Artigo - As organizações religiosas e suas relações: Uma análise a partir da teoria dos stakeholders
1. As organizações religiosas e suas relações: Uma análise a partir da teoria dos
stakeholders
Religious organizations and their relationship: An analysis from the stakeholders’
theory
Maurício Custódio Serafim
Universidade do Estado de santa Catarina - UDESC
Graziela Dias Alperstedt
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
_________________________
Artigo Recebido em 19.07.2011. Revisado por pares em 12.11.2011. Recomendado em 12.11.2011 por Edson
Roberto Scharf, Editor Responsável. Publicado em 30.06.2012. Organização responsável pelo periódico: FURB
Universidade de Blumenau (www.furb.br/rn)
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Resumo
As organizações religiosas tais como outros tipos expressing itself mainly in the phenomenon of
de organizações, tem passado por um processo de bureaucracy. The aim of this paper is to propose the
transformação. A pressão por resultados leva a uma approach called stakeholder theory to analyze the
racionalização dessas estruturas. Essa raciona- changes in religious organizations because believe
lização possibilita o cumprimento do seu objetivo it to be able to help to understand, on the one hand,
organizacional de forma eficaz e o planejamento de the intricate relationship between the capitalist logic
estratégias futuras, expressando-se, principalmente, and religious doctrine, and secondly, to address the
no fenômeno da burocracia. O objetivo deste artigo church as a company from the perspective of
é propor a abordagem denominada teoria dos relationships with other actors located in the same
stakeholders para analisar as mudanças nas organi- social field. Backed by the theory of stakeholders,
zações religiosas, por se acreditar que ela seja capaz the arguments of Berger (2004) and the model of
de ajudar a compreender, por um lado, a intrincada Phillips (2007), the authors propose a model for the
relação entre a lógica capitalista e a doutrina analysis of relations between religious
religiosa e, por outro, abordar a igreja como empre- organizations and their stakeholders, responding
sa a partir da perspectiva dos relacionamentos com positively to the question raised about the
outros atores situados no mesmo campo social. possibility of using stakeholder theory to religious
Apoiados na teoria dos stakeholders, nos organizations.
argumentos de Berger (2004) e no modelo de Keywords: stakeholder theory, religious
Phillips (2007), os autores propõe um modelo para organizations, bureaucracy.
a análise das relações entre as organizações
religiosas e seus stakeholders, respondendo positi- 1 Introdução
vamente à pergunta formulada sobre a possibilidade
de utilização da teoria dos stakeholders para
organizações religiosas.
Historicamente, a organização reli-
Palavras-chave: Teoria dos stakeholders, organi- giosa exerceu forte influência sobre as
zações religiosas, burocracia. empresas modernas, servindo de base para
a organização de estruturas hierárquicas,
Abstract normas, regras e o controle social, por
Religious organizations such as other types of
organizations, has gone through a transformation
meio dos valores apregoados (WEBER,
process. The pressure for results leads to a 2004). Todavia, apesar da importância
rationalization of these structures. This streamlining histórica e atual da imbricada relação entre
allows the completion of its organizational goal of vida religiosa e vida econômica, parece
effectively and planning future strategies,
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que ainda há certa resistência na academia invadir o espaço do sagrado, determinando
em se considerar a religião, e as organi- a necessidade da busca de uma maior
zações que a representam, como um ele- capacidade gerencial e estratégica dessas
mento da cultura tão fundamental como organizações, levando-as a “buscar mode-
qualquer outro, no que tange à vida econô- lagens mais condizentes com aquelas do
mica. setor empresarial”.
Em particular, no campo da Admi- De fato, Oliveira Júnior (2002)
nistração, há um vácuo de conhecimento observou as transformações que vem ocor-
sobre o tema, apesar de que, desde Max rendo nas organizações religiosas, tais co-
Weber, sabe-se que a organização religiosa mo a profissionalização do pessoal, a
é capaz de influenciar as motivações, valo- captação de recursos financeiros, a busca
res, hábitos, critérios de tomada de decisão, de apoio por parte de empresários e do
formas de comportamento no trabalho e de governo, a captação de fiéis, dentre outras
consumo. Afinal, foi a partir de uma seita características. Tal constatação remete à
protestante que o mundo conheceu o “espí- necessidade que esse tipo de organização
rito do capitalismo”, mudando a dinâmica vem tendo no sentido de administrar sua
organizacional e mundial com o trabalho relação com suas partes interessadas.
metódico e a busca pela eficiência, o que Haja vista a evidente preocupação
influenciou de forma decisiva e definitiva das organizações religiosas em ampliar sua
o vetor concorrencial entre as empresas participação no “mercado religioso” por
capitalistas. meio do gerenciamento da sua relação com
Weber analisou as implicações da as partes interessadas, esse artigo objetiva
irônica racionalização para a diferenciação responder ao seguinte questionamento: a
da religião e outras instituições e suas esfe- teoria dos stakeholders, inicialmente de-
ras de valor (CHAVES, 1992). Após senvolvida para organizações econômicas,
Weber, houve uma lacuna no campo no é adequada para ser aplicada às organi-
que tange às pesquisas sobre o tema. zações religiosas?
Recentemente, tem havido uma retomada A resposta a esse questionamento
dos estudos concernentes às organizações pode auxiliar na compreensão de grupos de
religiosas voltadas aos mais diversos temas pesquisadores curiosos em acompanhar as
ligados à administração, como estratégias transformações dos relacionamentos com
competitivas das organizações religiosas as partes interessadas, idéia inicialmente
(MILLER, 2002), organizações religiosas oriunda da área de negócios, aplicadas a
(CHAVES, 1992; 2002), o lugar da campos organizacionais tradicionalmente
espiritualidade nas teorias organizacionais distantes do mercado. Admite-se, assim, a
(OLIVEIRA, 2004), e a empresarização do idéia de que as organizações religiosas não
sagrado (GONÇALVES; SERRA; escaparam à expansão da lógica de merca-
COSTA, 2007), dentre outros. do, demonstrando sinais crescentes de
Gonçalves, Serra e Costa (2007, p. adequação a parâmetros empresariais
1), por exemplo, chamam a atenção para a (MARIANO, 1999).
“crescente complexidade das práticas e Assim, o presente ensaio teórico
abordagens administrativas, traduzidas na possui como escopo a comparação entre a
construção de novos modelos e concepções vida econômica e a vida religiosa, tendo
teóricas”, representando um desafio para as como objetos de estudo as organizações
organizações de natureza substantiva que econômica e religiosa. Nesse sentido, no
sentem, cada vez mais, a necessidade de âmbito da teoria das organizações, foi
tornarem-se eficientes e eficazes. Nesse utilizada a teoria dos stakeholders por três
sentido, a dimensão econômica, passa a motivos principais. O primeiro motivo se
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evidencia em função de que a teoria se contra os free riders e takeovers indese-
concentra especialmente nas relações entre jados. Com o intuito de expandir e proteger
os grupos que compõe a organização ou suas fronteiras organizacionais, essas
que possuem interesses em jogo (at stake); organizações têm criado escolas, seminá-
o segundo, porque se acredita ser uma das rios, hospitais, organizações de assistência
teorias que melhor abordam a relação social, editoras e ordens missionárias
organização-sociedade, fundamental para a (BECKFORD, 2004), além do apoio a
análise da relação das esferas econômicas e empresas com fins lucrativos.
religiosas; e, o terceiro, pelo fato desta Segundo Miller (2002), os
teoria considerar explicitamente a dimen- sociólogos Rodney Stark e William
são ético-normativa, o que pode ser útil Bainbridge oferecem uma ajuda na clarifi-
quando se aborda organizações religiosas cação da definição dos produtos das
porque elas sempre possuem alguma dou- organizações religiosas. Para eles, as
trina normativa de relacionamento com o organizações religiosas são empresas soci-
mundo. ais que primam pelo propósito de criar,
manter e trocar compensações gerais base-
2 A natureza das organizações religiosas adas no sobrenatural. Essa definição apare-
ce em paralelo à definição de religião que
As organizações religiosas buscam se caracteriza por ser um sistema de
estabelecer, incentivar e regular as relações compensações gerais baseados nas crenças
entre os seres humanos e as divindades, sobrenaturais. Esses conceitos, por sua vez,
ordens sobrenaturais ou princípios meta- levam à distinção entre recompensas e
físicos supremos. Elas possuem muitas compensações. Recompensas seriam coisas
variações, mas como pontos em comum humanas que incorrem em custos para se
promovem adorações, orações, meditação, obter. Já as compensações são postulados
doutrina, curas, e bem-estar espiritual de sobre recompensas a partir de explicações
acordo com revelações, textos, códigos, que não são facilmente suscetíveis a avali-
leis e princípios. Em relação ao seu tama- ações inequívocas.
nho, podem variar de grupos de pessoas Assim, o produto principal das
que consultam curandeiros, gurus, à organizações religiosas é a provisão de
burocracias eclesiásticas de alcance mun- compensações sobrenaturais, as quais vêm
dial, como a Igreja Católica Romana acompanhadas com recompensas tempo-
(BECKFORD, 2004). rais. Embora clubes e outras organizações
Os produtos das organizações sociais possam conferir produtos que
religiosas são também muito diversos. competem com as organizações religiosas,
Podem ser citados o conhecimento sagra- as compensações sobrenaturais são produ-
do, experiências transcendentais, profecias, tos distintos, para os quais não há
cultos e meditação, ritos com poder purifi- substitutos seculares diretos (MILLER,
cador, ritos de passagem, ética religiosa, 2002).
missões de recrutamento, assistência social Chaves (2002) propõe uma
e solidariedade local. Os elementos em pertinente distinção entre as organizações
comum que possuem com as organizações religiosas. Define congregação como orga-
não religiosas incluem a necessidade de nizações e coletividades locais de relativa
assegurar recursos adequados, treino e pequena escala por meio das quais pessoas
controle de seu pessoal, preservação da se engajam em atividades religiosas. São
autoridade, a convivência com conflitos e igrejas, sinagogas, mesquitas e templos,
dissensões, interação com outras organi- entre outros. Organizações denomina-
zações no seu ambiente, defesa de sua cionais são organizações religiosas que
parte no mercado religioso, além da luta servem a, são apoiadas por, ou têm
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autoridade sobre as congregações locais e da ação coletiva, ou seja, participação
possuem uma governança em comum. motivadora e controle dos free riders.
Algumas vezes podem ser entendidas
como confederações de organizações rela- 3 A teoria dos stakeholders e seu modelo
tivamente autônomas. Podem, ser citados de análise
como exemplo as dioceses católicas,
agências missionárias, ofícios regionais e O termo stakeholder foi cunhado
nacionais de denominações, entre outras. em 1963 em um memorando interno do
Organizações sem fins lucrativos de Stanford Research Institute e se referia a
orientação religiosa são organizações reli- “grupos que sem o seu apoio a organização
giosas que atuam em atividades não deixaria de existir” (FREEMAN; REED,
religiosas como qualquer outra organi- 1983, p. 89). A idéia que embasa esta
zação secular sem fins lucrativos. São, por concepção é bastante simples: além dos
exemplo, escolas, hospitais, creches, pro- acionistas (e/ou proprietários), a organi-
gramas de reabilitação de dependentes zação também é responsável por outros
químicos, e dedicadas à filantropia. Esta grupos que possuem interesses nas ações
distinção, num certo sentido é ao mesmo da organização. A lista inicial incluía os
tempo ampla – porque muitas das organi- acionistas, funcionários, consumidores,
zações das outras duas distinções também fornecedores, financiadores e sociedade. O
podem ser incorporadas como organi- termo stakeholder, popularizado mais tarde
zações sem fins lucrativos – e restritas, no meio acadêmico pelos trabalhos de
porque muitas organizações religiosas que Freeman e Reed (1983) e Freeman (1984)
atuam nestas áreas são organizações com é um claro trocadilho com o termo
fins lucrativos (como um canal de tele- stockholder (acionista). Esses autores pro-
visão). põem duas definições de stakeholder: um
Chaves (2002) ainda alerta que amplo e outro mais estrito. O primeiro afir-
muitas organizações religiosas podem ser ma que stakeholder é todo grupo ou indiví-
distinguidas por meio dessas nomeações, duo que influencia ou é influenciado pelo
mas é possível, como assinalado acima, alcance dos objetivos da organização. O
que uma organização possa ser inserida em segundo se refere a indivíduos ou grupos
mais de uma dessas categorias. Apesar de que a organização depende para a sua
essa distinção conter limites, será útil por sobrevivência. A definição mais ampla do
chamar a atenção das diferentes manifes- termo é adotada por muitos autores como
tações das organizações religiosas. clássica e serve como ponto de partida para
Outra peculiaridade é indicada por suas análises ou críticas (cf.
Zaleski e Zech (1995). Os autores afirmam DONALDSON; PRESTON, 1995;
que as congregações religiosas exibem MITCHELL; AGLE; WOOD, 1997;
uma rara combinação no setor sem fins FREEMAN; WICKS; PARMAR;
lucrativos: as atividades de benefícios mú- MCVEA, 2004; PHILLIPS, 2007;
tuos são apoiadas por contribuições volun- PHILLIPS; FREEMAN; WICKS, 2007).
tárias. E essa participação de outros, como Mitchell, Agle e Wood (1997)
aponta Miller (2002), produz exter- fazem a distinção entre a abordagem e a
nalidades positivas para os membros das teoria stakeholder. A primeira diz respeito
organizações religiosas, evitando a sobre- ao entendimento da organização em seu
posição de custos. Todavia, para realizar as ambiente e tem a intenção de ampliar a
externalidades positivas, essas organiza- visão do campo da Administração acerca
ções devem resolver o problema clássico de seus papéis e responsabilidades que vão
além da função da maximização do lucro,
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incluindo interesses e direitos de grupos de Para Freeman, Wicks e Parmar
não-acionistas e/ou de não-proprietários. A (2004), o principal motivo para o
teoria stakeholder tenta articular de forma desenvolvimento da abordagem foi procu-
sistemática a seguinte questão fundamen- rar oferecer uma alternativa às limitações
tal: que grupos são stakeholders que mere- das estruturas de negócios tradicionais que
cem ou requerem atenção da gestão? não conseguiam responder satisfato-
Para Post (2006), a abordagem riamente a certas questões, tais como a
pretende fazer uma revisão do conceito de criação de novas oportunidades num
corporação. Ele parte do reconhecimento ambiente turbulento, ou seja, em um
que a corporação é uma instituição de ambiente com transformações políticas e
grande impacto econômico e social e que acelerado desenvolvimento tecnológico.
têm crescido em tamanho e número em No entender dos autores, para essa
todo o mundo devido a sua habilidade para superação foi necessária que a abordagem
mobilizar recursos e criar novas riquezas. concebesse os negócios além de sua
Afirma que as transformações por que tem tradicional raiz econômica, considerando-
passado as corporações no último quartel os como criação de valor para os
do século requer sua redefinição enquanto stakeholders, como já mencionado.
instituição social. De fato, como observa Do ponto de vista gerencial, a
D’Orazio (2006), a abordagem stakeholder abordagem leva em consideração ao longo
procura fazer essa redefinição por meio de do tempo os interesses legítimos desses
uma representação de empresa que a grupos e acredita que o negócio que
considera não apenas como uma série de desconsiderar sistematicamente tais inte-
transações de mercado, mas adicional- resses provavelmente colocará sua sobrevi-
mente como um esforço cooperativo e vência em risco. Os autores ainda afirmam
competitivo que envolve um amplo que a corrente dominante do pensamento
número de indivíduos e grupos organiza- administrativo pergunta a questão errada,
dos. Nessa concepção, a empresa é uma ou seja, como deveríamos distribuir os
organização por meio da qual diferentes ônus e os benefícios entre os stakeholders?
indivíduos e grupos tentam atingir seus Do ponto de vista da gestão stakeholder, a
próprios fins. Ou, dito de outra forma, a questão – denominada de “criação de va-
empresa é considerada como uma insti- lor” – passa a ser: como criar tanto valor
tuição que reconhece e utiliza seus quanto podemos para todos os nossos
vínculos com os múltiplos stakeholders stakeholders?
como um meio para que ambos – empresa Martinelli (2006) ainda afirma que
e stakeholders – mantenham suas capa- a abordagem stakeholder tem sido
cidades de criação de riqueza e de estimulada pela crescente relevância de
prestação de serviço à sociedade (POST, recursos intangíveis – tais como conheci-
2006). E é nessa consideração que está mento, capital humano, capital social,
embasada a legitimidade da corporação – propriedade intelectual, reputação e confi-
sua “licença para operar” na sociedade –, ança – em que estão envolvidas todas as
que de acordo com Post (2006), depende relações stakeholders. De fato, Post (2006)
tanto de seu bom êxito na criação de argumenta que as relações e vínculos favo-
riqueza quanto de sua habilidade de satis- ráveis com os stakeholders são recursos da
fazer as expectativas dos stakeholders da empresa, tanto que recursos intangíveis
organização. A empresa, como uma insti- como o “capital relacional” estão se
tuição social no mundo contemporâneo, tornando importantes para a determinação
deve estar engajada na mobilização de do valor total de uma empresa. O autor cita
recursos para criar riquezas e benefícios a pesquisa da empresa de consultoria
para todos os seus stakeholders. Accenture – na qual mostra que a contri-
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buição de recursos intangíveis pode variar grafos anteriores), Clarkson (1995) propõe
entre 33% a 70% da valorização da em- uma definição mais estrita em termos de
presa – para sugerir que essa tendência dá “portadores de risco” e diferencia os
suporte à proposta que as relações stakeholders entre primários e secundários.
stakeholder podem se materializar em Para o autor, stakeholders primários são
recursos econômicos para a empresa. aqueles que sem sua contínua participação
Entretanto, D’Orazio (2006) e a organização não poderá sobreviver. Eles
Martinelli (2006) afirmam que a visão fornecem a infra-estrutura, o mercado, as
dominante do mundo dos negócios ainda é leis e regulamentações que devem ser obe-
a do lucro como a única meta legítima da decidas, para quem os impostos e outras
empresa e os acionistas (shareholders) e taxas são devidas, e são geralmente os
investidores os únicos a quem os gerentes acionistas, investidores, funcionários, con-
devem responder. A predominância da sumidores, fornecedores, e governo. Há
dimensão econômica, tanto do objetivo da um alto grau de interdependência entre a
empresa quanto de seus agentes, é ampla e organização e os stakeholders primários.
pode ser ilustrada pelo especial da revista Os stakeholders secundários são definidos
The Economist de janeiro de 2005 que, ao por Clarkson (1995) como aqueles que
tratar da responsabilidade social corpo- influenciam/afetam ou são influencia-
rativa (RSC), retoma teses conhecidas dos/afetados pela organização, mas que
contrárias ao movimento da RSC e à não são essenciais para a sua sobrevi-
abordagem dos stakeholders, como as do vência, podendo ocasionalmente causar
economista Milton Friedman, que consi- algum tipo de prejuízo ou favorecimento
dera que a função exclusiva dos negócios é via stakeholders primários. Por exemplo, o
a geração de lucros para os acionistas. O autor cita a mídia, que pode mobilizar a
especial é finalizado com uma frase que opinião pública a favor ou contra o
expressa bem o ponto de vista dos textos: desempenho da empresa.
“The proper business of business is Outra contribuição para o problema
business. No apology required” (CROOK da identificação é a de Donaldson e
et al., 2005, p. 18). Preston (1995), que propõem uma taxono-
Mesmo com tais divergências, a mia dos tipos de teoria dos stakeholders
abordagem stakeholder se popularizou com o intuito de oferecer mais precisão à
entre acadêmicos, gerentes e alguns cír- discussão. O primeiro tipo os autores
culos políticos, sendo acompanhado por denominam de descritivo/empírico e se
um desenvolvimento considerável da refere à teoria usada para descrever e, algu-
teoria dos stakeholders (D’ORAZIO, mas vezes, para explicar características e
2006). Como mencionado anteriormente, a comportamentos específicos das empresas.
discussão sobre a teoria tem uma questão O segundo tipo é a instrumental que, em
de fundo comum: quais ou quem são os conjunto com a abordagem descri-
grupos stakeholders da empresa e quais ou tiva/empírica e seus dados disponíveis, é
a quem se deve dar atenção? Resumi- usado para examinar as conexões entre a
damente, pode-se considerar que grande gestão stakeholder e o alcance dos objeti-
parte dos autores que se ocupam da teoria vos corporativos tradicionais (como o
procura responder ao que Mitchell, Agle e crescimento, lucratividade). Ela é hipo-
Wood (1997) denominam de “problema da tética, no sentido da seguinte sentença: “se
identificação dos stakeholders”. quiser alcançar (ou evitar) os resultados X,
Uma contribuição é a de Clarkson Y, ou Z, então adote (ou não adote)
(1995). Diferentemente de Freeman, que princípios e práticas A, B ou C”. O terceiro
propôs uma definição ampla (veja pará- tipo, denominado de normativo, refere-se à
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teoria usada para interpretar a função da como centrais na gestão das organizações.
corporação, incluindo a identificação de São examinados criticamente tanto os fins
diretrizes morais ou filosóficas para a quanto os meios. Dessa forma, a teoria é ao
operação e gestão de empresas. Ela é mesmo tempo de estratégia gerencial e
categórica, no seguinte sentido: “faça (ou ética. Os autores fazem um resumo das
não faça) isso porque é o certo (ou errado) justificativas normativas vinculadas à
a se fazer” (DONALDSON; PRESTON, teoria dos stakeholders, entre as quais o
1995). direito de propriedade (DONALDSON;
Para os objetivos deste trabalho, as PRESTON, 1995), o kantismo (EVAN;
duas abordagens da teoria que interessam FREEMAN, 1993) e o princípio da
são a descritiva – cuja discussão mais eqüidade (PHILLIPS, 2003), para deixar
adiante será importante para que seja claro que apesar da teoria possuir simi-
proposto um modelo de análise – e a litudes com outras, como a teoria da
normativa, por se acreditar que essa dependência de recursos, a questão central
abordagem seja adequada quando se trata que a diferencia é o dever de estar atento
de organizações religiosas. Entretanto, aos interesses e bem-estar de alguns grupos
mesmo fazendo esta diferenciação, se verá que sobrepuja os fins instrumentais relacio-
que um modelo de análise almejado deverá nados com a maximização do lucro. Ainda
ser um híbrido descritivo-normativo devi- que existam grupos stakeholders cujo
do ao caráter ético da teoria, ou seja, as relacionamento com a organização perma-
relações como são e como devem ser se neça instrumental – em grande parte devi-
complementam. Dessa forma, ao mesmo do ao poder que exercem – existem outros
tempo em que são descritas algumas stakeholders legítimos do ponto de vista
características da teoria o modelo ganha normativo.
forma. Os elementos poder e legitimidade
Donaldson e Preston (1995) são abordados por Mitchell, Agle e Wood
afirmam que, embora as abordagens (1997). Segundo os autores, poder e legiti-
descritiva e instrumental sejam signifi- midade de direitos dos stakeholders são
cativas para a teoria, sua base fundamental tratados pela bibliografia como explicações
é normativa e requer aceitar as seguintes rivais do status stakeholder. Eles chamam
idéias: (a) stakeholders são pessoas ou a atenção que esta rivalidade conceitual
grupos com interesses legítimos em entre poder e legitimidade é refletida na
aspectos substantivo e/ou procedural da maioria das teorias da firma, particular-
atividade corporativa e são identificados mente nas teorias da agência, compor-
por seus interesses na corporação se a tamental, institucional, ecologia popula-
corporação tem qualquer correspondente cional, dependência de recursos e custos de
interesse funcional neles; (b) Os interesses transação. A teoria dos stakeholders que os
de todos os stakeholders possuem valores autores defendem procura ir além dessa
intrínsecos. Isso significa que cada grupo rivalidade e mostrar como interagem poder
de stakeholders merece ser considerado e legitimidade e, quando combinado com a
como um fim em si mesmo, e não apenas categoria “urgência” (urgency), são criados
por causa de sua habilidade para promover diferentes tipos de stakeholders com
os interesses de alguns outros grupos, tais diferentes padrões comportamentais espe-
como os acionistas. radas em relação à firma.
Phillips, Freeman e Wicks (2007) Para isso, os autores, em
reforçam esse aspecto ao afirmarem que a consonância ao que foi abordado anterior-
teoria dos stakeholders se distingue das mente, afirmam que para responder a
teorias tradicionais de management porque questão “quais são os stakeholders da
considera explicitamente valores morais organização” é requerida uma teoria
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normativa de identificação stakeholder. ticas proporcionam a dinâmica do modelo
Eles propõem uma teoria da identificação ao longo do tempo.
capaz de reconhecer classes de Voltando agora a outro ponto, a
stakeholders por meio de três atributos: (1) legitimidade tem um papel importante na
poder dos stakeholders de influenciar a questão da identificação normativa dos
empresa; (2) legitimidade (moral) da stakeholders. Tanto que Phillips (2007)
relação dos stakeholders com a empresa; afirma que uma base comum em quase
(3) urgência da reivindicação dos todas as definições de stakeholder é a
stakeholders sobre a empresa. Esses noção de que seja um indivíduo ou grupo
atributos combinados formam sete classes considerado como objeto legítimo da
diferentes de stakeholders e são embasadas atenção do gerente ou organização. Por-
na questão normativa porque são entidades tanto, é importante uma maior clareza
a quem os gerentes deveriam prestar sobre a definição de legitimidade, sobre o
atenção. A tese dos autores é que para mérito de tal status e quais são afinal os
melhor compreender o problema de grupos e indivíduos que podem ser consi-
identificação torna-se necessário conside- derados legítimos pela organização. Mas,
rar sistematicamente a relação stakeholder- antes disso, é preciso abordar a relação
gerente em termos de ausência ou presença empresa-sociedade, descrita a seguir.
relativa de todos ou de alguns desses De uma maneira ampla é possível
atributos. argumentar que a empresa – por se situar
Apesar de ser uma teoria bastante em uma sociedade, usar seus recursos e
completa e útil para a identificação dos influenciar uma comunidade – deve tornar-
stakeholders, não será utilizada nesse se socialmente responsável, prestando
trabalho por ter como fundamento a contas e fazendo contribuições que vão
abordagem cognitiva (ibidem, p. 871), o além de seu objetivo estritamente econô-
que significa que em última instância é o mico. Em outras palavras, a empresa
gerente quem determina quais serão os também deve se comprometer com ques-
stakeholders que terão atenção ou, mais tões sociais. Para Clarkson (1995), esse
precisamente, a percepção dos atributos de tipo de raciocínio é prejudicado porque a
um stakeholder pelo gerente. O que se discussão sobre a relação entre as organi-
procura, no trabalho em questão, é uma zações e a sociedade tem tido dificuldades
solução que se aproxime mais da de considerar de modo preciso o que é uma
abordagem da sociologia econômica, como questão social. Para o autor, essa dificul-
a teoria das redes para o problema da dade pode ser atribuída em parte ao
descrição sistemática. Mas mesmo com significado amplo, e muitas vezes vago, da
essa ressalva, o trabalho de Mitchell, Agle palavra social e a sua evocação à socie-
e Wood (1997) é importante, para os dade, o que leva a discussão a um nível
propósitos deste artigo, por ter destacado a mais abstrato e ambíguo que a empresa em
base normativa da teoria, pela discussão si.
sobre poder e legitimidade e, principal- Com o intuito de desfazer essa
mente, pela descrição das características ambigüidade, Clarkson (1995) sugere três
dos atributos dos stakeholders e que serão níveis de análise ao abordar a relação
adotados neste trabalho: (1) os atributos organizações e sociedade: o institucional,
dos stakeholders são variáveis e não apropriado para discussões de responsa-
possuem um estado fixo; (2) os atributos bilidade e prontidão social corporativa; o
dos stakeholders são realidades social- nível organizacional, identificado como o
mente construídas. Essas duas caracterís- das empresas e grupos stakeholders – o
mais apropriado para análises e avaliação
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de desempenho social corporativo; e o parágrafos anteriores). A perspectiva
nível individual, em que o gerente lida com ampla se refere à definição de Freeman
questões stakeholders e seu relaciona- (1984) “aqueles que influenciam ou são
mento, sendo o mais apropriado para se influenciados pelo alcance dos objetivos da
analisar e avaliar o desempenho gerencial. organização” e à intuição que a teoria
Para o propósito deste estudo, será adotado deveria ser ampla o bastante para abarcar o
o nível de análise organizacional, o que maior número possível de stakeholders.
significa, como mostra Clarkson (1995), Entretanto, segundo o autor, essa definição
que a questão da relação empresa- ampla ameaça a teoria porque não realiza
sociedade se traduz em relação empresa as diferenciações essenciais que é preciso
(organização)-stakeholders. fazer, principalmente em termos morais.
Feita essa primeira delimitação, o Diferentemente, a perspectiva estrita con-
segundo ponto a ser tratado é a dimensão clui que somente os grupos para os quais
da legitimidade, como anunciada ante- há uma obrigação moral é que devem ser
riormente. Uma fonte importante de considerados stakeholders, eliminando do
legitimidade dos stakeholders estaria no quadro grupos importantes como a concor-
fato de que são grupos e indivíduos que rência e a mídia. Essa perspectiva é mais
são afetados – de forma voluntária ou utilizada por pesquisadores que adotam a
involuntária – pela atividade empresarial concepção normativa da teoria
(POST, 2006). Os grupos e indivíduos (DONALDSON; PRESTON, 1995;
voluntários são os acionistas, funcionários PHILLIPS, 1997). Como a teoria dos
e consumidores e a palavra-chave que os stakeholders propõe ser tanto gerencial
define é reciprocidade, pois todos esperam quanto ética, não incluir grupos potenciais
ganhar com o êxito da empresa ao criar com poder de ajudar ou dificultar o alcance
nova riqueza por meio de ganhos de dos objetivos da organização limitaria a
produtividade, inovação e aumento da teoria.
aceitação no mercado. O envolvimento Phillips (2007) continua sua análise
como grupo voluntário está no aceite e fazendo uma crítica ao trabalho de
cooperação nas mudanças necessárias para Mitchell, Agle e Wood (1997) e mostra
a continuação do êxito, apoiado na que é problemático se fazer referência a
percepção de verem o benefício como grupos com poder com os quais não se têm
resultado. Indivíduos e grupos involun- obrigações morais, mas que podem
tários são aqueles influenciados pelas influenciar de modo significativo a organi-
ações da empresa de forma involuntária, zação, como um grupo não-legítimo. Ele
particularmente aquelas sujeitas a externa- critica a diferenciação categórica que os
lidades, tais como poluição ou congestio- autores fazem entre legitimidade e poder
namento, ou impactos culturais que não ao afirmar que há apenas legitimidade,
são bem-vindos. A principal meta é a sendo o poder apenas uma via para adquiri-
redução ou evitação do prejuízo, ou a la. O autor então sugere uma distinção
geração de benefícios compensatórios entre legitimidade do stakeholder norma-
(POST, 2006). tivo e legitimidade do stakeholder deri-
Phillips (2007) problematiza essa vativo para fornecer uma posição ao debate
questão e afirma que a literatura é bastante “perspectiva ampla versus perspectiva
ambígua em sua abordagem sobre a estrita” que reconheça simultaneamente as
legitimidade dos stakeholders. O autor obrigações morais das organizações em
mostra que a ambigüidade se manifesta no relação a alguns grupos de stakeholders e a
debate “perspectiva ampla versus perspec- legitimidade pragmática baseada no poder,
tiva estrita” (FREEMAN; REED, 1983; predominante da teoria das organizações e
MITCHELL; AGLE; WOOD, 1997; veja na sociologia. Sua distinção é embasada no
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10. As organizações religiosas e suas relações: Uma análise a partir da teoria dos stakeholders
princípio de eqüidade como fundamento tem qualquer obrigação de atender ao seu
normativo, formulado pelo autor da bem-estar.
seguinte forma: Phillips (2007, p. 174) segue e
define stakeholder derivativos como
Sempre que pessoas ou grupos de pessoas aceitam “aqueles grupos cujas ações e reivindica-
voluntariamente os benefícios de um esquema ções devem ser levadas em conta pelos
mutuamente vantajoso de cooperação que requer
sacrifício ou contribuição da parte dos participantes
gerentes devido ao seu efeito potencial
e que exista a possibilidade de free-riding, são sobre a organização e seus stakeholders
criados obrigações de eqüidade entre os participan- normativos”. A legitimidade desses grupos
tes no esquema cooperativo em proporção aos está em sua capacidade de influenciar a
benefícios aceitos (PHILLIPS, 1997, p. 57). organização e seus stakeholders norma-
tivos, ou seja, sua legitimidade não deriva
Phillips (2007) explica que as de si mesmas, mas de sua influência poten-
obrigações em relação aos stakeholders cial. Neste caso, não há qualquer obrigação
surgem quando a organização aceita volun- moral da parte da organização de se
tariamente as contribuições de um grupo preocupar com o seu bem-estar e podem
ou indivíduo. Diferentemente dos direitos ser tratados exclusivamente de forma ins-
humanos, por exemplo, em que se aceita as trumental (D’ORAZIO, 2006).
obrigações morais pela pessoa em si, as O autor ainda define os não-
obrigações morais dos stakeholders são stakeholders como grupos ou indivíduos
criadas sob a base das ações das partes. em relação aos quais a organização não
Essas obrigações são criadas entre as pes- tem qualquer obrigação moral e a proba-
soas e as organizações internamente à bilidade deles terem um impacto sobre a
esfera das associações privadas e não em organização ou em seus stakeholders legí-
âmbito da sociedade. Entretanto, o autor timos é muito pequena. Dessa forma, é
faz uma ressalva ao princípio normativo justificável omitir tais grupos e indivíduos
acima e afirma que seu limite está na da análise stakeholder.
interpretação do princípio da eqüidade A seguir é apresentado (Figura 1)
entre os stakeholders segundo a concepção um quadro geral das relações stakeholders
estrita da teoria, ou seja, considera que segundo a tipologia de Phillips (2007). O
apenas os grupos que possuem uma obri- autor chama a atenção para o caráter
gação de eqüidade são os verdadeiros dinâmico do mapa – como nas
stakeholders. considerações de Mitchell, Agle e Wood
Feitas essas considerações, Phillips (1997) – cuja legitimidade stakeholder é
(2007, p. 173) define stakeholder norma- sensível à natureza dinâmica das relações
tivos como “aqueles a quem a organização stakeholders. Uma das limitações desse
tem uma obrigação moral, uma obrigação modelo é a não inclusão do governo como
de eqüidade entre os stakeholders, superior um importante stakeholder derivativo.
aquele devido a outros atores sociais Quanto à primeira questão, Philips
simplesmente em virtude de sua humani- (2007), Freeman e Wicks (2007) deixam
dade”. O autor esclarece que quando não claro que consideram um erro que a teoria
há uma obrigação para com um grupo em dos stakeholders – apesar de ser utilizada
particular sob a categoria stakeholder não primordialmente para organizações de
significa que a organização não tenha qual- grande porte e de controle difuso – seja
quer relação moral com tal grupo. Significa restringida a um tipo e tamanho específicos
apenas que não haverá uma consideração de organização. Afirmam que a teoria pode
moral adicional de eqüidade entre os e deve ser aplicada em empresas de
stakeholders a esses grupos na tomada de pequeno porte, empresas familiares,
decisão gerencial e que a organização não
Revista de Negócios, ISSN 1980-4431, Blumenau, v17, n.2, p.21 – 40, Abril/Junho 2012. 62
11. Maurício Custódio Serafim Graziela Dias Alperstedt
empresas de controle não difuso, associ- públicas.
ações, organizações sem fins lucrativos ou
Mídia
Ativistas
Financiadores
Consumidores
Funcionários
ORGANIZAÇÃO
Competidores
Comunidade
Fornecedores
Não-Stakeholder
Obrigações Podem afetar ou Consideração
normativas serem afetados por derivativa
Figura 01 – Mapa dos stakeholders: normativos, derivativos e não-stakeholder.
Fonte: Phillips (2007, p. 181).
fossem analisadas sob o ponto de vista do
Apesar de Philips (2007), Freeman mercado?
e Wicks (2007) não nomearem explici-
tamente organizações religiosas em seus 4 Organizações religiosas e organizações
argumentos, crê-se que a lista pode ser econômicas: o argumento de Berger
estendida sem problemas de modo a (2004)
contemplá-la. Há ainda outro ponto que
conta a favor do uso da teoria para as Como mencionado anteriormente,
organizações religiosas e que está relacio- uma das características símiles da organi-
nado a uma pergunta subjacente: seria zação religiosa com a econômica é a sua
adequado que as organizações religiosas situação de mercado. Mas isso se aplica ou
é apenas em um sentido figurado? Berger
Revista de Negócios, ISSN 1980-4431, Blumenau, v17, n.2, p.21 – 40, Abril/Junho 2012. 63
12. As organizações religiosas e suas relações: Uma análise a partir da teoria dos stakeholders
(2004) propõe uma leitura bastante esclare- elemento comparativo para as pessoas que
cedora desta questão. Para o autor, a procuram uma organização religiosa, leva
característica-chave de toda situação plura- a uma “racionalização das estruturas
lística é a impossibilidade dos ex-mono- sociorreligiosas” (ibidem., p. 150). Essa
pólios religiosos de poderem contar com o racionalização possibilitará que o objetivo
seu público, ou seja, a submissão passou a organizacional seja cumprido de forma
ser voluntária e, portanto, não há mais a eficaz e que estratégias futuras sejam
certeza de quantos membros ela conseguirá planejadas e colocadas em prática, expres-
atrair e manter. Por conse-qüência, a sando-se principalmente no fenômeno da
tradição religiosa, que antes era imposta burocracia (como em outras instituições da
pela autoridade – seja governa-mental ou sociedade moderna).
eclesial – agora deve ser colocada no Uma questão importante é que a
mercado. Isso significa que ela deverá ser expansão da burocracia possui a tendência
vendida para uma clientela que não é mais de tornar as organizações religiosas
exclusiva e que precisa ser convencida a parecidas em temos sociológicos, indepen-
comprar seus bens e serviços religiosos. E dentemente de suas tradições religiosas.
em situação em que duas ou mais Uma possibilidade é, por exemplo, duas
organizações com propósitos seme-lhantes organizações religiosas possuírem uma
procuram satisfazer as neces-sidades de um mesma estrutura, mas com duas legiti-
mesmo grupo de pessoas, estabelece-se a mações teológicas diferentes uma da outra
competição. Berger (2004, p. 149) afirma ou, ainda, possuírem funções burocráticas
que “a situação pluralista é, acima de tudo, semelhantes com legitimações teológicas
uma situação de mercado” e que, por isso, diferentes e até opostas, sem que a
grande parte das atividades religiosas é funcionalidade seja afetada. Berger (2004)
regida pela lógica da economia de torna mais precisa sua análise e chama a
mercado, com as instituições religiosas se atenção que há na verdade diversos mode-
tornando agências de mercado e as los de burocracia envolvidas nesse pro-
tradições religiosas mercadorias de consu- cesso. Ele cita os casos das igrejas protes-
mo, em um ambiente de competitividade. tantes européias que, devido à longa
Essa transformação das organi- experiência de igreja oficial, tendem para
zações religiosas, de monopólios a compe- modelos políticos de burocracia, as igrejas
tidoras, levou também a transformações protestantes americanas, que tendem a
em suas estruturas sociais. Em situação de emular as estruturas burocráticas das
monopólio, as “estruturas sociorreligiosas” empresas econômicas, e a igreja católica,
(ibidem., p. 150) não sofrem pressões para que possui uma tradição própria de buro-
apresentar resultados, sendo as situações cracia caracterizada por sua administração
apresentadas incontestáveis per se. Em seu central. Apesar dessas diferenciações,
caráter competitivo, as estruturas sofrem Berger conclui que as exigências de racio-
pressões para que os resultados sejam nalidade são semelhantes e exercem pres-
apresentados, tais como – apenas para citar são em suas respectivas estruturas socior-
alguns – números de convertidos, milagres religiosas.
realizados, expansão numérica de igrejas e E continua Berger, a progressiva
de membros, “resultados” das missões, das burocratização das organizações religiosas,
arrecadações, dos números de fiéis em inerente a sua situação contemporânea, faz
eventos, capacidade de espetacularização, com que as interações com outras organi-
testemunhos apresentados, paz de espírito zações sigam o caráter burocrático, o que
e melhora da situação de vida. E essa se traduz em “relações públicas” com a
pressão por resultados, que pode servir de clientela, “lobbying” com o governo, “bus-
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13. Maurício Custódio Serafim Graziela Dias Alperstedt
ca por financiamento” em agências priva- si do que uma igreja neopentecostal e a
das e governamentais, envolvimento com a igreja católica, ou entre uma igreja
economia secular (principalmente por meio neopentecostal e uma igreja protestante
de investimentos). A busca por resultados histórica. Mas como Berger observa, a
utiliza métodos muito semelhantes em necessidade de colaboração se deve à
relação a outras estruturas burocráticas que necessidade de racionalização da competi-
possuem o mesmo problema. ção na situação pluralista. Isso leva a uma
E como em qualquer burocracia, é tendência de que a competição por fiéis e
fundamental que haja tipos específicos de recursos tenha certos limites para evitar a
pessoal. Por isso, “seleção e treinamento” autodestruição e a elevação dos custos
surgem nas organizações religiosas, não financeiros. Para a sobrevivência da orga-
apenas referente à formação de quadros nização ou sua expansão são necessárias
religiosos – como padres, religiosos ações que normalmente precisam de um
consagrados, bispos e pastores evangélicos capital razoável e ações no sentido de
– mas de pessoal técnico para levar a cabo reduzir os riscos. Despesas com a adminis-
de modo racional as exigências da tração burocráticas, despesas com a forma-
burocracia. Nesse quadro, a tradição religi- ção de pessoal, construção e manutenção
osa deixa de ser importante, sendo questão de templos e igrejas, obras de caridade,
principal a adaptação ao papel burocrático, produção de material promocional, veícu-
e devido a isso, há pouca importância de los de comunicação (impressa, rádio, tele-
qual tradição religiosa o funcionário é visão e Internet), requerem somas de
proveniente. E para Berger, o tipo sócio- dinheiro que devem ser racionalmente
psicológico que surge na liderança de empregados. As fontes de renda mais
organizações religiosas é semelhante a de comuns, como doações e dízimos, são de
outras instituições burocráticas, cujas difícil previsão e possui grau considerável
características são ser ativista, pragmático, de insegurança. E como afirma Berger, um
hábil em relações interpessoais, alheio a modo de redução de riscos é conseguir o
qualquer reflexão administrativamente entendimento com os concorrentes, racio-
irrelevante, dinâmico e conservador ao nalizando a competição por meio da
mesmo tempo, entre outros. cartelização.
A situação pluralista ainda cria o Até esse ponto foi abordada a
mercado competitivo e a concorrência para influência que a situação pluralística
as organizações religiosas na medida em exerce na estrutura sociorreligiosa. Entre-
que se tornou impossível o emprego do tanto, sua influência é mais abrangente e
braço político para a eliminação das rivais. atinge também os conteúdos religiosos, ou
Neste caso, a tendência do mercado seja, “o produto das agências religiosas de
religioso seria a de se tornar um sistema de mercado” (ibidem, p. 156). Apesar dos
livre competição se não fosse o fenômeno conteúdos terem estado ao longo da
do “ecumenismo”, num sentido estrito do história sempre sujeitas a influências mun-
termo. Para Berger (2004, p. 153), danas, a situação pluralística introduz uma
ecumenismo é uma “colaboração amigável dinâmica nova: a preferência do consu-
cada vez mais estreita entre os diferentes midor. Como, relembrando, “a caracterí-
grupos envolvidos no mercado religioso”. stica social e sociopsicológica crucial da
E dependendo de certas afinidades, “os situação pluralística é que a religião não
rivais religiosos são vistos não tanto como pode mais ser imposta, mas tem que ser
‘inimigos’, mas como companheiros com posta no mercado” (ibidem., p. 156), é
problemas semelhantes”. Nessa pers- fundamental que as necessidades e desejos
pectiva, as igrejas neopentecostais pos- da clientela sejam levados em consideração
suem mais possibilidades de acordos entre na oferta de algum bem ou serviço de
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14. As organizações religiosas e suas relações: Uma análise a partir da teoria dos stakeholders
consumo religioso. É certo que a tradição “É nessas áreas que a religião continua a
ainda tem o seu espaço e que haja ser ‘relevante’ mesmo em camadas alta-
“fidelidade ao produto” dos “velhos fre- mente secularizadas, enquanto a aplicação
gueses”, mas as organizações religiosas de perspectivas religiosas aos problemas
precisam incorporar a solicitação de um políticos e econômicos é amplamente
público que possui certo grau de exigência considerada ‘irrelevante’ nessas mesmas
sobre o produto. Dessa forma, a “dinâmica camadas” (ibidem., p. 158).
da preferência do consumidor” introduz a Berger ainda acrescenta mais dois
possibilidade de mudanças na esfera religi- efeitos do controle do consumidor sobre os
osa de um modo sem precedentes. Pode-se conteúdos religiosos. O primeiro, a
dizer que com a inserção dessa dinâmica padronização, é a tendência de atender a
moram numa mesma esfera dois inimigos, necessidade que se apresenta
a mudança e o tradicionalismo, que as razoavelmente homogênea dos membros
organizações religiosas deverão saber lidar atuais ou potenciais da organização. O au-
com eles, a tensão entre eles e legitimá-los tor exemplifica afirmando que uma orga-
teologicamente. nização religiosa orientada para o mercado
Para Berger, a dinâmica da prefe- da classe média alta nos Estados Unidos
rência do consumidor postula que os conte- deverá secularizar e psicologizar seus
údos substantivos estão suscetíveis à produtos com o risco de, caso contrário,
mudança, mas não determina a direção da não conseguir vendê-los. O segundo efeito,
mudança. Entretanto, há alguns fatores que denominado de diferenciação marginal,
condicionam o caráter dessa mudança. Um faz parte do processo de racionalização da
deles é o reflexo da secularização do mun- concorrência e diz respeito à necessidade
do dos consumidores na preferência por de se distinguir das outras organizações
produtos religiosos, significando que religiosas – aquelas que sobreviveram à
preferirão produtos religiosos que combi- cartelização – que oferecem produtos
nam com a sua consciência secularizada. semelhantes devido ao efeito da padro-
Outra influência sobre o caráter da nização. Para Berger (2004), uma forma de
mudança vem da relevância socialmente diferenciação é a ênfase da “herança
significativa da religião. Como na Moder- confessional”, ou seja, assume-se um perfil
nidade o significado da religião se situa de alguma tradição “redescoberta” e cria-se
principalmente na esfera privada, as uma dinâmica da identificação e da auto-
preferências da clientela refletem as neces- indentificação. Atualmente, uma das
sidades dessa esfera e o produto religioso formas de diferenciação e de influência na
terá mais chances de ser comercializado na dinâmica da identificação é a utilização de
medida em que atender essa preferência, técnicas de marketing, que cuidam, entre
ou seja, enfatizar que é mais relevante para outras coisas, da “imagem institucional” da
a vida privada do que para as instituições organização.
públicas. Ao se voltar para uma pergunta
Berger (ibidem., p. 158) enfatiza subjacente à questão dos stakeholders, qual
que “daí resulta que as instituições religi- seja, se seria adequado que as organizações
osas tenham se acomodado às ‘neces- religiosas fossem analisadas sob o ponto de
sidades’, moral e terapêutica, do indivíduo vista do mercado, a argumentação de
em sua vida privada”. E isso pode ser Berger (2004) parece suficiente para que se
evidenciado na ênfase que vem sendo dado possa afirmar positivamente. E não apenas
à família, às questões psicológicas, à saúde de forma figurada, mas como uma situação
física e financeira do indivíduo, e na real de mercado competitivo capaz de
“administração das emoções”. E completa: influenciar as estruturas sociorreligiosas
Revista de Negócios, ISSN 1980-4431, Blumenau, v17, n.2, p.21 – 40, Abril/Junho 2012. 66
15. Maurício Custódio Serafim Graziela Dias Alperstedt
das organizações religiosas, devido à busca forma quase óbvia, principalmente pelo
por resultados, e os conteúdos religiosos, discurso moral dessas organizações. Em
por conta da dinâmica da preferência do outras palavras, espera-se, ou melhor,
consumidor. Essa situação de mercado confia-se que as ações organizacionais
deixa ainda mais confortável a possi- sejam mais éticas do que economicamente
bilidade do uso da teoria dos stakeholders motivadas pelo critério normativo ser
para as organizações religiosas, conforme proveniente de base religiosa, o que signi-
será explorado nas conclusões a seguir. fica uma responsabilidade moral intrínseca
pelas conseqüências de suas ações em
5 Conclusões: A teoria dos stakeholders pessoas ou grupos afetados pelas suas
aplica-se às organizações religiosas atividades.
Quanto aos stakeholders normativos, as
Tendo em vista a pergunta de diferenciações mais marcantes entre a
pesquisa sobre a possibilidade de aplicação organização religiosa e econômica estão no
da teoria dos stakeholders às organizações relacionamento com os financiadores, fun-
religiosas, propõe-se a seguir um modelo cionários, consumidores e comunidade.
de análise adaptado de Phillips (2007) para Para a organização religiosa, os financi-
respondê-la. Além das adaptações de adores são geralmente doadores, divididos
alguns stakeholders, foi acrescentado o em três categorias: (a) aqueles que fazem
governo como stakeholder derivativo e doações esporádicas e cujo valor pode
suprimido o stakeholder derivativo “ativis- variar entre pequenas quantidades de
tas” – cujo objetivo seria o de monitorar e dinheiro e pequenos objetos a grandes
exercer pressões sobre a organização – por quantidades de dinheiro e objetos de
ser considerado como não-stakeholder grande valor; (b) aqueles que fazem doa-
quando se trata de organizações religiosas. ções contínuas por meio de dízimos men-
Adicionalmente, não é incomum que algu- sais; e, (c) aqueles que participam de
mas dessas organizações religiosas sejam campanhas caracterizadas por uma curta
elas mesmas as ativistas de outras organi- continuidade, como carnês para o financi-
zações. Ainda sobre o modelo, é possível amento de alguma obra social ou cons-
que haja diferenciações no modelo trução de templos e igrejas. Recentemente,
stakeholder da igreja evangélica e da igreja algumas igrejas estão aderindo a parcerias
católica devido ao grau diferenciado de com bancos privados e públicos para a
orientação para o mercado. concessão de cartões de crédito específico
Pelas características da situação de para os públicos evangélicos ou católicos e
mercado em que as organizações estão cujo objetivo é direcionar uma porcen-
submetidas, muitas semelhanças entre o tagem do dinheiro arrecadado para os
modelo stakeholder de organizações projetos sociais mantidos por essas igrejas.
econômicas e religiosas são inevitáveis, Outro ponto importante sobre os financi-
como explicitadas nas figuras anteriores. adores em relação ao retorno do valor
Entretanto, uma diferenciação bastante doado (ou investido) é a sua dependência
importante em relação à teoria dos do desempenho da organização religiosa,
stakeholders é a seguinte: enquanto a teo- assim como na organização econômica, e
ria busca se fundamentar em teorias éticas concretizados na melhoria física das igrejas
ou normativas para qualificar o relacio- e templos, na aquisição de equipamentos
namento organização-stakeholder, numa de áudio e vídeo, na melhoria e ampliação
tentativa de inserir a dimensão ética na dos projetos sociais, entre outros. Porém,
esfera econômica, nas organizações reli- de um modo diverso, a organização não
giosas esse relacionamento é esperado – o devolve o resultado do investimento nomi-
que não significa que seja cumprido – de nalmente e apenas para os financiadores.
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16. As organizações religiosas e suas relações: Uma análise a partir da teoria dos stakeholders
Mídia
Governo
Financiadores/
Fiéis/
Doadores Membros da
Consumidores
hierarquia e
funcionários
ORGANIZAÇÃO
Concorrentes RELIGIOSA
Comunidade/
Pobres
Fornecedores
Não-Stakeholder
Obrigações Podem afetar ou Consideração
normativas serem afetados por derivativa
Figura 02 – Mapa dos stakeholders para as organizações religiosas.
Fonte: Adaptado de Phillips (2007, p. 181).
Quanto ao stakeholder funcioná-
Por eles serem geralmente anôni- rios, além do quadro de pessoal burocrático
mos, o retorno provém de uma satisfação como há nas organizações, independente-
psicológica ao se sentir partícipe de uma mente de seus objetivos, nas organizações
organização em expansão e em desenvol- religiosas há os membros da hierarquia
vimento e, em algumas vezes, as doações eclesial, que podem exercer cargos buro-
vultosas garantem um “lugar especial” ou cráticos – o que acontece principalmente
relacionamento privilegiado na hierarquia em postos de direção e em instâncias mais
eclesial. Ou seja, existem formas diferen- importantes de tomada de decisão –
ciadas de “retorno ao investidor” em ter- revestidos, portanto, de uma legitimidade
mos de satisfação pessoal, status ou po- religiosa que outros funcionários burocrá-
der. ticos não possuem. Isso pode acarretar um
hibridismo entre a dominação legal e a
tradicional, no sentido weberiano, fazendo
Revista de Negócios, ISSN 1980-4431, Blumenau, v17, n.2, p.21 – 40, Abril/Junho 2012. 68
17. Maurício Custódio Serafim Graziela Dias Alperstedt
com que certas decisões sejam tomadas Acerca do stakeholder concor-
tendo como limites ou incentivos a maxi- rentes, a relação é um pouco mais comple-
mização dos recursos ou suas estratégias e xa do que em uma organização econômica
os valores morais e tradicionais cultivados no livre mercado. O motivo dessa comple-
pela organização. xidade tem origens na discussão anterior
Quanto ao terceiro stakeholder sobre a tendência à cartelização. Há a
normativo, os consumidores/fiéis, da forma tendência dos rivais no mercado religioso
como foi descrita a dinâmica da preferê- se considerarem mais como colegas com o
ncia do consumidor, possuem semelhanças mesmo problema do que como inimigos,
cada vez maiores com os consumidores de em um clima de colaboração amigável,
uma organização econômica, com a dife- como afirmou Berger. No modelo, os
rença que há um discurso legitimador para concorrentes são considerados como
o usufruto de um bem ou serviço religioso. stakeholders derivativos, mas se levarmos
Uma das fontes dessa legitimação é o alto a argumentação de Berger a sério, o que
grau de confiança que os fiéis depositam temos é uma relação normativa com os
naqueles que recomendam ou incentivam o concorrentes porque de certa forma há uma
consumo ou que oferecem o serviço. Outro obrigação moral com os concorrentes.
ponto importante é que a obrigação moral Certo que uma das motivações é a
com os consumidores vai além do aspecto racionalidade econômica, de autopre-
stakeholder. Assim como se espera com- servação, mas também há um componente
portamento exemplar da hierarquia eclesi- valorativo, ou melhor, de solidariedade,
al, espera-se uma atitude ética como quando uma organização religiosa enxerga
comportamento padrão nos relaciona- os concorrentes como “estando na mesma
mentos de compra e venda, sendo que situação”. Isso é mais verdadeiro entre as
qualquer comportamento fora desse padrão igrejas protestantes e evangélicas e menos
produz resultados mais danosos para uma verdadeiro entre a igreja católica e as
organização religiosa do que para uma igrejas protestantes e evangélicas. Com
organização econômica porque atos deso- efeito, o modelo deve ser revisto caso a
nestos são mais rigorosamente conde- caso e adaptado conforme a organização
nados e punidos: não se está ferindo apenas econômica que se está sendo investigada.
um contrato social, mas a confiança de Uma limitação importante do uso
uma comunidade religiosa. da teoria dos stakeholders para a análise de
No quarto stakeholder normativo, a organizações religiosas é indicado por
comunidade, há uma saliência do pobre Miller (2002). O autor sugere que nessas
como um stakeholder importante que afeta organizações as distinções entre os
e é afetado pelos objetivos da organização. stakeholder são borradas porque a tecno-
Ela, a organização, possui valores norma- logia de organizações religiosas normal-
tivos que orientam o seu relacionamento mente envolve ação coletiva e, nesse caso,
com o contexto social e econômico, e consumidores podem ser simultaneamente
muitas delas possuem uma política de fornecedores e produtores.
caridade e pobreza como ação organiza-
cional, que a faz se diferenciar das organi- Referências
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