Apelação criminal de militares absolvidos por corrupção passiva
1. TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2.640
Processo n. 0000193-18.2005.913.0002
Revisor relator para o acórdão: Juiz Cel PM Sócrates Edgard dos Anjos
Relator: Juiz Fernando Galvão da Rocha
Origem: Processo n. 25.966/2ª AJME
Julgamento: 10/08/2010
Publicação: 19/08/2010
Decisão: majoritária: DADO PROVIMENTO AO RECURSO, PARA CONDENAR
OS APELADOS COMO INCURSOS NAS SANCÕES DO ART. 308 DO CPM,
APLICANDO-LHES A PENA DE 2 (DOIS) ANOS DE RECLUSÃO, DECLARANDO
EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO, NÃO APLICANDO O
DISPOSTO NO ART. 439, “F”, DO CPPM.
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL – CORRUPÇÃO PASSIVA – CARACTERIZAÇÃO –
DESTINAÇÃO DA VANTAGEM – INDIFERENTE – RECURSO PROVIDO –
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – OCORRÊNCIA.
- Comete crime de corrupção passiva (art. 308 do CPM), o militar que recebe
vantagem indevida, em razão da sua função.
- Se as provas carreadas aos autos são robustas e aptas a respaldar um
decreto condenatório, impossível operar-se a absolvição do réu.
- A destinação da vantagem indevida não importa para a configuração do
delito, que se exaure com o ato de recebê-la ou com a simples promessa.
- Dá-se provimento ao recurso ministerial.
- Se decorrido lapso temporal superior a quatro anos, e a pena aplicada aos
apelados foi de 2 (dois) anos de reclusão, necessário o reconhecimento da
prescrição da pretensão punitiva pela pena in concreto.
V.V. - EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL – MILITARES ABSOLVIDOS POR INSUFICIÊNCIA
DE PROVAS DA ACUSAÇÃO DE PRÁTICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO
PASSIVA – RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO –
EXISTÊNCIA DE PROVA NO SENTIDO DE QUE UM DOS ACUSADOS
TERIA SOLICITADO E RECEBIDO CORTESIA DE UM CIVIL
CONSUBSTANCIADA NO PAGAMENTO DA CONTA PENDENTE EM UM
AÇOUGUE, EM RAZÃO DA REALIZAÇÃO DA FESTA DE NATAL DA
UNIDADE MILITAR – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO –
CONDENAÇÃO DE UM DOS APELADOS – FIXAÇÃO DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE NO MÍNIMO PREVISTO LEGALMENTE –
OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
- Estando devidamente comprovado que um dos apelados solicitou que um
civil pagasse conta pendente em estabelecimento comercial relativa a gastos
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feitos com a realização da festa de natal da Unidade Militar, é de se
reconhecer a autoria e a materialidade do crime de corrupção passiva.
- Sendo favoráveis as circunstâncias judiciais previstas no artigo 69 do
Código Penal Militar e não se evidenciando a ocorrência de agravantes e
atenuantes, bem como de causas de aumento ou de diminuição de pena,
deve esta ser fixada no mínimo previsto legalmente.
- Tendo a pena privativa de liberdade sido fixada em dois anos de reclusão e
havendo se passado mais de quatro anos entre a data do recebimento da
denúncia e a data da publicação do acórdão condenatório recorrível, deve
ser reconhecida a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
- Recurso parcialmente provido. Condenação de um dos apelados pela
prática do crime de corrupção passiva. Reconhecimento da ocorrência da
prescrição da pretensão punitiva (Juiz Fernando Galvão da Rocha, relator).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Criminal n.
2.640, sendo apelante o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, apelados o
Maj BM Wallner da Silva Santos, o 2º Ten BM Adelson Ferreira Bento e o 3º Sgt
BM Lauir Pereira Alencar e advogados o Dr. Raul Fernando Almada Cardoso, o
Dr. Alexandre Carlos Albino e outro, acordam os Juízes da Câmara Criminal, após
pedido de “vista” feito pelo Juiz Cel PM Rúbio Paulino Coelho, em 13/7/2010, por
maioria de votos, em dar provimento ao recurso, para condenar o Maj BM Wallner
da Silva Santos, o 2º Ten BM Adelson Ferreira Bento e o 3º Sgt BM Lauir Pereira
Alencar como incursos nas sanções do art. 308 do CPM, aplicando-lhes a pena de
2 (dois) anos de reclusão, declarando extinta a punibilidade pela prescrição, não
aplicando o disposto no art. 439, “f”, do CPPM.
Votou vencido o Juiz Fernando Galvão da Rocha, relator, que deu
provimento parcial ao recurso, para condenar apenas o 2º Ten BM Adelson
Ferreira Bento nas sanções do art. 308 do CPM, aplicando-lhe a pena de 2 (dois)
anos de reclusão, sendo declarada extinta a punibilidade pela prescrição, não
sendo aplicado o disposto no art. 439, “f”, do CPPM.
Tornou-se relator para o acórdão o Juiz revisor, Cel PM Sócrates Edgard dos
Anjos.
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público de Minas
Gerais contra a sentença que absolveu os acusados, por insuficiência de provas,
da acusação de prática do crime de corrupção passiva.
O Ministério Público ofereceu denúncia nos seguintes termos (fls. 02/03):
Os denunciados, como consta dos autos, receberam para si, diretamente,
vantagem indevida, em razão das funções que exerciam.
Observou-se que na cidade em questão seria realizada uma festa, porém, entre
um dos requisitos a serem observados quanto a sua realização, deveria ser
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efetuado o pagamento de uma taxa de segurança pública, cobrada pelo corpo
de bombeiros.
Após o cálculo do valor da taxa, estabeleceu-se que esta ficaria em mais de R$
1.000,00, porém, após tratativas estabelecidas entre os denunciados e alguns
civis, verificou-se que apenas foi cobrado o valor de R$ 396,30.
A Ten Janine, Chefe do Pelotão de Prevenção e Vistoria da 1ª Cia Ind de
Governador Valadares, notou, em 06 de abril de 2005, que o cálculo da TSP
(taxa de segurança pública), no processo de um evento (Festa da fantasia
2005) encontrava-se muito aquém do previsto para o local onde iria ser
realizada. A partir de então, passou a tomar providências para o acerto do
processo.
O cálculo da referida taxa foi efetuado pelo Sgt Lauir, na presença do Ten
Adelson e do Sr. Gomes, despachante do promotor da festa. Logo após o
cálculo, o Sgt Lauir presenciou o Ten Adelson solicitando pagamento ao Sr.
Gomes, de aproximadamente R$ 500,00, em açougue, referente a carvão e
carne. A festa foi autorizada pelo Maj Wallner através do pagamento de uma
taxa de R$ 396,30.
O Ten Adelson procurou o açougue para emissão de nota fiscal, datada de 28
de maio de 2005, providenciando sua regularização através dos termos de
doação e recebimento, corroborados pela assinatura do Maj Wallner.
A solicitação de cortesia é realizada pelo Ten Adelson, por intermediação do
Sgt Lauir e aquiescência do Maj Wallner.
Diante de tais fatos, o Ministério Público denunciou os acusados pela prática
do crime de corrupção passiva. Às folhas 04/194, foi juntado o Inquérito Policial
Militar instaurado para apurar os fatos. A denúncia foi recebida em 09 de
novembro de 2005 (fl. 196).
Em seu interrogatório, o acusado Major BM Wallner negou veementemente
os fatos narrados na denúncia, dando as seguintes explicações (fls. 282/285):
(...) que na época dos fatos, o interrogando era o comandante da Cia BM Ind na
Cidade de Governador Valadares (...); quem conversou com os organizadores
da festa em um primeiro momento foi o Sgt Lauir que perguntou quantas eram
as pessoas que provavelmente estariam na festa, tendo sido respondido pelo
organizador que seriam mais ou menos sete mil pessoas; que em razão disso,
o sargento disse que com base em sua experiência esse tipo de festa é
calculado na proporção de duas pessoas por metro quadrado, o que daria três
mil e quinhentos metros e com base nesse valor é que deveria ser calculado o
valor devido ao Estado da taxa de segurança pública; que posteriormente,
quando a taxa já se encontrava recolhida, a tenente Janine que era a chefe da
PPV procurou pelo interrogando e lhe disse que na verdade aquele tipo de
evento exigiria uma metragem maior e que ela havia feito um levantamento no
local, por meio de uma pessoa que lá compareceu, o que não havia sido feito
pelo sargento, e chegou a conclusão que a metragem correta seria dez mil
metros quadrados; que ao receber esta informação o interrogando prontamente
disse à tenente que ela deveria entrar em contato com o organizador da festa e
informar a esse que ele deveria pagar então a diferença que foi apurada; (...)
que o interrogando esclarece que em nenhum momento acompanhou ou
mesmo autorizou o tenente a pedir qualquer tipo de doação ao senhor Gomes
com o intuito de facilitar a realização da Festa da Fantasia; (...) que para o
interrogando, o que houve foi um erro quando do cálculo da taxa, mas a partir
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do momento em que a tenente disse que havia a diferença, o interrogando
autorizou a tenente a passar para os organizadores qual seria o valor devido
para a realização daquela Festa da Fantasia, pois se não houvesse o depósito
devido a festa acabaria sendo embargada; que o termo de doação foi feito, até
porque não houve qualquer exigência relacionada com a Festa da Fantasia e
portanto não havia nenhum impedimento que fosse lavrado um termo onde
constasse a doação que realmente foi recebida no valor de R$ 500,00
(quinhentos reais), sendo que existe disposições por parte da DAL que
permitem esse tipo de doação ao Corpo de Bombeiros; que assim que foi
aberto o IPM, o interrogando fez questão de regularizar a questão para que não
existisse dúvidas quanto ao valor doado pelos civis; (...) que a diferença da TSP
referente a Festa da Fantasia foi recolhida antes da sua realização; (...) que o
interrogando, por não estar com os dados em mãos, não saberia dizer de forma
precisa quanto foi o valor da diferença, mas acredita que talvez tenha sido algo
em torno de R$ 500,00 a R$ 600,00 aproximadamente; que no tocante a Festa
da Fantasia, a princípio o pedido não foi feito por escrito, mas apenas
verbalmente, sendo que somente a posterior é que o interrogando ficou
sabendo dessa situação; que o comum é que a pessoa faça um requerimento
por escrito e junto com ele apresente um Croqui e o número de pessoas para
que o bombeiro possa conferir; que na época, não era regra ir até o local
conferir as informações apresentadas; que o bombeiro poderia ou não ir até o
local para verificar as informações que haviam sido passadas pelo interessado;
(...) que posteriormente, o interrogando ficou sabendo que a festa natalina de
2004 deixou um dívida junto ao açougue a ser paga; que o interrogando
posteriormente ficou sabendo que foi o senhor Guilherme que pagou a dívida
junto ao açougue, sendo que nenhum militar teve acesso a dinheiro referente a
doação (...)
O acusado 2º Tenente Adelson prestou depoimento negando os fatos a ele
imputados (fls. 286/288):
(...)
Que a acusação não é verdadeira; (...) que em razão do tempo não sabe
precisar a data, mas se recorda que no dia em que o senhor Gomes, pessoa
que trabalha com o Dr. Guilherme, esteve na unidade e este conversou com o
sgt Lauir a respeito da realização da Festa da Fantasia; que quando o senhor
Gomes estava indo embora o interrogando aproveitou a sua presença ali e
pediu para ele se não poderia estar conversando com o Dr. Guilherme para
ajudar no pagamento de um débito referente a festa de confraternização da
unidade no mês de dezembro de 2004, sendo que Gomes respondeu que iria
verificar a possibilidade; que em nenhum momento, o interrogando prometeu
qualquer tipo de benefício referente a Festa da Fantasia para que Gomes
interferisse junto a Guilherme para pagar o débito da festa de confraternização;
(...) que posteriormente, com o retorno da tenente Janine, foi que se questionou
o valor que havia sido pago, a título de TSP, para a realização do evento Festa
da Fantasia; (...) que a tenente Janine não ficou satisfeita com o pagamento da
diferença da TSP e fez um relatório, o qual acabou chegando ao conhecimento
da imprensa e isso acabou trazendo uma repercussão muito grande tanto na
corporação como no meio civil; que o interrogando esclarece que não praticou
nenhum tipo de irregularidade ou ilegalidade para que a Festa da Fantasia
pudesse ser realizada; (...) que quando o interrogando fez a solicitação ao
senhor Gomes, o interrogando nem mesmo sabia quanto é que Gomes estaria
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pagando a título de taxa para o Estado para que a festa pudesse se realizar;
que o major comandante da unidade não tinha conhecimento que o
interrogando havia feito uma solicitação ao senhor Gomes para o pagamento
do débito referente ao açougue; que o Dr. Guilherme antes desses fatos já era
um colaborador do Corpo de Bombeiros, tanto é verdade que Guilherme já
havia doado uma televisão 29 polegadas para a unidade que está lá até hoje;
que o interrogando esclarece ainda que em nenhum momento os militares
tiveram acesso a qualquer quantia em dinheiro referente ao pagamento do
débito do açougue; (...) que até a data dos fatos, não havia nenhuma proibição
expressa por parte da corporação quanto ao pedido de doação; que
posteriormente, foi criado um memorando regulamentando essa questão; (...)
que o cálculo da taxa foi feito na sala do PPV sem a participação do
interrogando; que o interrogando não teve nenhum benefício pessoal com a
realização da Festa da fantasia; (...) que o objetivo de se fazer o termo de
doação foi com o objetivo de demonstrar que a doação foi feita de forma
espontânea e transparente pelo Dr. Guilherme (...).
O acusado 3º Sargento Lauir deu o seguinte depoimento (fls. 289/291):
Que a acusação não é verdadeira; (...) o senhor Gomes, que trabalha com o Dr.
Guilherme, protocolou um ofício referente a realização de uma festa; que em
razão disso, o senhor Gomes foi até a seção do PPV e ali conversou com o
interrogando; que o Senhor Gomes disse que naquele momento não tinha o
layout da festa, mas conforme havia falado no ofício seria para mais ou menos
umas sete mil pessoas; que com base nessa informação, o interrogando
utilizou-se da NBR 9077 que diz que o metro quadrado equivale a duas
pessoas em uma festa daquela natureza e chegou a conclusão que o espaço a
ser utilizado seria de três mil e quinhentos metros quadrados; que em razão
disso, o valor que deveria ser pago a titulo de taxa seria de R$356,00; que
nesse dia, o interrogando não fez nenhuma proposta indevida ao senhor
Gomes e nem mesmo chamou o tenente Adelson para fazer qualquer tipo de
negociação com o senhor Gomes com o intuito de facilitar a realização da Festa
da Fantasia; que o interrogando esclarece que o pedido do senhor Gomes foi
feito por oficio, sendo que ele, interrogando, tem a cópia do protocolo desse
oficio, a qual será juntada pela sua defesa aos autos; que alguns dias antes da
realização da festa, o senhor Gomes esteve na unidade onde lhe foi informado
que chegou-se a conclusão que haveria necessidade em razão da natureza do
evento e de sua proporção do pagamento de uma diferença a titulo da TSP e
ainda apresentação de uma forma mais detalhada do projeto; que o senhor
Gomes não apresentou nenhum embaraço e passou as informações para o Dr.
Guilherme sendo que o pagamento da diferença da taxa foi feito e o projeto
apresentado; que nenhum dos militares fez qualquer exigência ou solicitou
qualquer tipo de vantagem para Guilherme ou Gomes para que seu projeto
fosse liberado; que Guilherme costumava colaborar com a unidade, tanto é
verdade que já chegou inclusive a doar uma televisão para o corpo de
bombeiros, que até hoje se encontra na unidade; que por fim o interrogando
esclarece que não praticou nenhum ato ilícito e é inocente das acusações que
lhe foram feitas; (...) que no tempo em que permaneceu no PPV nunca sumiu
nenhum documento sendo que o oficio do Dr. Guilherme foi o primeiro a
desaparecer; que o interrogando não tinha ciência que a unidade, em razão da
festa de final de ano, tinha um debito com o açougue; que ao que parece
depois dos cálculos que foram feitos pela tenente Janine a taxa devida passou
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de R$1.000,00; que depois que a tenente retornou, o interrogando foi proibido
de trabalhar com eventos; (...) que o interrogando não fazia parte da comissão
de festa de natal; (...) que foi a primeira vez naquela unidade, que se fez uma
medição antes de completada a documentação conforme o procedimento que
foi adotado pelo tenente Janine; (...) que com base nas informações iniciais do
senhor Gomes, o valor apresentado pelo interrogando somente poderia ser
aquele; que não houve entre os militares qualquer tipo de tratativa ou
combinação com o intuito a induzir o senhor Gomes a erro buscando dessa
forma obter uma vantagem ilícita; que nem o interrogando pediu ou recebeu e
nem o senhor Gomes prometeu ou ofereceu ou pagou qualquer tipo de
vantagem; que a TSP é recolhida no Banco; (...) que a metodologia usada pelo
interrogando quando recebeu a visita do senhor Gomes era até então a
metodologia usada pelos outros militares do bombeiro para esse tipo de festa,
uma vez que não havia ainda uma área delimitada; que a tenente fez a medida
com metro da área que posteriormente acabou sendo delimitada pelos
organizadores da festa; que quando o interrogando e Gomes conversaram pela
primeira vez na sala estavam somente os dois; (...) que o major em nenhum
momento passou qualquer orientação ao interrogando com relação ao senhor
Gomes quanto a cobrança da TSP, até porque nem o major Wallner e nem o
tenente Adelson tinham conhecimento de como eram feito os cálculos da
referida taxa; que o major também não recebeu nenhuma vantagem ou
beneficio referente a realização da Festa da Fantasia; que por fim o
interrogando esclarece que tudo que aprendeu em termos de PPV foi sozinho e
que em razão desses fatos, procurou mais informações, realizou pesquisas, e
chegou a conclusão que a TSP no Estado não estava sendo cobrada de forma
correta; que em razão disso, fez um oficio, cuja cópia a defesa irá juntar, e foi
com base nesse oficio que foi enviado para o COB que foi feito o memorando
n° 12 que passou a orientar a cobrança da TSP por parte do Bombeiro do
Estado de Minas Gerais.
A testemunha Guilherme Rodrigues Pontes prestou o seguinte depoimento
(fl. 332):
(...) que o depoente pagou duas taxas de segurança para a realização da Festa
da Fantasia de 2005 mencionada na denúncia, sendo a primeira no valor de
trezentos e poucos reais e a segunda não se recorda o valor; que os valores
das taxas foram depositados através de guia bancária; que não ficou sabendo
quem fez os cálculos das referidas taxas; que a Festa da Fantasia faz previsão
de frequência de 7.000 pessoas; que em nenhum momento foi proposto ao
depoente o pagamento a menor da taxa de segurança pública e que a diferença
fosse usada para conserto de veículo particular de um Coronel PM; que no
início do ano de 2005 foi feita uma doação no valor de R$ 500,00 para a
corporação do corpo de bombeiros a fim de que fosse realizado um churrasco
para os seus integrantes; que a referida doação foi espontânea; que a doação
foi feita por admiração aos serviços prestados pelo Corpo de Bombeiros; que
cerca de dois anos antes dos fatos o depoente já havia feito a doação de um
aparelho de televisão ao Corpo de Bombeiros; que as referidas doações foram
feitas formalmente através de documentos escritos logo em seguida às
respectivas doações, ou seja, de três a quatro dias após; que a doação para o
churrasco foi feita antes da realização da Festa da Fantasia de 2005, mas não
se recorda quanto tempo antes; que o depoente não manteve nenhum contato
direto com os denunciados a respeito das referidas doações e taxas de
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segurança; que a taxa de segurança complementar foi recolhida antes da
realização da Festa da Fantasia de 2005; que o depoente não se recorda se a
doação para o churrasco foi entregue através de seu funcionário Dorcino
Gomes ou se adquiriu carne diretamente no açougue com o referido valor; que
o depoente não ofereceu nenhum dinheiro aos acusados para que fosse
reduzida a taxa de segurança pública.
A testemunha Janine Gonçalves de Faria foi intimada para prestar
depoimento. O defensor do Major Wallner da Silva Santos contraditou a
testemunha dizendo que a mesma "tem interesse na causa, é inimiga do acusado
nominado, certa vez, quebrou o vaso histórico existente no gabinete do mesmo e
foi à imprensa, fazendo várias denúncias por haver o réu cobrado dela o valor do
vaso". Indagada, a testemunha disse não ser inimiga do réu, não ter interesse em
sua condenação, haver quebrado o vaso no gabinete do réu de forma não dolosa,
pois tropeçou em um fio, o qual agarrou na mesa e causou a queda do enfeite.
Também disse que em momento algum foi à imprensa dizer qualquer coisa contra
o réu. Em seu depoimento, a testemunha deu os seguintes esclarecimentos (fls.
350/353):
(...) que na verdade, a festa a fantasia era subdividida; que a primeira estava
programada para a noite de sábado e era destinada ao público com idade
acima de 16 anos; que a segunda festa estava programada para o domingo,
cujo horário não se recorda, sendo destinada ao público com idade inferior a 16
anos; que um dia antes da festa destinada ao público maior de 16 anos, a
depoente deu ciência aos organizadores de que a taxa recolhida foi feita em
valor menor, posto que o croqui existente apresentava dimensões inferiores às
dimensões reais do local do evento; que a depoente não sabe dizer quem era o
autor do croqui, pois não havia assinatura alguma; que a depoente deu ciência
à organização do evento de que deveria haver um projeto de prevenção de
incêndio e de combate; que em tal projeto se inclui o laudo de engenharia do
local, a planta do local e a guia de recolhimento com a taxa correta; que o
organizador do evento recolheu a diferença de valores da taxa, mas não
apresentou o referido projeto; que o organizador apresentou alguns
documentos, mas não o projeto; que a primeira festa funcionou na área da
açucareira; que a festa para o público de idade inferior a dezesseis anos foi
realizada no "garfo clube", salvo engano; que a organização dessa segunda
festa não efetuou o recolhimento da taxa; que a depoente não sabe se a taxa
chegou a ser recolhida posteriormente, pois afastou-se da Unidade, pois se
submeteu a um treinamento em Belo Horizonte; que a complementação da taxa
da festa destinada ao público acima de 16 anos de idade foi complementada
após a liberação pelo Corpo de Bombeiros, mas antes da realização da festa;
que a depoente desconhece qual foi o destino dado a carne doada pelos
promotores do evento ao CBM; que foi a primeira vez que a depoente sabe que
a unidade recebeu doação de carne para churrasco conforme ocorreu neste
processo; que a depoente já ficou sabendo de doação de bens móveis duráveis
para a unidade, mediante termo próprio, os quais passaram a integrar o
patrimônio; (...) que a depoente desconhece se o promotor do evento "festa a
fantasia" concorreu para o custeio da carne servida na confraternização
natalina; (...) que os engenheiros vinculados aos eventos apresentam os
respectivos projetos com a taxa já recolhida; que cabe ao CBM conferir se o
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pagamento realizado corresponde à respectiva área de realização do evento, e
no caso negativo, comunicar ao interessado para que recolha a diferença; (...)
que a lei exige que o cálculo do recolhimento da taxa de segurança pública seja
referente a área do evento, e não a quantidade de público; que desde que a
depoente assumiu o Pelotão de Prevenção e Vistoria, o cálculo da taxa de
segurança pública é feita pela área do evento; (...) que durante a gestão da
depoente a frente do Pelotão de Prevenção e Vistoria não se cobrou taxa de
segurança pública com base em público estimado; como não havia barreiras
físicas no local do evento, festa a fantasia, acontecia de se fazer uma
estimativa de público e a partir disso, fazer uma estimativa da área, para que
com base no cálculo da áreas, fazer o cálculo da taxa de segurança pública;
que a depoente desconhece se algum dos réus recebeu alguma vantagem
indevida; que quando a depoente levou ao conhecimento do Major Wallner que
a taxa havia sido recolhida em valor inferior, isto se deu quando ele estava
reunida com agentes de atividade, no que ele pediu que saíssem os praças e
ficassem apenas os oficiais; o Major Wallner decidiu que "a taxa deveria ser
recolhida e que o assunto ficava por ali"; que a depoente não sabe dizer se o
Major Wallner tinha conhecimento de que o valor recolhido pelos promotores do
evento se deu em patamar menor, mas a liberação da festa a fantasia foi
assinada por ele; (...) que a área do evento festa a fantasia não foi medido pelo
CBM anteriormente à constatação de que a taxa foi recolhida em valor menor;
que na época dos fatos, os croquis e projetos eram feitos e apresentados por
engenheiro contratado pelo organizador do evento; que geralmente, as taxas já
chegam ao Corpo de Bombeiros calculadas e recolhidas pelo engenheiro; que a
depoente notou que o croqui era "cru", desprovido de assinatura e de medidas;
que por conhecer a área do evento festa a fantasia, a depoente concluiu que o
recolhimento foi feito em valor inferior; que indagado ao Sgt Lauir o motivo do
recolhimento da taxa em valor inferior, disse ele que o valor havia sido definido
"lá em cima com o Ten Adelson"; que o Sgt Lauir disse também que o
responsável pelo evento, Sr. Gomes, havia pago "umas notas de carne", motivo
pelo qual a taxa de segurança pública foi recolhida em valor inferior; (...) que
quando a depoente examinou a pasta do evento festa a fantasia só havia o
referido croqui, as liberações das festas para maiores e menores de dezesseis
anos, firmada pelo Major Wallner e a guia recolhida com valor a menor; que a
depoente se recorda que o suporte do croqui era um papel velho e não se
recorda se fazia referência a quantidade de público do evento; que a Instrução
da Diretoria de Atividades Técnicas dispõe que o cálculo da taxa de segurança
pública seja feita conforme a área, no caso de existirem barreiras delimitadoras,
como é no caso da festa a fantasia; que quando não se há barreira física para
realização de evento similar ao da festa a fantasia, a área é calculada por
estimativa, a partir do número de pessoas, na proporção de duas pessoas por
metro quadrado; que todavia o engenheiro deve delimitar fisicamente a área
para fins de calculo da taxa; que a vistoria nos locais é feita sempre no dia do
evento; que em alguns casos determinados em norma, há uma vistoria anterior
ao dia do evento; que a depoente não se recorda se na pasta relativa ao evento
festa a fantasia havia público estimado de sete mil pessoas; (...) que a
depoente não se lembra da dimensão da área em que foi realizado o evento;
que para um público de sete mil pessoas, é adequada uma área de três mil e
quinhentos metros quadrados, contudo a depoente volta a reforçar que nos
locais onde há barreira física, feito era o evento festa a fantasia, o número de
pessoas não serve de base para calcular a dimensão da área; que todavia
reforça também que o engenheiro deve colocar barreiras físicas mesmo assim;
que o objetivo da vistoria final é verificar se o que há no local corresponde ao
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que foi apresentado no projeto; que a vistoria final é feita pelo Pelotão de
Prevenção e Vistoria; que na época do evento, a depoente era quem
comandava o referido Pelotão, mas ressalva que quando da liberação do
evento pelo Major Wallner, a depoente estava em curso na cidade de Ouro
Preto; (...) que no dia da festa, a depoente já havia reassumido suas funções no
Pelotão; que o lugar onde ocorreu a festa a fantasia era provido de muro; (...)
que como não havia engenheiro responsável firmando o croqui do evento festa
a fantasia, independentemente do público estimado, foi feito o cálculo da taxa
sobre toda a área do local denominado açucareira, para fim de cálculo de
recolhimento da taxa; (...) que a depoente retifica nos fundos do terreno não há
muro nem cerca e que em uma das laterais não existe muro, e sim cerca; que a
depoente salienta que para calcular a área para a festa, considerou o terreno a
partir do prédio desativado da açucareira até a parte da frente do terreno onde
há muro; (...) que a depoente não sabe informar precisamente até que ponto vai
o muro e a cerca lateral do terreno; que a medição da área foi feita por um
Cabo e um Soldado PM; que a depoente foi quem orientou os dois graduados
para efetuarem o cálculo, considerando apenas a área útil do terreno, pois nos
fundos do terreno há muito mato e lixo; que no croqui apresentado pela
organização da festa, não havia medida alguma do terreno; que para orientar o
Cabo e o Soldado de medi-lo, a depoente levou em consideração as festas
anteriores, pois a festa a fantasia acontece todo o ano em Governador
Valadares; que apesar da insuficiência de dados do croqui, não se recordando
a depoente se tinha ou não as medidas do terreno, a depoente concluiu que a
taxa foi recolhida em valor inferior à área, porque na guia constava as
dimensões pela qual se recolheu a taxa de segurança pública; que pelas
dimensões constantes na guia, a depoente concluiu que não correspondia à
área do terreno; que a depoente não se recorda qual era a previsão do número
de pessoas; (...) que a depoente assinou o alvará de funcionamento relativo à
recepção pública ocorrida na Av. Minas Gerais, s/n, bairro Centro, datado de
29/04/2005, cuja cópia foi nessa oportunidade apresentada pela defesa do
Major Wallner, salientando que o atestado foi emitido em razão do cálculo da
área estimada em três mil, setecentos e oitenta e três e trinta e nove metros
quadrados, e não em razão do público de cinqüenta mil pessoas; (...) que
documentos anteriores de outras festas a fantasia no CBM não havia projetos
junto aos mesmos, pois a lei não exigia; (...) que salienta também que depois
do Soldado e Cabo BM medirem o terreno, o organizador contratou um
engenheiro de nome Roberto, cuja área calculada por ele foi maior pela
calculada pelos graduados; (...) que na época do fatos, a liberação era efetuada
antes da vistoria, pois esta só era realizada no dia do evento; (...) que à vista de
cópia de documentos relativos a evento denominado GV Folia, apresentados
pela defesa do Major Wallner, cujo alvará 6017/2005, foi firmado pela depoente,
diz a mesma que não tem como dizer nesta audiência como calculou a área de
3.783,39 metros quadrados para basear o recolhimento da taxa, pois para dar
tal resposta, precisaria consultar os coeficientes levados em conta em processo
administrativo próprio; que o valor da taxa de segurança pública é definido em
lei, assim como os coeficientes de cálculo; que a Instrução 19/2002 estabelece
critérios de cobrança da taxa de segurança pública; que quando a depoente
assumiu a Unidade, o Sgt Lauir já efetuava cálculos de taxa de segurança
pública; que a depoente não sabe dizer como o Sgt Lauir aprendeu a efetuar os
cálculos ou por quem foi orientado; (...) que a depoente não viu o Major Wallner
receber algum dinheiro ou carne do evento Festa a Fantasia; que a depoente
não presenciou o organizador do evento prometer ao major Wallner de dar-lhe
alguma propina; que a depoente não relatou que os acusados receberam
APELAÇÃO CRIMINAL N. 2.640
10. 10
TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
vantagem pecuniária, limitando-se a relatar o que viu, conforme constou nas fls.
15/17; (...) que a depoente não presenciou o Ten Adelson ou Sgt Lauir pedirem
carne ou dinheiro ao organizador do evento; que a depoente não sabe se os
réus se uniram para fazer alguma cortesia com a taxa de segurança (...).
Às folhas 355/376, a defesa do Major Wallner juntou documentos relativos à
concessão de alvará de funcionamento referente ao evento denominado GV-Folia.
Já a defesa dos demais acusados requereu a juntada dos documentos de folhas
380/447.
O Cap BM Saulo Rodrigues deu o seguinte depoimento (fls. 459/461):
(...) Ao ser indagado a respeito dos fatos, o Sgt Lauir, na presença dos outros
dois militares apresentou suas explicações a respeito dos fatos, mas a
testemunha não se convenceu com aquelas explicações, a testemunha ainda
disse para o Sgt que havia necessidade que os fatos fossem apurados. Depois
disso, o Sgt então deixou a sala. Logo após a saída do Sgt Lauir, o Ten
Adelson disse para a testemunha, na presença da Ten Janine que realmente
havia cobrado a taxa a menor, uma vez que havia necessidade de pagar o
conserto de um veículo particular utilizado por um Cel BM. A testemunha então
disse para o Tenente que pouco importava de quem seria o veículo, mas que
era preciso apurar o que havia acontecido. O Tenente Adelson disse então para
a testemunha que o veículo seria pertencente ao Cel BM Chefe do Estado-
Maior, que na época era o Cel Damásio. A testemunha então, mais uma vez,
disse para o Tenente que mesmo assim, havia necessidade de ser apurado,
sendo que todo esse diálogo foi acompanhado pela Ten BM Janine. (...) com
relação a questão envolvendo cálculo de taxa onde posteriormente teria sido
feito pedidos a uma pessoa de nome Gomes para pagamentos em açougue,
quanto a carvão e carne para uma festa, a testemunha não presenciou e
apenas sabendo posteriormente e a testemunha também não acompanhou a
questão referente a uma festa denominada de Festa da Fantasia 2005, onde
haveria uma diferença no cálculo referente a taxa de segurança pública, mas o
que a testemunha ficou sabendo é que existiria uma ligação entre valores que
teriam sido arrecadados uma quantia teria sido utilizada para pagar o conserto
do veículo pertencente ao Cel Damásio.
O Cap BM Aelson Wolff deu os seguintes esclarecimentos (fls. 462/464):
(...) O Sgt Lauir disse que a taxa TSP da fantasia 2005 foi calculado com base
no evento 2004 e que ao final do processo, quando da vistoria, se fosse
verificada alguma irregularidade, o responsável pela festa teria que se adequar
ao valor que foi pago a título de TSP ou proceder ao recolhimento da diferença.
Na presença da testemunha não houve por parte do Tenente Adelson a
firmação de que ele, Ten Adelson, teria cobrado a TSP a menor para utilizar
parte do valor para pagamento do conserto do veículo particular do Cel
Damásio, fato este que seria de ciência do Major Wallner.
O Senhor Dorcino Gomes disse que o valor da taxa foi complementado antes
da realização do evento e negou a existência de qualquer tratativa ou proposta de
vantagem para que o valor da taxa fosse reduzido (fls. 511/512). As duas
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
testemunhas ouvidas às folhas 536/538 não presenciaram os fatos narrados na
denúncia.
Terminada a fase de instrução, o Conselho Especial de Justiça, por maioria
de votos, absolveu os acusados por considerar as provas insuficientes para
fundamentar um decreto condenatório (fl. 600-anverso e verso). Restaram
vencidos o MM. Juiz de Direito e um dos juízes militares, que condenaram os réus
à pena mínima, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão. A sentença condenatória foi
lida em sessão realizada no dia 02 de dezembro de 2009 (fl. 642).
Inconformado, o Ministério Público interpôs tempestivamente o presente
recurso de apelação, requerendo a reforma integral da sentença de primeiro grau
de jurisdição. Sustenta o ilustre Promotor de Justiça que as provas contidas nos
autos são suficientes para levar à condenação dos apelados (fls. 646/667).
Os apelados apresentaram contrarrazões ao recurso interposto, defendendo
o acerto da sentença absolutória (fls. 669/683 e 684/705). Sustentam os recorridos
que não há provas suficientes do crime a eles imputados e que suas condutas
seriam atípicas.
O Ilustre Procurador de Justiça, na esteira do entendimento do Ministério
Público de primeiro grau de jurisdição, também entende pela reforma da sentença
impugnada (fls. 712/715).
É o relatório.
VOTOS
JUIZ CEL PM SÓCRATES EDGARD DOS ANJOS, REVISOR E RELATOR
PARA O ACÓRDÃO
Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Estado de
Minas Gerais, em face da r. sentença primeva, que absolveu os apelados da
acusação do cometimento do crime de corrupção passiva por insuficiência de
provas.
Compulsando os autos, percebo caber razão ao recurso ministerial.
Analisando o contexto probatório, entendo que as provas carreadas aos
autos são robustas e coerentes, aptas a amparar um decreto condenatório.
As provas testemunhais são harmônicas entre si, descrevendo
detalhadamente que os apelados receberam vantagem indevida, em razão de
suas funções, quando, a título de Taxa de Segurança Pública, calcularam e
cobraram um valor a menor, utilizando diferença de forma inadequada.
Restou comprovado que os apelados acordaram, com os responsáveis pelo
evento “Festa da Fantasia”, a liberação do evento, sem a apresentação do devido
projeto de segurança e com o recolhimento da TSP, em valor inferior ao devido,
sendo acordado que o restante deveria ser feito em doação no valor de R$500,00
(quinhentos reais), a serem utilizados para custear um churrasco e também os
custos do conserto de veículo particular.
Para respaldar o meu entendimento, cito alguns trechos dos depoimentos
testemunhais:
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12. 12
TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
(...) Ao entender que houve falha na correta cobrança do valor da TSP, indaguei
ao Sgt Lauir, militar analista de projetos do Pelotão de Prevenção e Vistoria, o
porquê da liberação do evento, uma vez que a Taxa recolhida “visivelmente”
estava errada. O Sgt Lauir me respondeu que toda negociação do evento e o
valor do recolhimento da TSP foram acordados “lá em cima” e que além do
valor apresentado no Documento de Arrecadação Estadual (D.A.E.) o
responsável pela Festa, havia pagado uma notinha de carne no Açougue
Colombo e cerveja que tinha sido comprada para um churrasco desta Cia Ind,
tudo isto em um valor aproximado de R$500,00 (quinhentos reais). (2º Ten BM
Janine Gonçalves de Faria, às fls. 16/17).
(...) que então o Ten Adelson disse que não havia sido pago carne e sim o
conserto do carro particular de um oficial do Corpo de Bombeiros lotado em
Belo Horizonte, Coronel BM Damásio, e que o Maj Wallner, Cmt da Unidade,
sabia dessa situação (...); que a declarante saiu da sala e dirigiu-se para seu
Pelotão e ao chegar em sua sala o Sgt/BM Lauir disse à declarante que
realmente o valor era para pagar carne e que o valor referente ao conserto do
veículo do Cel BM Damásio ainda iria conseguir uma parceria para cobrir tal
despesa e entregou à declarante duas notas referentes ao conserto de tal
veículo, sendo uma no valor de R$290,00 e a outra no valor de R$90,00 (...);
que a declarante deseja constar ainda que vem recebendo ameaças
pessoalmente e por telefone (193), sendo que uma delas foi contra a sua vida
(...)(2º Ten BM Janine Gonçalves de Faria, às fls. 30/33).
Ademais, temos que o projetista Roberto Gonçalves ainda corrobora o
depoimento das testemunhas, ao afirmar que fora contratado somente em 06
(seis) ou 07 (sete) de abril para elaborar o referido projeto, ou seja, anteriormente
à manifestação da Ten Janine, o evento tinha sido liberado sem projeto e com a
taxa calculada com valor inferior ao que era de fato devido:
(...) que a tenente solicitou ao Sr. Gomes que trouxesse todo o processo de
acordo com a Instrução nº 19, para que fosse analisado (...); que ouviu esta
conversa no escritório da festa da fantasia, onde o vereador Regino e o Sr.
Guilherme disseram que já havia feito uma doação a respeito de um churrasco
e que não iriam pagar a diferença (...); que foi chamado pelo Sr. Guilherme para
resolver a questão do projeto a partir do dia 06 ou 07 de abril de 2005 (...) (Sr.
Roberto Gonçalves de Souza, às fls. 118)
Além de todas as provas colacionadas, outro oficial também confirma a
existência do referido acordo entre os militares e os organizadores da festa:
(...) que o Ten Adelson disse que infelizmente teria que falar que realmente
“nós fizemos isto, mas foi para pagar o conserto do carro de um Coronel”; que
lhe respondi que pode ser até o Papa, o Presidente da República que nós
vamos apurar; que o Ten Adelson disse que era o carro do Chefe do Estado-
Maior, que estava viajando e o carro quebrou; que nós tivemos que fazer o
serviço; que lhe disse que sentia muito mas teria sido que apurar (...) (Cap BM
Saulo Rodrigues da Costa, fls. 54)
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13. 13
TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Assim, entendo que não há que se falar em absolvição, uma vez que a
prática do delito de corrupção passiva pelos três militares, Maj BM Wallner da
Silva Santos, 2º Ten BM Adelson Ferreira Bento e 3º Sgt BM Lauir Pereira
Alencar, restou devidamente comprovada e, por isso, faz-se necessária a
condenação.
A destinação do dinheiro pouco importa para configuração do delito de
corrupção passiva; o crime se consuma com o recebimento de vantagem indevida,
o que foi comprovado nos autos, não importando, portanto, em qual finalidade foi
o dinheiro empregado.
Pelo exposto e por tudo mais que dos autos consta, DOU PROVIMENTO ao
apelo ministerial, para reformar a decisão objurgada e condenar o Maj BM Wallner
da Silva Santos, o 2º Ten BM Adelson Ferreira Bento e o 3º Sgt BM Lauir Pereira
Alencar pelo crime de Corrupção Passiva, previsto no art. 308 do CPM.
Assim, passo à dosimetria da pena:
Em relação ao Maj BM Wallner da Silva Santos:
Analisando as circunstâncias judiciais insertas no art. 69 do Código Penal
Militar, verifico que todas são favoráveis ao réu, motivo pelo qual fixo a pena-base
em seu mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão.
Em virtude da ausência de agravantes e atenuantes, e também causa
especial de aumento e diminuição da pena, torno a pena definitiva em 02 (dois)
anos de reclusão.
Para se estabelecer o regime de cumprimento da pena, a legislação penal
militar é omissa, motivo pelo qual, por analogia, aplico a legislação ordinária.
Assim, atento ao que estabelece o art. 33, §2º, alínea “c” do CP, e as
circunstâncias em que os fatos se deram, nos termos do art. 33, §3º do CP, c/c
art. 69 do CPM, fixo ao réu o regime aberto.
Por atender aos requisitos legais, entendo ser o sentenciado merecedor do
sursis, pelo prazo de 02 (dois) anos.
Em relação ao 2º Ten BM Adelson Ferreira Bento:
Analisando as circunstâncias judiciais insertas no art. 69 do Código Penal
Militar, verifico que todas são favoráveis ao réu, motivo pelo qual fixo a pena-base
em seu mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão.
Em virtude da ausência de agravantes e atenuantes, e também de causa
especial de aumento e diminuição da pena, torno a pena definitiva em 02 (dois)
anos de reclusão.
Para se estabelecer o regime de cumprimento da pena, a legislação penal
militar é omissa, motivo pelo qual, por analogia, aplico a legislação ordinária.
Assim, atento ao que estabelece o art. 33, § 2º, alínea “c” do CP e às
circunstâncias em que os fatos se deram, nos termos do art. 33, § 3º, do CP, c/c
art. 69 do CPM, fixo ao réu o regime aberto.
Por atender aos requisitos legais, entendo ser o sentenciado merecedor do
sursis, pelo prazo de 2 (dois) anos.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Em relação ao 3º Sgt BM Lauir Pereira Alencar:
Analisando as circunstâncias judiciais insertas no art. 69 do Código Penal
Militar, verifico que todas são favoráveis ao réu, motivo pelo qual fixo a pena-base
em seu mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão.
Em virtude da ausência de agravantes e atenuantes, e também de causa
especial de aumento e diminuição da pena, torno a pena definitiva em 2 (dois)
anos de reclusão.
Para se estabelecer o regime de cumprimento da pena, a legislação penal
militar é omissa, motivo pelo qual, por analogia, aplico a legislação ordinária.
Assim, atento ao que estabelece o art. 33, § 2º, alínea “c”, do CP e às
circunstâncias em que os fatos se deram, nos termos do art. 33, § 3º, do CP, c/c
art. 69 do CPM, fixo ao réu o regime aberto.
Por atender aos requisitos legais, entendo ser o sentenciado merecedor do
sursis, pelo prazo de 2 (dois) anos.
Por fim, mister se faz o reconhecimento da ocorrência da prescrição da
pretensão punitiva.
Isto porque, entre a data do recebimento da denúncia (09/11/2005, fl. 196) e
a presente condenação, transcorreu lapso temporal superior a 4 (quatro) anos.
Face ao exposto, de ofício, dou provimento ao apelo ministerial, para
declarar extinta a punibilidade, em virtude da ocorrência da prescrição, em
conformidade com os arts. 133, 123, IV e 125, VI, todos do Código Repressivo
Castrense.
Deixo de aplicar o art. 439, “f”, do CPPM com base em farta jurisprudência
deste egrégio Tribunal Castrense.
É como voto.
JUIZ FERNANDO GALVÃO DA ROCHA, RELATOR VENCIDO
Conheço do recurso, eis que satisfeitos todos os requisitos objetivos e
subjetivos para a sua admissibilidade.
Após detida análise dos autos, entendo que a respeitável sentença de
primeiro grau de jurisdição deve ser parcialmente reformada.
Analisando detidamente os documentos trazidos aos autos, entendo que,
realmente, não há provas de que o Major BM Wallner da Silva Santos e o 3º Sgt
Lauir Pereira Alencar tenham recebido para si ou para outrem vantagem indevida.
De fato, apesar de o Major ter permitido a realização de uma
confraternização na Unidade para comemorar as festas de fim de ano, não há
qualquer prova de que ele tenha solicitado ou recebido qualquer vantagem
indevida do civil Guilherme, seja diretamente, seja por meio de seu funcionário
Gomes.
Da mesma forma, os depoimentos colhidos na fase de instrução
demonstram, apenas, que o 3º Sgt Lauir calculou incorretamente o valor devido a
título de Taxa de Segurança Pública, em realização de um evento festivo
promovido pelo Sr. Guilherme. Quanto ao mencionado fato, é de se destacar que
APELAÇÃO CRIMINAL N. 2.640
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
o 3º Sgt Lauir não recebeu da Corporação qualquer tipo de treinamento para
efetuar o cálculo da Taxa de Segurança Pública e, ainda, que o valor cobrado
inicialmente foi devidamente complementado pelo produtor do evento, antes
mesmo da sua realização, tão logo se percebeu o equívoco no valor cobrado.
Definitivamente, inexiste qualquer prova nos autos que demonstre haver ligação
entre o erro no cálculo da TSP e o pagamento da dívida existente junto ao
açougue.
Por outro lado, entendo que há provas inequívocas de que o Tenente
Adelson Ferreira cometeu o crime de corrupção passiva, notadamente em razão
da própria confissão do referido militar, constante de seu depoimento às folhas
286/288:
(...) que em razão do tempo não sabe precisar a data, mas se recorda que no
dia em que o senhor Gomes, pessoa que trabalha com o Dr. Guilherme, esteve
na unidade e este conversou com o sgt Lauir a respeito da realização da Festa
da Fantasia; que quando o senhor Gomes estava indo embora o interrogando
aproveitou a sua presença ali e pediu para ele se não poderia estar
conversando com o Dr. Guilherme para ajudar no pagamento de um débito
referente a festa de confraternização da unidade no mês de dezembro de 2004,
sendo que Gomes respondeu que iria verificar a possibilidade (...).
Como demonstra o depoimento acima transcrito, o Tenente Adelson solicitou
a um civil que intercedesse junto a seu patrão para que fosse paga uma dívida
com o açougue, realizada quando da comemoração das festas de fim de ano, o
que levou a aceitação do pagamento da dívida pendente no açougue,
caracterizando assim o recebimento de vantagem indevida.
Cabe asseverar que mesmo que o Tenente Adelson não tenha oferecido, em
contrapartida, qualquer tipo de benefício ao Sr. Guilherme, isso não elide a prática
do crime tipificado no artigo 308 do CPM, mas apenas impossibilita a incidência da
causa especial de aumento prevista no § 1º do mencionado artigo. É importante
observar, também, que o fato de ter sido confeccionado um termo de doação não
retira, no caso em análise, o caráter indevido da vantagem solicitada, uma vez que
o mencionado termo de doação somente foi redigido a posteriori, quando os fatos
já tinham vindo à tona. De qualquer forma, não é lícito que particulares façam
doação de alimentos para festas realizadas em unidade militar, especialmente
pelo fato de que os militares da unidade exercem funções de fiscalização sobre as
atividades do referido particular.
Diante de tais fundamentos, reformo parcialmente a sentença de primeiro
grau de jurisdição, para condenar o Tenente BM Adelson Ferreira Bento pela
prática do crime de corrupção passiva, motivo pelo qual passo à fixação da pena.
Na primeira fase de aplicação da pena, analisando as circunstâncias judiciais
previstas no artigo 69 do Código Penal Militar, entendo que a gravidade do crime,
a extensão do dano, os meios empregados e o modo de execução são aqueles
normalmente verificados quando da prática do crime de corrupção passiva, os
quais já foram levados em consideração pelo legislador quando da fixação da
APELAÇÃO CRIMINAL N. 2.640
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
pena mínima. Da mesma forma, os antecedentes do réu, o tempo e o lugar do
crime e a insensibilidade ou arrependimento não justificam a elevação da pena-
base. Não bastasse, não há elementos nos autos suficientes para se aferir a
personalidade do réu, a qual se presume favoravelmente a ele, como, da mesma
forma, a maior intensidade da culpabilidade. Assim, não sendo desfavoráveis as
mencionadas circunstâncias, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, em dois
anos de reclusão.
Passando à segunda fase de aplicação da pena, não vislumbro a presença
de causas agravantes e/ou atenuantes. Do mesmo modo, inexistem no caso em
análise causas de aumento ou de diminuição a serem levadas em consideração
na terceira fase de aplicação da pena.
Assim, torno definitiva a pena privativa de liberdade de dois anos de
reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime aberto.
Todavia, tendo a pena privativa de liberdade sido fixada em dois anos de
reclusão e havendo se passado mais de quatro anos entre a data do recebimento
da denúncia e a data em que ocorrerá a publicação deste acórdão condenatório
recorrível, reconheço a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, nos
termos do artigo 125, inciso VI, do Código Penal Militar.
Por fim, devo ressaltar, ainda, que, no meu entendimento, não se aplica o
disposto no art. 439, alínea “f”, do Código de Processo Penal Militar, devendo ser
mantida a natureza condenatória da decisão proferida em primeiro grau de
jurisdição, em relação ao crime de corrupção passiva.
A literalidade do disposto no art. 439, alínea “f”, do Código de Processo
Penal Militar parece indicar que, em qualquer caso de extinção da punibilidade, o
Juiz ou Tribunal deve declarar absolvido o acusado. Contudo, esta conclusão
imposta por método de interpretação literal desconsidera a harmonia que o
sistema normativo deve guardar e a atividade interpretativa do julgador, que
também deve levar em consideração outros fatores.
Cabe observar que a operação do sistema normativo não se fundamenta na
teoria aristotélica da verdade, que busca encontrar correspondência entre
determinada assertiva e a realidade material. A correção da operação do sistema
normativo é obtida por meio de construção discursiva racional. O discurso jurídico
é essencialmente prático porque está orientado por enunciados normativos e, para
satisfazer a pretensão de correção, deve ser fundamentado racionalmente. A
decisão judicial, no Estado Democrático de Direito, só pode ser considerada
legítima se encontrar amparo na racionalidade de sua argumentação discursiva.
Nas ciências naturais, a racionalidade se expressa pela verdade de suas
proposições. Mas, nas ciências valorativas, como é o caso do Direito, a
racionalidade apenas pode conduzir à ideia de correção de suas assertivas. E a
teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, do prestigiado
jurista Robert Alexy, já nos alertou para o fato de que a correção das decisões
judiciais está intimamente ligada à racionalidade que confere universalidade às
conclusões obtidas consensualmente.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
No caso que ora nos ocupa a atenção, a dificuldade a ser enfrentada desafia
a encontrar a lógica racional de se declarar absolvido quem tem reconhecida
judicialmente a extinção da punibilidade.
O disposto no art. 439 do CPPM se dirige ao Conselho de Justiça e
determina declarar a absolvição do acusado quando, no momento do julgamento
da pretensão punitiva em primeiro grau de jurisdição, for constatada a ocorrência
de causa extintiva de punibilidade. Reconhecendo situação jurídica prejudicial ao
exame de mérito da pretensão punitiva, o julgador não enfrenta o mérito da
pretensão deduzida e declara a extinção da punibilidade. Não tendo ocorrido
julgamento de mérito que considere o acusado condenado, o legislador pode
impor que também se declare a absolvição do acusado. É racionalmente aceitável
que o acusado que não foi condenado venha a ser absolvido na decisão
terminativa do processo penal acusatório.
Contudo, o contexto em que a norma jurídica em exame está inserida
permite concluir que esta só confere o status de absolvido ao acusado que teve
reconhecida a extinção da punibilidade antes do juízo de mérito sobre a pretensão
punitiva. Havendo decisão condenatória, o dispositivo legal não determina que o
julgador declare o acusado absolvido. Esta solução apresenta uma contradição
lógica. Se a extinção da punibilidade depende essencialmente da decisão
condenatória, não é possível que o juiz declare o acusado absolvido.
Tratando-se de prescrição da pretensão punitiva que leva em consideração a
pena aplicada em condenação, a definição da pena concretamente aplicada é
fator essencial para a caracterização da prescrição que estabelece a extinção da
punibilidade. Conforme o disposto no art. 125, caput, do CPM, antes que ocorra a
identificação da pena concreta, o julgador deve analisar a prescrição com base na
pena máxima cominada no tipo penal incriminador. Com a condenação, a pena é
concretamente aplicada, e o julgador pode deixar de considerar a pena máxima
cominada ao crime para efeito de prescrição, passando a analisar o instituto sob o
enfoque da pena aplicada.
Não havendo condenação, não pode haver prescrição com base na pena
concreta. Para que haja o reconhecimento da prescrição retroativa, é necessária a
definição da pena concretamente aplicada, e isto só ocorre no contexto de uma
condenação criminal. Portanto, se a condenação é pressuposto lógico-racional da
extinção da punibilidade, o disposto no art. 439, alínea “f”, do CPPM não pode ser
aplicado aos casos de prescrição da pretensão punitiva retroativa.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério
Público para condenar o Tenente Adelson Ferreira Bento à pena de dois anos de
reclusão, em regime aberto, pela prática do crime de corrupção passiva. Em
aplicação ao disposto no artigo 125, inciso VI, do Código Penal Militar, reconheço
a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, em seus efeitos retro-operantes,
mantendo, entretanto, a natureza condenatória da referida decisão.
JUIZ CEL PM RÚBIO PAULINO COELHO
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Conheço do recurso, pois nele se encontram os pressupostos objetivos e
subjetivos para sua admissibilidade.
Pedi “vista” exatamente pelas divergências dos votos que me antecederam,
bem como pelo resultado do julgamento operado em primeira instância, em que
três juízes militares absolveram os apelantes e um juiz militar e o e. Juiz de Direito
do Juízo Militar os condenaram.
Percebe-se de plano ser um processo, a princípio, de difícil elucidação,
porquanto crimes dessa natureza, corrupção passiva, não são fáceis a serem
comprovados, contudo, não é o caso dos autos, pois, analisando detidamente o
conjunto probatório, entendo que as provas são claras e robustas e sustentam um
decreto condenatório.
Entendo ainda ser extremamente lamentável essa relação perniciosa da
administração pública, quando militares se arvoram em agentes de relações
públicas e, como verdadeiros pedintes, solicitam favores a empresários e
comerciantes, em detrimento da isenção logística tão salutar, e que deve
prevalecer nas relações profissionais em nome da legalidade e transparência.
Felizmente o Estado de Minas Gerais tem permitido às Instituições Militares
Estaduais uma condição logística muito boa, como jamais tiveram ao longo de sua
história.
A Taxa de Segurança Pública (TSP) foi criada exatamente para suprir as
necessidades materiais das Corporações e provocou uma verdadeira revolução
no seu aparato logístico, permitindo a aquisição de equipamentos modernos e
uma constante atualização e revigoramento de toda sua capacidade operacional.
Quanto aos fatos em si, não tenho nenhuma dúvida que os apelados
ajustaram, com os responsáveis pela “Festa da Fantasia”, a cobrança menor da
referida taxa de segurança pública e que não exigiram a apresentação do projeto
de segurança, objetivando custear com os R$500,00 (quinhentos reais) que foram
doados em complemento à TSP um churrasco e pagar o conserto de um veículo
particular.
Os depoimentos das testemunhas, tanto na fase administrativa quanto na
judiciária, são comprometedores e não deixam nenhuma dúvida quanto ao crime
de corrupção passiva.
A 2º Tenente BM Janine Gonçalves de Faria declarou:
Ao entender que houve falha na correta cobrança do valor da TSP,
indaguei ao Sgt Lauir, militar analista de projetos do Pelotão de
Prevenção e Vistoria, o porquê da liberação do evento, uma vez que a
taxa recolhida “visivelmente” estava errada. O Sgt Lauir me respondeu
que toda a negociação do evento e o valor do recolhimento da TSP foram
acordados “lá em cima” e que além do valor apresentado no Documento
de Arrecadação Estadual (DAE) o responsável pela festa, havia pagado
uma notinha de carne no Açougue Colombo e cerveja que tinha sido
comprada para um churrasco desta Cia Ind, tudo isto em um valor
aproximado de R$500,00 (quinhentos reais). (fl. 16)
APELAÇÃO CRIMINAL N. 2.640
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Que então o Ten Adelson disse que não havia sido pago carne e sim o
conserto do carro particular de um oficial do Corpo de Bombeiros lotado
em Belo Horizonte, Coronel Damásio, e que o Maj Wallner, Cmt da
Unidade, sabia dessa situação (...); que a declarante saiu da sala e
dirigiu-se para o seu pelotão e ao chegar em sua sala o Sgt BM Lauir
disse à declarante que realmente o valor era para pagar carne e que o
valor referente ao conserto do veículo do Coronel BM Damásio ainda iria
conseguir parceria para cobrir tal despesa e entregou à declarante duas
notas referentes ao conserto de tal veículo, sendo uma no valor de
R$290,00 (duzentos e noventa reais) e a outra no valor de R$90,00
(noventa reais) (...). (fl. 32)
Às fl. 54/55, o Capitão BM Saulo Rodrigues da Costa confirmou os fatos,
afirmando:
(...) que o Cmt dispensou as Praças, ficando na sala a Ten Janine, o Cap
Wolff, o Cap Saulo e o Cmt; que a Ten Janine passou a explicar o que
estava ocorrendo (...) QUE O TEN ADELSON DISSE QUE
INFELIZMENTE TERIA QUE FALAR REALMENTE “NÓS FIZEMOS
ISTO, MAS FOI PARA PAGAR O CONSERTO DO CARRO DE UM
CORONEL”; que lhe respondi que pode ser até o Papa, o Presidente da
República que nós vamos apurar; que o Ten Adelson disse que era o
carro do Chefe do Estado-Maior, que estava viajando e o carro quebrou;
que nós tivemos que fazer o serviço, que lhe disse que sentia muito mas
teria que apurar (...).
O Cb Célio confirmou os dizeres dos Oficiais denunciantes, dizendo que a
taxa foi cobrado propositalmente em valor inferior, tudo para que os apelados
aferissem vantagem indevida, em forma de suposta doação, dinheiro que seria
para pagar o conserto do veículo de um coronel e os custos de um churrasco.
Confira-se sua declaração, à fl. 119:
(...) que quando a Tenente retornou, ela viu que a taxa estava inferior ao
que havia sido cobrado no ano anterior; que a Tenente procurou tomar
providências no sentido de que o evento só seria realizado mediante o
pagamento do valor referente à área total; que a Tenente subiu para
conversar com quem estava à frente do fato; que ela conversou com o
Maj Wallner e com o Ten Adelson; que foi alegado, segundo a Tenente,
que o dinheiro era para pagar um churrasco que teria acontecido no
Country Clube; que o churrasco teria sido feito para alguns oficiais da
Fração e para alguns oficiais de Belo Horizonte; que quem teria calculado
a taxa foi o Sgt Lauir; que a Tenente retornou ao PPV, onde se
encontravam todos os componentes da Seção e questionou o Sgt Lauir
sobre o porque dele ter feito aquilo, mesmo sabendo que era errado; que
o Sgt Lauir, no momento, disse ter cumprido ordem do Ten Adelson, e de
ter preenchido a DAE com o valor abaixo para o pagamento do conserto
de um veículo; (...).
A participação de todos os apelados nos fatos está plenamente comprovada.
O Sgt Lauir negociou e fez os cálculos a menor da TSP, juntamente com o Ten
APELAÇÃO CRIMINAL N. 2.640
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Adelson, sob a complacência e o conhecimento do Maj Wallner, que ainda tentou
engavetar o procedimento apuratório que constataria a ilegalidade. Atitude
lamentável e que faz ruir os pilares da disciplina e da hierarquia.
Por tudo isto, acompanho o voto do e. Juiz Revisor, que inclusive foi do
mesmo entendimento do Juiz de Direito da 2ª AJME e de um dos juízes militares
que compunha o CPJ, para condená-los à pena de 2 (dois) anos de reclusão.
Reconheço a prescrição e assim declaro extinta a punibilidade, conforme os
arts. 133, 123, IV e 125, VI do CPM, contudo não aplico o art. 439, “f”, do CPPM,
porquanto houve uma decisão de mérito.
Este é o meu voto.
Belo Horizonte, sala das sessões do Tribunal de Justiça Militar do
Estado de Minas Gerais, aos 10 de agosto de 2010.
APELAÇÃO CRIMINAL N. 2.640