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Pós-Graduação em Direito
Direitos Individuais,
Coletivos e Difusos
Carlos Eduardo Dipp Schoembakla
FAEL
Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar
Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo
Coordenador Pedagógico MIguel de Jesus Castriani
editora Fael
Autoria Carlos Eduardo Dipp Schoembakla
Projeto Gráfico e Capa Katia Cristina Santos Mendes
Revisão Camila Marcelina Pascoal
Programação Visual e Diagramação Katia Cristina Santos Mendes
Atenção: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente a opinião da Fael.
É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo desse material sem autorização prévia da Fael.
FAEL
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Todos os direitos reservados.
2015
Direitos Individuais,
Coletivos e Difusos
Introdução
Os direitos transindividuais experimen-
taram ao longo do constitucionalismo tardia
ascensão e são denominados de transindivi-
duais por compreenderem direitos materiais
que não estão no domínio de apenas uma pes-
soa ou de determinadas pessoas mas, sim, de
uma coletividade.
Particularmente, no Brasil, como se verá
no curso do presente artigo, a proteção e
garantia desses direitos transindividuais só
ocorrem, a partir de 1985, com a entrada em
vigor da lei da ação civil pública e, posterior-
mente, são reforçados pela promulgação da
Constituição Federal de 1988.
Inicialmente, coube ao Ministério Público
garantir os direitos difusos e coletivos por
meio do inquérito civil e ação civil pública.
Mas, lamentavelmente, o constituinte se resu-
miu a prever a garantia. O que já foi de grande
valia, mas como não houve regulamentação,
restou dificultada sua aplicação pelos opera-
dores do Direito. Foi apenas com a criação do
Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078
de 1990, que as definições acerca dos direitos
difusos e coletivos foram apresentados.
Para uma compreensão mais metodológica,
o presente artigo foi dividido em 3 (três) grandes
eixos, procurando abordar a evolução da tutela
dos direitos transindividuais no Brasil.
Primeiramente, serão abordadas noções
introdutórias sobre o Estado e a conquista
de direitos, bem como a distinção conceitual
entre direitos, garantias e deveres. Partindo de
um modelo de Estado antigo, para o Estado
moderno, pretende-se demonstrar que a con-
quista de direitos foi gradual, em gerações,
encontrando os direitos transindividuais aqui
desenvolvidos na terceira geração, como direi-
tos que garantem a solidariedade.
Na sequência, serão abordados os concei-
tos de direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos e seus fundamentos na Consti-
tuição Federal de 1988, realizando as suas res-
pectivas distinções.
Por último, serão abordados pontos essen-
ciais para a compreensão da tutela coletiva de
direitos. Iniciando-se pela evolução histórica
do processo coletivo no Brasil, serão desenvol-
vidas também as três principais ações consti-
tucionais que buscam a proteção dos direitos
transindividuais: a ação civil pública, a ação
popular e o mandado de segurança coletivo.
Tais ações serão desenvolvidas de forma
sistematizada, destacando-se as principais
questões de ordem processual que garanti-
rão, ao leitor, a rápida e fácil compreensão
das hipóteses de cabimentos, legitimidade das
Os direitos transindividuais experimen-
taram ao longo do constitucionalismo tardia
ascensão e são denominados de transindivi-
duais por compreendem direitos materiais
que não estão no domínio de apenas uma pes-
soa ou de determinadas pessoas; mas, sim, de
uma coletividade. Não representam a defesa
coletiva de direitos individuais, mas, sim, de
direitos coletivos, por sua natureza indivisí-
vel, já que pertence a todos. Particularmente
no Brasil, como se verá no curso do presente
artigo, a proteção e garantia desses direitos
transindividuais só ocorrem, a partir de 1985,
com a entrada em vigor da lei da ação civil
pública e, posteriormente, são reforçados pela
promulgação da Constituição Federal de 1988.
Ação Popular e Mandado de Segurança Cole-
tivo completam as espécies de ações constitu-
cionais que visam a proteção destes direitos.
Assim, o objetivo deste artigo é o de demons-
trar a evolução da tutela dos direitos difu-
sos, coletivos e individuais homogêneos no
ordenamento jurídico brasileiro, o que se faz
equilibrando um estudo teórico com estudo
prático, com base em alguns julgamentos a
respeito do referido tema..
Palavras- Chave: Garantias: Direito
Difuso; Direito Coletivo; Direito Individual
Homogêneo.

2.
partes (ativa e passiva) e as principais regras
procedimentais para cada tipo de demanda.
1. NOÇÕES
INTRODUTÓRIAS
SOBRE O ESTADO
E A CONQUISTA
DE DIREITO
Não resta dúvida para a Ciência Política
que o Estado é fenômeno original e histórico
de dominação1
, pois das circunstâncias histó-
ricas e do modo de produção da sociedade,
determina-se o tipo de Estado. Assim, não há
que se falar em formação evolutiva do Estado,
que o levaria ao aperfeiçoamento; mas, em
específicas condições socioeconômicas que
determinam as formas de dominação.
Segundo Norberto Bobbio2
, o termo
Estado vai pouco a pouco substituindo,
embora através de um longo percurso, os ter-
mos tradicionais (como polis, civitas ou res
pública e feudos) com que foi designada até
então a máxima organização de um grupo de
indivíduos sobre um território em virtude de
um poder de comando.
A organização social antiga estava for-
temente marcada por instabilidade política,
econômica e social, em razão de uma econo-
mia baseada no modelo de produção agrícola
e feudal, e o poder fragmentado em diversos
centros. Ademais, o exercício e a legitimidade
do poder estava justificado em noções natura-
listas, e as normas jurídicas eram basicamente
consuetudinárias, com a previsão de inúme-
ros privilégios pessoais a determinadas castas.
A fim de romper com este modelo antigo
de Estado e fortemente influenciado pelo
racionalismo, ganha força o modelo con-
tratualista de Estado moderno, baseado na
noção de que o Estado é criação artificial da
razão humana3 através de consenso tácito, ou
expresso, entre a maioria ou unanimidade dos
1	 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política
e Teoria do Estado. 7 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 29
2	 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade — para uma
teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 66
3	 STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luís Bolzan de. Op. cit., p. 29
indivíduos, dando início a sociedade política
(estado civil). Em outras palavras, é denomi-
nado moderno, pois foi na modernidade que
aflorou, nos homens, a ideia de que podiam
intervir no mundo, isto é, que podiam cons-
truir as normas jurídico-constitucionais, trans-
mutando-se a concepção do Direito e da Cons-
tituição da natureza para o homem. Trata-se
do momento filosófico do positivismo, onde
impera a racionalidade humana que supera a
ideia de direito natural e direito divino. Pode-
-se dizer então que, o Estado moderno é o
lugar de emanação das normas com o objetivo
de regular a realidade, bem como estabelecer
um modelo ideal de dever-ser da sociedade.
O Estado de Direito moderno torna-se ele-
mento de ruptura da ordem social da antigui-
dade e surge representado pelas formas liberal
e social. Posteriormente, assume a forma de
Estado democrático de Direito, com o objetivo
de responder às novas necessidades e novos
dilemas e o desafio de resgatar as promessas
não cumpridas da modernidade, dentro de
uma forma de vida em sociedade em constan-
tes transformações 4.
Em que pese existirem diversas correntes
a justificarem o advento do Estado moderno,
em geral, pode-se afirmar que o seu surgi-
mento decorre da necessidade de manutenção
da ordem pública e da autoridade, isto é, da
integridade nacional.
São das deficiências da sociedade polí-
tica medieval que emerge o Estado moderno,
lastreado pelos elementos que o compõe, ele-
mentos materiais (o povo e o território) e o
elemento formal (a soberania ou o governo),
apontando-se para uma finalidade distinta
das organizações sociais medievais, o bem
comum.
Quanto ao povo, compreende um con-
junto de indivíduos que se unem para cons-
tituir o Estado, estabelecendo com este um
vínculo jurídico de caráter permanente, parti-
cipando da vontade do Estado e do exercício
do poder soberano. Já o território, é o local
onde o poder soberano será exercido. Este
elemento delimita a ação soberana do Estado,
pois garante monopólio ao Estado da ocupa-
4	 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit., p. 22

3.
ção de determinado território (não convivendo
em um mesmo território duas soberanias);
e, estabelece a possibilidade de poder agir
em determinadas situações (onde o governo
pode exercer o constrangimento para organi-
zar e fazer funcionar os serviços). E, quanto a
soberania, compreende uma dupla dimensão,
interna e externa, no sentido de independên-
cia na ordem internacional e supremacia na
ordem interna (poder de mando conferido ao
Estado). Trata-se do poder de organizar-se,
juridicamente, e de fazer valer dentro do seu
território a universalidade de suas decisões
nos limites dos fins éticos de convivência.
Como destaca o constitucionalista Joa-
quim José Gomes Canotilho, a principal con-
tribuição da modernidade está relacionada
com o princípio do governo limitado, indis-
pensável à garantia dos direitos que organi-
zam político e socialmente uma comunidade5.
Este Estado Moderno, politicamente organi-
zado, passa a ter como finalidade constituir-se
em meio para que os indivíduos e as demais
sociedades possam atingir seus fins particula-
res, assim como o bem comum ou bem estar
social.
O Estado se torna elemento indispensável
para abordar a temática deste módulo sobre
os direitos coletivos já que estão na esfera dos
direitos fundamentais transindividuais, direi-
tos conquistados e reconhecidos somente nos
Estados modernos, preocupados com o bem
estar social.
Assim, sem o Estado moderno e as consti-
tuições escritas, os direitos fundamentais não
poderiam ser garantidos e cumpridos, bem
como perderiam a função de limitar o poder
do Estado em face do indivíduo, conquista
esta do constitucionalismo moderno.
Apenas para relembrar, a ideia de consti-
tucionalismo não se confunde com o conceito
de Constituição, pois é “movimento de orga-
nização política da comunidade fundada na
limitação do poder absoluto6
”.
5	 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Consti-
tuição. 6.ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 51
6	 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5.ed.
Salvador: Juspodivm, 2011. p. 33
Como aduz Dalmo de Abreu Dallari, “(...)
o constitucionalismo representa um instru-
mento de afirmação e garantia de direitos7”,
ocorrido na história da humanidade. E não se
trata de buscar justificar a elaboração de Cons-
tituição, pois onde havia uma sociedade poli-
ticamente organizada já se podia dizer que
havia uma Constituição em sentido material
fixando os fundamentos da organização da
vida na pólis.
Torna-se indispensável fazer esta breve
referência ao constitucionalismo, pois foi basi-
camente em razão da preocupação com a pro-
teção da solidariedade social que se passa a
proteger os direitos transindividuais, no que
se chama de terceira geração ou dimensão dos
direitos fundamentais.
Não é nenhuma novidade para o operador
do Direito, a noção de que a conquista e sal-
vaguarda dos direitos fundamentais foi gra-
dual e histórica. Em um primeiro momento,
as declarações que asseguram na antiguidade
os direitos fundamentais tinham mais cará-
ter filosófico que concreto; na modernidade,
experimentaram a passagem da teoria para a
prática dos direitos fundamentais individuais
no sentido de ganharem concretude dentro
da Constituição do Estado que o reconhece e,
na contemporaneidade, além da positivação
em documentos internos dos Estados (cons-
tituições) e externos (tratados internacionais),
temos a sua universalização, bem como a
garantia em dimensão individual e coletiva.
A consagração e proteção dos direitos
fundamentais (onde se enquadram os direitos
transindividuais) estão intimamente conecta-
dos com a forma como o Estado se organiza
e exerce as suas funções. Isso porque tais
direitos representam as concepções filosófico-
-jurídicas aceitas por determinada sociedade
em dado período histórico, de modo que estes
valores, ao mesmo tempo em que fundam o
Estado, representam os fins da sociedade e os
direitos dos seus indivíduos.
Em decorrência dos embates entre a forma
do Estado e os valores preponderantes na
sociedade, que a concretização dos direitos
7	 DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na Vida dos Povos – da
idade média ao século XXI. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 169

4.
fundamentais nos ordenamentos jurídicos
está estritamente ligada com a política, rela-
cionando-se com as esferas de intervenção e
das liberdades individuais8
.
Destarte, é a partir dessa correlação que
se poderão identificar os direitos fundamen-
tais como garantia das liberdades individuais,
dever de prestação estatal ou garantia do bem
estar da coletividade. Em outras palavras,
quando se analisa o Estado de Direito Liberal
e Social, resta nítido a sua preocupação com
os direitos subjetivos de liberdade e igualdade
real voltados contra ingerências ou omissões
Estatais, e quando se falar em Estado Demo-
crático de Direito pode-se identificar, somada
a essa dimensão individual, uma maior preo-
cupação com o bem-estar social e com a digni-
dade humana, exigindo-se ações e prestações
estatais no sentido de salvaguarda da dimen-
são coletiva dos direitos.
Constata-se, portanto que os direitos
transindividuais experimentaram, ao longo
do constitucionalismo, tardia ascensão e são
denominados de transindividuais por com-
preenderem direitos materiais que não estão
no domínio de apenas uma pessoa ou de
determinadas pessoas; mas sim de uma cole-
tividade. Não representam a defesa coletiva
de direitos individuais, mas sim de direitos
coletivos, por sua natureza indivisível, já que
pertencem a todos.
Particularmente, no Brasil, como se verá
na sequência, a proteção e garantia destes
direitos transindividuais só ocorre a partir de
1985 com a entrada em vigor da lei da ação
civil pública e, posteriormente, são reforça-
dos pela promulgação da Constituição Fede-
ral de 1988. E, mesmo com o reforço norma-
tivo, ainda seus instrumentos de proteção são
pouco utilizados.
Seguindo esta linha de raciocínio, extrai-
-se do artigo 129 da Constituição Federal de
1988 que a garantia dos direitos difusos e cole-
tivos será promovida via inquérito civil e ação
civil pública pelo Ministério Público:
8	 PALMEIRA, Marcos Rogério. Direitos fundamentais: regime jurídico
das restrições. Disponível em: < http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/direi-
tos%20fundamentais.pdf> Acesso em: 10/10/08.
Art. 129. São funções institucionais
do Ministério Público:
(...)
III - promover o inquérito civil e a
ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interes-
ses difusos e coletivos;
Mas, lamentavelmente, o constituinte se
resumiu a prever a garantia, o que já foi de
grande valia, mas não os definiu, dificultando
a sua aplicação prática pelos operadores do
Direito. Foi apenas com a criação do Código
de Defesa do Consumidor, lei 8.078 de 1990,
que as definições de direitos difusos e cole-
tivos foram apresentadas, e que serão objeto
dos próximos capítulos.
2. O “DIREITO”,
O “DEVER”
E AS SUAS
“GARANTIAS”:
PARÂMETROS DE
INTERPRETAÇÃO
Diante de um novo panorama de Estado,
no qual a ordem jurídica encontra-se centrada
na Constituição e voltada objetivamente para
a concretização dos direitos fundamentais e
da dignidade da pessoa humana, faz-se impe-
riosa a sua efetivação.
Assim, quando a Constituição estabelece
princípios e positiva valores jurídicos, atribui
aos indivíduos “direitos” que, por terem certo
grau de abstração, estão sujeitos a diversos
graus de concretização e dependem de con-
dições fáticas e jurídicas. Já a “garantia” deve
ser considerada como meio de defesa de um
direito, modo de torná-lo eficaz.
Como aventa Paulo Bonavides, a garantia
se coloca diante do direito, não podendo ser
com ele confundida9, pois a garantia é instru-
mento de tutela, proteção, acionada quando
houver violação de um Direito, de natureza
9	 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 526-527.

5.
constitucional ou não. “Direito é faculdade
reconhecida, natural ou legal, de praticar ou
não praticar certos atos. Garantia ou segu-
rança de um direito, é o requisito de legali-
dade, que o defende contra a ameaça de certas
classes de atentados de ocorrência mais ou
menos fácil10
”.
Partindo destas noções, pode-se afirmar
que no texto constitucional as disposições
declaratórias estabelecem a existência de direi-
tos e as disposições assecuratórias limitam
o poder, protegendo e garantindo o direito.
Podendo-se afirmar que “de nada valeriam os
direitos ou as declarações de direitos se não
houvesse, pois, as garantias constitucionais
para fazer reais e efetivos esses direitos11
”.
Outrossim, as garantias possuem um cará-
ter instrumental, no sentido de proteção dos
direitos, razão pela qual representam o direito
dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a
proteção dos seus direitos, reconhecendo-se
instrumentos processuais para se atingir essa
finalidade12.
Está-se a fazer a diferenciação entre os
termos direito e garantia com fins didáti-
cos para a melhor compreensão de que uma
coisa são as previsões em relação à proteção
de bens jurídicos fundamentais (de liberdade,
social ou transindividual) e outra coisa são os
seus instrumentos de garantia, já que não está
intrínseco ao direito fundamental, positivado
a sua efetividade.
As garantias compreendem um grande
universo de proteção previsto no ordena-
mento jurídico como um todo, motivo pelo
qual podem ser divididas em dois grupos: as
garantias gerais e as garantias constitucionais.
As garantias gerais asseguram a exis-
tência e a efetividade (no sentido de eficácia
social) dos direitos fundamentais e compre-
endem as organizações econômico-sociais,
culturais e políticas que favorecem o exercício
10	 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional... op.cit., p. 528.
11	 Ibidem, p. 532. Ao encontro desta noção de que não há que se
falar em direito se não existir um meio de fazê-lo existir, ou seja, uma forma
jurídica de garanti-lo é o pensamento de Luiz Vergílio Dalla-Rosa. (DALLA-
-ROSA, Luiz Vergílio. O direito como garantia: pressupostos de uma teoria
constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 71)
12	 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Consti-
tuição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 396.
dos direitos fundamentais. Por outro lado, as
garantias constitucionais são determinações
e procedimentos em que a própria Constitui-
ção protege, com a observância ou reintegra-
ção dos direitos fundamentais. As garantias
constitucionais estão previstas em um dispo-
sitivo genérico que prevê a tutela jurisdicional
efetiva visando a proteção da dignidade da
pessoa humana (artigo 5, inciso XXXV — que
estabelece que :“a lei não excluirá da aprecia-
ção judicial do Poder Judiciário lesão ou ame-
aça de lesão a direito”) e em dispositivos espe-
ciais, por meio dos remédios constitucionais
ou ações constitucionais.
Apenas a titulo elucidativo, seguem
alguns exemplos de distinção entre direitos
e garantias. O artigo 5º, inciso VI, da CF/88
prevê o direito à liberdade de consciência e
crença, mas este só se torna efetivo e garantido
porque há previsão de que haverá proteção
aos locais de culto e liturgia. Ainda, o caput do
artigo 5º, prevê que “Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza”,
este é o direito; e, a sua garantia se dá diante
de normas que punem qualquer discrimina-
ção atentatória aos direitos e liberdades, já que
a prática de racismo constitui crime.
Importante frisar que estas ações cons-
titucionais diferem das ações de controle de
constitucionalidade, que não podem e não
são consideradas remédios constitucionais —
visam promover a análise da adequação for-
mal ou material da lei infraconstitucional em
relação à Constituição Federal, assegurando a
supremacia da Constituição. Por esta razão,
neste módulo não fazemos qualquer referên-
cia às ações de controle de constitucionalidade
das leis, já que não se destinam diretamente a
defesa dos direitos transindividuais.
Por fim, cumpre destacar o conceito e a
incidência dos deveres. Conceito este, muitas
vezes, relegado e pouco explorado pela dou-
trina, mas de suma importância para a com-
preensão da ideia de que os direitos dos indi-
víduos não são direitos absolutos — devem
ser aplicados tendo em conta a interação deste
com as necessidades da comunidade. Como
destaca José Carlos Vieira de Andrade,
Não se pode duvidar do interesse peda-
gógico e da importância espiritual e ética que

6.
reveste a ideia dos deveres fundamentais
dos cidadãos, significando que o homem não
existe isoladamente, nem a sua liberdade é
absoluta e que os indivíduos são responsáveis
no campo político, econômico, social e cul-
tural pela segurança, pela justiça e pelo pro-
gresso da comunidade13
.
Sucintamente, duas são as dimensões dos
deveres: formal e material. A dimensão for-
mal o relaciona com aquilo que está garan-
tido pelas normas, especialmente pelas nor-
mas constitucionais, razão pela qual passam
a ser designados de deveres fundamentais.
A dimensão material dos deveres o conecta
com a relevância para servir de fundamento
da organização social e política do Estado.
Explica-se: os deveres fundamentais compre-
endem deveres de ação ou omissão, proclama-
dos pela Constituição (formal), cujos sujeitos
ativos e passivos são indicados em cada norma
ou que possam ser deduzidos mediante inter-
pretação. Frequentemente, a titularidade e os
sujeitos passivos são difusos e o conteúdo do
dever (que é a conduta exigida) só pode resul-
tar de concretização infraconstitucional.
Portanto, a estrutura da norma que prevê
um dever, impõe uma obrigação, seja para o
Estado, para os particulares ou para destina-
tários indefiníveis (caráter difuso).
Especialmente ao se impor deveres ao
próprio Estado, significa que deve ele praticar
uma conduta (ação ou omissão) em matérias
de direitos fundamentais. Logo, caso não atue,
haverá omissão inconstitucional que pode
trazer consequências jurídicas (sanção) como
uma sentença mandamental em mandado de
injunção, uma ordem concedida em mandado
de segurança, a declaração de omissão incons-
titucional por meio de Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade por Omissão, responsa-
bilidade civil do Estado e crime de responsa-
bilidade, dentre outros mecanismos de índole
constitucional ou infraconstitucional.
Em síntese, são dos direitos e deveres
fundamentais previstos e impostos na Cons-
tituição Federal que torna o indivíduo ou a
coletividade titular do direito de ação, a fim
13	 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 151
de resguardá-los, garanti-los contra omissões
ou equívocos, quer seja do Poder Público ou
de outros particulares.
3. ASPECTOS
CONCEITUAIS: A
DISTINÇÃO ENTRE
INTERESSES
TRANSINDIVIDUAIS14
Consoante exposto nas notas introdutó-
rias, muito embora a Carta Magna tenha se
preocupado em garantir a defesa dos direitos
difusos e coletivos, deixou de defini-los, papel
que foi cumprindo pelo Código de Defesa do
Consumidor, na década de 1990. Mais do que
isso, o referido código, além de definir direitos
difusos e coletivos, acabou inaugurando uma
nova espécie, a dos direitos individuais homo-
gêneos.
Rizzato Nunes, de forma bastante eluci-
dativa, explica que a definição legal trazida
pelo código está em perfeita consonância com
o sistema constitucional, não havendo nada
que possa macular suas disposições. Isto quer
dizer que o Código de Defesa do Consumidor,
como lei principiológica que é, concretizadora
dos princípios e regras constitucionais, tam-
bém aqui designa os limites e o modo de apli-
cação dos direitos postos e definidos15.
Tal missão restou ao artigo 81 do referido
código que termina com a lacuna trazida pela
Carta Magna, no que diz respeito a definições,
ao prever que:
Art. 81. A defesa dos interesses e
direitos dos consumidores e das
vítimas poderá ser exercida em
juízo individualmente, ou a título
coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva
será exercida quando se tratar de:
14	 Interesses transindividuais são aqueles que reúnem grupos, classes
ou categorias de pessoas, como os moradores de uma região no que diga
respeito a uma questão ambiental; os consumidores do mesmo produto; os
trabalhadores da mesma fábrica; os alunos do mesmo estabelecimento de
ensino. (MAZZILLI, Hugo Nigro.Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 28).
15	 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6a edição, revista
e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 787.

7.
I – interesses ou direitos difusos,
assim entendidos, para efeitos
deste Código, os transindividuais,
de natureza indivisível, de que
sejam titulares pessoas indetermi-
nadas e ligadas por circunstâncias
de fato;
II – interesses ou direitos coleti-
vos, assim entendidos, para efeitos
deste Código, os transindividuais
de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe
de pessoas ligadas entre si ou com
a parte contrária por uma relação
jurídica base;
III – interesses ou direitos individu-
ais homogêneos, assim entendidos
os decorrentes de origem comum.”
(sem destaque no original)16
O Direito brasileiro instituiu, com a
entrada em vigor do Código de Defesa do
Consumidor, um sistema para a proteção
coletiva dos interesses17
transindividuais em
juízo e, para a melhor defesa desses interes-
ses de grupo, a lei os distinguiu em categorias
distintas. Para classificar as categorias, é impe-
rioso fazer preliminarmente duas distinções
básicas: a) se os grupos são determinados ou
indeterminados; b) se os interesses em jogo
são divisíveis ou indivisíveis18
.
Para facilitar a compreensão, abaixo o
quadro sinótico extraído da obra de Mazzilli19
leva em conta a classificação fornecida pelo
Código de Defesa do Consumidor:
INTERESSES GRUPO OBJETO ORIGEM
Difusos Indeterminável indivisível Situação de fato
Coletivos Determinável indivisível Relação jurídica
Individuais Homogêneos Determinável divisível Origem comum
Na sequência, serão abordados os respec-
tivos grupos de direitos, e serão especificadas
16	 Ibidem. p.787
17	 Apenas à título de esclarecimento terminológico, apresenta-se a
diferença entre direito e interesse. Segundo Nunes, “tem que se entender
ambos os termos como sinônimos, na medida em que “interesse”, semanti-
camente em todos os casos, tem o sentido de prerrogativa e esta é exercício
de direito subjetivo. Logo, direito e interesse têm o mesmo valor semântico:
direito subjetivo ou prerrogativa, protegidos pelo sistema jurídico” (Id. p. 788)
18	 MAZZILLI, Hugo Nigro.Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. 7a
edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 28
19	 Id. p. 28.
as suas definições conforme entendimento tra-
zido pela doutrina nacional.
3.1 DIREITOS DIFUSOS
Os chamados direitos difusos são aqueles
cujos titulares não são determináveis. Isto é,
os detentores do direito subjetivo que se pre-
tende regrar e proteger são indeterminados e
indetermináveis.
Como exemplo, é possível citar o inte-
resse pelo meio ambiente sadio, que congrega
os moradores de uma região; ou o combate à
propaganda enganosa divulgada no rádio ou
na televisão.
Para Mazzilli “são aqueles de natureza
indivisível, comuns a um grupo, classe ou
categoria de indivíduos indetermináveis que
compartilham a mesma situação de fato”.20
Ademais, em matéria de direitos difusos,
inexiste uma relação jurídica base, que une
os interessados. São as circunstâncias de fato
que estabelecem a ligação, esclarece Nunes,
que acrescenta “entenda-se bem: são os fatos,
objetivamente postos, os elos de ligação entre
todas as pessoas difusamente consideradas e
o obrigado[sic]”.21
O objeto ou bem jurídico protegido é indi-
visível, exatamente por atingir e pertencer a
todos indistintamente. Por isso, ele não pode
ser cindido.22
Conforme definição prevista na codifica-
ção civil (art. 87), bens indivisíveis são aqueles
]que não se pode fracionar sem alteração na
sua substância, diminuição de valor, ou preju-
ízo do uso a que se destinam.
Nunes faz, ainda, uma ressalva esclare-
cedora sobre os direitos difusos, qual seja:
“o fato do mesmo objeto gerar dois tipos de
20	 Ibidem. p.,. 29.
21	 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor..., op. cit. p. 789.
22	 Ibid. p. 790.

8.
direito, não muda a natureza de indivisibili-
dade do objeto nos direitos difusos. Isto é, se
um anúncio enganoso atingir um consumidor
em particular, esse direito individual identifi-
cado não altera em nada a natureza indivisível
do fato objetivo do anúncio23
”.
3.2 DIREITOS
COLETIVOS
Nos chamados direitos coletivos, os inte-
resses também são de natureza indivisível,
comuns a um grupo, classe ou categoria de
indivíduos determináveis, reunidos pela
mesma relação jurídica básica24. Isto é, para
a verificação da existência de um direito cole-
tivo não há necessidade de se apontar concre-
tamente um titular específico e real. Todavia,
esse titular é facilmente determinado, a par-
tir da verificação do direito em jogo25. Como
exemplo, é possível citar um grupo de indiví-
duos que assinam um contrato de adesão com
cláusula abusiva. A abusividade da cláusula é
compartilhada em igual medida por todos os
integrantes do grupo.
Pode-se citar também a boa qualidade do
fornecimento de serviços públicos essenciais
como água, energia elétrica e gás; a segurança
do serviço de transporte público de passa-
geiros prestado pelas empresas de ônibus; a
qualidade oferecida pela escola dos serviços
educacionais por ela prestados, etc.
Mas, para Nunes, em matéria de direito
coletivo são duas as relações jurídicas-base
que vão ligar sujeito ativo e sujeito passivo:
a) aquela em que os titulares (sujeito
ativo) estão ligados entre si por uma relação
jurídica. Por exemplo, os pais e alunos per-
tencentes à Associação de Pais e Mestres; os
associados de uma Associação de Proteção ao
Consumidor; os membros de uma entidade
de classe, etc.b) aquela em que os titulares
(sujeito ativo) estão ligados com o sujeito pas-
sivo por uma relação jurídica. Por exemplo, os
alunos de uma mesma escola, os clientes de
23	 Idem.
24	 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos...,
op. cit. p. 29.
25	 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor…, op. cit. p.
791.
um mesmo banco, os usuários de um mesmo
serviço público essencial como o fornecimento
de água, energia elétrica, gás etc26.
Já o objeto ou bem jurídico protegido,
como visto, é indivisível. Tal conclusão não
poderia ser diferente uma vez que ele não per-
tence a nenhum cidadão em particular, mas a
todos em conjunto, e simultaneamente. Isto
porque, como entende a doutrina majoritá-
ria, se for divisível é individual ou individual
homogêneo, e não coletivo27.
3.3 DIREITOS
INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS
São os únicos que têm objeto divisível e os
sujeitos são sempre mais de um e determina-
dos. Mais de um, porque em sendo um só, o
direito é individual simples, e determinado,
porque, neste caso, como o próprio nome diz,
apesar de homogêneos, os direitos protegidos
são individuais.28
Não se trata de litisconsórcio, e sim de
direito coletivo. No litisconsórcio, o que há é
reunião concreta e real de titulares individuais
de direitos subjetivos no caso, no polo ativo
da demanda; na ação coletiva para defesa de
direitos individuais homogêneos, o autor da
ação é único: um dos legitimados do artigo 82
do Código de Defesa do Consumidor29 30
.
26	 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor…, op. cit. p.
791.
27	 Como se viu, o objeto do direito coletivo é indivisível. O que vai
acontecer é que o efeito da violação a um direito coletivo gere também
um direito individual ou individual homogêneo. Assim, por exemplo, o mau
tratamento da água fornecida aos usuários é típico caso de direito coletivo
com objeto indivisível, mas simultaneamente seu fornecimento e consumo
pode gerar dano à saúde de um consumidor individualmente considerado ou
a mais de um consumidor. Daí que, no caso, ambas as situações se configu-
ram. Já o inverso não é verdadeiro: nem todo direito individual homogêneo
é coletivo típico conforme se verá no próximo item, mas é uma espécie de
direito coletivo (o caráter de divisibilidade do direito individual homogêneo
remanesce dividido quando ele for puramente direito individual homogêneo).
(NUNES, op. cit. p. 792).
28	 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos...,
op. cit. p. 29.
29	 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor…, op. cit p.
793.
30	 Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados
concorrentemente: I — o Ministério Público, II — a União, os Estados, os
Municípios e o Distrito Federal; III — as entidades e órgãos da Administração
Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,      especi-
ficamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este
código; IV — as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano

9.
É verdade que a ação individual ou a ação
proposta por litisconsórcio facultativo não
estão proibidas, como também não está proi-
bido o ingresso de tais ações no curso da ação
coletiva de proteção aos direitos individuais
homogêneos.
São exemplos de casos envolvendo direi-
tos individuais homogêneos as quedas de
aviões, como o da TAM no Jabaquara em São
Paulo; o naufrágio do barco “Bateau Mouche”
no Rio de Janeiro, etc.
3.4 INTERESSES
INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS
E INTERESSES
ACIDENTALMENTE
COLETIVOS
Em algumas situações, os direitos indivi-
duais homogêneos assumem a “roupagem”
de direito coletivo e, como tal, podem ser clas-
sificados como “acidentalmente coletivos”.
Contudo, tal classificação deve ser entendida
com reservas.31
De acordo com Teori Albino Zavascki, essa
classificação é decorrente não de um enfoque
material do direito, mas sim de um ponto de
vista estritamente processual. O coletivo, con-
sequentemente, diz respeito apenas à “rou-
pagem”, ao acidental, ou seja, ao modo como
aqueles direitos podem ser tutelados.32
Na essência e por natureza, os direitos
individuais homogêneos, embora tuteláveis
coletivamente, não deixam de ser o que real-
mente são: genuínos direitos subjetivos indi-
viduais. Essa realidade deve ser levada em
consideração quando se busca definir e com-
preender os modelos processuais destinados à
sua adequada e mais efetiva defesa.33
e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos
protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
31	 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direito Coleti-
vos e Tutela Coletiva de Direito. 3a edição, revista, atualizada e ampliada. São
Paulo: RT, 2008. p. 56.
32	 Idem. p., 56.
33	 Idem. p., 56.
Todavia, a exemplo do que ocorre com
os direitos subjetivos das pessoas de direito
público, a lesão a certos direitos individuais
homogêneos pode assumir um grau tal de
profundidade ou de extensão que acaba com-
prometendo também interesses sociais.
Zavascki busca, por intermédio de exem-
plo, elucidar tal distinção:
Realmente, há certos interesses
individuais que, quando visuali-
zados em seu conjunto, em forma
coletiva e impessoal, têm por força
de transcender a esfera de inte-
resses dos respectivos titulares,
verdadeiros interesses da comu-
nidade como um todo. É o que
ocorre, por exemplo, com os direi-
tos individuais homogêneos dos
atingidos por dano ambiental. Se,
nos termos da Constituição, “todos
têm direito ao meio ambiente eco-
logicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-
-se ao Poder Público e à coletivi-
dade o dever de defendê-lo e pre-
servá-lo para as presentes e futuras
gerações” (CF, art. 225); e se “as
condutas e atividades considera-
das lesivas ao meio ambiente sujei-
tarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independente-
mente da obrigação de reparar os
danos causados”(CF, art. 225, §3o),
parece evidente que a condenação
dos responsáveis por aquelas con-
dutas, seja no que diz respeito à
reparação dos danos difusamente
causados, seja também no que diz
com os danos causados direta-
mente a pessoas individualizadas
e aos seus bens, constitui interesse
de toda a comunidade, na medida
em que isso representa a defesa de
um bem maior, que é de interesse
social, acaba englobando também,
ainda que indireta ou parcial-
mente, a defesa de direitos subjeti-
vos individuais.34
Desta forma, é necessário estabelecer os
adequados limites distintivos, especialmente
no plano conceitual, entre interesses sociais
34	 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo....op.cit. p., 56-57.

10.
(= interesses de preservação de valores rele-
vantes para a comunidade como um todo) e
direito individuais homogêneos
3.5 IDENTIFICANDO
A NATUREZA
DOS INTERESSES
TRANSINDIVIDUAIS
(DIFUSOS,
COLETIVOS E
INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS)
Como se vê, a identificação da natureza
dos interesses transindividuais (difusos, cole-
tivos e individuais homogêneos) é complexa
e, para facilitar este processo, Mazzilli sugere,
em sua obra, responder as seguintes questões:
a) O dano provocou lesões divi-
síveis, individualmente variáveis
e quantificáveis? Se a resposta
for positiva, estaremos diante de
interesses individuais homogê-
neos. b) O grupo lesado é indeter-
minável e o proveito reparatório,
em decorrência das lesões, é indi-
visível? Se a resposta for positiva,
estaremos diante de interesses
difusos. c) O proveito pretendido
em decorrência das lesões é indi-
visível, mas o grupo é determiná-
vel, e o que une o grupo é ape-
nas uma relação jurídica básica
comum, a qual deve ser resolvida
de maneira uniforme para todo o
grupo? Se a resposta for positiva,
então estaremos diante de inte-
resses coletivos.35
Sem as respostas obtidas a partir das per-
guntas expostas, dificilmente será possível
encontrar soluções adequadas, na medida em
que sequer, a natureza do direito será identifi-
cada. Mas, nem tudo está perdido.
Além das perguntas acima, o quadro com-
parativo36
abaixo, extraído da obra de Zavas-
35	 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos...,
op. cit. p., 30.
36	 ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa cole-
tiva de direitos. Revista de Informação Legislativa, v. 32, n, 127, p. 83-96,
Brasília, Senado Federal, jul-set. 1995.
cki, também pode auxiliar na compreensão
dos temas e na identificação dos direitos tran-
sindividuais:

11.
Direitos Difusos Coletivos Individuais Homogêneos
1) Sob o
aspecto
subjetivo são:
Transindividuais, com
determinação absoluta dos
titulares (=não têm titular
individual e a ligação
entre os vários titulares
difusos decorre de mera
circunstância de fato.
Exemplo: morar na mesma
região).
Transindividuais, com
determinação relativa dos
titulares (=não têm titular
e a ligação entre os vários
titulares coletivos decorre
de uma relação jurídica-
base). Exemplo: o Estatuto
da OAB.
Individuais: (= há perfeita
identificação do sujeito,
assim como da relação
dele com o objeto do seu
direito). A ligação que
existe com outros sujeitos
decorre da circunstância de
serem titulares (individuais)
de direitos com “origem
comum”.
2) Sob o
aspecto
objetivo são:
Indivisíveis (= não podem
ser satisfeitos nem lesados
senão em forma que
afete a todos os possíveis
titulares).
Indivisíveis (= não podem
ser satisfeitos nem lesados
senão em forma que afete a
todos os possíveis titulares).
Divisíveis (= podem ser
satisfeitos ou lesados
em forma diferenciada e
individualizada, satisfazendo
ou lesando um ou alguns sem
afetar os demais).
3) Exemplo: Direito ao meio ambiente
sadio (CF, art. 225).
Direito de classe
dos advogados de
ter representante na
composição dos tribunais
(CF, art. 94).
Direito dos adquirentes a
abatimento proporcional do
preço pago na aquisição de
mercadoria viciada (CDC, art.
18, §1o, III).
4)Em
decorrência
da natureza
a) são insuscetíveis de
apropriação individual;
b) são insuscetíveis de
transmissão, seja por ato
inter vivos, seja mortis
causa;
c) são insuscetíveis de
renúncia ou de transação;
d) sua defesa em juízo se
dá sempre em forma de
substituição processual
(o sujeito ativo da relação
processual não é o sujeito
ativo da relação de direito
material), razão pela
qual o objeto do litígio
é indisponível para o
autor da demanda, que
não poderá celebrar
acordos, nem renunciar,
nem confessar (CPC, art.
351) nem assumir ônus
probatório não fixado
na Lei (CPC, art. 333,
parágrafo único, I);
e) a mutação dos titulares
ativos difusos da relação
de direito material
se dá com a absoluta
informalidade jurídica
(basta alteração nas
circunstâncias de fato).
a) são insuscetíveis de
apropriação individual;
b) são insuscetíveis de
transmissão, seja por ato
inter vivos, seja mortis
causa;
c) são insuscetíveis de
renúncia ou de transação;
d) sua defesa em juízo se
dá sempre em forma de
substituição processual
(o sujeito ativo da relação
processual não é o sujeito
ativo da relação de direito
material), razão pela
qual o objeto do litígio
é indisponível para o
autor da demanda, que
não poderá celebrar
acordos, nem renunciar,
nem confessar (CPC, art.
351) nem assumir ônus
probatório não fixado
na Lei (CPC, art. 333,
parágrafo único, I);
e) a mutação dos
titulares ativos coletivos
da relação jurídica de
direito material se dá com
relativa informalidade
jurídica (basta a adesão
ou a exclusão do sujeito à
relação jurídica-base).
a) individuais e divisíveis,
fazem parte do patrimônio
individual do seu titular;
b) são transmissíveis por ato
inter vivos (cessão) ou mortis
causa, salvo exceções (direitos
extrapatrimoniais);
c) são suscetíveis de renúncia
e transação, salvo exceções
(v.g., direitos personalíssimos;
d) são defendidos em
juízo, geralmente, por seu
próprio titular. A defesa por
terceiro o será em forma
de representação (com
aquiescência do titular).
O regime de substituição
processual dependerá de
expressa autorização em lei
(art. 6o);
e) a mutação de pólo ativo
na relação de direito matéria,
quando admitida, ocorre
mediante ato ou fato jurídico
típico e específico (contrato,
sucessão, mortis causa,
usucapião etc.).

12.
Lamentavelmente, como reconhece Cas-
sio Scarpinella Bueno, as intermináveis dis-
cussões sobre o que são interesses ou direitos
“difusos, coletivos” e “individuais homogê-
neos” para definir quem pode dar início a
um “processo coletivo” têm ocasionado uma
verdadeira e constante inversão de valores
na escolha feita, desde a Constituição Fede-
ral, sobre quem são os legitimados ativos
para aquele mesmo fim. E completa: a maio-
ria delas acaba com o não reconhecimento da
legitimidade ativa e, consequentemente, com
a frustração no exame do pedido de tutela
jurisdicional feito pelo Estado-juiz.37
Sobre a
complexidade em torno dos direitos transin-
dividuais, continua o autor:
Para solucionar o impasse, é pre-
ferível entender que os “direi-
tos e interesses difusos”, tanto
quanto os coletivos e os indi-
viduais homogêneos, não são
“classes” ou “tipos” de direitos
preconcebidos ou estanques, não
interpenetráveis ou relacioná-
veis entre si. São — é esta a única
forma de entender, para aplicar
escorreitamente, a classificação
feita pela lei brasileira — for-
mas preconcebidas, verdadeiros
modelos apriorísticos, que justi-
ficam, na visão abstrata do legis-
lador, a necessidade da tutela
jurisdicional coletiva. Não devem
ser interpretados, contudo, como
realidades excludentes umas das
outras, mas, bem diferentemente,
como complementares.38
Feitos os devidos esclarecimentos a res-
peito da identificação dos interesses transindi-
viduais, no próximo capítulo serão abordadas
as formas de tutela destes interesses e as espé-
cies de ações constitucionais previstas para
cumprir este objetivo de garantia enquanto
dever de proteção do Estado, em casos de vio-
lação ou ameaça de tais direitos.
37	 BUENO, CASSIO SCARPINELLA. Curso Sistematizado de Direito
Processual Civil. Direito processual público e Direito processual coletivo. 2.
Ed. Tomo III. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 206.
38	 Ibid. p. 207.
4. O PROCESSO
COLETIVO
NO BRASIL
4.1 Evolução Histórica
da Tutela Coletiva
O Código de Processo Civil brasileiro de
1973 foi estruturado a partir da clássica divi-
são da tutela jurisdicional em tutela de conhe-
cimento, tutela de execução e tutela cautelar.
Para cada uma destas espécies, o Código des-
tinou um Livro próprio, e disciplinou o res-
pectivo “processo” com suas “ações” e seus
“procedimentos” autônomos.
Tal sistema, por outro lado, foi moldado
para atender à prestação da tutela jurisdicio-
nal em casos de lesões a direitos subjetivos
individuais, mediante demandas promovi-
das pelo próprio lesado. Assim, como regra,
“ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por
lei”. (CPC, artigo 6o) 39
. Não se previram, ali,
instrumentos para a tutela coletiva desses
direitos, salvo mediante a fórmula tradicional
do litisconsórcio ativo, ainda assim sujeito ao
certo número de litisconsortes. Esta limita-
ção foi indispensável para não comprometer
a defesa do réu e a rápida solução do litigio
(Art. 46, paragrafo único do CPC)40
.
Não se previu instrumentos para tutela de
direitos e interesses transindividuais, de titu-
laridade determinada, como são os chamados
“interesses difusos e coletivos”41
39	 Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio,
salvo quando autorizado por lei.
40	 Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo,
em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão
de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obriga-
ções derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;
III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;
IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.
Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao
número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou
dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta,
que recomeça da intimação da decisão.
41	 ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa cole-
tiva de direitos. Revista de Informação Legislativa, op. cit. p. 14.

13.
Outro marco norteador da estrutura do
sistema processual civil codificado, segundo
Zavascki
decorreu da concepção segundo o
qual a função jurisdicional — e o
processo, como seu instrumento —
se destina a formular e fazer atuar a
regra jurídica em face de um conflito
de interesses concretizado, ou seja,
e um especifico fenômeno de inci-
dência da norma abstrata sobre um
suporte fático, já ocorrido (hipótese
que comportaria tutela reparatória)
ou em vias de ocorrer (o que ense-
jaria pedido de tutela preventiva).42
Em outras palavras, o Código partiu do
pressuposto de que a função jurisdicional
existe por causa de um conflito para solu-
cioná-lo. Consequentemente, nele não foram
previstos instrumentos para dar solução a
conflitos verificáveis no plano abstrato.
A partir de 1985, diversas modificações
ocorridas alteraram de modo substancial não
apenas o Código de Processo; mas o próprio
sistema processual nele consagrado, prevendo
instrumentos de tutela de direitos transindivi-
duais. Seguindo estas ideias, são as lições tra-
zidas por Zavascki:
As modificações do sistema pro-
cesso civil operaram-se em duas
fases, ou “ondas” bem distintas.
Uma primeira onda de reformas,
iniciada em 1985, foi caracterizada
pela introdução, no sistema, de ins-
trumentos até então desconhecidos
do direito positivo, destinados (a)
a dar curso a demandas de natu-
reza coletiva, (b) a tutelar direitos
e interesses transindividuais, e (c)
a tutelar, com mais amplitude, a
própria ordem jurídica abstrata
considerada. E a segunda onda
reformadora, que se desencadeou
a partir de 1994, teve por objetivo
não o de introduzir mecanismos
novos, mas o de aperfeiçoar ou de
ampliar os já existentes no Código
de Processo, de modo a adaptá-lo
às exigências dos novos tempos.43
42	 Ibidem. p. 14.
43	 ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa cole-
tiva de direitos. Revista de Informação Legislativa... op. cit p. 15.
Considerada como marco da primeira
etapa de alterações e, porque não o início do
“direito processual civil coletivo44
”, pode-se
citar a Lei. 7.347, de 24.07.1985, que discipli-
nou a “ação civil pública45
” de responsabili-
dade por danos causados ao meio ambiente,
ao consumidor, a bens e direitos de valor artís-
tico, estético, histórico, turístico e paisagístico
e aos direitos e interesses difusos e coletivos
de um modo geral.
Evidente que, após a promulgação da
Carta Magna de 1988, outras foram as leis, que
visavam sobremaneira a proteção de interes-
ses transindividuais.
Dentre elas, pode-se destacar: (i) de pes-
soas portadoras de deficiências (Lei 7.853,
de 24.10.1989); (ii) de crianças e adolescentes
(Lei 8.069, de 13.07.1990); (iii) de consumido-
res (Lei 8.078, de 11.09.1990); (iv) da probi-
dade na administração pública (Lei 8.429, de
02.06.1992); (v) da ordem econômica (Lei 8.884,
de 11.0.1994) e; (vi) dos demais interesses das
pessoas idosas (Lei. 10.741, de 01.10.2003).
Além destes diplomas legislativos de pro-
teção de direitos transindividuais, criaram-
-se, nesta primeira etapa, instrumentos para a
tutela coletiva e direitos subjetivos individuais.
O Código de Defesa do Consumidor —
CDC46
trouxe, nesse sentido, como contri-
buição expressiva, a disciplina especifica da
tutela, nas relações de consumo, dos “direitos
44	 Para Cassio Scarpinella Bueno, “o direito processual civil coletivo
brasileiro acabou sendo estruturado, primeiro de forma mais tímida pela Lei n.
7.347/1985, a “Lei da Ação Civil Pública”, e, a partir da Lei n. 8.078/1990,
com o “Código de Defesa do Consumidor”, de maneira mais generalizada,
sobre uma verdadeira trilogia de “diretos” e “interesses”, os chamados “direi-
tos e interesses difusos”, “direitos e interesses coletivos” e “direitos e inte-
resses individuais homogêneos”. (Curso Sistematizado de Direito Processual
Civil. Direito processual público e Direito processual coletivo. 2. Ed. Tomo III.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 205).
45	 Destinadas a tutelar direitos e interesses transindividuais, as ações
civis públicas caracterizam-se por ter como legitimado ativo um substituto
processual: o Ministério Público; as pessoas jurídicas de direito público ou,
ainda, entidades ou associações que tenham por finalidade institucional a
defesa e a proteção dos bens e valores ofendidos. ZAVASCKI, op. cit. p. 15.
46	 “Não há como estudar a ação civil pública munido apenas da Lei
7.347/1985. Seria como andar numa perna só. Como se pôde verificar na
evolução legislativa (...) a lei 7.347/1985 possui uma ligação visceral com o
Título III do Código de Defesa do Consumidor, de forma que não se consegue
estudar um sem o outro, e, não raramente, dispositivos de um são comple-
tados pelo outro e vice-versa. Não fosse visceral esta ligação, poderia se
dizer até que haveria certa promiscuidade na relação entre os textos legais”.
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.Ação civil pública. IN. DIDIER JR., Fredie (org.).
Ações Constitucionais. 5. ed. Rev.Ampl. E atual. Salvador: JusPodivm, 2011.
p. 359-360).

14.
individuais homogêneos”, assim entendidos o
conjunto de diversos direitos subjetivos indi-
viduais que, embora pertencendo a distintas
pessoas, tende assemelhá-los a uma origem
comum, o que lhes dá um grau de homoge-
neidade suficiente para ensejar sua defesa
coletiva.47
Previu-se, também, que o mandado
de segurança — ação sumária para tutela de
direitos líquidos e certos ameaçados ou vio-
lados por atos abusivos ou ilegais de auto-
ridade pública — pode ser impetrado não
apenas pelo titular do direito, mas ainda, em
regime de substituição processual, por parti-
dos políticos com representação no Congresso
Nacional, ou por organização sindical, ou por
associação ou entidade de classe, em defesa de
interesses dos seus membros ou associados.
Zavascki chama a atenção para este novo
instrumento — o mandado de segurança
coletivo que potencializou, em elevado grau,
a viabilidade da tutela coletiva de direitos
individuais e, consequentemente, o âmbito
da eficácia subjetiva das decisões judiciais,
nomeadamente as que envolvem apreciação
de direitos que tenha sido lesados, de forma
semelhante, em relação a grupos maiores. 48
Relativamente à tutela de direitos transin-
dividuais como um todo, a atual Constituição
ampliou o âmbito de abrangência da Ação
Popular49
que pode ser promovida por “qual-
quer cidadão” para “anular ato lesivo ao patri-
mônio público ou de entidade de que o Estado
participe, a moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico
cultural, ficando o autor, salvo comprovada
má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência (art. 5o, LXXIII).
Uma segunda onda reformadora teve iní-
cio no ano de 1994. Em nome da efetividade do
processo, demanda mais urgente de uma socie-
47	 Idem.
48	 Ibidem. p. 17.
49	 De acordo com Marinoni e Arenhart, “a Constituição atual inovou
ao ampliar a matéria de cabimento da ação popular. Nos textos constitucio-
nais anteriores, a ação popular se limitava à proteção contra atos lesivos ao
patrimônio de entidades públicas (...) conforme dispõe o texto atual, a ação
popular poderá ser usada para a proteção do patrimônio público, bem como
da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e
cultural.A medida, portanto, a par de proteger o patrimônio estatal (aí incluída,
assim, o meio ambiente e o patrimônio cultural e histórico)”. (MARINONI. Luiz
Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – Procedimen-
tos especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 275-276).
dade com pressa, foram produzidas modifica-
ções expressivas no Código de Processo Civil,
destacando-se, sem prejuízo das demais, pela
ordem cronológica: (i) a Lei 8.950, de 13.12.1994,
que alterou dispositivos referentes aos recur-
sos; (ii) Lei 8.951, de 13.12.1994, que tratou dos
procedimentos especiais para as ações de con-
signação em pagamento e de usucapião; (iii)
Lei 8.952, de 13.12.1994, que modificou inúme-
ros dispositivos do processo de conhecimento
e cautelar; (iv) Lei 8.953, de 13.12.1994, que
alterou dispositivos do processo de execução;
(v) a Lei 9.139, de 30.11.1995, que reformulou
o recurso de agravo, cabível contra decisões
interlocutórias; e (vi) a Lei 9.079, de 14.07.1995,
que tratou da ação monitória50
.
Mesmo com as mudanças legislativas
demonstradas, é inegável que o processo cole-
tivo tem lugar nitidamente destacado no pro-
cesso civil pátrio; mas é timidamente utilizado
pelos operadores do Direito como um subsis-
tema com objetivos próprios (a tutela de direi-
tos coletivos e a tutela coletiva de direitos) que
são alcançados à base de instrumentos próprios
(exemplo, ações civis públicas, ações civis cole-
tivas e mandado de segurança), fundados em
princípios e regras próprios, o que, segundo os
autos, confere ao processo coletivo uma identi-
dade bem definida no cenário processual51
.
5. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA
O primeiro diploma normativo a tratar
especificamente da chamada ação civil pública é
anterior à Constituição Federal de 1988. Trata-se
da já revogada Lei Complementar nº. 40, de 14
de dezembro de 1981, designada Lei Orgânica
do Ministério Público. Tal lei dispunha, em seu
artigo 3o, inciso III, estar entre as funções insti-
tucionais do Ministério Público a promoção da
ação civil pública, sem fornecer, contudo, quais-
quer esclarecimentos sobre a natureza e o objeto
daquele instrumento processual52
.
Com a promulgação da Carta Magna de
1988, contudo, referida ação conquistou foro
50	 Id.
51	 ZAVASKI, op. cit. p. 24.
52	 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu-
cional. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 442.

15.
constitucional, passando a ser expressamente
prevista no artigo 219, que trata das funções
institucionais do Ministério Público.
O inciso III, daquele dispositivo da Cons-
tituição, é claro e inequívoco em conferir ao
Ministério Público a competência para pro-
mover o inquérito civil e a ação civil pública,
para proteção do patrimônio público e social,
do meio ambiente e de outros interesses difu-
sos e coletivos.
Da simples leitura do dispositivo consti-
tucional supra referido, percebe-se que a ação
civil pública tem por principal objetivo a pro-
teção do patrimônio público e social e tam-
bém dos chamados direitos transindividuais,
também denominados de interesse ou direitos
coletivos em sentido lato, gênero do qual são
espécies os direitos difusos, os coletivos em
sentido estrito e os individuais homogêneos53
.
Portanto, atualmente, na esfera infracons-
titucional, a Ação Civil Pública, encontra-se
regulamentada pela Lei n. 7.347, de 24 de
julho de 1985, e também pela Lei n. 8.07854
,
de 11 de setembro de 1990, conhecida como
Código de Defesa do Consumidor, sendo
certo que, nesta última, encontram-se diversas
regras sobre a tutela dos interesses coletivos,
inclusive as definições legas relativas aos inte-
resses difusos, aos coletivos e aos individuais
homogêneos.
5.1 Hipóteses de
Cabimento55
Extrai-se da simples leitura do artigo 129,
inciso III, da Constituição, que a ação civil
pública é cabível para a proteção do patrimô-
53	 DANTAS, op. cit. p. 442.
54	 A lei 7.347/1985 no seu Art. 21 determina que “Aplicam-se à
defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for
cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do
Consumidor.
55	 Paulo Roberto de Figueiredo Dantas, deixa claro que é impor-
tante observar também as hipóteses em que não cabe a propositura da ação
civil pública, previstas no art. 1, parágrafo único, da Lei nº. 7.347/1985
e em construção jurisprudencial. Segundo o referido autor, não cabe ação
civil pública “quando tiver por objeto pedido que envolva tributos, contribui-
ções previdenciárias, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço — FGTS
ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários poderem ser
individualmente determinados. Quando tiver objeto principal a análise da
constitucionalidade de lei ou ato normativo, uma vez que, neste caso, ela
estaria sendo utilizada como sucedâneo da ADI, o que resultaria em indevida
usurpação de competência do STF.”( op. cit. p. 446)
nio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos. A parte
final daquele dispositivo constitucional deixa
claro que esta ação tem objeto amplo, não se
limitando às primeiras matérias ali relaciona-
das, já que pode ser utilizada para proteção de
outros interesses difusos e coletivos. Restando
evidente, portanto, que suas hipóteses de
cabimento não são taxativas, mas sim exem-
plificativas.
O artigo 1o da Lei n. 7.347, de 24 de julho
de 1985, anterior à Constituição Federal
vigente, mas por ela inequivocamente recep-
cionada, trata especificamente das hipóteses
de cabimento desta ação constitucional, que
atualmente contempla os seguintes interesses:
Art. 1º  Regem-se pelas disposi-
ções desta Lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de res-
ponsabilidade por danos morais
e patrimoniais causados: (Reda-
ção dada pela Lei nº 12.529, de
2011).l - ao meio-ambiente; ll - ao
consumidor;III – a bens e direitos
de valor artístico, estético, histó-
rico, turístico e paisagístico;IV - a
qualquer outro interesse difuso
ou coletivo. (Incluído pela Lei nº
8.078 de 1990)V - por infração da
ordem econômica; (Redação dada
pela Lei nº 12.529, de 2011).VI - à
ordem urbanística. (Incluído pela
Medida provisória nº 2.180-35, de
2001)VII – à honra e à dignidade de
grupos raciais, étnicos ou religio-
sos. (Incluído pela Lei nº 12.966, de
2014)VIII – ao patrimônio público e
social (Incluído pela  Lei nº 13.004,
de 2014)56
.
Para além dos casos de incidência da Lei da
Ação Civil Pública, o denominado Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990)
dispõe, especificamente, em capítulo próprio,
sobre a Proteção Judicial dos Interesses Indivi-
duais, Difusos e Coletivos, dispondo, em seu
artigo 20857
, ações de responsabilidade por
56	 Para Mazzilli, “Patrimônio público é o conjunto de bens e direitos
de valor econômico, artístico, estético, histórico, arqueológico ou turístico, ou
ainda de caráter ambiental. Já Patrimônio social é expressão utilizada no art.
129, III, da CF, mas para a qual não existe definição legal. Para nós, compre-
ende não só o conjunto de bens e direitos dos grupos hipossuficientes, mas
também os interesses gerais da coletividade com um todos”. (op. cit. p. 57)
57	 Capítulo VII - Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difu-
sos e Coletivos Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de

16.
ofensa aos direitos assegurados à criança e ao
adolescente.
Ainda, a Lei n. 7.853/1989 prevê a propo-
situra da ação civil pública para a proteção de
interesses difusos e coletivos das pessoas por-
tadoras de deficiência em seu artigo 3o, que
aduz
Art. 3º As ações civis públicas des-
tinadas à proteção de interesses
coletivos ou difusos das pessoas
portadoras de deficiência pode-
rão ser propostas pelo Ministé-
rio Público, pela União, Estados,
Municípios e Distrito Federal; por
associação constituída há mais de
1 (um) ano, nos termos da lei civil,
autarquia, empresa pública, fun-
dação ou sociedade de economia
mista que inclua, entre suas fina-
lidades institucionais, a proteção
das pessoas portadoras de defici-
ência.
Por fim, a Lei. 7.913/1989 dispõe, em seu
artigo 1o, sobre a possibilidade de utilização
dessa tutela coletiva para evitar prejuízos
ou ressarcir danos causados aos titulares de
valores mobiliários e aos investidores do mer-
cado58
.
responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao ado-
lescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular: I - do ensino
obrigatório;
II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiên-
cia; III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis
anos de idade; IV - de ensino noturno regular, adequado às condições do
educando; V - de programas suplementares de oferta de material didático-
-escolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino funda-
mental; VI - de serviço de assistência social visando à proteção à família, à
maternidade, à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças
e adolescentes que dele necessitem; VII - de acesso às ações e serviços de
saúde; VIII - de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados
de liberdade. IX - de ações, serviços e programas de orientação, apoio e pro-
moção social de famílias e destinados ao pleno exercício do direito à convi-
vência familiar por crianças e adolescentes. X - de programas de atendimento
para a execução das medidas socioeducativas e aplicação de medidas de
proteção. § 1o As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção
judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância
e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei.
58	 Art. 1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o
Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobi-
liários — CVM adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos
ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliá-
rios e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de:
I — operação fraudulenta, prática não equitativa, manipulação de preços
ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores
mobiliários; II — compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos
administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-
-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do
mercado ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de
sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio
Em geral, o objeto da ação civil pública é
a condenação ao pagamento em dinheiro ou
ao cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer. Em muitos casos, a obrigação de fazer
ou não fazer é mais importante do que a sua
conversão em indenização. Assim, o causador
do dano pode ser compelido a praticar atos
que evitem o início ou a continuidade da situ-
ação danosa.59
Para facilitar a compreensão e de forma
bem objetiva, estas são as hipóteses de cabi-
mento da Ação Civil Pública: (i) para proteção
do patrimônio público e social; (ii) para pro-
teção do meio ambiente; (iii) para a proteção
do consumidor; (iv) para a proteção da ordem
urbanística; (v) para a proteção dos bens e
direitos de valor artístico, estético, turístico
e paisagístico; (vi) para a proteção da ordem
econômica e economia popular; (vii) para a
proteção às crianças e aos adolescentes; (vii)
para a proteção dos portadores de deficiência;
(viii) para a proteção dos valores mobiliários
e dos investidores dos mercados; (ix) para a
proteção de outros interesses ou direitos difu-
sos, coletivos ou individuais homogêneos;
(x) para a proteção da honra e à dignidade
de grupos raciais, étnicos ou religiosos e; (xi)
para proteção do patrimônio público e social.
5.2 Legitimidade Ativa
A Constituição Federal de 1988 dispõe
expressamente, em seu artigo 129, inciso III,
que o Ministério Público tem legitimação
ativa para propor a ação civil pública. Mas,
precisa restar claro e demonstrado que ele não
é o único.
A legislação infraconstitucional teve de
cumprir o papel de complementar o rol dos
legitimados ao conferir no artigo 5o, da Lei n.
7.347/1985, em conformidade com a redação
que lhe conferiu a Lei n. 11.448/2007, a legiti-
midade ao (i) Ministério Público; (ii) a Defen-
soria Pública; (iii) a União, os Estados, o Dis-
trito Federal e os Municípios; (iv) a autarquia,
a empresa pública, a fundação ou a sociedade
dessas pessoas; III — omissão de informação relevante por parte de quem
estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta,
falsa ou tendenciosa.
59	 FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo:
Método, 2008. p. 318.

17.
de economia mista; e as associações, cumpri-
dos os requisitos legais.
Cumpre ainda destacar que o art. 82, da
Lei 8.078/1990 dispõe sobre a legitimidade
concorrente para a propositura das ações cole-
tivas que têm por objeto a tutela de interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos,
Art. 82. Para os fins do art. 81,
parágrafo único, são legitimados
concorrentemente: I - o Ministério
Público, II - a União, os Estados, os
Municípios e o Distrito Federal; III
- as entidades e órgãos da Admi-
nistração Pública, direta ou indi-
reta, ainda que sem personalidade
jurídica,  especificamente destina-
dos à defesa dos interesses e direi-
tos protegidos por este código; IV
- as associações legalmente consti-
tuídas há pelo menos um ano e que
incluam entre seus fins institucio-
nais a defesa dos interesses e direi-
tos protegidos por este código,
dispensada a autorização assem-
blear. § 1° O requisito da pré-cons-
tituição pode ser dispensado pelo
juiz, nas ações previstas nos arts.
91 e seguintes, quando haja mani-
festo interesse social evidenciado
pela dimensão ou característica do
dano, ou pela relevância do bem
jurídico a ser protegido.
Compreende-se por entes ou entidades da
Administração Pública direta, a União, Esta-
dos, Distrito Federal e Municípios, com seus
órgãos e por seus representantes. Já por indi-
reta, as autarquias, fundações, sociedade de
economia mista.
Como nosso ordenamento jurídico con-
fere legitimidade para as associações, segundo
Dantas, tanto a doutrina como a jurisprudên-
cia pátria são pacificas em conceder igual
legitimidade aos partidos políticos e aos sin-
dicatos, pessoas jurídicas de direito privado
em todo semelhantes às associações, inclusive
no que se refere à personalidade jurídica de
direito privado e à ausência de fins econômi-
cos.60
Ademais, é importante ressaltar que o
particular não tem legitimidade para a propo-
60	 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu-
cional. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2013 p. 447.
situra da ação civil pública, também não pode
atuar, como regra geral, como litisconsorte
ativo desta ação, a não ser que se trate de caso
em que o particular teria legitimidade para
propor ação individual com o mesmo objeto61
.
Importante salientar que é admissível o
litisconsórcio facultativo entre os Ministérios
Públicos da União, do Distrito Federal e dos
Estados na defesa dos interesses e direitos
coletivos, conforme dispõe o art. 5 da refe-
rida lei.
Segundo Elpídio Donizetti, parte da dou-
trina questiona a constitucionalidade desse
dispositivo, uma vez que atentaria contra o
princípio federativo pelo qual o Ministério
Público Federal deve atuar na Justiça Federal
e o Ministério Público estadual perante a Jus-
tiça Estadual62
.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça
entendeu ser perfeitamente possível o litis-
consórcio facultativo entre órgãos do Ministé-
rio Público Federal, Estadual e Distrital, con-
forme ementa abaixo:
PROCESSUAL CIVIL — AÇÃO
CIVIL PÚBLICA — LITISCON-
SÓRCIO FACULTATIVO ENTRE
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDE-
RAL E ESTADUAL — POSSIBILI-
DADE - § 5º, DO ART. 5º DA LEI
7.347/85 — INOCORRÊNCIA DE
VETO —PLENO VIGOR.
1. O veto presidencial aos arts. 82, §
3º, e 92, § único, do CDC, não atin-
giu o § 5º, do art. 5º da Lei da Ação
Civil Pública. Não há veto implí-
cito.2. Ainda que o dispositivo não
estivesse em vigor, o litisconsórcio
facultativo seria possível sempre
que as circunstâncias do caso o
recomendassem (CPC, art. 46). O
litisconsórcio é instrumento de
Economia Processual.3. O Ministé-
rio Público é órgão uno e indivisí-
vel, antes de ser evitada, a atuação
conjunta deve ser estimulada. As
divisões existentes na Instituição
não obstam trabalhos coligados.
4. É possível o litisconsórcio facul-
tativo entre órgãos do Ministério
61	 Idem.
62	 DONIZETTI, Elpídio. Ações Constitucionais. 2.ed. São Paulo: Atlas,
2010. p. 213.

18.
Público federal e estadual/distri-
tal. 5. Recurso provido. (STJ, 1a
Turma, resp 382659/RS, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, j. Em
02/12/2003, DJ 19/12/2003).
Por fim, no que diz respeito à legitimidade
passiva ad causam da ação civil pública, vale
mencionar que pode ser sujeito passivo desta
demanda qualquer pessoa natural ou jurídica
a quem se atribua a responsabilidade pelo
dano ou risco de dano ao patrimônio público
ou social, ou aos bens e interesses transindivi-
duais que podem ser tutelados por meio desta
ação.
5.3 Inquérito Civil
Buscando maior efetividade no procedi-
mento para a ação civil pública, o artigo 8o,
§1o, da referida lei, dispõe expressamente que
o Ministério Público poderá instaurar, sob sua
presidência, inquérito civil63.
Trata-se de um procedimento adminis-
trativo destinado a colher provas sobre fatos
que, mesmo em tese, autorizariam a proposi-
tura de futura ação civil pública, para a defesa
de interesses ou direitos transindividuais, cuja
tutela cabe ao Ministério Público.64
Tem por objetivo fornecer elementos de
prova ao órgão ministerial para que este possa
propor ação civil pública. Porém, é dispensá-
vel, ou seja, a ação civil pública pode ser pro-
movida mesmo sem o inquérito civil se estiver
fundada em outros elementos como processo
administrativo, cópia de autos dos tribunais
de contas e outras peças de informação..65
Caso, entretanto, tenha instaurado o
inquérito civil, o membro do Ministério
Público não poderá arquivá-lo livremente
sem antes declinar adequadamente as razões
do arquivamento, e submetê-las ao Conselho
63	 “O inquérito civil é um instrumento de investigação administrativa
prévia, instaurado, presidido e arquivado pelo Ministério Público, destinado a
apurar a autoria e a materialidade de fatos que possam ensejar uma atuação
a cargo da instituição. Em outras palavras, destina-se a colher elementos
de convicção para a autuação ministerial (MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos
Interesses Difusos e Coletivos op. cit. p. 147.
64	 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu-
cional op. cit. p. 464.
65	 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos...,
op. cit. p., 147.
Superior do Ministério Público, conforme pre-
visão expressa dos parágrafos do art. 9 da lei
7.347/1985.
Art. 9º Se o órgão do Ministério
Público, esgotadas todas as dili-
gências, se convencer da inexistên-
cia de fundamento para a propo-
situra da ação civil, promoverá o
arquivamento dos autos do inqué-
rito civil ou das peças informativas,
fazendo-o fundamentadamente.
§ 1º Os autos do inquérito civil ou
das peças de informação arquiva-
das serão remetidos, sob pena de
se incorrer em falta grave, no prazo
de (três) dias, ao Conselho Supe-
rior do Ministério Público.
§ 2º Até que, em sessão do Conse-
lho Superior do Ministério Público,
seja homologada ou rejeitada a
promoção de arquivamento, pode-
rão as associações legitimadas
apresentar razões escritas ou docu-
mentos, que serão juntados aos
autos do inquérito ou anexados às
peças de informação.
§ 3º A promoção de arquivamento
será submetida a exame e deli-
beração do Conselho Superior
do Ministério Público, conforme
dispuser o seu Regimento. § 4º
Deixando o Conselho Superior de
homologar a promoção de arqui-
vamento, designará, desde logo,
outro órgão do Ministério Público
para o ajuizamento da ação.
Portanto, se o Conselho Superior deixar
de homologar a promoção do arquivamento,
designará, desde logo, outro órgão do Minis-
tério Público para o ajuizamento da ação.
5.4 Termo de
Ajustamento de
Conduta – TAC
Em 1990, por meio da Lei 8.079 de 11 de
setembro, foi introduzida na Lei da Ação Civil
Pública a possibilidade de termo de ajusta-
mento de conduta na fase investigatória (pré-
-judicial), com força de título executivo extra-
judicial, para se evitar a propositura de ação
civil pública.

19.
De acordo do Dantas, “o termo de ajusta-
mento de conduta tem por objeto específico o
ajustamento das custas do potencial causador
de danos ao patrimônio público ou social ou
aos interesses coletivos em sentido lato as exi-
gências legais”66.
À vista do caráter consensual, e consi-
derando que é garantia mínima em favor da
proteção a interesses transindividuais lesados,
tem-se admitido a ampliação67
de seu objeto
para abranger obrigações outras (como o reco-
lhimento de importâncias ao fundo de que
cuida o art. 13 da Lei da Ação Civil Pública68
.
O termo de ajustamento de conduta tam-
bém pode ser celebrado após o ajuizamento
da ação. Ocorre que, neste caso, o termo ajus-
tado entre as partes deverá ser homologado
pelo juiz que recebeu a ação, por meio de sen-
tença, para então possuir natureza de título
executivo judicial.
5.5 Fundo de reparação
de danos
A lei da Ação Civil Pública instituiu o
Fundo de Reparação de danos em seu art. 13,
que prevê:
Art. 13. Havendo condenação em
dinheiro, a indenização pelo dano
causado reverterá a um fundo
gerido por um Conselho Fede-
ral ou por Conselhos Estaduais
de que participarão, necessaria-
mente, o Ministério Público, e
representantes da comunidade,
sendo seus recursos destinados à
reconstituição dos bens lesados.
66	 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu-
cional op. cit op. cit. p. 463.
67	 MAZZILLI esclarece em sua obra que “Só os órgãos públicos legi-
timados à ação civil pública, ou coletiva, podem tomar o compromisso de
ajustamento”. Como eles não detêm disponibilidade sobre o direito material
controvertido, consequentemente não podem estabelecer no compromisso
cláusulas que importem renúncia de direitos dos lesados, nem podem inserir
cláusula alguma que suponha o poder de dispor. Em suma, o compromisso
não pode envolver renúncia ou verdadeira transação de direitos materiais. É
a garantia mínima em favor do grupo lesado, sendo ineficaz em tudo o que
disponha em sentido contrário. Da mesma forma, o compromisso de ajus-
tamento não pode vedar o acesso à juridisdição: a) pelos próprios lesados
por meio de ações individuais; b) pelos colegitimados à ação civil pública
ou coletiva. Não cabe compromisso de ajustamento que envolva renúncia
ou dispensa de direitos no caso do art. 17, § 1o, da Lei 8.429/92 (Lei de
Improbidade Administrativa). (op. cit. p. 170- 171)
68	 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos...,
op. cit. p., 166.
§ 1o. Enquanto o fundo não for
regulamentado, o dinheiro ficará
depositado em estabelecimento
oficial de crédito, em conta com
correção monetária. § 2o  Havendo
acordo ou condenação com funda-
mento em dano causado por ato de
discriminação étnica nos termos
do disposto no art. 1o desta Lei,
a prestação em dinheiro reverterá
diretamente ao fundo de que trata
o caput e será utilizada para ações
de promoção da igualdade étnica,
conforme definição do Conselho
Nacional de Promoção da Igual-
dade Racial, na hipótese de exten-
são nacional, ou dos Conselhos de
Promoção de Igualdade Racial,
estaduais ou locais, nas hipóteses
de danos com extensão regional ou
local, respectivamente.
Pois bem! A princípio, só há que se falar
em Fundo de Reparação de Danos para as
ações civis públicas que tenham por objeto a
reparação de danos ocorridos em interesses
difusos e coletivos. Em se tratando de inte-
resses individuais homogêneos, a condenação
pecuniária deve ser dirigida diretamente aos
próprios lesados, só indo para o fundo o even-
tual saldo remanescente, ou na hipótese de
não se habilitarem, na fase de execução, quais-
quer pessoas que tenham sofrido lesão.69
5. 6 Os efeitos da
sentença e a
coisa julgada
O Código de Processo Civil prevê no
artigo 47270
, para as ações individuais, que a
sentença faz coisa julgada71 apenas entre as
partes litigantes.
69	 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu-
cional…, op. cit.,p.,464.
70	 Código de Processo Civil.Art. 472.A sentença faz coisa julgada às
partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.
Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no pro-
cesso, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz
coisa julgada em relação a terceiros.
71	 Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia
Medina, a coisa julgada provém do latim, em suas palavras: “A expressão
coisa julgada deriva da expressão latina ‘res iudicata’, que significa bem jul-
gado. O resultado final do processo de conhecimento normalmente atribui
um bem jurídico a alguém. Define-se, assim, uma situação jurídica, estabe-
lecendo-se a sua titularidade, passando esta definição, por causa da coisa
julgada material, a ser imutável, razoavelmente estável, ou marcadamente

20.
Contudo, conforme restará demonstrado
a seguir, a mesma regra não pode ser aplicada
as ações coletivos. Isto porque os limites subje-
tivos da coisa julgada regem-se por regras dis-
tintas, uma vez que estão em jogo à proteção
dos interesses de terceiros, que não são partes,
mas se beneficiam do resultado da demanda.
O artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública
dispõe expressamente que “a sentença civil
fará coisa julgada erga omnes nos limites da
competência territorial do órgão prolator,
exceto se o pedido for julgado improcedente
por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra
ação com idêntico fundamento, valendo-se de
nova prova”.
Já o artigo 103 do Código de Defesa do
Consumidor, de forma semelhante, prevê que:
Art. 103. Nas ações coletivas de
que trata este código, a sentença
fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido
for julgado improcedente por insu-
ficiência de provas, hipótese em
que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação, com idêntico
fundamento valendo-se de nova
prova, na hipótese do inciso I do
parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente
ao grupo, categoria ou classe, salvo
improcedência por insuficiência de
provas, nos termos do inciso ante-
rior, quando se tratar da hipótese
prevista no inciso II do parágrafo
único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de
procedência do pedido, para bene-
ficiar todas as vítimas e seus suces-
sores, na hipótese do inciso III do
parágrafo único do art. 81.
Para uma melhor compreensão, veja-se
o quadro72
explicativo extraído da obra de
DANTAS, em tudo esclarecedor a respeito
do tema:
duradoura. (O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 20)
72	 DANTAS, op. cit. p. 468.
Interesses ou
direitos difusos
Procedência: eficácia erga
omnes
Improcedência por falta de
provas: sem eficácia
Improcedência por outro
motivo: eficácia erga omnes
Interesses ou
direitos coletivos
em sentido estrito
Procedência: eficácia ultra
partes
Improcedência por falta de
provas: sem eficácia
Improcedência por outro
motivo: eficácia ultra partes
Interesses
ou direitos
individuais
homogêneos
Procedência: eficácia erga
omnes
Improcedência para quem não
interviu: sem eficácia
Improcedência para quem
interviu: eficácia erga omnes
Como se vê, em sede de ação civil pública
a imutabilidade do título executivo judicial
(da decisão transitada em julgado) depende
não só da espécie de interesse ou direito tran-
sindividual que se pretende tutelar, como
também do resultado específico da demanda,
podendo até mesmo não fazer coisa julgada
material, caso a improcedência tenha ocorrido
por insuficiência de provas.
5.7 Casuística no
direito brasileiro
Muito embora a legislação infraconstitu-
cional seja clara ao regulamentar as hipóte-
ses de cabimento da ação civil pública e o seu
procedimento para apurar a responsabilidade
pelos danos causados, é por meio de casos
práticos que se pode compreender melhor o
tema.
O caso que ora se apresenta (que tem como
pano de fundo o direito do consumidor) teve
origem por meio de Ação Civil Pública ajui-
zada pelo Ministério Público do Estado do Rio
de Janeiro em face da Federação das Empre-
sas de Transporte de Passageiros do Estado do
Rio de Janeiro - FETRANSPOR, cujo objeto era
a condenação desta à obrigação de fazer con-
sistindo em informar os consumidores, por
meio de todos os “validadores” do bilhete ele-
trônico RIO CARD ou outro equivalente, seja
no momento da recarga, seja no da realização
do débito das tarifas, o saldo total do bilhete
sob a pena de incidência de multa diária.
Foi também requerida a condenação da
FETRANSPOR ao pagamento de indenização

21.
a todos os consumidores, individualmente
considerados, que foram lesados por sua
conduta omissiva, por meio de liquidação da
sentença coletiva, bem como a condenação ao
pagamento de compensação pelo dano moral
coletivo causado, no valor mínimo de R$
500.000,00 (quinhentos mil reais) a cada mês
que deixasse de prestar as informações de
maneira adequada.
A ação foi julgada parcialmente proce-
dente, reconhecidas a legitimidade ativa do
Ministério Público, a existência de relação
de consumo entre as partes e a deficiência do
serviço prestado. A FETRANSPOR interpôs
recurso de apelação.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
por unanimidade, deu parcial provimento à
apelação interposta, mas não alterou a sen-
tença em sua totalidade, originando o Recurso
Especial sobre (i) a legitimidade das partes; (ii)
a aplicabilidade do Código de Defesa do Con-
sumidor e (iii) a violação do dever de infor-
mação ao consumidor por não ser mais infor-
mado, nos validadores do bilhete eletrônico, o
saldo total do cartão, se esse for superior a R$
20,00 (vinte reais), e (iv) o direito daqueles que
utilizam o cartão eletrônico à reparação pelos
eventuais danos sofridos, por meio de liquida-
ção da sentença coletiva.
A 3a Turma do Superior Tribunal de Jus-
tiça entendeu, por maioria de votos, em dar
parcial provimento ao recurso especial inter-
posto pela FETRANSPOR, sob a seguinte
ementa:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RECURSO ESPECIAL. TRANS-
PORTE PÚBLICO. SISTEMA DE
BILHETAGEM ELETRÔNICA.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. RELAÇÃO DE CON-
SUMO. VIOLAÇÃO DO DIREITO
BÁSICO DO CONSUMIDOR À
INFORMAÇÃO ADEQUADA.
1. A ausência de decisão acerca dos
dispositivos legais indicados como
violadosimpedeoconhecimentodo
recurso especial. Súmula 211/STJ.
2. Os embargos declaratórios têm
como objetivo sanear eventual
obscuridade, contradição ou omis-
são existentes na decisão recorrida.
Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC
quando o Tribunal de origem pro-
nuncia-se de forma clara e precisa
sobre a questão posta nos autos,
assentando-se em fundamentos
suficientes para embasar a deci-
são, como ocorrido na espécie.
3. O Ministério Público tem legi-
timidade ativa para a propositura
de ação civil pública que visa à
tutela de direitos difusos, coletivos
e individuais homogêneos, con-
forme inteligência dos arts. 129, III
da Constituição Federal, arts. 81
e 82 do CDC e arts. 1º e 5º da Lei
7.347/85.
4. A responsabilidade de todos os
integrantes da cadeia de forneci-
mento é objetiva e solidária. Arts.
7º, parágrafo único, 20 e 25 do
CDC.
5. A falta de acesso à informação
suficiente e adequada sobre os
créditos existentes no bilhete ele-
trônico utilizado pelo consumidor
para o transporte público, notada-
mente quando essa informação foi
garantida pelo fornecedor em pro-
paganda por ele veiculada, viola o
dispostonosarts.6º,IIIe30doCDC.
6. Na hipótese de algum consu-
midor ter sofrido concretamente
algum dano moral ou material em
decorrência da falta de informa-
ção, deverá propor ação individual
para pleitear a devida reparação.
6. Recurso especial parcialmente
provido. (REsp  1099634/RJ, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em
08/05/2012, DJe 15/10/2012)
Como se vê, a atuação do Ministério
Público neste caso foi a de garantir que um
direito básico do consumidor (à informação
adequada) não fosse ou continuasse a ser vio-
lado pela ausência de informações suficientes
e adequadas sobre os créditos existentes no
bilhete eletrônico utilizado pelo consumidor
para o transporte público.
Trata-se, apenas, de um exemplo, de mui-
tos casos que são objeto, diariamente, de ações
civis públicas aforadas no Brasil, visando sem-
pre a garantia de direitos transindividuais.
Apenas a título de curiosidade, muitas Ações

22.
Civis Públicas são hoje ajuizadas, visando
especialmente a proteção dos direitos dos con-
sumidores e dos direitos ambientais.
6. AÇÃO POPULAR
A Constituição brasileira de 1824 previu a
Ação Popular a ser proposta pelo queixoso ou
por qualquer do povo, na hipótese de suborno,
peculato ou concussão. FACHIN ainda res-
salta que as Constituições posteriores - de
1891 e 1937 -, deixaram de contemplá-la. Mas,
estando presente em todas as demais.73
Atualmente, a Ação Popular está expres-
samente prevista no artigo 5o, inciso LXXIII,
o qual dispõe que “qualquer cidadão é parte
legítima para propor ação popular que vise
a anular ato lesivo ao patrimônio público ou
de entidade de que o Estado participe à mora-
lidade administrativa, ao meio ambiente e
ao patrimônio histórico e cultural, ficando
o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
Sendo, portanto, uma garantia constitucional
um direito de todo cidadão. A Ação Popular,
conforme ressalta a doutrina,
É decorrência lógica do princípio
republicano. Com efeito, tendo
em vista que o patrimônio público
pertence ao povo, nada mais justo
que este último possa fiscalizar
aquilo que lhe pertence. Desse
forma, além de outras formas esta-
belecidas para a fiscalização da
coisa pública (tais como a fiscali-
zação pelo Poder Judiciário, com
o auxilio dos Tribunais de Contas),
a Constituição vigente conferiu ao
cidadão a possibilidade de se valer
do Poder Judiciário para seme-
lhante mister. (...) A ação popular
é uma ação constitucional de natu-
reza civil, cuja titularidade é exclu-
siva do cidadão, e que, amparada
no principio republicano, tem por
escopo a proteção da coisa pública
por meio da anulação ou da decla-
ração de nulidade de atos pratica-
dos pelo Estado, ou por entidades
a ele vinculadas, quando lesivos ao
patrimônio público, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente
73	 FACHIN, op. cit. p. 322.
e ao patrimônio histórico e cul-
tural.74
Segundo André Ramos
TAVARES, é preciso ao conceituar
Ação Popular como “um instru-
mento de participação política no
exercício do poder político, que foi
conferido ao cidadão pela Consti-
tuição, o que se dá por via do Poder
Judiciário, e que se circunscreve,
nos termos constitucionais, à inva-
lidação de atos ou contratos pra-
ticados pelas entidades indicada
nas normas de regência (Consti-
tuição e lei específica) que estejam
maculados pelo vício da lesão ao
patrimônio público, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente,
ao patrimônio histórico ou cultu-
ral”. 75
Devidamente conceituada, muito embora
esteja consagrada na Carta Magna vigente, a
Ação Popular foi regulamenta pela Lei 4.717
de 29 de junho de 1965, muito antes de ser
recepcionada pelo Constituição atual.
6.1 Hipótese de
Cabimento
Não restam dúvidas, pela previsão cons-
titucional, que a ação popular tem por funda-
mento a lesividade (ao patrimônio público,
à moralidade pública, ao meio ambiente,
ou ainda, a patrimônio histórico e cultural),
somada à ilegalidade ou à imoralidade admi-
nistrativa.
Como determina a própria Constituição
Federal de 1988, será possível a propositura
desta ação independentemente de comproba-
ção de ilegalidade, bastando demonstrar que
o ato que feriu a moralidade administrativa.
A lei 4.717/1965 trouxe rol extenso de atos
lesivos ao patrimônio que são passiveis de
nulidade, a partir do seu artigo 2o
Art. 2º São nulos os atos lesivos
ao patrimônio das entidades
mencionadas no artigo anterior,
nos casos de:
a)	incompetência;
74	 DANTAS, op. cit. 428.
75	 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10. ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 987.

23.
b)	 vício de forma;
c)	 ilegalidade do objeto;
d)	 inexistência dos motivos;
e)	 desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceitu-
ação dos casos de nulidade obser-
var-se-ão as seguintes normas:
a)	 a incompetência fica carac-
terizada quando o ato não
se incluir nas atribuições
legais do agente que o pra-
ticou;
b)	o vício de forma consiste na
omissão ou na observância
incompleta ou irregular de
formalidades indispensá-
veis à existência ou serie-
dade do ato;
c)	a ilegalidade do objeto
ocorre quando o resultado
do ato importa em viola-
ção de lei, regulamento ou
outro ato normativo;
d)	a inexistência dos motivos
se verifica quando a maté-
ria de fato ou de direito, em
que se fundamenta o ato, é
materialmente inexistente
ou juridicamente inade-
quada ao resultado obtido;
e)	 o desvio de finalidade se
verifica quando o agente
pratica o ato visando a fim
diverso daquele previsto,
explícita ou implicitamente,
na regra de competência.
Em seu artigo 3o, a referida lei completa:
Art. 3º Os atos lesivos ao patrimônio das
pessoas de direito público ou privado, ou das
entidades mencionadas no art. 1º, cujos vícios
não se compreendam nas especificações do
artigo anterior, serão anuláveis, segundo as
prescrições legais, enquanto compatíveis com
a natureza deles.
E, por fim, o artigo 4o estabelece que tam-
bém são nulos:
Art. 4º São também nulos os
seguintes atos ou contratos, prati-
cados ou celebrados por quaisquer
das pessoas ou entidades referidas
no art. 1º.
I - A admissão ao serviço público
remunerado, com desobediência,
quanto às condições de habilitação,
das normas legais, regulamentares
ou constantes de instruções gerais.
II - A operação bancária ou de cré-
dito real, quando:
a)	 for realizada com desobedi-
ência a normas legais, regu-
lamentares, estatutárias,
regimentais ou internas;
b)	o valor real do bem dado
em hipoteca ou penhor for
inferior ao constante de
escritura, contrato ou ava-
liação.
III - A empreitada, a tarefa e a con-
cessão do serviço público, quando:
a)	o respectivo contrato hou-
ver sido celebrado sem pré-
via concorrência pública
ou administrativa, sem que
essa condição seja estabele-
cida em lei, regulamento ou
norma geral;
b)	no edital de concorrência
forem incluídas cláusulas
ou condições, que compro-
metam o seu caráter compe-
titivo;
c)	 a concorrência administra-
tiva for processada em con-
dições que impliquem na
limitação das possibilidades
normais de competição.
IV - As modificações ou vantagens,
inclusive prorrogações que forem
admitidas, em favor do adjudi-
catário, durante a execução dos
contratos de empreitada, tarefa e
concessão de serviço público, sem
que estejam previstas em lei ou nos
respectivos instrumentos.,
V - A compra e venda de bens
móveis ou imóveis, nos casos

24.
em que não cabível concorrência
pública ou administrativa, quando:
a) for realizada com desobedi-
ência a normas legais, regu-
lamentares, ou constantes
de instruções gerais;
b) o preço de compra dos bens
for superior ao corrente no
mercado, na época da ope-
ração;
c) o preço de venda dos bens
for inferior ao corrente no
mercado, na época da ope-
ração.
VI - A concessão de licença de
exportação ou importação, qual-
quer que seja a sua modalidade,
quando:
a) houver sido praticada com
violação das normas legais
e regulamentares ou de ins-
truções e ordens de serviço;
b) resultar em exceção ou privi-
légio, em favor de exporta-
dor ou importador.
VII - A operação de redesconto
quando sob qualquer aspecto,
inclusive o limite de valor, deso-
bedecer a normas legais, regula-
mentares ou constantes de instru-
ções gerais.
VIII - O empréstimo concedido
pelo Banco Central da República,
quando:
a) concedido com desobedi-
ência de quaisquer normas
legais, regulamentares,,
regimentais ou constantes
de instruções gerias:
b) o valor dos bens dados
em garantia, na época da
operação, for inferior ao da
avaliação.
IX - A emissão quando efetuada
sem observância das normas cons-
titucionais, legais, e regulamenta-
doras que regem a espécie.
Portanto, estando presentes qualquer das
ilegalidades acima transcritas, ou apenas a
imoralidade administrativa76
, é perfeitamente
cabível a ação popular.
6.2 Legitimação
Ativa e Passiva
A lei é clara em seu artigo 01 que qual-
quer “cidadão” tem legitimidade para propor
a ação popular e que a prova da cidadania,
para ingresso em juízo, será feita com o título
eleitoral, ou com documento que a ele corres-
ponda.
Logo, o sujeito ativo da ação popular
deverá ser o nacional (nato ou naturalizado)
em pleno gozo de seus direitos políticos77
.
Desta forma, não poderão ser autores de ação
popular, naturalmente, aqueles que estejam
com seus direitos políticos suspensos ou per-
didos78
. Assim como também não poderão
figura no polo ativo o apátrida (sem pátria,
sem nacionalidade definida), os estrangeiros,
os conscritos79
, as pessoas jurídicas, e os brasi-
leiros que ainda não tenham se alistados como
eleitores.
No que diz respeito especificamente a
pessoa jurídica, o Supremo Tribunal Federal,
visando dirimir eventuais dúvidas, editou a
Súmula 365 com o seguinte teor: “Pessoa jurí-
76	 “Quanto a imoralidade administrativa, Maria Sylvia Zanella Di
PIETRO é precisa ao afirmar que “Quanto à imoralidade, sempre houve os
que a defendiam como fundamento suficiente para a ação popular. Hoje, a
ideia se reforça pela norma do artigo 37, caput, da Constituição, que inclui a
moralidade como um dos princípios que a Administração Pública está sujeita.
Tornar-se-ia letra morta o dispositivo se a prática do ato imoral não gerasse
a nulidade do ato da Administração. Além disso, o próprio dispositivo concer-
nente à ação popular permite concluir que a imoralidade se constitui em fun-
damento autônomo para propositura da ação popular, independentemente de
demonstração de ilegalidade, ao permitir que ela tenha por objeto anular ato
lesivo à moralidade administrativa. (Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo:
Atlas, 2013. p. 801-802)
77	 É importante destacar que o Ministério Público não tem legitimi-
dade para propor a Ação Popular. De acordo com o Art. 9º da referida lei, o
Ministério Público poderá assumir o polo ativo da ação popular somente se o
autor desistir da demanda.Art. 9o Se o autor desistir da ação ou der motiva à
absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições pre-
vistos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como
ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias
da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.
78	 Art. 15 da CF/88
79	 Os conscritos são as pessoas convocadas e devidamente incor-
poradas ao serviço militar obrigatório. Durante todo este período de serviço
militar, não podem alistar-se como eleitores e, por consequência, ficam
impossibilitados de votar e serem votadas.
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Artigo direit os_individuais_coletivos

  • 1. Pós-Graduação em Direito Direitos Individuais, Coletivos e Difusos Carlos Eduardo Dipp Schoembakla
  • 2. FAEL Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo Coordenador Pedagógico MIguel de Jesus Castriani editora Fael Autoria Carlos Eduardo Dipp Schoembakla Projeto Gráfico e Capa Katia Cristina Santos Mendes Revisão Camila Marcelina Pascoal Programação Visual e Diagramação Katia Cristina Santos Mendes Atenção: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente a opinião da Fael. É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo desse material sem autorização prévia da Fael. FAEL Rodovia Deputado Olívio Belich, Km 30 PR 427 Lapa | PR | CEP 83.750-000 FOTOS DA CAPA Shutterstosk Todos os direitos reservados. 2015
  • 3. Direitos Individuais, Coletivos e Difusos Introdução Os direitos transindividuais experimen- taram ao longo do constitucionalismo tardia ascensão e são denominados de transindivi- duais por compreenderem direitos materiais que não estão no domínio de apenas uma pes- soa ou de determinadas pessoas mas, sim, de uma coletividade. Particularmente, no Brasil, como se verá no curso do presente artigo, a proteção e garantia desses direitos transindividuais só ocorrem, a partir de 1985, com a entrada em vigor da lei da ação civil pública e, posterior- mente, são reforçados pela promulgação da Constituição Federal de 1988. Inicialmente, coube ao Ministério Público garantir os direitos difusos e coletivos por meio do inquérito civil e ação civil pública. Mas, lamentavelmente, o constituinte se resu- miu a prever a garantia. O que já foi de grande valia, mas como não houve regulamentação, restou dificultada sua aplicação pelos opera- dores do Direito. Foi apenas com a criação do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078 de 1990, que as definições acerca dos direitos difusos e coletivos foram apresentados. Para uma compreensão mais metodológica, o presente artigo foi dividido em 3 (três) grandes eixos, procurando abordar a evolução da tutela dos direitos transindividuais no Brasil. Primeiramente, serão abordadas noções introdutórias sobre o Estado e a conquista de direitos, bem como a distinção conceitual entre direitos, garantias e deveres. Partindo de um modelo de Estado antigo, para o Estado moderno, pretende-se demonstrar que a con- quista de direitos foi gradual, em gerações, encontrando os direitos transindividuais aqui desenvolvidos na terceira geração, como direi- tos que garantem a solidariedade. Na sequência, serão abordados os concei- tos de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e seus fundamentos na Consti- tuição Federal de 1988, realizando as suas res- pectivas distinções. Por último, serão abordados pontos essen- ciais para a compreensão da tutela coletiva de direitos. Iniciando-se pela evolução histórica do processo coletivo no Brasil, serão desenvol- vidas também as três principais ações consti- tucionais que buscam a proteção dos direitos transindividuais: a ação civil pública, a ação popular e o mandado de segurança coletivo. Tais ações serão desenvolvidas de forma sistematizada, destacando-se as principais questões de ordem processual que garanti- rão, ao leitor, a rápida e fácil compreensão das hipóteses de cabimentos, legitimidade das Os direitos transindividuais experimen- taram ao longo do constitucionalismo tardia ascensão e são denominados de transindivi- duais por compreendem direitos materiais que não estão no domínio de apenas uma pes- soa ou de determinadas pessoas; mas, sim, de uma coletividade. Não representam a defesa coletiva de direitos individuais, mas, sim, de direitos coletivos, por sua natureza indivisí- vel, já que pertence a todos. Particularmente no Brasil, como se verá no curso do presente artigo, a proteção e garantia desses direitos transindividuais só ocorrem, a partir de 1985, com a entrada em vigor da lei da ação civil pública e, posteriormente, são reforçados pela promulgação da Constituição Federal de 1988. Ação Popular e Mandado de Segurança Cole- tivo completam as espécies de ações constitu- cionais que visam a proteção destes direitos. Assim, o objetivo deste artigo é o de demons- trar a evolução da tutela dos direitos difu- sos, coletivos e individuais homogêneos no ordenamento jurídico brasileiro, o que se faz equilibrando um estudo teórico com estudo prático, com base em alguns julgamentos a respeito do referido tema.. Palavras- Chave: Garantias: Direito Difuso; Direito Coletivo; Direito Individual Homogêneo.
  • 4.  2. partes (ativa e passiva) e as principais regras procedimentais para cada tipo de demanda. 1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O ESTADO E A CONQUISTA DE DIREITO Não resta dúvida para a Ciência Política que o Estado é fenômeno original e histórico de dominação1 , pois das circunstâncias histó- ricas e do modo de produção da sociedade, determina-se o tipo de Estado. Assim, não há que se falar em formação evolutiva do Estado, que o levaria ao aperfeiçoamento; mas, em específicas condições socioeconômicas que determinam as formas de dominação. Segundo Norberto Bobbio2 , o termo Estado vai pouco a pouco substituindo, embora através de um longo percurso, os ter- mos tradicionais (como polis, civitas ou res pública e feudos) com que foi designada até então a máxima organização de um grupo de indivíduos sobre um território em virtude de um poder de comando. A organização social antiga estava for- temente marcada por instabilidade política, econômica e social, em razão de uma econo- mia baseada no modelo de produção agrícola e feudal, e o poder fragmentado em diversos centros. Ademais, o exercício e a legitimidade do poder estava justificado em noções natura- listas, e as normas jurídicas eram basicamente consuetudinárias, com a previsão de inúme- ros privilégios pessoais a determinadas castas. A fim de romper com este modelo antigo de Estado e fortemente influenciado pelo racionalismo, ganha força o modelo con- tratualista de Estado moderno, baseado na noção de que o Estado é criação artificial da razão humana3 através de consenso tácito, ou expresso, entre a maioria ou unanimidade dos 1 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria do Estado. 7 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 29 2 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade — para uma teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 66 3 STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luís Bolzan de. Op. cit., p. 29 indivíduos, dando início a sociedade política (estado civil). Em outras palavras, é denomi- nado moderno, pois foi na modernidade que aflorou, nos homens, a ideia de que podiam intervir no mundo, isto é, que podiam cons- truir as normas jurídico-constitucionais, trans- mutando-se a concepção do Direito e da Cons- tituição da natureza para o homem. Trata-se do momento filosófico do positivismo, onde impera a racionalidade humana que supera a ideia de direito natural e direito divino. Pode- -se dizer então que, o Estado moderno é o lugar de emanação das normas com o objetivo de regular a realidade, bem como estabelecer um modelo ideal de dever-ser da sociedade. O Estado de Direito moderno torna-se ele- mento de ruptura da ordem social da antigui- dade e surge representado pelas formas liberal e social. Posteriormente, assume a forma de Estado democrático de Direito, com o objetivo de responder às novas necessidades e novos dilemas e o desafio de resgatar as promessas não cumpridas da modernidade, dentro de uma forma de vida em sociedade em constan- tes transformações 4. Em que pese existirem diversas correntes a justificarem o advento do Estado moderno, em geral, pode-se afirmar que o seu surgi- mento decorre da necessidade de manutenção da ordem pública e da autoridade, isto é, da integridade nacional. São das deficiências da sociedade polí- tica medieval que emerge o Estado moderno, lastreado pelos elementos que o compõe, ele- mentos materiais (o povo e o território) e o elemento formal (a soberania ou o governo), apontando-se para uma finalidade distinta das organizações sociais medievais, o bem comum. Quanto ao povo, compreende um con- junto de indivíduos que se unem para cons- tituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, parti- cipando da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. Já o território, é o local onde o poder soberano será exercido. Este elemento delimita a ação soberana do Estado, pois garante monopólio ao Estado da ocupa- 4 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit., p. 22
  • 5.  3. ção de determinado território (não convivendo em um mesmo território duas soberanias); e, estabelece a possibilidade de poder agir em determinadas situações (onde o governo pode exercer o constrangimento para organi- zar e fazer funcionar os serviços). E, quanto a soberania, compreende uma dupla dimensão, interna e externa, no sentido de independên- cia na ordem internacional e supremacia na ordem interna (poder de mando conferido ao Estado). Trata-se do poder de organizar-se, juridicamente, e de fazer valer dentro do seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência. Como destaca o constitucionalista Joa- quim José Gomes Canotilho, a principal con- tribuição da modernidade está relacionada com o princípio do governo limitado, indis- pensável à garantia dos direitos que organi- zam político e socialmente uma comunidade5. Este Estado Moderno, politicamente organi- zado, passa a ter como finalidade constituir-se em meio para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus fins particula- res, assim como o bem comum ou bem estar social. O Estado se torna elemento indispensável para abordar a temática deste módulo sobre os direitos coletivos já que estão na esfera dos direitos fundamentais transindividuais, direi- tos conquistados e reconhecidos somente nos Estados modernos, preocupados com o bem estar social. Assim, sem o Estado moderno e as consti- tuições escritas, os direitos fundamentais não poderiam ser garantidos e cumpridos, bem como perderiam a função de limitar o poder do Estado em face do indivíduo, conquista esta do constitucionalismo moderno. Apenas para relembrar, a ideia de consti- tucionalismo não se confunde com o conceito de Constituição, pois é “movimento de orga- nização política da comunidade fundada na limitação do poder absoluto6 ”. 5 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Consti- tuição. 6.ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 51 6 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5.ed. Salvador: Juspodivm, 2011. p. 33 Como aduz Dalmo de Abreu Dallari, “(...) o constitucionalismo representa um instru- mento de afirmação e garantia de direitos7”, ocorrido na história da humanidade. E não se trata de buscar justificar a elaboração de Cons- tituição, pois onde havia uma sociedade poli- ticamente organizada já se podia dizer que havia uma Constituição em sentido material fixando os fundamentos da organização da vida na pólis. Torna-se indispensável fazer esta breve referência ao constitucionalismo, pois foi basi- camente em razão da preocupação com a pro- teção da solidariedade social que se passa a proteger os direitos transindividuais, no que se chama de terceira geração ou dimensão dos direitos fundamentais. Não é nenhuma novidade para o operador do Direito, a noção de que a conquista e sal- vaguarda dos direitos fundamentais foi gra- dual e histórica. Em um primeiro momento, as declarações que asseguram na antiguidade os direitos fundamentais tinham mais cará- ter filosófico que concreto; na modernidade, experimentaram a passagem da teoria para a prática dos direitos fundamentais individuais no sentido de ganharem concretude dentro da Constituição do Estado que o reconhece e, na contemporaneidade, além da positivação em documentos internos dos Estados (cons- tituições) e externos (tratados internacionais), temos a sua universalização, bem como a garantia em dimensão individual e coletiva. A consagração e proteção dos direitos fundamentais (onde se enquadram os direitos transindividuais) estão intimamente conecta- dos com a forma como o Estado se organiza e exerce as suas funções. Isso porque tais direitos representam as concepções filosófico- -jurídicas aceitas por determinada sociedade em dado período histórico, de modo que estes valores, ao mesmo tempo em que fundam o Estado, representam os fins da sociedade e os direitos dos seus indivíduos. Em decorrência dos embates entre a forma do Estado e os valores preponderantes na sociedade, que a concretização dos direitos 7 DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na Vida dos Povos – da idade média ao século XXI. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 169
  • 6.  4. fundamentais nos ordenamentos jurídicos está estritamente ligada com a política, rela- cionando-se com as esferas de intervenção e das liberdades individuais8 . Destarte, é a partir dessa correlação que se poderão identificar os direitos fundamen- tais como garantia das liberdades individuais, dever de prestação estatal ou garantia do bem estar da coletividade. Em outras palavras, quando se analisa o Estado de Direito Liberal e Social, resta nítido a sua preocupação com os direitos subjetivos de liberdade e igualdade real voltados contra ingerências ou omissões Estatais, e quando se falar em Estado Demo- crático de Direito pode-se identificar, somada a essa dimensão individual, uma maior preo- cupação com o bem-estar social e com a digni- dade humana, exigindo-se ações e prestações estatais no sentido de salvaguarda da dimen- são coletiva dos direitos. Constata-se, portanto que os direitos transindividuais experimentaram, ao longo do constitucionalismo, tardia ascensão e são denominados de transindividuais por com- preenderem direitos materiais que não estão no domínio de apenas uma pessoa ou de determinadas pessoas; mas sim de uma cole- tividade. Não representam a defesa coletiva de direitos individuais, mas sim de direitos coletivos, por sua natureza indivisível, já que pertencem a todos. Particularmente, no Brasil, como se verá na sequência, a proteção e garantia destes direitos transindividuais só ocorre a partir de 1985 com a entrada em vigor da lei da ação civil pública e, posteriormente, são reforça- dos pela promulgação da Constituição Fede- ral de 1988. E, mesmo com o reforço norma- tivo, ainda seus instrumentos de proteção são pouco utilizados. Seguindo esta linha de raciocínio, extrai- -se do artigo 129 da Constituição Federal de 1988 que a garantia dos direitos difusos e cole- tivos será promovida via inquérito civil e ação civil pública pelo Ministério Público: 8 PALMEIRA, Marcos Rogério. Direitos fundamentais: regime jurídico das restrições. Disponível em: < http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/direi- tos%20fundamentais.pdf> Acesso em: 10/10/08. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interes- ses difusos e coletivos; Mas, lamentavelmente, o constituinte se resumiu a prever a garantia, o que já foi de grande valia, mas não os definiu, dificultando a sua aplicação prática pelos operadores do Direito. Foi apenas com a criação do Código de Defesa do Consumidor, lei 8.078 de 1990, que as definições de direitos difusos e cole- tivos foram apresentadas, e que serão objeto dos próximos capítulos. 2. O “DIREITO”, O “DEVER” E AS SUAS “GARANTIAS”: PARÂMETROS DE INTERPRETAÇÃO Diante de um novo panorama de Estado, no qual a ordem jurídica encontra-se centrada na Constituição e voltada objetivamente para a concretização dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, faz-se impe- riosa a sua efetivação. Assim, quando a Constituição estabelece princípios e positiva valores jurídicos, atribui aos indivíduos “direitos” que, por terem certo grau de abstração, estão sujeitos a diversos graus de concretização e dependem de con- dições fáticas e jurídicas. Já a “garantia” deve ser considerada como meio de defesa de um direito, modo de torná-lo eficaz. Como aventa Paulo Bonavides, a garantia se coloca diante do direito, não podendo ser com ele confundida9, pois a garantia é instru- mento de tutela, proteção, acionada quando houver violação de um Direito, de natureza 9 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 526-527.
  • 7.  5. constitucional ou não. “Direito é faculdade reconhecida, natural ou legal, de praticar ou não praticar certos atos. Garantia ou segu- rança de um direito, é o requisito de legali- dade, que o defende contra a ameaça de certas classes de atentados de ocorrência mais ou menos fácil10 ”. Partindo destas noções, pode-se afirmar que no texto constitucional as disposições declaratórias estabelecem a existência de direi- tos e as disposições assecuratórias limitam o poder, protegendo e garantindo o direito. Podendo-se afirmar que “de nada valeriam os direitos ou as declarações de direitos se não houvesse, pois, as garantias constitucionais para fazer reais e efetivos esses direitos11 ”. Outrossim, as garantias possuem um cará- ter instrumental, no sentido de proteção dos direitos, razão pela qual representam o direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, reconhecendo-se instrumentos processuais para se atingir essa finalidade12. Está-se a fazer a diferenciação entre os termos direito e garantia com fins didáti- cos para a melhor compreensão de que uma coisa são as previsões em relação à proteção de bens jurídicos fundamentais (de liberdade, social ou transindividual) e outra coisa são os seus instrumentos de garantia, já que não está intrínseco ao direito fundamental, positivado a sua efetividade. As garantias compreendem um grande universo de proteção previsto no ordena- mento jurídico como um todo, motivo pelo qual podem ser divididas em dois grupos: as garantias gerais e as garantias constitucionais. As garantias gerais asseguram a exis- tência e a efetividade (no sentido de eficácia social) dos direitos fundamentais e compre- endem as organizações econômico-sociais, culturais e políticas que favorecem o exercício 10 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional... op.cit., p. 528. 11 Ibidem, p. 532. Ao encontro desta noção de que não há que se falar em direito se não existir um meio de fazê-lo existir, ou seja, uma forma jurídica de garanti-lo é o pensamento de Luiz Vergílio Dalla-Rosa. (DALLA- -ROSA, Luiz Vergílio. O direito como garantia: pressupostos de uma teoria constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 71) 12 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Consti- tuição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 396. dos direitos fundamentais. Por outro lado, as garantias constitucionais são determinações e procedimentos em que a própria Constitui- ção protege, com a observância ou reintegra- ção dos direitos fundamentais. As garantias constitucionais estão previstas em um dispo- sitivo genérico que prevê a tutela jurisdicional efetiva visando a proteção da dignidade da pessoa humana (artigo 5, inciso XXXV — que estabelece que :“a lei não excluirá da aprecia- ção judicial do Poder Judiciário lesão ou ame- aça de lesão a direito”) e em dispositivos espe- ciais, por meio dos remédios constitucionais ou ações constitucionais. Apenas a titulo elucidativo, seguem alguns exemplos de distinção entre direitos e garantias. O artigo 5º, inciso VI, da CF/88 prevê o direito à liberdade de consciência e crença, mas este só se torna efetivo e garantido porque há previsão de que haverá proteção aos locais de culto e liturgia. Ainda, o caput do artigo 5º, prevê que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, este é o direito; e, a sua garantia se dá diante de normas que punem qualquer discrimina- ção atentatória aos direitos e liberdades, já que a prática de racismo constitui crime. Importante frisar que estas ações cons- titucionais diferem das ações de controle de constitucionalidade, que não podem e não são consideradas remédios constitucionais — visam promover a análise da adequação for- mal ou material da lei infraconstitucional em relação à Constituição Federal, assegurando a supremacia da Constituição. Por esta razão, neste módulo não fazemos qualquer referên- cia às ações de controle de constitucionalidade das leis, já que não se destinam diretamente a defesa dos direitos transindividuais. Por fim, cumpre destacar o conceito e a incidência dos deveres. Conceito este, muitas vezes, relegado e pouco explorado pela dou- trina, mas de suma importância para a com- preensão da ideia de que os direitos dos indi- víduos não são direitos absolutos — devem ser aplicados tendo em conta a interação deste com as necessidades da comunidade. Como destaca José Carlos Vieira de Andrade, Não se pode duvidar do interesse peda- gógico e da importância espiritual e ética que
  • 8.  6. reveste a ideia dos deveres fundamentais dos cidadãos, significando que o homem não existe isoladamente, nem a sua liberdade é absoluta e que os indivíduos são responsáveis no campo político, econômico, social e cul- tural pela segurança, pela justiça e pelo pro- gresso da comunidade13 . Sucintamente, duas são as dimensões dos deveres: formal e material. A dimensão for- mal o relaciona com aquilo que está garan- tido pelas normas, especialmente pelas nor- mas constitucionais, razão pela qual passam a ser designados de deveres fundamentais. A dimensão material dos deveres o conecta com a relevância para servir de fundamento da organização social e política do Estado. Explica-se: os deveres fundamentais compre- endem deveres de ação ou omissão, proclama- dos pela Constituição (formal), cujos sujeitos ativos e passivos são indicados em cada norma ou que possam ser deduzidos mediante inter- pretação. Frequentemente, a titularidade e os sujeitos passivos são difusos e o conteúdo do dever (que é a conduta exigida) só pode resul- tar de concretização infraconstitucional. Portanto, a estrutura da norma que prevê um dever, impõe uma obrigação, seja para o Estado, para os particulares ou para destina- tários indefiníveis (caráter difuso). Especialmente ao se impor deveres ao próprio Estado, significa que deve ele praticar uma conduta (ação ou omissão) em matérias de direitos fundamentais. Logo, caso não atue, haverá omissão inconstitucional que pode trazer consequências jurídicas (sanção) como uma sentença mandamental em mandado de injunção, uma ordem concedida em mandado de segurança, a declaração de omissão incons- titucional por meio de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, responsa- bilidade civil do Estado e crime de responsa- bilidade, dentre outros mecanismos de índole constitucional ou infraconstitucional. Em síntese, são dos direitos e deveres fundamentais previstos e impostos na Cons- tituição Federal que torna o indivíduo ou a coletividade titular do direito de ação, a fim 13 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 151 de resguardá-los, garanti-los contra omissões ou equívocos, quer seja do Poder Público ou de outros particulares. 3. ASPECTOS CONCEITUAIS: A DISTINÇÃO ENTRE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS14 Consoante exposto nas notas introdutó- rias, muito embora a Carta Magna tenha se preocupado em garantir a defesa dos direitos difusos e coletivos, deixou de defini-los, papel que foi cumprindo pelo Código de Defesa do Consumidor, na década de 1990. Mais do que isso, o referido código, além de definir direitos difusos e coletivos, acabou inaugurando uma nova espécie, a dos direitos individuais homo- gêneos. Rizzato Nunes, de forma bastante eluci- dativa, explica que a definição legal trazida pelo código está em perfeita consonância com o sistema constitucional, não havendo nada que possa macular suas disposições. Isto quer dizer que o Código de Defesa do Consumidor, como lei principiológica que é, concretizadora dos princípios e regras constitucionais, tam- bém aqui designa os limites e o modo de apli- cação dos direitos postos e definidos15. Tal missão restou ao artigo 81 do referido código que termina com a lacuna trazida pela Carta Magna, no que diz respeito a definições, ao prever que: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: 14 Interesses transindividuais são aqueles que reúnem grupos, classes ou categorias de pessoas, como os moradores de uma região no que diga respeito a uma questão ambiental; os consumidores do mesmo produto; os trabalhadores da mesma fábrica; os alunos do mesmo estabelecimento de ensino. (MAZZILLI, Hugo Nigro.Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 28). 15 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6a edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 787.
  • 9.  7. I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indetermi- nadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coleti- vos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individu- ais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” (sem destaque no original)16 O Direito brasileiro instituiu, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, um sistema para a proteção coletiva dos interesses17 transindividuais em juízo e, para a melhor defesa desses interes- ses de grupo, a lei os distinguiu em categorias distintas. Para classificar as categorias, é impe- rioso fazer preliminarmente duas distinções básicas: a) se os grupos são determinados ou indeterminados; b) se os interesses em jogo são divisíveis ou indivisíveis18 . Para facilitar a compreensão, abaixo o quadro sinótico extraído da obra de Mazzilli19 leva em conta a classificação fornecida pelo Código de Defesa do Consumidor: INTERESSES GRUPO OBJETO ORIGEM Difusos Indeterminável indivisível Situação de fato Coletivos Determinável indivisível Relação jurídica Individuais Homogêneos Determinável divisível Origem comum Na sequência, serão abordados os respec- tivos grupos de direitos, e serão especificadas 16 Ibidem. p.787 17 Apenas à título de esclarecimento terminológico, apresenta-se a diferença entre direito e interesse. Segundo Nunes, “tem que se entender ambos os termos como sinônimos, na medida em que “interesse”, semanti- camente em todos os casos, tem o sentido de prerrogativa e esta é exercício de direito subjetivo. Logo, direito e interesse têm o mesmo valor semântico: direito subjetivo ou prerrogativa, protegidos pelo sistema jurídico” (Id. p. 788) 18 MAZZILLI, Hugo Nigro.Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. 7a edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 28 19 Id. p. 28. as suas definições conforme entendimento tra- zido pela doutrina nacional. 3.1 DIREITOS DIFUSOS Os chamados direitos difusos são aqueles cujos titulares não são determináveis. Isto é, os detentores do direito subjetivo que se pre- tende regrar e proteger são indeterminados e indetermináveis. Como exemplo, é possível citar o inte- resse pelo meio ambiente sadio, que congrega os moradores de uma região; ou o combate à propaganda enganosa divulgada no rádio ou na televisão. Para Mazzilli “são aqueles de natureza indivisível, comuns a um grupo, classe ou categoria de indivíduos indetermináveis que compartilham a mesma situação de fato”.20 Ademais, em matéria de direitos difusos, inexiste uma relação jurídica base, que une os interessados. São as circunstâncias de fato que estabelecem a ligação, esclarece Nunes, que acrescenta “entenda-se bem: são os fatos, objetivamente postos, os elos de ligação entre todas as pessoas difusamente consideradas e o obrigado[sic]”.21 O objeto ou bem jurídico protegido é indi- visível, exatamente por atingir e pertencer a todos indistintamente. Por isso, ele não pode ser cindido.22 Conforme definição prevista na codifica- ção civil (art. 87), bens indivisíveis são aqueles ]que não se pode fracionar sem alteração na sua substância, diminuição de valor, ou preju- ízo do uso a que se destinam. Nunes faz, ainda, uma ressalva esclare- cedora sobre os direitos difusos, qual seja: “o fato do mesmo objeto gerar dois tipos de 20 Ibidem. p.,. 29. 21 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor..., op. cit. p. 789. 22 Ibid. p. 790.
  • 10.  8. direito, não muda a natureza de indivisibili- dade do objeto nos direitos difusos. Isto é, se um anúncio enganoso atingir um consumidor em particular, esse direito individual identifi- cado não altera em nada a natureza indivisível do fato objetivo do anúncio23 ”. 3.2 DIREITOS COLETIVOS Nos chamados direitos coletivos, os inte- resses também são de natureza indivisível, comuns a um grupo, classe ou categoria de indivíduos determináveis, reunidos pela mesma relação jurídica básica24. Isto é, para a verificação da existência de um direito cole- tivo não há necessidade de se apontar concre- tamente um titular específico e real. Todavia, esse titular é facilmente determinado, a par- tir da verificação do direito em jogo25. Como exemplo, é possível citar um grupo de indiví- duos que assinam um contrato de adesão com cláusula abusiva. A abusividade da cláusula é compartilhada em igual medida por todos os integrantes do grupo. Pode-se citar também a boa qualidade do fornecimento de serviços públicos essenciais como água, energia elétrica e gás; a segurança do serviço de transporte público de passa- geiros prestado pelas empresas de ônibus; a qualidade oferecida pela escola dos serviços educacionais por ela prestados, etc. Mas, para Nunes, em matéria de direito coletivo são duas as relações jurídicas-base que vão ligar sujeito ativo e sujeito passivo: a) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados entre si por uma relação jurídica. Por exemplo, os pais e alunos per- tencentes à Associação de Pais e Mestres; os associados de uma Associação de Proteção ao Consumidor; os membros de uma entidade de classe, etc.b) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados com o sujeito pas- sivo por uma relação jurídica. Por exemplo, os alunos de uma mesma escola, os clientes de 23 Idem. 24 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos..., op. cit. p. 29. 25 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor…, op. cit. p. 791. um mesmo banco, os usuários de um mesmo serviço público essencial como o fornecimento de água, energia elétrica, gás etc26. Já o objeto ou bem jurídico protegido, como visto, é indivisível. Tal conclusão não poderia ser diferente uma vez que ele não per- tence a nenhum cidadão em particular, mas a todos em conjunto, e simultaneamente. Isto porque, como entende a doutrina majoritá- ria, se for divisível é individual ou individual homogêneo, e não coletivo27. 3.3 DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS São os únicos que têm objeto divisível e os sujeitos são sempre mais de um e determina- dos. Mais de um, porque em sendo um só, o direito é individual simples, e determinado, porque, neste caso, como o próprio nome diz, apesar de homogêneos, os direitos protegidos são individuais.28 Não se trata de litisconsórcio, e sim de direito coletivo. No litisconsórcio, o que há é reunião concreta e real de titulares individuais de direitos subjetivos no caso, no polo ativo da demanda; na ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos, o autor da ação é único: um dos legitimados do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor29 30 . 26 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor…, op. cit. p. 791. 27 Como se viu, o objeto do direito coletivo é indivisível. O que vai acontecer é que o efeito da violação a um direito coletivo gere também um direito individual ou individual homogêneo. Assim, por exemplo, o mau tratamento da água fornecida aos usuários é típico caso de direito coletivo com objeto indivisível, mas simultaneamente seu fornecimento e consumo pode gerar dano à saúde de um consumidor individualmente considerado ou a mais de um consumidor. Daí que, no caso, ambas as situações se configu- ram. Já o inverso não é verdadeiro: nem todo direito individual homogêneo é coletivo típico conforme se verá no próximo item, mas é uma espécie de direito coletivo (o caráter de divisibilidade do direito individual homogêneo remanesce dividido quando ele for puramente direito individual homogêneo). (NUNES, op. cit. p. 792). 28 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos..., op. cit. p. 29. 29 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor…, op. cit p. 793. 30 Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I — o Ministério Público, II — a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III — as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,      especi- ficamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV — as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano
  • 11.  9. É verdade que a ação individual ou a ação proposta por litisconsórcio facultativo não estão proibidas, como também não está proi- bido o ingresso de tais ações no curso da ação coletiva de proteção aos direitos individuais homogêneos. São exemplos de casos envolvendo direi- tos individuais homogêneos as quedas de aviões, como o da TAM no Jabaquara em São Paulo; o naufrágio do barco “Bateau Mouche” no Rio de Janeiro, etc. 3.4 INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E INTERESSES ACIDENTALMENTE COLETIVOS Em algumas situações, os direitos indivi- duais homogêneos assumem a “roupagem” de direito coletivo e, como tal, podem ser clas- sificados como “acidentalmente coletivos”. Contudo, tal classificação deve ser entendida com reservas.31 De acordo com Teori Albino Zavascki, essa classificação é decorrente não de um enfoque material do direito, mas sim de um ponto de vista estritamente processual. O coletivo, con- sequentemente, diz respeito apenas à “rou- pagem”, ao acidental, ou seja, ao modo como aqueles direitos podem ser tutelados.32 Na essência e por natureza, os direitos individuais homogêneos, embora tuteláveis coletivamente, não deixam de ser o que real- mente são: genuínos direitos subjetivos indi- viduais. Essa realidade deve ser levada em consideração quando se busca definir e com- preender os modelos processuais destinados à sua adequada e mais efetiva defesa.33 e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. 31 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direito Coleti- vos e Tutela Coletiva de Direito. 3a edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2008. p. 56. 32 Idem. p., 56. 33 Idem. p., 56. Todavia, a exemplo do que ocorre com os direitos subjetivos das pessoas de direito público, a lesão a certos direitos individuais homogêneos pode assumir um grau tal de profundidade ou de extensão que acaba com- prometendo também interesses sociais. Zavascki busca, por intermédio de exem- plo, elucidar tal distinção: Realmente, há certos interesses individuais que, quando visuali- zados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm por força de transcender a esfera de inte- resses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comu- nidade como um todo. É o que ocorre, por exemplo, com os direi- tos individuais homogêneos dos atingidos por dano ambiental. Se, nos termos da Constituição, “todos têm direito ao meio ambiente eco- logicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- -se ao Poder Público e à coletivi- dade o dever de defendê-lo e pre- servá-lo para as presentes e futuras gerações” (CF, art. 225); e se “as condutas e atividades considera- das lesivas ao meio ambiente sujei- tarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente- mente da obrigação de reparar os danos causados”(CF, art. 225, §3o), parece evidente que a condenação dos responsáveis por aquelas con- dutas, seja no que diz respeito à reparação dos danos difusamente causados, seja também no que diz com os danos causados direta- mente a pessoas individualizadas e aos seus bens, constitui interesse de toda a comunidade, na medida em que isso representa a defesa de um bem maior, que é de interesse social, acaba englobando também, ainda que indireta ou parcial- mente, a defesa de direitos subjeti- vos individuais.34 Desta forma, é necessário estabelecer os adequados limites distintivos, especialmente no plano conceitual, entre interesses sociais 34 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo....op.cit. p., 56-57.
  • 12.  10. (= interesses de preservação de valores rele- vantes para a comunidade como um todo) e direito individuais homogêneos 3.5 IDENTIFICANDO A NATUREZA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS) Como se vê, a identificação da natureza dos interesses transindividuais (difusos, cole- tivos e individuais homogêneos) é complexa e, para facilitar este processo, Mazzilli sugere, em sua obra, responder as seguintes questões: a) O dano provocou lesões divi- síveis, individualmente variáveis e quantificáveis? Se a resposta for positiva, estaremos diante de interesses individuais homogê- neos. b) O grupo lesado é indeter- minável e o proveito reparatório, em decorrência das lesões, é indi- visível? Se a resposta for positiva, estaremos diante de interesses difusos. c) O proveito pretendido em decorrência das lesões é indi- visível, mas o grupo é determiná- vel, e o que une o grupo é ape- nas uma relação jurídica básica comum, a qual deve ser resolvida de maneira uniforme para todo o grupo? Se a resposta for positiva, então estaremos diante de inte- resses coletivos.35 Sem as respostas obtidas a partir das per- guntas expostas, dificilmente será possível encontrar soluções adequadas, na medida em que sequer, a natureza do direito será identifi- cada. Mas, nem tudo está perdido. Além das perguntas acima, o quadro com- parativo36 abaixo, extraído da obra de Zavas- 35 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos..., op. cit. p., 30. 36 ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa cole- tiva de direitos. Revista de Informação Legislativa, v. 32, n, 127, p. 83-96, Brasília, Senado Federal, jul-set. 1995. cki, também pode auxiliar na compreensão dos temas e na identificação dos direitos tran- sindividuais:
  • 13.  11. Direitos Difusos Coletivos Individuais Homogêneos 1) Sob o aspecto subjetivo são: Transindividuais, com determinação absoluta dos titulares (=não têm titular individual e a ligação entre os vários titulares difusos decorre de mera circunstância de fato. Exemplo: morar na mesma região). Transindividuais, com determinação relativa dos titulares (=não têm titular e a ligação entre os vários titulares coletivos decorre de uma relação jurídica- base). Exemplo: o Estatuto da OAB. Individuais: (= há perfeita identificação do sujeito, assim como da relação dele com o objeto do seu direito). A ligação que existe com outros sujeitos decorre da circunstância de serem titulares (individuais) de direitos com “origem comum”. 2) Sob o aspecto objetivo são: Indivisíveis (= não podem ser satisfeitos nem lesados senão em forma que afete a todos os possíveis titulares). Indivisíveis (= não podem ser satisfeitos nem lesados senão em forma que afete a todos os possíveis titulares). Divisíveis (= podem ser satisfeitos ou lesados em forma diferenciada e individualizada, satisfazendo ou lesando um ou alguns sem afetar os demais). 3) Exemplo: Direito ao meio ambiente sadio (CF, art. 225). Direito de classe dos advogados de ter representante na composição dos tribunais (CF, art. 94). Direito dos adquirentes a abatimento proporcional do preço pago na aquisição de mercadoria viciada (CDC, art. 18, §1o, III). 4)Em decorrência da natureza a) são insuscetíveis de apropriação individual; b) são insuscetíveis de transmissão, seja por ato inter vivos, seja mortis causa; c) são insuscetíveis de renúncia ou de transação; d) sua defesa em juízo se dá sempre em forma de substituição processual (o sujeito ativo da relação processual não é o sujeito ativo da relação de direito material), razão pela qual o objeto do litígio é indisponível para o autor da demanda, que não poderá celebrar acordos, nem renunciar, nem confessar (CPC, art. 351) nem assumir ônus probatório não fixado na Lei (CPC, art. 333, parágrafo único, I); e) a mutação dos titulares ativos difusos da relação de direito material se dá com a absoluta informalidade jurídica (basta alteração nas circunstâncias de fato). a) são insuscetíveis de apropriação individual; b) são insuscetíveis de transmissão, seja por ato inter vivos, seja mortis causa; c) são insuscetíveis de renúncia ou de transação; d) sua defesa em juízo se dá sempre em forma de substituição processual (o sujeito ativo da relação processual não é o sujeito ativo da relação de direito material), razão pela qual o objeto do litígio é indisponível para o autor da demanda, que não poderá celebrar acordos, nem renunciar, nem confessar (CPC, art. 351) nem assumir ônus probatório não fixado na Lei (CPC, art. 333, parágrafo único, I); e) a mutação dos titulares ativos coletivos da relação jurídica de direito material se dá com relativa informalidade jurídica (basta a adesão ou a exclusão do sujeito à relação jurídica-base). a) individuais e divisíveis, fazem parte do patrimônio individual do seu titular; b) são transmissíveis por ato inter vivos (cessão) ou mortis causa, salvo exceções (direitos extrapatrimoniais); c) são suscetíveis de renúncia e transação, salvo exceções (v.g., direitos personalíssimos; d) são defendidos em juízo, geralmente, por seu próprio titular. A defesa por terceiro o será em forma de representação (com aquiescência do titular). O regime de substituição processual dependerá de expressa autorização em lei (art. 6o); e) a mutação de pólo ativo na relação de direito matéria, quando admitida, ocorre mediante ato ou fato jurídico típico e específico (contrato, sucessão, mortis causa, usucapião etc.).
  • 14.  12. Lamentavelmente, como reconhece Cas- sio Scarpinella Bueno, as intermináveis dis- cussões sobre o que são interesses ou direitos “difusos, coletivos” e “individuais homogê- neos” para definir quem pode dar início a um “processo coletivo” têm ocasionado uma verdadeira e constante inversão de valores na escolha feita, desde a Constituição Fede- ral, sobre quem são os legitimados ativos para aquele mesmo fim. E completa: a maio- ria delas acaba com o não reconhecimento da legitimidade ativa e, consequentemente, com a frustração no exame do pedido de tutela jurisdicional feito pelo Estado-juiz.37 Sobre a complexidade em torno dos direitos transin- dividuais, continua o autor: Para solucionar o impasse, é pre- ferível entender que os “direi- tos e interesses difusos”, tanto quanto os coletivos e os indi- viduais homogêneos, não são “classes” ou “tipos” de direitos preconcebidos ou estanques, não interpenetráveis ou relacioná- veis entre si. São — é esta a única forma de entender, para aplicar escorreitamente, a classificação feita pela lei brasileira — for- mas preconcebidas, verdadeiros modelos apriorísticos, que justi- ficam, na visão abstrata do legis- lador, a necessidade da tutela jurisdicional coletiva. Não devem ser interpretados, contudo, como realidades excludentes umas das outras, mas, bem diferentemente, como complementares.38 Feitos os devidos esclarecimentos a res- peito da identificação dos interesses transindi- viduais, no próximo capítulo serão abordadas as formas de tutela destes interesses e as espé- cies de ações constitucionais previstas para cumprir este objetivo de garantia enquanto dever de proteção do Estado, em casos de vio- lação ou ameaça de tais direitos. 37 BUENO, CASSIO SCARPINELLA. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Direito processual público e Direito processual coletivo. 2. Ed. Tomo III. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 206. 38 Ibid. p. 207. 4. O PROCESSO COLETIVO NO BRASIL 4.1 Evolução Histórica da Tutela Coletiva O Código de Processo Civil brasileiro de 1973 foi estruturado a partir da clássica divi- são da tutela jurisdicional em tutela de conhe- cimento, tutela de execução e tutela cautelar. Para cada uma destas espécies, o Código des- tinou um Livro próprio, e disciplinou o res- pectivo “processo” com suas “ações” e seus “procedimentos” autônomos. Tal sistema, por outro lado, foi moldado para atender à prestação da tutela jurisdicio- nal em casos de lesões a direitos subjetivos individuais, mediante demandas promovi- das pelo próprio lesado. Assim, como regra, “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. (CPC, artigo 6o) 39 . Não se previram, ali, instrumentos para a tutela coletiva desses direitos, salvo mediante a fórmula tradicional do litisconsórcio ativo, ainda assim sujeito ao certo número de litisconsortes. Esta limita- ção foi indispensável para não comprometer a defesa do réu e a rápida solução do litigio (Art. 46, paragrafo único do CPC)40 . Não se previu instrumentos para tutela de direitos e interesses transindividuais, de titu- laridade determinada, como são os chamados “interesses difusos e coletivos”41 39 Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. 40 Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obriga- ções derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão. 41 ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa cole- tiva de direitos. Revista de Informação Legislativa, op. cit. p. 14.
  • 15.  13. Outro marco norteador da estrutura do sistema processual civil codificado, segundo Zavascki decorreu da concepção segundo o qual a função jurisdicional — e o processo, como seu instrumento — se destina a formular e fazer atuar a regra jurídica em face de um conflito de interesses concretizado, ou seja, e um especifico fenômeno de inci- dência da norma abstrata sobre um suporte fático, já ocorrido (hipótese que comportaria tutela reparatória) ou em vias de ocorrer (o que ense- jaria pedido de tutela preventiva).42 Em outras palavras, o Código partiu do pressuposto de que a função jurisdicional existe por causa de um conflito para solu- cioná-lo. Consequentemente, nele não foram previstos instrumentos para dar solução a conflitos verificáveis no plano abstrato. A partir de 1985, diversas modificações ocorridas alteraram de modo substancial não apenas o Código de Processo; mas o próprio sistema processual nele consagrado, prevendo instrumentos de tutela de direitos transindivi- duais. Seguindo estas ideias, são as lições tra- zidas por Zavascki: As modificações do sistema pro- cesso civil operaram-se em duas fases, ou “ondas” bem distintas. Uma primeira onda de reformas, iniciada em 1985, foi caracterizada pela introdução, no sistema, de ins- trumentos até então desconhecidos do direito positivo, destinados (a) a dar curso a demandas de natu- reza coletiva, (b) a tutelar direitos e interesses transindividuais, e (c) a tutelar, com mais amplitude, a própria ordem jurídica abstrata considerada. E a segunda onda reformadora, que se desencadeou a partir de 1994, teve por objetivo não o de introduzir mecanismos novos, mas o de aperfeiçoar ou de ampliar os já existentes no Código de Processo, de modo a adaptá-lo às exigências dos novos tempos.43 42 Ibidem. p. 14. 43 ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa cole- tiva de direitos. Revista de Informação Legislativa... op. cit p. 15. Considerada como marco da primeira etapa de alterações e, porque não o início do “direito processual civil coletivo44 ”, pode-se citar a Lei. 7.347, de 24.07.1985, que discipli- nou a “ação civil pública45 ” de responsabili- dade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artís- tico, estético, histórico, turístico e paisagístico e aos direitos e interesses difusos e coletivos de um modo geral. Evidente que, após a promulgação da Carta Magna de 1988, outras foram as leis, que visavam sobremaneira a proteção de interes- ses transindividuais. Dentre elas, pode-se destacar: (i) de pes- soas portadoras de deficiências (Lei 7.853, de 24.10.1989); (ii) de crianças e adolescentes (Lei 8.069, de 13.07.1990); (iii) de consumido- res (Lei 8.078, de 11.09.1990); (iv) da probi- dade na administração pública (Lei 8.429, de 02.06.1992); (v) da ordem econômica (Lei 8.884, de 11.0.1994) e; (vi) dos demais interesses das pessoas idosas (Lei. 10.741, de 01.10.2003). Além destes diplomas legislativos de pro- teção de direitos transindividuais, criaram- -se, nesta primeira etapa, instrumentos para a tutela coletiva e direitos subjetivos individuais. O Código de Defesa do Consumidor — CDC46 trouxe, nesse sentido, como contri- buição expressiva, a disciplina especifica da tutela, nas relações de consumo, dos “direitos 44 Para Cassio Scarpinella Bueno, “o direito processual civil coletivo brasileiro acabou sendo estruturado, primeiro de forma mais tímida pela Lei n. 7.347/1985, a “Lei da Ação Civil Pública”, e, a partir da Lei n. 8.078/1990, com o “Código de Defesa do Consumidor”, de maneira mais generalizada, sobre uma verdadeira trilogia de “diretos” e “interesses”, os chamados “direi- tos e interesses difusos”, “direitos e interesses coletivos” e “direitos e inte- resses individuais homogêneos”. (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Direito processual público e Direito processual coletivo. 2. Ed. Tomo III. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 205). 45 Destinadas a tutelar direitos e interesses transindividuais, as ações civis públicas caracterizam-se por ter como legitimado ativo um substituto processual: o Ministério Público; as pessoas jurídicas de direito público ou, ainda, entidades ou associações que tenham por finalidade institucional a defesa e a proteção dos bens e valores ofendidos. ZAVASCKI, op. cit. p. 15. 46 “Não há como estudar a ação civil pública munido apenas da Lei 7.347/1985. Seria como andar numa perna só. Como se pôde verificar na evolução legislativa (...) a lei 7.347/1985 possui uma ligação visceral com o Título III do Código de Defesa do Consumidor, de forma que não se consegue estudar um sem o outro, e, não raramente, dispositivos de um são comple- tados pelo outro e vice-versa. Não fosse visceral esta ligação, poderia se dizer até que haveria certa promiscuidade na relação entre os textos legais”. (RODRIGUES, Marcelo Abelha.Ação civil pública. IN. DIDIER JR., Fredie (org.). Ações Constitucionais. 5. ed. Rev.Ampl. E atual. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 359-360).
  • 16.  14. individuais homogêneos”, assim entendidos o conjunto de diversos direitos subjetivos indi- viduais que, embora pertencendo a distintas pessoas, tende assemelhá-los a uma origem comum, o que lhes dá um grau de homoge- neidade suficiente para ensejar sua defesa coletiva.47 Previu-se, também, que o mandado de segurança — ação sumária para tutela de direitos líquidos e certos ameaçados ou vio- lados por atos abusivos ou ilegais de auto- ridade pública — pode ser impetrado não apenas pelo titular do direito, mas ainda, em regime de substituição processual, por parti- dos políticos com representação no Congresso Nacional, ou por organização sindical, ou por associação ou entidade de classe, em defesa de interesses dos seus membros ou associados. Zavascki chama a atenção para este novo instrumento — o mandado de segurança coletivo que potencializou, em elevado grau, a viabilidade da tutela coletiva de direitos individuais e, consequentemente, o âmbito da eficácia subjetiva das decisões judiciais, nomeadamente as que envolvem apreciação de direitos que tenha sido lesados, de forma semelhante, em relação a grupos maiores. 48 Relativamente à tutela de direitos transin- dividuais como um todo, a atual Constituição ampliou o âmbito de abrangência da Ação Popular49 que pode ser promovida por “qual- quer cidadão” para “anular ato lesivo ao patri- mônio público ou de entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (art. 5o, LXXIII). Uma segunda onda reformadora teve iní- cio no ano de 1994. Em nome da efetividade do processo, demanda mais urgente de uma socie- 47 Idem. 48 Ibidem. p. 17. 49 De acordo com Marinoni e Arenhart, “a Constituição atual inovou ao ampliar a matéria de cabimento da ação popular. Nos textos constitucio- nais anteriores, a ação popular se limitava à proteção contra atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas (...) conforme dispõe o texto atual, a ação popular poderá ser usada para a proteção do patrimônio público, bem como da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.A medida, portanto, a par de proteger o patrimônio estatal (aí incluída, assim, o meio ambiente e o patrimônio cultural e histórico)”. (MARINONI. Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – Procedimen- tos especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 275-276). dade com pressa, foram produzidas modifica- ções expressivas no Código de Processo Civil, destacando-se, sem prejuízo das demais, pela ordem cronológica: (i) a Lei 8.950, de 13.12.1994, que alterou dispositivos referentes aos recur- sos; (ii) Lei 8.951, de 13.12.1994, que tratou dos procedimentos especiais para as ações de con- signação em pagamento e de usucapião; (iii) Lei 8.952, de 13.12.1994, que modificou inúme- ros dispositivos do processo de conhecimento e cautelar; (iv) Lei 8.953, de 13.12.1994, que alterou dispositivos do processo de execução; (v) a Lei 9.139, de 30.11.1995, que reformulou o recurso de agravo, cabível contra decisões interlocutórias; e (vi) a Lei 9.079, de 14.07.1995, que tratou da ação monitória50 . Mesmo com as mudanças legislativas demonstradas, é inegável que o processo cole- tivo tem lugar nitidamente destacado no pro- cesso civil pátrio; mas é timidamente utilizado pelos operadores do Direito como um subsis- tema com objetivos próprios (a tutela de direi- tos coletivos e a tutela coletiva de direitos) que são alcançados à base de instrumentos próprios (exemplo, ações civis públicas, ações civis cole- tivas e mandado de segurança), fundados em princípios e regras próprios, o que, segundo os autos, confere ao processo coletivo uma identi- dade bem definida no cenário processual51 . 5. AÇÃO CIVIL PÚBLICA O primeiro diploma normativo a tratar especificamente da chamada ação civil pública é anterior à Constituição Federal de 1988. Trata-se da já revogada Lei Complementar nº. 40, de 14 de dezembro de 1981, designada Lei Orgânica do Ministério Público. Tal lei dispunha, em seu artigo 3o, inciso III, estar entre as funções insti- tucionais do Ministério Público a promoção da ação civil pública, sem fornecer, contudo, quais- quer esclarecimentos sobre a natureza e o objeto daquele instrumento processual52 . Com a promulgação da Carta Magna de 1988, contudo, referida ação conquistou foro 50 Id. 51 ZAVASKI, op. cit. p. 24. 52 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu- cional. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 442.
  • 17.  15. constitucional, passando a ser expressamente prevista no artigo 219, que trata das funções institucionais do Ministério Público. O inciso III, daquele dispositivo da Cons- tituição, é claro e inequívoco em conferir ao Ministério Público a competência para pro- mover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difu- sos e coletivos. Da simples leitura do dispositivo consti- tucional supra referido, percebe-se que a ação civil pública tem por principal objetivo a pro- teção do patrimônio público e social e tam- bém dos chamados direitos transindividuais, também denominados de interesse ou direitos coletivos em sentido lato, gênero do qual são espécies os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos53 . Portanto, atualmente, na esfera infracons- titucional, a Ação Civil Pública, encontra-se regulamentada pela Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, e também pela Lei n. 8.07854 , de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, sendo certo que, nesta última, encontram-se diversas regras sobre a tutela dos interesses coletivos, inclusive as definições legas relativas aos inte- resses difusos, aos coletivos e aos individuais homogêneos. 5.1 Hipóteses de Cabimento55 Extrai-se da simples leitura do artigo 129, inciso III, da Constituição, que a ação civil pública é cabível para a proteção do patrimô- 53 DANTAS, op. cit. p. 442. 54 A lei 7.347/1985 no seu Art. 21 determina que “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. 55 Paulo Roberto de Figueiredo Dantas, deixa claro que é impor- tante observar também as hipóteses em que não cabe a propositura da ação civil pública, previstas no art. 1, parágrafo único, da Lei nº. 7.347/1985 e em construção jurisprudencial. Segundo o referido autor, não cabe ação civil pública “quando tiver por objeto pedido que envolva tributos, contribui- ções previdenciárias, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço — FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários poderem ser individualmente determinados. Quando tiver objeto principal a análise da constitucionalidade de lei ou ato normativo, uma vez que, neste caso, ela estaria sendo utilizada como sucedâneo da ADI, o que resultaria em indevida usurpação de competência do STF.”( op. cit. p. 446) nio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A parte final daquele dispositivo constitucional deixa claro que esta ação tem objeto amplo, não se limitando às primeiras matérias ali relaciona- das, já que pode ser utilizada para proteção de outros interesses difusos e coletivos. Restando evidente, portanto, que suas hipóteses de cabimento não são taxativas, mas sim exem- plificativas. O artigo 1o da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, anterior à Constituição Federal vigente, mas por ela inequivocamente recep- cionada, trata especificamente das hipóteses de cabimento desta ação constitucional, que atualmente contempla os seguintes interesses: Art. 1º  Regem-se pelas disposi- ções desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de res- ponsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Reda- ção dada pela Lei nº 12.529, de 2011).l - ao meio-ambiente; ll - ao consumidor;III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histó- rico, turístico e paisagístico;IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (Incluído pela Lei nº 8.078 de 1990)V - por infração da ordem econômica; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).VI - à ordem urbanística. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religio- sos. (Incluído pela Lei nº 12.966, de 2014)VIII – ao patrimônio público e social (Incluído pela  Lei nº 13.004, de 2014)56 . Para além dos casos de incidência da Lei da Ação Civil Pública, o denominado Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) dispõe, especificamente, em capítulo próprio, sobre a Proteção Judicial dos Interesses Indivi- duais, Difusos e Coletivos, dispondo, em seu artigo 20857 , ações de responsabilidade por 56 Para Mazzilli, “Patrimônio público é o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico, arqueológico ou turístico, ou ainda de caráter ambiental. Já Patrimônio social é expressão utilizada no art. 129, III, da CF, mas para a qual não existe definição legal. Para nós, compre- ende não só o conjunto de bens e direitos dos grupos hipossuficientes, mas também os interesses gerais da coletividade com um todos”. (op. cit. p. 57) 57 Capítulo VII - Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difu- sos e Coletivos Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de
  • 18.  16. ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente. Ainda, a Lei n. 7.853/1989 prevê a propo- situra da ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos das pessoas por- tadoras de deficiência em seu artigo 3o, que aduz Art. 3º As ações civis públicas des- tinadas à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência pode- rão ser propostas pelo Ministé- rio Público, pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal; por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, autarquia, empresa pública, fun- dação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas fina- lidades institucionais, a proteção das pessoas portadoras de defici- ência. Por fim, a Lei. 7.913/1989 dispõe, em seu artigo 1o, sobre a possibilidade de utilização dessa tutela coletiva para evitar prejuízos ou ressarcir danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mer- cado58 . responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao ado- lescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular: I - do ensino obrigatório; II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiên- cia; III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; IV - de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; V - de programas suplementares de oferta de material didático- -escolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino funda- mental; VI - de serviço de assistência social visando à proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem; VII - de acesso às ações e serviços de saúde; VIII - de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade. IX - de ações, serviços e programas de orientação, apoio e pro- moção social de famílias e destinados ao pleno exercício do direito à convi- vência familiar por crianças e adolescentes. X - de programas de atendimento para a execução das medidas socioeducativas e aplicação de medidas de proteção. § 1o As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei. 58 Art. 1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobi- liários — CVM adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliá- rios e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de: I — operação fraudulenta, prática não equitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários; II — compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando- -se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio Em geral, o objeto da ação civil pública é a condenação ao pagamento em dinheiro ou ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Em muitos casos, a obrigação de fazer ou não fazer é mais importante do que a sua conversão em indenização. Assim, o causador do dano pode ser compelido a praticar atos que evitem o início ou a continuidade da situ- ação danosa.59 Para facilitar a compreensão e de forma bem objetiva, estas são as hipóteses de cabi- mento da Ação Civil Pública: (i) para proteção do patrimônio público e social; (ii) para pro- teção do meio ambiente; (iii) para a proteção do consumidor; (iv) para a proteção da ordem urbanística; (v) para a proteção dos bens e direitos de valor artístico, estético, turístico e paisagístico; (vi) para a proteção da ordem econômica e economia popular; (vii) para a proteção às crianças e aos adolescentes; (vii) para a proteção dos portadores de deficiência; (viii) para a proteção dos valores mobiliários e dos investidores dos mercados; (ix) para a proteção de outros interesses ou direitos difu- sos, coletivos ou individuais homogêneos; (x) para a proteção da honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e; (xi) para proteção do patrimônio público e social. 5.2 Legitimidade Ativa A Constituição Federal de 1988 dispõe expressamente, em seu artigo 129, inciso III, que o Ministério Público tem legitimação ativa para propor a ação civil pública. Mas, precisa restar claro e demonstrado que ele não é o único. A legislação infraconstitucional teve de cumprir o papel de complementar o rol dos legitimados ao conferir no artigo 5o, da Lei n. 7.347/1985, em conformidade com a redação que lhe conferiu a Lei n. 11.448/2007, a legiti- midade ao (i) Ministério Público; (ii) a Defen- soria Pública; (iii) a União, os Estados, o Dis- trito Federal e os Municípios; (iv) a autarquia, a empresa pública, a fundação ou a sociedade dessas pessoas; III — omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa. 59 FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 318.
  • 19.  17. de economia mista; e as associações, cumpri- dos os requisitos legais. Cumpre ainda destacar que o art. 82, da Lei 8.078/1990 dispõe sobre a legitimidade concorrente para a propositura das ações cole- tivas que têm por objeto a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público, II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III - as entidades e órgãos da Admi- nistração Pública, direta ou indi- reta, ainda que sem personalidade jurídica,  especificamente destina- dos à defesa dos interesses e direi- tos protegidos por este código; IV - as associações legalmente consti- tuídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucio- nais a defesa dos interesses e direi- tos protegidos por este código, dispensada a autorização assem- blear. § 1° O requisito da pré-cons- tituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja mani- festo interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Compreende-se por entes ou entidades da Administração Pública direta, a União, Esta- dos, Distrito Federal e Municípios, com seus órgãos e por seus representantes. Já por indi- reta, as autarquias, fundações, sociedade de economia mista. Como nosso ordenamento jurídico con- fere legitimidade para as associações, segundo Dantas, tanto a doutrina como a jurisprudên- cia pátria são pacificas em conceder igual legitimidade aos partidos políticos e aos sin- dicatos, pessoas jurídicas de direito privado em todo semelhantes às associações, inclusive no que se refere à personalidade jurídica de direito privado e à ausência de fins econômi- cos.60 Ademais, é importante ressaltar que o particular não tem legitimidade para a propo- 60 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu- cional. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2013 p. 447. situra da ação civil pública, também não pode atuar, como regra geral, como litisconsorte ativo desta ação, a não ser que se trate de caso em que o particular teria legitimidade para propor ação individual com o mesmo objeto61 . Importante salientar que é admissível o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos coletivos, conforme dispõe o art. 5 da refe- rida lei. Segundo Elpídio Donizetti, parte da dou- trina questiona a constitucionalidade desse dispositivo, uma vez que atentaria contra o princípio federativo pelo qual o Ministério Público Federal deve atuar na Justiça Federal e o Ministério Público estadual perante a Jus- tiça Estadual62 . Contudo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser perfeitamente possível o litis- consórcio facultativo entre órgãos do Ministé- rio Público Federal, Estadual e Distrital, con- forme ementa abaixo: PROCESSUAL CIVIL — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — LITISCON- SÓRCIO FACULTATIVO ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO FEDE- RAL E ESTADUAL — POSSIBILI- DADE - § 5º, DO ART. 5º DA LEI 7.347/85 — INOCORRÊNCIA DE VETO —PLENO VIGOR. 1. O veto presidencial aos arts. 82, § 3º, e 92, § único, do CDC, não atin- giu o § 5º, do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública. Não há veto implí- cito.2. Ainda que o dispositivo não estivesse em vigor, o litisconsórcio facultativo seria possível sempre que as circunstâncias do caso o recomendassem (CPC, art. 46). O litisconsórcio é instrumento de Economia Processual.3. O Ministé- rio Público é órgão uno e indivisí- vel, antes de ser evitada, a atuação conjunta deve ser estimulada. As divisões existentes na Instituição não obstam trabalhos coligados. 4. É possível o litisconsórcio facul- tativo entre órgãos do Ministério 61 Idem. 62 DONIZETTI, Elpídio. Ações Constitucionais. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 213.
  • 20.  18. Público federal e estadual/distri- tal. 5. Recurso provido. (STJ, 1a Turma, resp 382659/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. Em 02/12/2003, DJ 19/12/2003). Por fim, no que diz respeito à legitimidade passiva ad causam da ação civil pública, vale mencionar que pode ser sujeito passivo desta demanda qualquer pessoa natural ou jurídica a quem se atribua a responsabilidade pelo dano ou risco de dano ao patrimônio público ou social, ou aos bens e interesses transindivi- duais que podem ser tutelados por meio desta ação. 5.3 Inquérito Civil Buscando maior efetividade no procedi- mento para a ação civil pública, o artigo 8o, §1o, da referida lei, dispõe expressamente que o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil63. Trata-se de um procedimento adminis- trativo destinado a colher provas sobre fatos que, mesmo em tese, autorizariam a proposi- tura de futura ação civil pública, para a defesa de interesses ou direitos transindividuais, cuja tutela cabe ao Ministério Público.64 Tem por objetivo fornecer elementos de prova ao órgão ministerial para que este possa propor ação civil pública. Porém, é dispensá- vel, ou seja, a ação civil pública pode ser pro- movida mesmo sem o inquérito civil se estiver fundada em outros elementos como processo administrativo, cópia de autos dos tribunais de contas e outras peças de informação..65 Caso, entretanto, tenha instaurado o inquérito civil, o membro do Ministério Público não poderá arquivá-lo livremente sem antes declinar adequadamente as razões do arquivamento, e submetê-las ao Conselho 63 “O inquérito civil é um instrumento de investigação administrativa prévia, instaurado, presidido e arquivado pelo Ministério Público, destinado a apurar a autoria e a materialidade de fatos que possam ensejar uma atuação a cargo da instituição. Em outras palavras, destina-se a colher elementos de convicção para a autuação ministerial (MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos op. cit. p. 147. 64 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu- cional op. cit. p. 464. 65 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos..., op. cit. p., 147. Superior do Ministério Público, conforme pre- visão expressa dos parágrafos do art. 9 da lei 7.347/1985. Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as dili- gências, se convencer da inexistên- cia de fundamento para a propo- situra da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inqué- rito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente. § 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquiva- das serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de (três) dias, ao Conselho Supe- rior do Ministério Público. § 2º Até que, em sessão do Conse- lho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, pode- rão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou docu- mentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação. § 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deli- beração do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento. § 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arqui- vamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação. Portanto, se o Conselho Superior deixar de homologar a promoção do arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Minis- tério Público para o ajuizamento da ação. 5.4 Termo de Ajustamento de Conduta – TAC Em 1990, por meio da Lei 8.079 de 11 de setembro, foi introduzida na Lei da Ação Civil Pública a possibilidade de termo de ajusta- mento de conduta na fase investigatória (pré- -judicial), com força de título executivo extra- judicial, para se evitar a propositura de ação civil pública.
  • 21.  19. De acordo do Dantas, “o termo de ajusta- mento de conduta tem por objeto específico o ajustamento das custas do potencial causador de danos ao patrimônio público ou social ou aos interesses coletivos em sentido lato as exi- gências legais”66. À vista do caráter consensual, e consi- derando que é garantia mínima em favor da proteção a interesses transindividuais lesados, tem-se admitido a ampliação67 de seu objeto para abranger obrigações outras (como o reco- lhimento de importâncias ao fundo de que cuida o art. 13 da Lei da Ação Civil Pública68 . O termo de ajustamento de conduta tam- bém pode ser celebrado após o ajuizamento da ação. Ocorre que, neste caso, o termo ajus- tado entre as partes deverá ser homologado pelo juiz que recebeu a ação, por meio de sen- tença, para então possuir natureza de título executivo judicial. 5.5 Fundo de reparação de danos A lei da Ação Civil Pública instituiu o Fundo de Reparação de danos em seu art. 13, que prevê: Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Fede- ral ou por Conselhos Estaduais de que participarão, necessaria- mente, o Ministério Público, e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. 66 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu- cional op. cit op. cit. p. 463. 67 MAZZILLI esclarece em sua obra que “Só os órgãos públicos legi- timados à ação civil pública, ou coletiva, podem tomar o compromisso de ajustamento”. Como eles não detêm disponibilidade sobre o direito material controvertido, consequentemente não podem estabelecer no compromisso cláusulas que importem renúncia de direitos dos lesados, nem podem inserir cláusula alguma que suponha o poder de dispor. Em suma, o compromisso não pode envolver renúncia ou verdadeira transação de direitos materiais. É a garantia mínima em favor do grupo lesado, sendo ineficaz em tudo o que disponha em sentido contrário. Da mesma forma, o compromisso de ajus- tamento não pode vedar o acesso à juridisdição: a) pelos próprios lesados por meio de ações individuais; b) pelos colegitimados à ação civil pública ou coletiva. Não cabe compromisso de ajustamento que envolva renúncia ou dispensa de direitos no caso do art. 17, § 1o, da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). (op. cit. p. 170- 171) 68 MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos..., op. cit. p., 166. § 1o. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária. § 2o  Havendo acordo ou condenação com funda- mento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1o desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igual- dade Racial, na hipótese de exten- são nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial, estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente. Pois bem! A princípio, só há que se falar em Fundo de Reparação de Danos para as ações civis públicas que tenham por objeto a reparação de danos ocorridos em interesses difusos e coletivos. Em se tratando de inte- resses individuais homogêneos, a condenação pecuniária deve ser dirigida diretamente aos próprios lesados, só indo para o fundo o even- tual saldo remanescente, ou na hipótese de não se habilitarem, na fase de execução, quais- quer pessoas que tenham sofrido lesão.69 5. 6 Os efeitos da sentença e a coisa julgada O Código de Processo Civil prevê no artigo 47270 , para as ações individuais, que a sentença faz coisa julgada71 apenas entre as partes litigantes. 69 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitu- cional…, op. cit.,p.,464. 70 Código de Processo Civil.Art. 472.A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no pro- cesso, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. 71 Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, a coisa julgada provém do latim, em suas palavras: “A expressão coisa julgada deriva da expressão latina ‘res iudicata’, que significa bem jul- gado. O resultado final do processo de conhecimento normalmente atribui um bem jurídico a alguém. Define-se, assim, uma situação jurídica, estabe- lecendo-se a sua titularidade, passando esta definição, por causa da coisa julgada material, a ser imutável, razoavelmente estável, ou marcadamente
  • 22.  20. Contudo, conforme restará demonstrado a seguir, a mesma regra não pode ser aplicada as ações coletivos. Isto porque os limites subje- tivos da coisa julgada regem-se por regras dis- tintas, uma vez que estão em jogo à proteção dos interesses de terceiros, que não são partes, mas se beneficiam do resultado da demanda. O artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública dispõe expressamente que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. Já o artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, de forma semelhante, prevê que: Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insu- ficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso ante- rior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para bene- ficiar todas as vítimas e seus suces- sores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. Para uma melhor compreensão, veja-se o quadro72 explicativo extraído da obra de DANTAS, em tudo esclarecedor a respeito do tema: duradoura. (O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 20) 72 DANTAS, op. cit. p. 468. Interesses ou direitos difusos Procedência: eficácia erga omnes Improcedência por falta de provas: sem eficácia Improcedência por outro motivo: eficácia erga omnes Interesses ou direitos coletivos em sentido estrito Procedência: eficácia ultra partes Improcedência por falta de provas: sem eficácia Improcedência por outro motivo: eficácia ultra partes Interesses ou direitos individuais homogêneos Procedência: eficácia erga omnes Improcedência para quem não interviu: sem eficácia Improcedência para quem interviu: eficácia erga omnes Como se vê, em sede de ação civil pública a imutabilidade do título executivo judicial (da decisão transitada em julgado) depende não só da espécie de interesse ou direito tran- sindividual que se pretende tutelar, como também do resultado específico da demanda, podendo até mesmo não fazer coisa julgada material, caso a improcedência tenha ocorrido por insuficiência de provas. 5.7 Casuística no direito brasileiro Muito embora a legislação infraconstitu- cional seja clara ao regulamentar as hipóte- ses de cabimento da ação civil pública e o seu procedimento para apurar a responsabilidade pelos danos causados, é por meio de casos práticos que se pode compreender melhor o tema. O caso que ora se apresenta (que tem como pano de fundo o direito do consumidor) teve origem por meio de Ação Civil Pública ajui- zada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face da Federação das Empre- sas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro - FETRANSPOR, cujo objeto era a condenação desta à obrigação de fazer con- sistindo em informar os consumidores, por meio de todos os “validadores” do bilhete ele- trônico RIO CARD ou outro equivalente, seja no momento da recarga, seja no da realização do débito das tarifas, o saldo total do bilhete sob a pena de incidência de multa diária. Foi também requerida a condenação da FETRANSPOR ao pagamento de indenização
  • 23.  21. a todos os consumidores, individualmente considerados, que foram lesados por sua conduta omissiva, por meio de liquidação da sentença coletiva, bem como a condenação ao pagamento de compensação pelo dano moral coletivo causado, no valor mínimo de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a cada mês que deixasse de prestar as informações de maneira adequada. A ação foi julgada parcialmente proce- dente, reconhecidas a legitimidade ativa do Ministério Público, a existência de relação de consumo entre as partes e a deficiência do serviço prestado. A FETRANSPOR interpôs recurso de apelação. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação interposta, mas não alterou a sen- tença em sua totalidade, originando o Recurso Especial sobre (i) a legitimidade das partes; (ii) a aplicabilidade do Código de Defesa do Con- sumidor e (iii) a violação do dever de infor- mação ao consumidor por não ser mais infor- mado, nos validadores do bilhete eletrônico, o saldo total do cartão, se esse for superior a R$ 20,00 (vinte reais), e (iv) o direito daqueles que utilizam o cartão eletrônico à reparação pelos eventuais danos sofridos, por meio de liquida- ção da sentença coletiva. A 3a Turma do Superior Tribunal de Jus- tiça entendeu, por maioria de votos, em dar parcial provimento ao recurso especial inter- posto pela FETRANSPOR, sob a seguinte ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL. TRANS- PORTE PÚBLICO. SISTEMA DE BILHETAGEM ELETRÔNICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RELAÇÃO DE CON- SUMO. VIOLAÇÃO DO DIREITO BÁSICO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO ADEQUADA. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violadosimpedeoconhecimentodo recurso especial. Súmula 211/STJ. 2. Os embargos declaratórios têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omis- são existentes na decisão recorrida. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem pro- nuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a deci- são, como ocorrido na espécie. 3. O Ministério Público tem legi- timidade ativa para a propositura de ação civil pública que visa à tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, con- forme inteligência dos arts. 129, III da Constituição Federal, arts. 81 e 82 do CDC e arts. 1º e 5º da Lei 7.347/85. 4. A responsabilidade de todos os integrantes da cadeia de forneci- mento é objetiva e solidária. Arts. 7º, parágrafo único, 20 e 25 do CDC. 5. A falta de acesso à informação suficiente e adequada sobre os créditos existentes no bilhete ele- trônico utilizado pelo consumidor para o transporte público, notada- mente quando essa informação foi garantida pelo fornecedor em pro- paganda por ele veiculada, viola o dispostonosarts.6º,IIIe30doCDC. 6. Na hipótese de algum consu- midor ter sofrido concretamente algum dano moral ou material em decorrência da falta de informa- ção, deverá propor ação individual para pleitear a devida reparação. 6. Recurso especial parcialmente provido. (REsp  1099634/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2012, DJe 15/10/2012) Como se vê, a atuação do Ministério Público neste caso foi a de garantir que um direito básico do consumidor (à informação adequada) não fosse ou continuasse a ser vio- lado pela ausência de informações suficientes e adequadas sobre os créditos existentes no bilhete eletrônico utilizado pelo consumidor para o transporte público. Trata-se, apenas, de um exemplo, de mui- tos casos que são objeto, diariamente, de ações civis públicas aforadas no Brasil, visando sem- pre a garantia de direitos transindividuais. Apenas a título de curiosidade, muitas Ações
  • 24.  22. Civis Públicas são hoje ajuizadas, visando especialmente a proteção dos direitos dos con- sumidores e dos direitos ambientais. 6. AÇÃO POPULAR A Constituição brasileira de 1824 previu a Ação Popular a ser proposta pelo queixoso ou por qualquer do povo, na hipótese de suborno, peculato ou concussão. FACHIN ainda res- salta que as Constituições posteriores - de 1891 e 1937 -, deixaram de contemplá-la. Mas, estando presente em todas as demais.73 Atualmente, a Ação Popular está expres- samente prevista no artigo 5o, inciso LXXIII, o qual dispõe que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à mora- lidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. Sendo, portanto, uma garantia constitucional um direito de todo cidadão. A Ação Popular, conforme ressalta a doutrina, É decorrência lógica do princípio republicano. Com efeito, tendo em vista que o patrimônio público pertence ao povo, nada mais justo que este último possa fiscalizar aquilo que lhe pertence. Desse forma, além de outras formas esta- belecidas para a fiscalização da coisa pública (tais como a fiscali- zação pelo Poder Judiciário, com o auxilio dos Tribunais de Contas), a Constituição vigente conferiu ao cidadão a possibilidade de se valer do Poder Judiciário para seme- lhante mister. (...) A ação popular é uma ação constitucional de natu- reza civil, cuja titularidade é exclu- siva do cidadão, e que, amparada no principio republicano, tem por escopo a proteção da coisa pública por meio da anulação ou da decla- ração de nulidade de atos pratica- dos pelo Estado, ou por entidades a ele vinculadas, quando lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente 73 FACHIN, op. cit. p. 322. e ao patrimônio histórico e cul- tural.74 Segundo André Ramos TAVARES, é preciso ao conceituar Ação Popular como “um instru- mento de participação política no exercício do poder político, que foi conferido ao cidadão pela Consti- tuição, o que se dá por via do Poder Judiciário, e que se circunscreve, nos termos constitucionais, à inva- lidação de atos ou contratos pra- ticados pelas entidades indicada nas normas de regência (Consti- tuição e lei específica) que estejam maculados pelo vício da lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico ou cultu- ral”. 75 Devidamente conceituada, muito embora esteja consagrada na Carta Magna vigente, a Ação Popular foi regulamenta pela Lei 4.717 de 29 de junho de 1965, muito antes de ser recepcionada pelo Constituição atual. 6.1 Hipótese de Cabimento Não restam dúvidas, pela previsão cons- titucional, que a ação popular tem por funda- mento a lesividade (ao patrimônio público, à moralidade pública, ao meio ambiente, ou ainda, a patrimônio histórico e cultural), somada à ilegalidade ou à imoralidade admi- nistrativa. Como determina a própria Constituição Federal de 1988, será possível a propositura desta ação independentemente de comproba- ção de ilegalidade, bastando demonstrar que o ato que feriu a moralidade administrativa. A lei 4.717/1965 trouxe rol extenso de atos lesivos ao patrimônio que são passiveis de nulidade, a partir do seu artigo 2o Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; 74 DANTAS, op. cit. 428. 75 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 987.
  • 25.  23. b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade. Parágrafo único. Para a conceitu- ação dos casos de nulidade obser- var-se-ão as seguintes normas: a) a incompetência fica carac- terizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o pra- ticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensá- veis à existência ou serie- dade do ato; c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em viola- ção de lei, regulamento ou outro ato normativo; d) a inexistência dos motivos se verifica quando a maté- ria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inade- quada ao resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. Em seu artigo 3o, a referida lei completa: Art. 3º Os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado, ou das entidades mencionadas no art. 1º, cujos vícios não se compreendam nas especificações do artigo anterior, serão anuláveis, segundo as prescrições legais, enquanto compatíveis com a natureza deles. E, por fim, o artigo 4o estabelece que tam- bém são nulos: Art. 4º São também nulos os seguintes atos ou contratos, prati- cados ou celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1º. I - A admissão ao serviço público remunerado, com desobediência, quanto às condições de habilitação, das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais. II - A operação bancária ou de cré- dito real, quando: a) for realizada com desobedi- ência a normas legais, regu- lamentares, estatutárias, regimentais ou internas; b) o valor real do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior ao constante de escritura, contrato ou ava- liação. III - A empreitada, a tarefa e a con- cessão do serviço público, quando: a) o respectivo contrato hou- ver sido celebrado sem pré- via concorrência pública ou administrativa, sem que essa condição seja estabele- cida em lei, regulamento ou norma geral; b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que compro- metam o seu caráter compe- titivo; c) a concorrência administra- tiva for processada em con- dições que impliquem na limitação das possibilidades normais de competição. IV - As modificações ou vantagens, inclusive prorrogações que forem admitidas, em favor do adjudi- catário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos respectivos instrumentos., V - A compra e venda de bens móveis ou imóveis, nos casos
  • 26.  24. em que não cabível concorrência pública ou administrativa, quando: a) for realizada com desobedi- ência a normas legais, regu- lamentares, ou constantes de instruções gerais; b) o preço de compra dos bens for superior ao corrente no mercado, na época da ope- ração; c) o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da ope- ração. VI - A concessão de licença de exportação ou importação, qual- quer que seja a sua modalidade, quando: a) houver sido praticada com violação das normas legais e regulamentares ou de ins- truções e ordens de serviço; b) resultar em exceção ou privi- légio, em favor de exporta- dor ou importador. VII - A operação de redesconto quando sob qualquer aspecto, inclusive o limite de valor, deso- bedecer a normas legais, regula- mentares ou constantes de instru- ções gerais. VIII - O empréstimo concedido pelo Banco Central da República, quando: a) concedido com desobedi- ência de quaisquer normas legais, regulamentares,, regimentais ou constantes de instruções gerias: b) o valor dos bens dados em garantia, na época da operação, for inferior ao da avaliação. IX - A emissão quando efetuada sem observância das normas cons- titucionais, legais, e regulamenta- doras que regem a espécie. Portanto, estando presentes qualquer das ilegalidades acima transcritas, ou apenas a imoralidade administrativa76 , é perfeitamente cabível a ação popular. 6.2 Legitimação Ativa e Passiva A lei é clara em seu artigo 01 que qual- quer “cidadão” tem legitimidade para propor a ação popular e que a prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corres- ponda. Logo, o sujeito ativo da ação popular deverá ser o nacional (nato ou naturalizado) em pleno gozo de seus direitos políticos77 . Desta forma, não poderão ser autores de ação popular, naturalmente, aqueles que estejam com seus direitos políticos suspensos ou per- didos78 . Assim como também não poderão figura no polo ativo o apátrida (sem pátria, sem nacionalidade definida), os estrangeiros, os conscritos79 , as pessoas jurídicas, e os brasi- leiros que ainda não tenham se alistados como eleitores. No que diz respeito especificamente a pessoa jurídica, o Supremo Tribunal Federal, visando dirimir eventuais dúvidas, editou a Súmula 365 com o seguinte teor: “Pessoa jurí- 76 “Quanto a imoralidade administrativa, Maria Sylvia Zanella Di PIETRO é precisa ao afirmar que “Quanto à imoralidade, sempre houve os que a defendiam como fundamento suficiente para a ação popular. Hoje, a ideia se reforça pela norma do artigo 37, caput, da Constituição, que inclui a moralidade como um dos princípios que a Administração Pública está sujeita. Tornar-se-ia letra morta o dispositivo se a prática do ato imoral não gerasse a nulidade do ato da Administração. Além disso, o próprio dispositivo concer- nente à ação popular permite concluir que a imoralidade se constitui em fun- damento autônomo para propositura da ação popular, independentemente de demonstração de ilegalidade, ao permitir que ela tenha por objeto anular ato lesivo à moralidade administrativa. (Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 801-802) 77 É importante destacar que o Ministério Público não tem legitimi- dade para propor a Ação Popular. De acordo com o Art. 9º da referida lei, o Ministério Público poderá assumir o polo ativo da ação popular somente se o autor desistir da demanda.Art. 9o Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições pre- vistos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação. 78 Art. 15 da CF/88 79 Os conscritos são as pessoas convocadas e devidamente incor- poradas ao serviço militar obrigatório. Durante todo este período de serviço militar, não podem alistar-se como eleitores e, por consequência, ficam impossibilitados de votar e serem votadas.