1) José Ferreira é o presidente da Junta de Freguesia de S. João do Souto há muitos anos e discute os desafios da freguesia, incluindo 110 prédios abandonados e falta de juventude no centro histórico.
2) Ele destaca as boas relações com a Câmara Municipal de Braga e revela que não gostava de Salazar devido aos racionamentos durante o seu governo.
3) A entrevista também aborda a importância do Theatro Circo para a cidade e a autonomia financeira gan
Entrevista com presidente da Junta de S. João do Souto sobre problemas habitacionais
1. 14 www.diariodominho.pt SEGUNDA-FEIRA, 30 de abril de 2012 Diário do Minho
ENTREVISTA
“ “
Entrevista Diário do Minho/ Rádio Faculdade de Filosofia à Junta de Freguesia de S. João do Souto
Segundo os últimos censos,
110 prédios estão abandonados DR
José Ferreira é um caso raro de longevidade autárquica. Já
trabalhava para a Junta de S. João do Souto antes do 25 de
Abril, tendo, desde então, ocupado vários cargos. É evidente,
na entrevista, a sua preocupação com a degradação do parque
habitacional e a ausência de juventude no centro histórico, de-
vida precisamente à dificuldade em encontrar casa acessível.
De realçar também a sua afirmação de boas relações com a
Câmara Municipal de Braga e as curiosas revelações da sua
antipatia por Salazar.
A entrevista ao Programa Periscópio pode ser escutada inte-
gralmente no site da Rádio FF, www.facfil.braga.ucp.pt
LUÍSA MAGALHÃES dios estão abandonados.
LUÍS DA SILVA PEREIRA
LM – É IMENSO.
LUÍSA MAGALHÃES (LM) – SR. JOSÉ JF – Tenho tido uma bela relação
FERREIRA, É UM GOSTO RECEBÊ- com a Câmara e, nos últimos dois
LO. PRECISAMOS QUE NOS EXPLI- anos, temos debatido esta proble-
QUE O QUE É QUE VAI ACONTECER mática dos prédios abandonados,
A S. JOÃO DO SOUTO COM O NOVO as dificuldades que têm as pes-
MAPA AUTÁRQUICO? soas, porque está tudo fechado, as
portadas estão fechadas. Mas as José Ferreira entrevistado pela Rádio FF
JOSÉ FERREIRA (JF) – Agradeço a pessoas que habitam não podem
oportunidade que dá à freguesia de estacionar nem parar, a não ser clareza que as juntas de freguesia JF – Sim, mas o edifício que tem LM – EM RELAÇÃO A PROBLEMAS
S. João do Souto, na pessoa do seu as casas que tenham garagem. É estão para ajudar a Câmara. Tam- 127 anos foi adquirido por um gru- SOCIAIS PROPRIAMENTE DITOS –
presidente. O que lhe posso dizer é esse o motivo de a juventude não bém compreendemos as dificulda- po de residentes com o fim ex- DESEMPREGO, OS SEM-ABRIGO, PO-
que vejo com dificuldade este tra- querer vir para o centro da cida- des, embora num caso ou noutro presso de ser escola. Hoje, sen- BREZA ENVERGONHADA - O CENTRO
balho governamental e da ANAFRE, de. Há na Rua do Anjo uma zona DA CIDADE PADECE DESTES PRO-
pudessem ter ido mais longe. do edifício da junta, está entre-
que está a dividir em vez de unir es- que está a ser reabilitada. Na Rua BLEMAS, NÃO?
gue à Câmara, que dá um subsí-
forços para bem da população. Vejo de S. Marcos, praticamente quase dio, porque o orçamento da junta JF – S. João do Souto, não. S.
LM – PORTANTO, A CÂMARA DETÉM
que os eleitores têm uma perceção todas as casas estão terminadas, O PODER DECISÓRIO EM RELAÇÃO é muito pequeno devido aos elei- João do Souto, com a pouca ver-
exata do que querem. E o que que- e são logo colocadas famílias jo- A TUDO QUANTO É OBRAS. tores que tem. ba que tem, continua a ajudar as
rem é ser bem servidos, acreditar em vens. São esses os outros 50% que associações sociais, concretamen-
JF – Sim, as juntas não têm. O
pessoas que estão à frente da jun- querem estar no centro da cidade. te a Conferência Vicentina, parte
ta. A freguesia de S. João do Sou- elenco diretivo, o presidente, o se-
As casas estão em ruína porquê? feminina. Haverá meia dúzia de
to não deu passo nenhum. Apenas cretário e o tesoureiro, estão para _______________________________________
Porque são heranças de indiví- pessoas ajudadas. De resto, não
levantou o problema numa ou outra
Assembleia de Freguesia.
duos que não se entendem. Da
parte da Câmara, com algum cui-
dado, vão andando, mas não têm
ajudar. Ajudar quem? Principal-
mente a Câmara Municipal, com
quem tem uma relação saudável
“
É triste S. João do Souto
tem. É assediada por pessoas que
vêm de fora.
LM – O FACTO DE S. JOÃO DO SOU- e que temos procurado ajudar. É ter muita gente que quer LM – POIS, HÁ SEMPRE MUITA GEN-
atingido todos os objetivos.
TO SER UMA FREGUESIA PEQUENA triste S. João do Souto ter muita vir para o centro, mas não TE NA RUA DO SOUTO.
E ENCAIXADA EM FREGUESIAS DE LM – TAMBÉM NÃO TEM PODER PARA gente que quer vir para o centro, pode devido à situação JF – Esse é que é o problema: a
MAIOR DIMENSÃO FAZ COM QUE A INTERFERIR COM SITUAÇÕES DE HE- mas não pode devido à situação habitacional Rua do Souto. Há um grupo de
ESTRUTURA SOCIAL SEJA UM BOCA- RANÇAS COMPLICADAS. habitacional. _______________________________________ freguesias do centro histórico que
DINHO DIFERENTE, OU NÃO? JF – Este departamento da Câ- está atento a tudo isto. Mas a lei
LM – EM RELAÇÃO A INFRAESTRU-
JF – Na questão social, S. João mara que entretanto foi organi- está muito fora dos nossos prin-
TURAS, NO CENTRO DA CIDADE,
do Souto tem o assunto resolvi- zado tem tido reuniões periódi- cípios. Ainda há dias, nos claus-
ESTAMOS A FALAR DE UMA ÁREA LM – QUANTAS CRIANÇAS FRE-
do, porque tem duas casas de re- cas com a Junta de Freguesia de PREFERENCIALMENTE DE COMÉR- tros da antiga escola André Soa-
colhimento, que são o Lar Conde S. João do Souto, a da Cividade e QUENTAM? res, estavam lá cobertores, car-
CIO E SERVIÇOS TAMBÉM, ONDE
Agrolongo e o Lar de Santa Cruz, da Sé, e um pouco S. Lázaro, no- HÁ MUITAS CRIANÇAS A CIRCULAR. JF – À volta de noventa crianças, tões, com um senhor. Isso foi dis-
que atingem dos 800 eleitores, pra- tamos que há a preocupação de EM QUE ÁREAS DA CIDADE É QUE porque são poucos os residentes cutido, mas a pessoa responsá-
ticamente 50%. nos informar. Por exemplo, neste ENCONTRAMOS AS CRIANÇAS DE de S. João do Souto. Mas as pes- vel da área social diz que é a ma-
arranjo das pracetas, há um enten- S. JOÃO DO SOUTO? soas da periferia que vêm traba- neira de esse senhor estar, que é
LM – ISTO NO QUE DIZ RESPEITO dimento grande entre a Câmara e JF – S. João do Souto tem uma lhar trazem os miúdos e, ao fim isso que ele quer. Ora, eu enten-
À TERCEIRA IDADE. as juntas de freguesia, para que as escola. da tarde, levam-nos. Isto numa do que não devia de ser o que ele
JF – À terceira idade. A juventu- pessoas sofram o menos possível. percentagem de 95%. S. João do quer, mas o que era melhor para
de está toda dispersa porque, se- Fica bonito, mas as obras levam LM – QUE PERTENCE AO AGRUPA- Souto não tem, de facto, juventu- ele, que era conseguir alojamento,
gundo os últimos censos, 110 pré- tempo. Tem sido dito com toda a MENTO DE LAMAÇÃES… de. Tem pouca. pelo menos a dormida.
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As Câmaras não são culpadas de tudo
DM
LM – ELE RECUSA? TUAL RECOMPENSA FINANCEIRA, JF – Eu não sou de grandes mani-
JF – Recusa. Nós temos leis, mas MAS EU ESTAVA A PENSAR EM TER- festações, tenho uma maneira de
MOS DE TRABALHO EFETIVO. estar, mas dizia aos meus amigos:
elas não se cumprem. É da vonta-
de dele e então tem que estar ali. JF – Efetivo, agora, há mais tra- finalmente posso falar. Nunca gos-
Mas é triste e não é uma coisa que balho porque há muitos encontros tei muito do Salazar. Não era pela
fique muito bem. Há outros casos que antigamente não havia. Era só política, era porque havia dificul-
que se vão resolvendo, mas se a aquilo. Quando havia o ato eleito- dades, como hoje. Então havia lo-
pessoa quer estar lá, muito bem, ral, voltávamos à carga. Mas du- jas cheiinhas de mercearia. A mi-
ninguém se mexe. Já tivemos ou- rante o resto do tempo não havia nha mãe mandava-me à mercea-
tros casos no Largo do Paço. Vai- nada. Hoje há. Como presidente de ria, e não gostava do Salazar por-
se atuando de maneira que as coi- junta, tenho reuniões quase todos que ele é que mandava as senhas
sas acabem. Vamos ver o que é os dias da semana. para controlar.
possível fazer.
LM – O QUE É QUE AS JUNTAS DE LM – SENHAS DE RACIONAMENTO,
FREGUESIA GANHARAM A PARTIR É DISSO QUE ESTÁ A FALAR.
LM – S. JOÃO DO SOUTO TEM, COMO
DO 25 DE ABRIL?
GRANDE INFRAESTRUTURA CULTU- JF – Cada casa tinha, não estou a
RAL, O THEATRO CIRCO, QUE TEM JF – As que conseguem um orça- dizer dois quilos de arroz, mas ti-
UM GRANDE PAPEL NA VIDA DA CI- mento, têm autonomia financeira. nha o arroz, tinha a massa, tinha
DADE. HÁ ALGUMA LIGAÇÃO ENTRE Eu, por exemplo, tenho autono- isto, tinha aquilo, o bacalhau, só
A DIREÇÃO DO THEATRO CIRCO E A mia financeira, com uma funcioná- tinha direito a, não sei, meio ba-
JUNTA DE FREGUESIA? ria administrativa diária, uma verba calhau, não faço ideia. Nunca gos-
de 30 mil euros, num ano. Há do tei do Salazar por isso. Veio o 25
JF – O edifício foi adquirido pela
FEF determinada verba e a Câma- de Abril, alegrei-me porque já era
Câmara que fez as obras que en-
ra dá-nos o resto da ajuda, senão
tendeu. Quando o senhor presi- tudo livre. Alguns dos meus amigos
nem sequer podíamos ter a funcio-
dente da Câmara decidiu que o diziam assim: “ó Ferreira, olha que
nária. As que têm autonomia têm
túnel passasse mais abaixo houve é pior, a democracia ainda é pior
possibilidades de muita coisa, por-
uma reação muito desfavorável. Eu que a ditadura”.
José Ferreira, presidente da Junta de Freguesia de S. João do Souto que têm os seus orçamentos.
entendi sempre que era uma obra
que devia ter sido pensada logo LM – DIZIAM ISSO?
do lado do Campo da Vinha, uma mas tínhamos o prazer de servir a LM – MAS A POSSIBILIDADE DE
que começou o túnel. Com esta TER OU NÃO AUTONOMIA FINANCEI- JF – Os meus amigos mais velhos
obra e a do Theatro Circo, Braga sapataria. Eu era comerciante, era freguesia em tudo em que os ha-
RA VEM COM O 25 DE ABRIL. AN- diziam. Mas eu gostei do 25 de
beneficiou muito e o edifício tem empregado, mas depois casei e fi- bitantes tinham dificuldade. TES NÃO HAVIA. QUAL ERA A AU- Abril. Depois de toda esta abertu-
outra visibilidade. As pessoas que quei sócio da casa, com colegas da TONOMIA? ra, talvez um pouco descontrolada,
lá passam ficam encantadas. Dis- Rua do Souto, com os comercian- LM – TRABALHAVAM PRO BONO,
SEM NENHUMA LIGAÇÃO À POLÍTI- JF – Tinham uma verba que as Câ- mas isso é de cada um de nós, há
cute--se que devia ser de outra tes antigos. Viam todos no senhor
CA PROPRIAMENTE DITA. maras distribuíam conforme as ne- uma diferença muito grande. Por
maneira. As flores têm o seu cus- Ferreira um jovem que também ia
cessidades da junta de freguesia. exemplo, passo numa freguesia ru-
to, mas também a sua beleza. Se ajudar. Lembro o senhor Magalhães JF – A estrutura era a União Na-
Não era oficial. ral e vejo as casas típicas e, para-
a junta de freguesia é chamada a da casa Éden, o Vasco Simões de cional, mas eu nunca fui interino.
lelo a essas, vejo casas com digni-
intervir nisto ou naquilo? Não, por- Carvalho da casa Viana. Naquele Era um cidadão residente que an-
LM – E AS JUNTAS, TINHAM OU NÃO dade porque trabalharam. No meu
que os programas do Theatro Cri- tempo, há 50 e tal anos, era um dei nestas lides, mas não me filiei
REPRESENTATIVIDADE NAS REU- tempo, era uma casa, vá lá, de la-
co são muito à base da cultura, são pouco uma aldeia. Aliás, o nosso no antigamente nem no atual.
NIÕES DE CÂMARA? voura, eram os campos, mas eu
espetáculos que não são muito do estabelecimento era rural. Os fre-
JF – Não. Agora têm porque há nunca me sentia bem, sendo um
nosso dia a dia. São para intelec- gueses vinham da periferia. E en-
uma assembleia. Há muito mais miúdo rural, na escola do bairro
tuais, e é pena. Em relação à par- tão entrei para a junta. Já não me _______________________________________
presença. Por exemplo, o problema Duarte Pacheco…
te comercial, o Centro Comercial
Santa Cruz já foi pedido aos res-
ponsáveis…
lembra dos cargos, uma vez tesou-
reiro, outra secretário. Nunca quis
ser presidente.
“
Temos aqui bem perto
das casas em ruína é um proble-
ma que já existia antes. Hoje está
a melhorar. A lei já vai favorecen-
LM – ESTAMOS A FALAR DA EB1 DO
BAIRRO DUARTE PACHECO. FOI RE-
de Braga uma cidade do. As Câmaras não são culpadas CUPERADA HÁ POUCO TEMPO.
LM – MAS ESTEVE SEMPRE NA JUN-
LM – PRECISAVA DE REABILITAÇÃO.
TA, DESDE AÍ? É UM CASO HISTÓ-
em que o centro histórico de tudo. É preciso dizer que, efe- JF – Foi a minha escola. A pro-
NÃO ERA?
RICO.
está completamente tivamente, só nos últimos anos é fessora, como era um aluno razo-
JF –É pena, assim como o antigo pronto. Em Braga que têm essa autonomia. Embora
JF – Sim, mas só conta 38 anos. ável, disse: “agora o teu pai tem
S. Geraldo. Penso que a obra que não está, mas penso outras já o tenham feito sem au-
Fiz sempre parte de uma lista do que te mandar para a escola”.
vão efectuar no largo chamará mais que estão a dar-se passos tonomia. Temos aqui bem perto de
CDS que agregava PSD, PS. Era um E então vim para a Carlos Ama-
a atenção para o que está mal. O largos para isso Braga uma cidade em que o cen-
grupo de amigos. Os partidos ali não rante, para os trabalhos manuais,
Theatro Circo, o café, o bar, a ou- ___________________________________ tro histórico está completamente onde é agora aquele silo-auto, por
se juntavam muito. O PS tinha uma
tra obra que fizeram, da parte de pronto. Em Braga não está, mas trás dos Congregados, e na Rua
lista própria, mas perdia sempre. A
S. Lázaro, já tem dignidade. O pre- penso que estão a dar-se passos do Castelo, onde tirei o curso co-
CDU ainda menos, embora metes-
sidente de junta e penso que os largos para isso. mercial. Quando casei, ainda es-
sem um elemento. Mas o partido que LM – MAS A ESTRUTURA DO PODER
munícipes estão contentes. tivemos ali 20 anos, por cima da
nos dava apoio era o CDS. DA JUNTA DE FREGUESIA ALTEROU-
-SE OU NÃO? LM – O QUE É UMA BOA NOTÍCIA. loja. Depois fiz a minha casa por-
LM – QUANDO CHEGOU A ESTA FRE- SE EU LHE PEDISSE PARA DES-
LM – DIGA-NOS UMA COISA, COMO JF – Pouco, pouco. Mantém-se por- que também não tínhamos condi-
TACAR UM MOMENTO MAIS MAR-
GUESIA HAVIA COM CERTEZA PROJE- É QUE ERAM AS JUNTAS DE FREGUE- que hoje o presidente a tempo in- ções para os filhos.
CANTE, NA SUA VIDA AUTÁRQUICA,
TOS PARA DESENVOLVER. HÁ AINDA SIA ANTES DO 25 DE ABRIL? ERAM teiro tem outras funções, mas a QUAL É O QUE ESCOLHIA? DEVE HA-
MUITA COISA PARA FAZER? DIFERENTES? LM – QUALIDADE DE VIDA…
maioria das freguesias tem uma se- VER IMENSOS.
JF – Eu sou membro da Junta de JF – Totalmente. Tinham um fun- nha de presença. Estão ao serviço, JF – A minha luta foi esta. Hoje es-
JF –Mas o primeiro é a revolução
S. João do Souto já antes do 25 cionário uma hora ou duas, que era mas não permanentes. A junta tem do 25 de Abril. tamos nesta dificuldade, mas tam-
de Abril. Casei com 21 anos, tenho pago, e depois tinham os amado- um horário… bém isto não podia continuar. Quer
73. A minha vida comercial era na res. Não havia senha de presença, LM – COMO É QUE FOI AQUI EM dizer, a maior alegria foi eu poder
Rua de Santo António da praça, não tínhamos absolutamente nada, LM – ISSO FALANDO NUMA EVEN- BRAGA? dar esta vida à minha família.