claro, que a igualdade se fez presente na sociedade brasileira desde a primeira Constituição, pois a efetivação deste direito assegurado é, até hoje, um grande desafio. A Constituição de 1824, em seu artigo 179, inciso XIII, previu: “A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos mecanismos de 4 ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade Material e Discriminação Positiva: o Princípio da Isonomia. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/32745/public/32745-40386-1- PB.pdf> Acesso em: 22 nov. 2009.
  • 5. 4 cada um”. Paradoxalmente, esta mesma Constituição tolerava a escravidão. A Constituição de 1891 estabeleceu, em seu artigo 72, parágrafo 2º: “A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as sua prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliários e de conselho”. E assim por diante, todas as demais constituições brasileiras previram em seus textos a igualdade de direitos e deveres entre todos. A Constituição brasileira de 1988, já em seu preâmbulo, eleva a igualdade a um valor supremo, insere-a dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelece, em seu artigo 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade” (...), e reforçando, no inciso I do mesmo artigo, prevê que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Essas são apenas as primeiras menções que a atual Constituição faz ao princípio da igualdade, que pode ser encontrado em inúmeros outros artigos do texto constitucional. Aparentemente repetitivo, o legislador da Constituição de 1988 quis dar um enfoque especial ao princípio da igualdade, elevando-o a um patamar superior àquele que ocupava nas constituições anteriores. A atual Constituição busca assegurar não só a igualdade em seu sentido formal, afirmando que todos são iguais perante a lei, mas também a igualdade material, mais especificamente, prevendo tratamentos diferenciados àqueles que deles necessitam para igualarem-se, em direitos, aos demais. Importante mencionar, nesse contexto, que Constituição de 1988, ao trazer capítulos específicos sobre os trabalhadores, as crianças, os idosos, os indígenas, bem como artigos específicos voltados à proteção das mulheres, dos portadores de necessidades especiais etc., ampliou o conceito de sujeito de direitos. Foi, deste modo, criado um aparato normativo destinado a grupos específicos e o ser humano destinatário da norma deixou de ser genérica e abstrativamente considerado para receber tratamento especial conforme sua especial condição. Sob essa perspectiva, a igualdade significa não apenas a vedação à discriminação indevida, mas, também, o estabelecimento de discriminações devidas, o que se dá por meio de ações afirmativas. As ações afirmativas são um instrumento na luta pela conquista da igualdade material; são de fundamental importância para o progresso do Estado Democrático de Direito, cuja tarefa fundamental, segundo José Afonso da Silva5 , “consiste em superar as 5 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros. 2005. p.122.
  • 6. 5 desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime que realize a justiça social”. Assim, à luz da Constituição Federal, as discriminações que tendem a abolir direitos (discriminações negativas, indevidas) não podem ser aceitas. Já, aquelas que buscam a efetivação dos direitos e garantias das pessoas e a concretização da igualdade material (discriminações positivas, devidas), estão em perfeita harmonia com o sistema constitucional. 3. AS AÇÕES AFIRMATIVAS E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS O Direito Internacional dos Direitos Humanos surgiu, basicamente, em decorrência da Segunda Guerra Mundial, no século XX, e teve como impulso inicial para o seu desenvolvimento as alarmantes atrocidades cometidas no período de Hitler e a certeza de que muitas dessas atrocidades poderiam ter sido evitadas, se existisse, no momento, uma legislação internacional de direitos humanos e formas efetivas de se proteger tais direitos. O fundamento do Direito Internacional dos Direitos Humanos está na obrigação que todos os Estados possuem de respeitar os direitos humanos e de protestar, caso estes estejam sendo violados. A competência para legislar e decidir em matéria de direitos humanos não pode ser, exclusivamente, da jurisdição interna de cada nação, até porque o interesse pela causa dos direitos humanos é mundial. De acordo com a doutrinadora Flávia Piovesan6 : [...] fortalece-se a idéia de que a proteção dos direitos humanos não se deve reduzir ao domínio reservado do Estado, isto é, não deve se restringir à competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Por sua vez, esta concepção inovadora aponta para duas importantes conseqüências; 1) a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos; isto é, permitem-se formas de monitoramento e responsabilização internacional, quando os direitos humanos forem violados; 2) a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, na condição de sujeito de Direito”. Neste contexto do pós-guerra, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas e, em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que trouxe uma visão contemporânea dos direitos humanos ao valorizar a universalidade e indivisibilidade dos mesmos. Tanto a universalidade quanto a indivisibilidade são características lógicas de 6 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 32.
  • 7. 6 direitos que são comuns a todo ser humano. Assim, os direitos humanos são universais, porque se aplicam a todas as pessoas e são indivisíveis, porque estão, inevitavelmente, relacionados a outros direitos, como aos direitos sociais e econômicos. A Declaração Universal de 1948, além de ter delimitado uma nova concepção dos direitos humanos, foi a alavanca inicial para o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, pois, a partir dela, surgiram inúmeros tratados internacionais visando à proteção dos direitos fundamentais. Atualmente, existem dois sistemas paralelos de proteção dos direitos humanos: o sistema normativo regional, que visa à internacionalização dos direitos humanos no âmbito regional, principalmente na África, América e Europa e o sistema global. Este último é composto por instrumentos de cunho geral, como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e por instrumentos que possuem um cunho específico, como as Convenções internacionais que visam à proteção dos direitos da mulher, do negro, do idoso, etc. Os sistemas global e regional são complementares, interagem, e formam o universo jurídico de proteção aos direitos humanos. Diante de uma violação dos direitos humanos, cabe ao indivíduo lesado encontrar, dentro dos sistemas existentes, a proteção mais adequada ao direito violado e, provavelmente, encontrará garantias dentro do sistema de alcance global, de alcance regional, referente à matéria geral e específica7 . O Direito Internacional dos Direitos Humanos é um ramo do Direito Internacional que, indubitavelmente, vem conquistando considerável espaço na ordem jurídica global, principalmente, após a segunda metade do século XX, momento da História em que a pessoa humana tem ganhado maior importância como sujeito de Direito Internacional. Até a Segunda Guerra Mundial, apesar de terem sido elaborados documentos importantes para o desenvolvimento do estudo dos direitos humanos, não existiam documentos que, realmente, consagrassem a dignidade e a igualdade, em todas as suas formas, protegendo o ser humano por meio da consolidação e efetivação de seus direitos. As inúmeras atrocidades do período nazista e da Segunda Guerra Mundial deixaram claro que os direitos humanos deveriam ter proteção no âmbito internacional. A idéia de soberania, quando significar absoluta liberdade e autonomia jurídica para um Estado, deve ser descartada em prol da valorização do ser humano. Para que haja evolução de pensamento e 7 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 39-41.
  • 8. 7 progresso da Humanidade, deve haver, primeiramente, a relativização das idéias, uma vez que o absolutismo, via de regra, gera injustiças. Em 1945, a estruturação da Organização das Nações Unidas abriu as portas à criação de um dos mais importantes, se não o mais importante, documento da história dos direitos humanos, que é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em dezembro de 1948, em Paris. A Declaração tem um texto bastante amplo que contém, seja de forma expressa, seja implicitamente, os princípios substanciais dos direitos humanos. A Declaração não representa, no entanto, uma obrigação para os Estados que a adotaram, visto que constitui uma resolução da Assembléia da Organização das Nações Unidas. Essa fase de proteção aos direitos humanos, desenvolvida num contexto pós guerra, tem cunho generalíssimo, abstrato, e consagra a idéia de igualdade formal. O ser humano, destinatário dos inúmeros tratados e convenções internacionais que se realizavam, era protegido de forma geral, abstrata, sem atenção maior às suas peculiaridades. Com o tempo, contudo, viu-se que era preciso ir além do que já se havia conquistado, ampliando a proteção dos sujeitos de direitos às suas reais necessidades, abrangendo sua particularidades, suas características singulares, para a promoção da igualdade, agora não mais apenas formal, e sim, material. Nas palavras de Flávia Piovesan8 , [...] vale dizer, na esfera internacional, se uma primeira vertente de instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcionar uma proteção geral, genérica e abstrata, refletindo o próprio temor da diferença, percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a determinados grupos uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas, ao revés, para a sua promoção. Assim, passaram a ter uma tutela especial, por exemplo, as crianças e adolescentes, os idosos, os indígenas, os afro-descendentes, as mulheres, os trabalhadores rurais, bem como vários outros grupos vulneráveis e carentes de uma proteção singular. O direito à diferença tornou-se uma vertente do direito à igualdade, pois este não se realiza sem que as diferenças sejam, de fato, respeitadas. Nessa ótica, trazendo à tona uma nova fase de proteção aos direitos humanos, foi aprovada, em 1965, pelas Nações Unidas, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil desde 1968. Essa Convenção tornou- 8 PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da perspectiva dos direitos humanos, publicado em: Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 124, jan/abril.2005, pg. 46. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100004> Acesso em: 14 out. 2009.
  • 9. 8 se solo fértil para a criação e execução de políticas de ações afirmativas que visem combater doutrinas e práticas racistas. Em 1979, sob o mesmo enfoque de promoção da igualdade material, eliminação de quaisquer formas de discriminação e elevação da dignidade da pessoa humana, foi adotada, pela ONU, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada pelo Brasil desde 1984. Tanto uma quanto a outra fazem parte do nosso ordenamento jurídico, posto que ratificadas pelo Brasil, e evidenciam a necessidade de punir discriminações, bem como promover ações afirmativas no sentido de fomentar a igualdade. Além destas Convenções, outras foram elaboradas para a proteção de sujeitos específicos, como, por exemplo, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional contra a Tortura, que merecem destaque por terem marcado essa nova era de tutela especial dos direitos humanos, voltada a grupos pormenorizados, bem como por incentivar as políticas de ações afirmativas e promover a igualdade material a partir da discriminação positiva. Por fim, importante mencionar que o sistema geral (que alcança a todos, indistintamente) e o especial (que visa a grupos determinados), ambos norteados pelo princípio da primazia da pessoa humana, complementam-se na defesa dos direitos fundamentais. Assim, quando uma pessoa é específica destinatária de um documento internacional, seja por sua cor, sua idade, sua origem, seu sexo, ou qualquer outro fator que demande proteção especial, ainda pode utilizar-se dos princípios gerais contidos em documentos como A Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 4. AS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO PROMOÇÃO DA IGUALDADE As ações afirmativas essenciais na busca pela igualdade efetiva e, para uma melhor compreensão do tema, não se pode deixar de conhecer, em princípio, alguns conceitos apresentados pela doutrina. Na lição da Dra. Flávia Piovesan9 , as ações afirmativas “constituem medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos”. A doutrinadora afirma, também, que: 9 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 199/200.
  • 10. 9 As ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. Trata-se de medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e à diversidade. Através delas transita-se da igualdade formal para a igualdade material e substantiva.10 Ainda, seguindo a mesma linha de raciocínio, no entanto, com um enfoque um pouco diferenciado, de acordo com Joaquim Barbosa Gomes11 , as ações afirmativas são “um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego”. Esmiuçando o conceito de ações afirmativas, pode-se dizer que são políticas (tanto públicas quanto privadas); de caráter temporário ou definitivo, concebidas de forma voluntária ou compulsória, direcionadas a grupos vulneráveis e minoritários, e que têm por objetivos corrigir um passado de injustiças (feição compensatória), bem como prevenir as discriminações na realidade atual (feição preventiva), por meio da concretização do valor da isonomia. As ações afirmativas podem advir tanto do poder público quanto da iniciativa privada. Existem vários projetos, de iniciativa privada, que se tornaram exemplos a serem seguidos, como o Projeto Geração XXI, que busca contribuir para com o desenvolvimento educacional e cultural de jovens negros na cidade de São Paulo (Projeto Geração XXI)12 ; a ONG Geledés - Instituto da Mulher Negra13 , “que tem por missão institucional a luta contra o racismo e o sexismo, a valorização e promoção das mulheres negras, em particular, e da comunidade negra em geral”; e a ONG Pró-Yanomami14 , que tem como principal objetivo lutar pela demarcação de terras em favor dos índios yanomami; dentre vários outros projetos que merecem especial reconhecimento por sua atuação no meio em que se inserem. 10 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 199/200. 11 GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa: princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 40. 12 Projeto Geração XXI. Projeto Geração XXI ganha prêmio da ADVB. Disponível em: <http://integracao.fgvsp.br/projetos24.htm> Acesso em: 25 jan. 2010. 13 GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/institucional/geledes- instituto-da-mulher-negra.html> Acesso em: 26 jan. 2010. 14 ONG – Comissão Pró-Yanomami. Disponível em: <http://www.proyanomami.org.br/v0904/index.asp> Acesso em: 26 jan. 2010.
  • 11. 10 De fato, na implementação das ações afirmativas, não se pode esperar que o Poder Público seja o único responsável. Cada pessoa tem uma parcela de responsabilidade na efetivação do valor igualdade, seja por meio da criação de projetos, ou simplesmente por meio do efetivo exercício da cidadania, de forma individual, incentivando, e praticando a solidariedade. Seguindo no conceito acima exposto, não se pode dizer que todas as ações afirmativas têm caráter temporário. Algumas, precisam de um longo período de implementação para alcançar seus objetivos; outras precisam tornar-se definitivas a fim de produzirem os resultados almejados. Exemplo de ações de caráter definitivo são aquelas que buscam assegurar os direitos das populações indígenas, quilombolas e ciganas. A implementação de uma política por tempo determinado, nesses casos, certamente não bastaria, sendo necessária uma atuação constante do Estado em torno desses grupos minoritários. Ainda, as ações afirmativas podem se apresentar de maneira compulsória ou voluntária. Um exemplo de ação compulsória encontra-se na Portaria nº 115615 , de 20 de dezembro de 2001, do Ministério da Justiça, a qual dispõe, em seu artigo 2º, inciso IV, que nas contratações de empresas prestadoras de serviços, bem como de técnicos e consultores no âmbito dos projetos desenvolvidos em parceria com organismos internacionais, será exigida a observância da presença de afrodescendentes, mulheres e portadores de deficiência, em percentagem ali estabelecida. Por sua vez, como exemplo de ação voluntária, cumpre mencionar a Lei 11.096/200516 (conversão da Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004, editada pelo Governo Federal), que instituiu o Programa Universidade Para Todos (PROUNI), prevendo a concessão de bolsas de estudo, pelas instituições privadas de ensino superior, a alunos que cursaram todo o ensino médio em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, a estudantes portadores de necessidades especiais e a professores da rede de ensino pública, mediante a isenção de impostos e contribuições aos que aderirem ao referido Programa. Dando continuidade à análise do tema, importante fazer alguns breves comentários acerca de como se desenvolveu o conceito de ações afirmativas, no mundo e, posteriormente, no Brasil. 15 Portaria n. 1156 do MJ, de 20 de dezembro de 2001. Disponível em: <http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/cidadania/gedef/legislacao/portaria_1156_01.asp> Acesso em: 26 jan. 2010. 16 LEI No 11.096, DE 13 DE JANEIRO DE 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/LEI/L11096.htm> Acesso em: 16 dez. 2009.
  • 12. 11 A expressão affirmative action foi, pela primeira vez, empregada durante o governo do Presidente dos Estados Unidos, Jhon F. Kennedy, por meio da Executive Order nº 10.925, de 06 de março de 1961, que proibia a discriminação de candidato a emprego, ou de trabalhador, em razão de sua raça, credo, cor ou nacionalidade. Logo depois, em 1963, no governo do mesmo presidente, foi aprovado o Equal Pay Act, que impunha a não discriminação, por parte do empregador, em matéria de contraprestação salarial, com base unicamente no sexo do empregado. Em seguida, no dia 02 de julho de 1964, no governo de Lyndon B. Johnson, foi promulgada a Lei dos Direitos Civis (Civil Right Act), que novamente tratou sobre a necessidade de promoção da igualdade nas relações trabalhistas. Interessante transcrever um pequeno trecho do discurso proferido por Lyndon B. Johnson, em 1965, na Howard University, pois registra um momento histórico em que aquele presidente dos Estados Unidos reconhece a necessidade de se promover ações afirmativas para a efetivação dos direitos humanos, posto que apenas a previsão dos aludidos direitos não era mais suficiente: Mas liberdade não é suficiente. Não se apagam as cicatrizes de séculos dizendo: Agora você é livre para ir aonde você quiser, e fazer o que desejar, e escolher os líderes que lhe agradem. Você não pode pegar uma pessoa que, por anos, esteve acorrentada, e liberá-la, levá-la para o início de uma linha de partida de corrida e então dizer, “você está livre para competir com todos os demais”, e ainda acreditar que você foi completamente justo. Assim, não é suficiente apenas abrir os portões da oportunidade. Todos os cidadãos devem ter a habilidade para atravessar esses portões17 (tradução nossa). Ainda no ano de 1965, um importante passo, em sede de ações afirmativas, foi dado com a adoção, pela Resolução nº 2.106-A, da Assembléia das Nações Unidas, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, que excluiu do âmbito da discriminação todas as medidas especiais voltadas à concretização do princípio da igualdade. A Convenção, ratificada pelo Brasil no dia 27 de março de 1968, dispõe em seu artigo 1º, parágrafo 4º, que: 17 No texto original: “But freedom is not enough. You do not wipe away the scars of centuries by saying, "Now you are free to go where you want, and do as you desire, and choose the leaders you please." You do not take a person who, for years, has been hobbled by chains and liberate him, bring him up to the starting line of a race and then say, "You are free to compete with all the others," and still justly believe that you have been completely fair. Thus it is not enough just to open the gates of opportunity. All our citizens must have the ability to walk through those gates”. (AMERICAN EXPERIENCE. Disponível em: http://www.pbs.org/wgbh/amex/eyesontheprize/sources/ps_bakke.html Acesso em: 06 jan. 2010.
  • 13. 12 Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.18 Seguindo a mesma linha, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Resolução 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 18 de dezembro de 1979, e ratificada pelo Brasil em 01 de fevereiro de 1984, permite a “discriminação positiva”, quando prevê a adoção de medidas especiais de proteção às mulheres. Tanto a Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial quanto a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher foram ratificadas pelo Brasil, que, portanto, obrigou-se, no plano internacional, a eliminar todas as formas de discriminação, bem como garantir a efetiva igualdade material. No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, pode-se afirmar que o atual documento de maior importância para a legitimação das ações afirmativas é a Constituição Federal de 1988. Após vinte anos de autoritarismo militar, que se estendeu de 1964 a 1985, a Constituição marcou o início do processo de democratização do Estado brasileiro, e significou um enorme avanço para a sociedade. Dentre outros progressos, a referida Carta positivou uma série de direitos e garantias fundamentais, e inovou na proteção de grupos vulneráveis como, por exemplo, as crianças e adolescentes, os indígenas e os idosos. Desta forma, abriu espaço, ainda que indiretamente, à criação e consecução de programas e políticas afirmativas, instrumentos de promoção da igualdade material. Cumpre, para uma melhor compreensão do tema, citar alguns dispositivos, da Constituição Federal, que fundamentam as políticas de ações afirmativas implantadas no Brasil. Assim, logo no artigo 3º, está disposto: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 18 Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/discriraci.htm> Acesso em: 27 jan. 2010.
  • 14. 13 IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ao estabelecer como objetivos fundamentais do Estado brasileiro a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem quaisquer preconceitos ou discriminações, a Constituição determinou a necessidade de se alcançar fins, para o que um dos caminhos possíveis é a execução de políticas de ações afirmativas. Os objetivos elucidados no artigo 3º denotam uma visão construtivista da Constituição, que busca mudar a realidade social em favor do desenvolvimento de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Nesse contexto, importante mencionar o entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello19 , em palestra proferida em 20 de novembro de 2001, no seminário “Discriminação e Sistema Legal Brasileiro”: Do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. Nesse preceito são considerados como objetivos fundamentais de nossa República: primeiro, construir – preste-se atenção a esse verbo – uma sociedade livre, justa e solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional – novamente temos aqui o verbo a conduzir, não a uma atitude simplesmente estática, mas a uma posição ativa; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, por último, o que nos interessa, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça e sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Pode-se afirmar, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente negativa, no que se proíbe a discriminação, para uma igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos “construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover” implicam em si, mudanças de ótica, ao denotar `ação´. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar e encontrar, na Carta da República, base para fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa. Outros dispositivos evidenciam a tutela estatal às ações afirmativas, como, por exemplo, o artigo 5º, inciso LXXIV, que garante assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem insuficiência de recursos; o artigo 7º, incisos XX, XXX, e XXXI, que tratam da igualdade no âmbito do trabalho; o artigo 37, inciso VIII, que garante uma 19 MELLO, Marco Aurélio. Ótica Constitucional: A Igualdade e as Ações Afirmativas. In: MARTINS, Ives Gandra Silva (Coord.). As vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 39.
  • 15. 14 reserva de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência; o artigo 230, § 2°, que assegura aos maiores de sessenta e cinco anos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos, bem como inúmeros outros. Estes são apenas alguns exemplos de dispositivos que embasam as ações afirmativas, no entanto, vários outros preceitos constitucionais voltam-se à promoção da igualdade material e, fundamentalmente, levam à valorização da dignidade da pessoa humana. É obvio que a Constituição Federal, por mais minuciosa que seja, não pode contemplar a proteção de todos os grupos vulneráveis da sociedade, no entanto, ampara quaisquer políticas de ações condizentes com seus princípios. Além da Constituição Federal, que merece destaque por ser a base de todo o ordenamento jurídico, existe, no Brasil, uma vasta legislação extravagante que prevê a execução de ações afirmativas e, de forma mais ampla, a proteção de grupos vulneráveis, como homens e mulheres afro descendentes, pessoas portadoras de necessidades especiais, mulheres trabalhadoras, indígenas, crianças, idosos etc. Por fim, concluí-se que as ações afirmativas contam com o um sólido aparato jurídico, formado por tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil, pela Constituição Federal de 1988 e, ainda, por uma série de normas que integram o ordenamento interno. 5. A INCORPORAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A incorporação das normas internacionais que protegem os direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro é assunto polêmico e que enseja discussões desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. O artigo 5º, em seus parágrafos 2º e 3º, dispõe o seguinte: § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Apesar de disposição expressa acerca do tema, a incorporação dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos no ordenamento jurídico interno deve ser
  • 16. 15 vista com cautela, visto que uma mera interpretação gramatical da lei, neste caso, não resolve as questões práticas atinentes à matéria. O parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal assegura que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Dizer que os direitos e garantias assegurados por tratados internacionais não são excluídos pela Constituição Federal significa dizer que estão inclusos em seu rol de direitos fundamentais, o que confere aos tratados internacionais de direitos humanos status constitucional. Valério de Oliveira Mazzuoli20 ensina: Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional, em virtude do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição (…), pois na medida em que a Constituição não exclui os direitos humanos provenientes de tratados, é porque ela própria os inclui no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu ‘bloco de constitucionalidade’ e atribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional, como já assentamos anteriormente. Portanto, já se exclui, desde logo, o entendimento de que os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada do § 3º do art. 5º equivaleriam hierarquicamente à lei ordinária federal, uma vez que os mesmos teriam sido aprovados apenas por maioria simples (nos termos do art. 49, inc. I, da Constituição) e não pelo quorum que lhes impõe o referido parágrafo. (…) O que se deve entender é que o quorum que o § 3º do art. 5º estabelece serve tão-somente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que eles já têm em virtude do § 2º do art. 5º da Constituição. O autor também explica que o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal, (acrescentado pela emenda 45/2004) veio apenas trazer imperfeições ao sistema, pois uma leitura desavisada do mesmo pode levar à conclusão de que os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada (em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros) equivaleriam a lei ordinária federal. No entanto, é essencial entender que o quorum a que se refere o parágrafo 3º apenas atribui eficácia formal aos tratados que versam sobre direitos humanos, no ordenamento jurídico interno. O status de norma constitucional, que equivale à eficácia material, já foi atribuído a esses tratados pelo parágrafo § 2º do artigo 5º da Carta de 1988. 21 Cumpre mencionar o julgamento do Supremo Tribunal Federal, no dia 03 de 20 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 3ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2009. p. 764. 21 MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Reforma do Judiciário e os Tratados de Direitos Humanos. Revista Jurídica Eletrônica UNICOC. Disponível em: <http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_63.pdf> Acesso em: 26 jan. 2010.
  • 17. 16 dezembro de 2008, (no Recurso Especial 466.343-SP), em que o Ministro Celso de Mello aceitou a tese acima exposta, segundo a qual os tratados de direitos humanos têm status de norma constitucional independentemente do seu quorum de aprovação no Brasil. A maioria dos Ministros, no entanto, acompanhou o voto do Ministro Gilmar Mendes, que decidiu que os tratados de direitos humanos não aprovados pelo quorum qualificado a que se refere o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição, ingressam no ordenamento jurídico interno em nível supralegal e infraconstitucional. Ao menos, após esse julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal deixou de equiparar os tratados internacionais de direitos humanos às leis ordinárias, para colocá-los em posição supralegal. Apesar de ainda não ter sido aceita pela Suprema Corte (posto que vencido o voto do Ministro Celso de Mello), a tese que eleva os tratados de direitos humanos ao nível constitucional, tendo ou não sido aprovados pelo quorum qualificado de que trata o parágrafo 3º do artigo 5º é, com toda a certeza, a mais condizente com a sistemática internacional de proteção dos direitos humanos. Toda essa discussão acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos, no ordenamento jurídico interno, ganha relevo quando se pensa nos tratados ratificados pelo Brasil. Ao aceitar-se que os tratados que vêm ampliar os direitos fundamentais integram o ordenamento jurídico brasileiro com patamar de norma constitucional, entende-se que eles devem ser respeitados e cumpridos como se estivessem escritos na Carta de 1988. Atualmente, com o desenvolvimento cada vez maior do direito internacional dos direitos humanos, em que os sujeitos de direitos são identificados por suas peculiaridades, inúmeros são os documentos ratificados pelo Brasil e ampliadores dos direitos fundamentais. Esses documentos não podem ser engavetados, ignorados, não servem para “florear” nossa legislação, mas muito pelo contrário, são vigentes, eficazes, e vêm acrescentar ao nosso ordenamento jurídico novas metas a serem executadas, ideais a serem seguidos e princípios a serem observados. As ações afirmativas vêm expressamente previstas em vários desses documentos, como, por exemplo, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, etc. Isso se dá pela necessidade e urgência, em muitos países do mundo, assim como no Brasil, de se regatar o valor da igualdade, desfigurado por um passado de preconceitos e discriminações.
  • 18. 17 As ações afirmativas, portanto, contam com a Constituição Federal de 1988, com uma vasta legislação infraconstitucional e, ainda, com o sólido aparato dos tratados e convenções de direitos humanos ratificados pelo Brasil (e que agregam ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional). São instrumento eficaz na promoção da igualdade material e, consequentemente, da dignidade da pessoa humana, foco central e razão de ser de todo o ordenamento jurídico. 6. CONCLUSÃO Para se alcançar o real sentido da igualdade, muitas vezes, é necessária a imposição de um tratamento desigual, em favor dos grupos mais vulneráveis da sociedade. Assim, a caminhada pela conquista dos direitos humanos desembocou no direito fundamental à desigualdade. Este direito evidencia um outro lado da igualdade, possível apenas com o respeito às diferenças. As ações afirmativas são importante ferramenta na luta pela conquista da igualdade material e, portanto, estão intimamente ligadas à causa dos direitos humanos. Estão amparadas pela Constituição Federal de 1988, por uma vasta legislação extravagante e, ainda, por uma gama de tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil e incorporados ao ordenamento jurídico interno. Finalmente, concluí-se que a realização do valor da igualdade compreende os objetivos do nosso Estado Democrático de Direito e funda-se no princípio da primazia da pessoa humana, sendo as ações afirmativas de suma importância para a construção de uma sociedade mais justa, mais solidária e apta a promover a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. REFERÊNCIAS AMERICAN EXPERIENCE. Disponível em: <http://www.pbs.org/wgbh/amex/eyesontheprize/sources/ps_bakke.html> Acesso em: 06 jan. 2010. ARAÚJO, José Carlos Evangelista de. Ações Afirmativas e Estado Democrático Social de Direito. São Paulo: Editora Letras, 2009.
  • 19. 18 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. FACHIN, Zulmar. 20 anos da Constituição Cidadã. São Paulo: Método, 2008. GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa: princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. KAUFFMAN, Roberta Fragoso Meneses. Ações Afirmativas à Brasileira: Necessidade ou Mito. São Paulo: Livraria do Advogado, 2007. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 3ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2009. MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Reforma do Judiciário e os Tratados de Direitos Humanos. Revista Jurídica Eletrônica UNICOC. Disponível em: <http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_63.pdf> Acesso em: 26 jan. 2010. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2000. MELLO, Marco Aurélio. Ótica Constitucional: A Igualdade e as Ações Afirmativas. In: MARTINS, Ives Gandra Silva (Coord.). As vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da perspectiva dos direitos humanos, publicado em: Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 124, jan/abril.2005, pg. 46. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100004> Acesso em: 14 out. 2009. ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade Material e Discriminação Positiva: o Princípio da Isonomia. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/32745/public/32745-40386-1-PB.pdf> Acesso em: 22 nov. 2009. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. SOUZA, Osiel Francisco de. Ações Afirmativas como Instrumento de Concretização da Igualdade Material. São Paulo: All Print, 2008.