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TERÇA-FEIRA, 24 de janeiro de 2012
Entrevista Diário do Minho /Rádio Faculdade de Filosofia a Salvador Mota
Centro Regional da Católica em Braga
aposta na cooperação com Cabo Verde
DR
Luís da Silva Pereira A Universidade Católica é uma dear alguns mecanismos de
Luísa Magalhães/Rádio FF instituição muito inclusiva. Faz apoio a nível de lingua-
parte do seu código genéti- gem..
A entrevista de hoje é a co. Foi um dos aspetos que SM Temos feito tentativas.
primeira de várias outras mais me marcaram. Quando os alunos chegam,
resultantes de uma par-
uma das ofertas que nós fa-
ceria entre o “Periscópio”,
LM Qual é, em termos socio- zemos é um curso de portu-
programa da Rádio FF
(Faculdade de Filosofia) e económicos, a origem dos guês para estudantes estran-
o Diário do Minho. A Rádio alunos de Cabo Verde que geiros onde maioritariamen-
FF emite, para já, online no vêm para o Centro Regional te estão alunos de Cabo Ver-
site da Faculdade de Filo- de Braga? de. Esse curso tem de ser mais
sofia, em www.facfil.braga. SM Temos desde os mais hu- incentivado, mais acarinhado
ucp.pt. As entrevistas do mildes, embora com suporte porque é extremamente im-
“Periscópio” são emitidas familiar na emigração, até fi- portante para a evolução do
às quartas-feiras, às 21h00, lhos de pessoas com forma- percurso escolar de cada um
aos sábados, às 17h00, e dos discentes.
ção profissional elevada.
aos domingos, às 21h00.
O entrevistado, professor Gabinete de Relações Internacionais apoia estudantes estrangeiros em Braga
LM Quais são as maiores di- LM Tem algum feedback dos
Salvador Mota, é o res-
ponsável pelo Gabinete de ciais e Humanas, de dois em ma que se resolveu potenciar Sal e Santa Catarina, as mais ficuldades destes alunos? alunos que já saíram da Uni-
dois anos, aqui em Portugal e a experiência que já tinha em populosas, procurando fazer SM São muitas e de vária or- versidade Católica?
Relações Internacionais do
Centro Regional de Braga em Cabo Verde, com publica- termos de cooperação com os uma cooperação responsável, dem, mas nem todos tem as SM É com muito gosto que
da Universidade Católica ção de Atas. Fui secretário e países lusófonos, nomeada- mas mais descentralizada. mesmas. São muito diferen- lhe posso dizer que a maioria
Portuguesa (UCP). depois vice-diretor de uma re- mente, com Cabo Verde. Para tes de aluno para aluno. O dos estudantes que se licen-
vista denominada “Africana” se fazer cooperação é preciso LM Portanto, os estudantes maior perigo é confundir o ciaram pelo Centro Regional
onde publiquei vários artigos. conhecer as pessoas certas cabo-verdianos vêm para todo com as partes. Se alguém de Braga, a maior parte deles
LM Como é que o professor Fui membro da Comissão Pa- nos lugares certos. O ensino Braga com o apoio das suas comete um deslize, não é jus- não teve problemas em arran-
Salvador Mota veio tratar ritária do Ensino Superior Por- privado tem mais dificuldade câmaras municipais e têm to que os outros sofram com jar colocação e estão a exer-
dos nossos alunos cabo-ver- tugal/Cabo Verde. Vendo o tra- em fazer cooperação do que cá o apoio da Universidade isso. Em termos gerais, 70 a cer a sua atividade profissio-
dianos. Como é que isto balho que estava a desenvol- o público, por razões óbvias. Católica e do professor Sal- 75 por cento não têm dificul- nal com brio e gosto. Alguns
aconteceu na sua vida? ver, em boa hora, julgo eu, Portanto, foi através de um vador Mota. dades ou, se têm, são supe- tencionam voltar, para uma
SM É uma paixão. Tenho al-
para mim e para a Universi- convite que iniciámos a coo- SM Os estudantes são selecio- ráveis com maior ou menor formação mais avançada. Nos
gumas paixões, uma delas é dade Católica, convidaram-me peração com Cabo Verde des- nados pelas câmaras de acor- esforço. Haverá 25 a 30 por PALOP ainda não se coloca
Cabo Verde. As outras são a (professor Silva Lima) para vir de 2005. do com princípios por nós de- cento com maiores índices de com acuidade o problema da
cooperação, em geral, a his- fazer esse tipo de atividade finidos para todos os estudan- dificuldades. Podem ser eco- falta de colocação profissio-
tória e a investigação. Com no Centro Regional de Braga. LM A presença dos estudan- tes estrangeiros que nos pro- nómicas, familiares, afetivas, nal dos jovens que saem gra-
Cabo Verde, desde muito novo, De início, pensámos numa co- tes cabo-verdianos na Facul- curam, incluindo o cumpri- culturais, linguísticas, climáti- duados pelas universidades.
ainda era assistente na então operação com a China, via Ma- dade de Filosofia de Braga mento de legislação geral que cas, académicas, etc. O pri-
Universidade Portucalense - cau. Houve contactos concre- tem sido uma constante des- rege estas matérias. Nós defi- meiro ano de permanência é LM A UCP tem outros estu-
Porto, iniciei a cooperação tos, mas a vinda dos estudan- de 2005. nimos as condições em que sempre o mais difícil. Em Cabo dantes dos PALOP.
com o país das mornas, aju- tes levantou muitos proble- SM Com altos e baixos. Assi- eles podem vir e alguns de- Verde, o português é utiliza- SM O Gabinete procura sen-
dando a lançar vários cursos, mas, sobretudo a nível linguís- námos, em 2005, quatro pro- les, de facto, procuram a UCP. do mais como linguagem es- sibilizar também estudantes
mormente, o primeiro mestra- tico, equiparação de estudos, tocolos com as câmaras mu- Outros vêm transferidos de crita, enquanto o crioulo é a de outros PALOP para virem
do realizado em Cabo Verde emissão de vistos, etc., de for- nicipais da Praia, São Vicente, outras instituições superiores. língua nacional por excelên- estudar. Foi responsável dire-
na área de História Contem- cia. É um dos símbolos da to, este ano, pela vinda de
“
porânea, no então Instituto identidade nacional, talvez o quatro angolanos que esta-
Superior de Educação, hoje mais forte. Há raízes históri- mos, igualmente, a acompa-
Para se fazer cooperação é preciso conhecer as
unidade orgânica da Univer- cas que explicam a evolução nhar. Estamos na fase da as-
sidade de Cabo Verde. Orga- pessoas certas nos lugares certos. O ensino privado deste fenómeno. sinatura de protocolos com
nizávamos, regularmente, Jor- tem mais dificuldade em fazer cooperação do que o instituições de Angola. Já subs-
nadas Luso-cabo-verdeanas público, por razões óbvias LM Na universidade, se ca- crevemos um com a diocese
no âmbito das Ciências So-
” lhar, era possível desenca- do Lubango.
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Bolonha torna cada vez mais importante
as universidades terem estudantes estrangeiros
DR
LM Os alunos cabo-verdiua- Verde, a UCP goza de um pres- e níveis de desenvolvimento importante, importa ter uma
nos sentem-se bem na UCP? tígio elevado. É entendida e conhecimentos diferentes. boa preparação profissional.
São bem tratados e bem in- como uma unidade de refe- Eu sei, por exemplo que, em Curiosamente, este ano assis-
tegrados no âmbito acadé- rência e de excelência. Ajuda universidades espanholas, tiu-se a maior diversificação.
mico? o facto de Cabo Verde ser as- francesas e inglesas o rácio de O curso de Ciências da Infor-
SM É sempre difícil dizer que sumidamente um país católi- alunos estrangeiros é 30-40 mação e da Documentação,
a integração está completa. co, com grande percentagem por cento. Já não conseguem por exemplo, teve este ano
Mesmo estudantes nacionais, de praticantes. Quando che- passar sem os alunos de ou- uma boa demanda. Porque
muitas vezes, têm dificulda- gam cá, vestem literalmente tros países. ainda há falta de técnicos nes-
des em se integrarem no meio a camisola da Universidade. sa área das Ciências da Docu-
universitário. Se isso é válido Não é raro ver alunos de Cabo LM Qual é o nosso rácio? mentação. Algumas ilhas têm
para os nossos alunos, muito Verde vestir camisolas e blu- DM Se repararmos só nos alu- ainda necessidade de uma boa
mais é para os nossos irmãos sões da Universidade. Quan- nos dos PALOP, é difícil ava- biblioteca, de um bom arqui-
lusófonos. Temos várias estru- do regressam aos seus países, liar, mas representarão segu- vo público e, por consequên-
turas que nos permitem dar procuram produtos que os ramente menos de 10 por cen- cia, é um nicho de mercado
algumas respostas no imedia- identifiquem com a sua Uni- to. Temos ainda alguma, não que pode desenvolver-se nos
to: uma residência universitá- versidade. Sentem orgulho na muita, margem de progres- próximos anos. Estas oportu-
ria, a custo bonificado, dois Universidade que frequenta- são. Depende também dos nidades são maiores num país
gabinetes de apoio diário e ram. cursos, porque normalmente como Angola, cuja população
várias iniciativas a montante eles concentram-se mais em continua a crescer exponen-
“
que seria fastidioso enumerar. LM E uma representação Quando chegam cá, vestem determinadas formações. cialmente. Sem falar noutros
Procuramos que os nossos es- muito importante, em ter- literalmente a camisola da cursos, igualmente importan-
tudantes de Cabo Verde e dos mos académicos, da sua pró- Universidade. Não é raro LM Quais são as preferên- tes, como a economia, a ges-
PALOP estejam bem orienta- pria identidade. ver alunos de Cabo Verde cias, em termos de cursos? tão, a psicologia, as ciências
dos. São os encarregados de SM É evidente que a integra-
vestir camisolas e blusões da SM Cabo Verde necessita, ain- da comunicação. Este último
educação que nos solicitam ção é mais do que identifica- da, muito de formados na área valorizou-se muito com os pro-
”
Universidade
esse apoio. ção. Eles identificam-se com das tecnologias. Portanto, 40 gressos da escolaridade e com
a universidade, gostam da uni- por cento dos alunos de Cabo a abertura desses países à de-
LM Até porque eles vão re- versidade, mas a integração usos e costumes de quem nos tros povos. De acordo com Verde concentram-se na área mocracia. O turismo e as
gressar a Cabo Verde, um necessita também de inser- visita. Nesta sociedade globa- Bolonha, é vez mais importan- das tecnologias da informa- áreas da saúde e do lazer são
dia… ção, não só na universidade, lizada, não nos podemos fe- te as universidades terem alu- ção e da comunicação. Eles igualmente ofertas de futuro.
SM Exatamente. Devo dizer mas na própria cidade de aco- char no nosso cantinho. Por- nos não nacionais, porque va- sabem que, por enquanto, ar- Este ano foi um ano bom para
que os alunos de Cabo Verde lhimento. É um processo que tugal só foi grande quando lorizam a própria instituição ranjam emprego no seu país. o turismo em Cabo Verde, de-
sentem-se identificados com leva tempo. É preciso conhe- percebeu que podia tirar van- culturalmente e mesmo cien- Mais do que a classificação fi- vido ao desvio de rotas do
a sua Universidade. Em Cabo cer um pouco da cultura dos tagens do contacto com ou- tificamente, com experiências nal do curso, que é sempre Norte de África para Sul.
«Não se trata de deixar cá o aluno como se fosse um depósito»
LM O professor Salvador Mota é considerado como um pai LM É mútuo, portanto. grafias, desdobráveis, CD, DVD e, sobretudo, a internet, onde
por grande parte dos alunos cabo-verdianos. Como é que SM Sim. Às vezes, são problemas afetivos, familiares, econó- podem ir buscar toda a informação que pretendem. A univer-
se sente com esta designação? micos, mas mesmo esses, muitas vezes, podem ser resolvidos. sidade é muito consultada. Há contactos regulares. Os próprios
SM Como um pai, tio, padrinho (risos). Daí a importância de instituições como o serviço de ação dirigentes camarários visitam regularmente a universidade.
social, o Gabinete de Relações Internacionais, que podem Portanto, não se trata de deixar cá o aluno como se fosse um
LM Família… É o que não têm cá. contactar com os familiares e ir resolvendo problemas. Sabem depósito. Há um conhecimento real de todas as situações e
SM Exatamente. Os próprios pais, quando me telefonam – eu que sou doutorado pela Universidade do Porto, mas pela sabem que a UCP é uma universidade com princípios, com
contacto regularmente com os pais – também me procuram própria sensibilidade deles não me tratam por doutor. Quan- regras, com prestígio, é uma universidade com qualidade. Por
sensibilizar para essa mensagem. Talvez porque sou o elemen- do o africano tem estima por uma pessoa, não o trata pelo consequência, a mensagem que deixo aos alunos é que devem
to de ligação dos pais, das câmaras com o Centro Regional e grau, trata-o por senhor x ou o senhor y. De resto, já vem de aproveitar essas oportunidades ao máximo enquanto estão
com as Faculdades. Depois, naturalmente, também me movo Cabo Verde, das informações que eles obtêm. aqui em Portugal.
já à vontade na universidade. Já estou cá há seis anos, vou Devem fazer progressos em termos de formação humana, em
conhecendo as pessoas e posso resolver problemas pontuais. LM O professor Salvador tem contacto permanente com as termos científicos e profissionais. Aproveitar as condições que
Só posso ver nisso uma prova de carinho que os estudantes famílias dos estudantes que vêm para cá. Que recomendação a Universidade lhes oferece. No caso da Faculdade de Filosofia,
de Cabo Verde têm em relação a mim. Só se não puder é que faria a todos os estudantes cabo-verdianos? que conheço de perto, tem excelentes profissionais, faz inves-
não resolvo os problemas deles. Esta dimensão humana não SM Contacto realmente com os familiares. Inclusive, alguns vêm tigação de qualidade, tem muitas iniciativas pedagógicas e
era possível em instituições de ensino com milhares de alu- cá trazer os filhos. Procuram saber como é o ensino na univer- científicas ao longo do ano, possui bons espaços físicos e uma
nos. sidade e as condições que oferecemos. As câmaras têm foto- biblioteca de referência.