Este artigo descreve como um Diretor Financeiro assumiu o controle de uma empresa de cobrança de dívidas entre 2000-2003. Utilizando fundamentos teóricos sobre poder e organização, o estudo explora como a diretoria, agindo strategicamente, conduziu a empresa de acordo com seus interesses e ideologias para que o Diretor Financeiro assumisse a presidência.
Trabalho acad. clarissa pereira da paz patricia ferreira - clima organizacion...
A tomada de poder numa empresa
1. XV EREAD/NE – Maceió, AL, Brasil - 2011
A Tomada de Poder numa Empresa: o caso de uma recuperadora de
crédito em João Pessoa-PB
Carlos Antônio de Macedo
Me. Cleverton Rodrigues Fernandes
Resumo
Este artigo trata das empresas como arenas políticas, onde ocorrem jogos de poder entre
indivíduos e grupos de atores sociais. Nesta perspectiva, o presente estudo busca apresentar
preliminarmente os meios que foram usados por um indivíduo para adquirir o controle de
uma empresa entre os anos 2000 e 2003. Como métodos foram utilizados: levantamentos
documentais e entrevistas exploratórias abertas. Sendo um estudo de caso exploratório e com
ênfase qualitativa. Como fundamentos de análise foram utilizados os pressupostos teóricos de
Crozier e Friedberg (1977), Crozier (1981), Lukes (1983), Faria (2003), Motta e Vasconcelos
(2004) e Carvalho e Vieira (2007). Como resultado foi verificado que o ex-Diretor
Financeiro, com a concordância de sua diretoria, conduziu todos da empresa com suas
ideologias e interesses com o intuito de alçar a máxima posição na empresa.
Palavras-chave: Poder, Dominação Ideológica, Mudança Organizacional.
1. Introdução
As relações de poder, embora sejam objetos de análises e discussões entre teóricos das
ciências sociais, ainda não encontram igual interesse no âmbito das ciências sociais aplicadas,
em especial na área da administração (CARVALHO & VIEIRA, 2007). Sendo raros os
autores que dedicam obras inteiras abordando essa temática nas empresas. Segundo Silva e
Dellagnelo (2007, p. 15) “o poder, embora seja uma das categorias centrais para a análise das
organizações, tem merecido pouca atenção dos estudos organizacionais brasileiros”.
Entendendo essa carência no âmbito acadêmico, enveredou-se na ideia de que as empresas
são arenas políticas, onde ocorrem jogos de poder entre indivíduos e grupos de atores sociais.
Esses que atuam estrategicamente visando atingir seus interesses específicos por meio dos
recursos organizacionais (MORGAN, 2000).
Nessa perspectiva, o presente artigo busca apresentar, a partir de uma pesquisa numa empresa
de prestação de serviço de recuperação de crédito, os meios que foram usados por um
indivíduo e sua diretoria (formando uma coalizão) para adquirir sua hegemonia frente aos
demais, proporcionando a tomada de poder para angariar a presidência da empresa. Ou seja,
essa pesquisa busca apresentar um caso em que se evidenciam esses jogos de poder partindo
do seguinte questionamento: como se deu a tomada de poder, pelo ex-Diretor Financeiro, da
organização Alfa entre os anos 2000 a 2003?
Servindo esta pesquisa como contribuição para a área relacionada às relações de poder e
mudança em organizações no âmbito nacional, sendo adotada uma exposição e análise dos
dados de modo narrativo conforme Jovchelovitch e Bauer (2008) e Flick (2009). Visando
valorizar a concatenação factual e histórica dos fatos, bem como, cruzando as narrativas dos
atores individualmente de modo a compor a narrativa central.
Estando o referido artigo estruturado da seguinte maneira, além desta introdução, há uma
seção que explicita o método da pesquisa, seguido de uma revisão teórica apresentando as
organizações como arenas de poder, a partir da noção de burocracia. Os resultados e análise
são apresentados na quarta seção, em que se narra, sob a luz do referencial teórico, o processo
de tomada de poder, para então concluir este artigo relatando alguns dos aspectos relevantes
da pesquisa, bem como suas contribuições.
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2. Método da pesquisa
A identificação das relações de poder da empresa em questão se deu pelo viés do aporte
teórico que relacionava as organizações como burocracias e arenas de poder. Para este fim foi
realizada uma pesquisa de campo numa empresa do ramo de serviços financeiros situada em
João Pessoa-PB. Devido a recomendações de sigilo será dado um nome fictício à empresa,
passando a ser denominada simplesmente como Alfa.
O estudo caracteriza-se, estrategicamente, como um estudo de caso e uma análise de
informações documentais com propósito exploratório (YIN, 2001; GIL, 2007). Exploratório
por estar se tratando de uma pesquisa de campo e por tentar compreender um fenômeno ainda
pouco explorado (ZANELLA, 2009).
Enquanto que a estratégia de “estudo de caso” contribui para entender fenômenos individuais,
organizacionais, sociais e políticos, sendo bastante comum na ciência social (YIN, 2001). A
coleta dos dados foi através de entrevistas não estruturadas, que foram aplicadas para 12
indivíduos; envolvendo funcionários e ex-funcionários da empresa Alfa. Toda a pesquisa
compreendeu o período de maio até julho de 2010, permitindo o resgate histórico dos fatos
ocorridos entre os anos 2000 e 2003.
Enquanto que a análise das informações secundárias e documentais foi embasada nas
propostas de Bardin (1977), sendo listadas palavras chaves para a pesquisa e seleção entre os
documentos disponíveis. Salientando que além dessas propostas analíticas foram adicionadas
as contribuições de coleta e análise narrativa das falas dos entrevistados (JOVCHELOVITCH
& BAUER, 2008).
Através de cada narrativa dos entrevistados foi composta, através da convergência dos fatos,
uma “narrativa central” de modo a atingir o objetivo proposto nesta pesquisa. Adiante estão
expostos os fundamentos teóricos que serviram para analisar e verificar as relações de poder e
as mudanças na organização em estudo.
3.1 A organização burocrática: controle e dominação
Segundo Michel Crozier e Erhard Friedberg (1977) as organizações são a união de grupos
políticos que constroem em conjunto o ambiente onde vivem. Tais organizações são formadas
por indivíduos atuantes que a constituem através das suas interações. Sendo assim, tanto as
pessoas como as organizações são tratadas como sendo atores políticos que edificam suas
“sociedades”.
Assim a organização seria um sistema que estruturaria jogos de poder entre atores sociais.
Atores sociais, segundo Crozier (1981), expressa a ideia do homem como ser analítico e
estratégico que age politicamente a partir do seu julgamento e das opções do jogo social,
escolhendo, na maioria das vezes, mais de uma opção de ação, contanto que deseje pagar o
preço de suas decisões dentro do esquema do jogo.
Como relata Motta e Vasconcelos (2004), a burocracia, com suas regras, fornece segurança
além de minimizar as incertezas e riscos, visando organizar a atividade de grande número de
indivíduos de modo estável para conseguir fins explícitos. Ou seja, trata-se de uma solução
organizacional que tenta evitar a arbitrariedade, o confronto entre os indivíduos e os grupos e
os abusos de poder.
Muito embora a impessoalidade e a formalidade sejam suas marcas, a burocracia não
conseguiu reduzir o homem a meras engrenagens da “máquina organizacional”. Pois os
indivíduos trazem para a empresa sua personalidade e lá desenvolvem um conjunto de
relações sociais que passou a ser conhecida como sistema informal (ARAÚJO, 2006).
Segundo Tuner (2000, p. 104) estas relações informais “suplementam e, às vezes, suplantam o
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sistema formal de status, normas e autoridade”. Esta dualidade estrutural das organizações
complexas é um dos efeitos inesperados de seu funcionamento.
Os efeitos inesperados, de fato, correspondem à definição das disfunções burocráticas
apresentadas por autores como Merton, Gouldner e Selznick. Tais efeitos ocorrem devido ao
paradoxo básico da ação social. Como formulou Merton e relatou Motta e Vasconcelos (2004,
p. 134) “para cada efeito „positivo‟ existem um efeito que contraria as expectativas dos
gerentes e administradores”. Sendo esta contradição da ação que provoca tensões no ambiente
burocrático.
Outro fator que contribui para essas tensões é a existência, nas organizações, de indivíduos
com interesses variados e contraditórios. Há, na verdade, diversas racionalidades e “lógicas de
ator” igualmente válidas. No cotidiano organizacional, cada ator social decide conforme seus
próprios interesses e dentro das opções de ação possíveis (MOTTA & VASCONCELOS,
2004).
Nesta pesquisa a burocracia é também tida como um controle invisível, tendo em vista sua
característica de dominação “pacífica” pela regra. As técnicas de administração são
desenvolvidas e utilizadas para justificar e legitimar a adesão dos indivíduos as diretrizes
gerais da organização. “Ao passarem por um processo de socialização que, entre outras
estratégias, visa ao incentivo à capacidade individual, as pessoas passam a respeitar tais
diretrizes” (CARVALHO & VIEIRA, 2007, p. 17).
Em certo sentido a burocracia poderia ser delineada como uma dominação ideológica que é
um elemento fundamental para o exercício do poder no nível interno empresarial. Ela é criada
por um ou vários indivíduos de forma não contraditória a lógica empresarial.
Numa empresa, a dominação ideológica “é um sistema de crenças e valores criados e que, em
geral, transmite uma falsa realidade” (CARVALHO & VIEIRA, 2007, p. 18) e uma estratégia
de dominação ideológica que costuma ser usada é o reforço da ideologia pregada pela
empresa para anular possíveis conflitos.
Em suma, as organizações seriam soluções institucionalizadas que favorecem os interesses de
um grupo específico (MOTTA & VASCONCELOS, 2004). São, na verdade, soluções
artificiais que provocam problemas de coordenação. Além disso, o alcance da cooperação
entre diferentes atores sociais seria, também, um dos problemas fundamentais da organização.
Para Crozier (1981), a integração dos indivíduos e grupos à organização se faz comumente de
três modos:
a) Através da coerção, quando os atores sociais são submetidos e obrigados às regras da
organização;
b) A manipulação ideológica ou afetiva; e
c) A negociação entre os grupos organizacionais.
3.2 A organização burocrática: poder e autoridade
Certas características organizacionais, a exemplo do caráter burocrático, podem, em certo
nível, contribuir para mudanças culturais de determinada organização. Pois elas geram tensões
que permitem essas transformações intra-organizacionais a exemplo de um repentino desastre
ou descontrole financeiro ou quando “novas pessoas entram para compor o quadro de
gestores” (ARAÚJO, 2006, p. 320).
É prudente salientar que as mudanças, em uma organização, ocorrem devido à influência da
ação de diversos tipos de forças; podendo ser externas e/ou internas. Com relação às forças
internas – foco desta pesquisa –, elas comumente são reflexos das externas e se refere ao
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“comportamento das pessoas da organização frente a novos desafios” (ARAÚJO, 2006, p.
321). Podendo esse “novo desafio” ser empreendido por força de uma “contracultura”, ou
poder de um determinando grupo que tende a rejeitar a cultura vigente, gerando conflitos
internos e propiciando jogos de poder (CHIAVENATO, 1999). Nesse caso as relações de
poder podem não estar explícitas e; não diferente de uma ação consciente através de um
programa de Desenvolvimento Organizacional (ARAÚJO, 2006); podem precipitar em
transformações estruturais e/ou culturais organizacionais.
De acordo com Drummond (1993) o poder pode ser entendido como “o poder sobre”,
enfatizando os próprios interesses de um indivíduo e as suas ações enérgicas para influenciar
pessoas. Essa categoria de poder parece ter sido visualizada no caso em estudo.
Há na literatura autores que discordam da concepção do “poder sobre”; alegando que há a
necessidade de ampliar o escopo de análise, incluindo a dimensão estrutural e as ações
inconscientes e não intencionais (casuais) dos agentes (HAYWARD, 2000). Por outro lado, o
“alerta” propiciou um ajuste logo no início desta pesquisa, passando a expor as narrativas
juntamente com a estrutura organizacional existente e as nuanças das ações casuais dos
agentes, que aqui passaram a serem denominados também de atores ou indivíduos que agem e
interpretam, conforme Crozier e Friedberg (1977).
Todavia, há outra forma de poder: o “poder para fazer”. Nesse caso, parte-se da ideia de que
um indivíduo tem: direitos, interesses e status diferentes. É através dessa concepção de poder
que se compreende a capacidade de alguns indivíduos de se agregar e formar, por exemplo,
coalizões (VERGARA, 1999). Situação, também, visualizada no fato pesquisado.
Os instrumentos de poder – segundo Araújo (2006, p. 326) – envolveriam: a razão, a amizade,
a barganha, a assertividade, a “maior autoridade”, a sanção e a assimetria de informações.
Bem como existem outras subtipologias de poder, como é o caso do “poder burocrático” que
pode ser exemplificado no caso da “demissão de pessoas altamente competentes, fruto da
incompetência daqueles que ocupam cargos de alto poder decisório na empresa e temem
perder sua posição” (p. 330). Exemplo, bem próximo do encontrado na pesquisa empírica.
Para Lukes (1983), o essencial ao poder é a realização de uma vontade ou desejo, dando
assim, caráter intencional à ação do poder, esta que pode ser:
a) Potencial, que consiste nos meios presentes de obter algum bem futuro;
b) Real, que seria fazer os outros agirem de acordo com os interesses do ator que detém o
poder.
O poder para Faria (2003) seria a capacidade que teria um indivíduo de definir e realizar seus
próprios interesses e objetivos específicos, mesmo contra a resistência ao exercício desta
capacidade e independente do nível estrutural em que tal capacidade esteja fundamentada.
Enquanto que para Lukes (1983) o poder é simplesmente o excesso de poder de um indivíduo
sobre o poder dos demais, seria, assim, uma relação assimétrica. Para tanto o indivíduo pode
obter a “aquiescência” dos demais, exercendo predomínio de suas vontades sobre a dos
outros.
Além disso, o poder pode ser exercido numa perspectiva desigual, e também assimétrica, que
consiste na “noção distributiva que focaliza as capacidades diferenciais dos atores dentro de
um sistema para assegurar vantagens e recursos valiosos, mas escassos” (LUKES, 1983, p.
828). No caso, o poder pode ser exercido sem que um indivíduo obtenha a “aquiescência” de
outrem.
Já o conceito de autoridade tem uma estrutura mais complexa do que o conceito de poder.
“Quem aceita a autoridade aceita como razão suficiente para agir ou acreditar no fato de ter
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sido instruído nesse sentido por alguém cuja pretensão de fazer isso é por ele reconhecida”
(LUKES, 1983, p. 831). Acolher a autoridade de acordo com Lukes (1983) seria “abster-se de
examinar aquilo que nos mandam fazer, ou aquilo em que nos mandam acreditar” (p. 831).
Seria nesse caso uma abdicação da crítica privada com relação a essa relação.
Para estabelecer seus interesses com autoridade, o indivíduo deve ser possuidor de direitos
que o caracterize como tal. Como é o caso da idade, do gênero, da posição na hierarquia, da
riqueza, da honra, das credenciais, dos papéis funcionais ou religiosos, e do próprio poder
(LUKES, 1983). Para Vergara (1999) e Araújo (2006) algumas desses “direitos” – como é o
caso da personalidade, riqueza e status hierárquico – também podem ser considerados fontes
de poder.
4.1 Arena e jogos de poder em ação
Após três anos de relativa estabilidade e crescimento, a empresa começou a apresentar
problemas na área financeira. A antiga presidência da Alfa (Presidente e Vice) mostrava-se
afastada da gestão, tendo seu espaço, funções e poder ocupado pelo Diretor Financeiro, tido
como amigo próximo do Presidente. A própria natureza e a tecnologia das atividades da
empresa também garantiam a proeminência dos setores financeiro e de informática.
Segundo o Gerente de Desenvolvimento de Sistemas (GDS), o Presidente estava interessado
em outros negócios ou mostrava acomodação e desinteresse pela gestão da empresa. Dos doze
entrevistados, nove afirmaram que o principal subgrupo da Alfa não era aquele liderado pela
Presidência, mas sim, outro, sob a influência do Diretor Financeiro (DF). Como se percebe, o
não questionamento dessa situação pela presidência reforçou a autoridade da diretoria
financeira e gerou a aceitação desse fato pela maioria dos funcionários.
Os problemas ligados à área financeira trouxeram à tona elementos que explicitam conflitos
políticos e não apenas divergências funcionais entre o setor financeiro e de informática. O
Diretor de Informática (DI) não estava satisfeito com o software de gestão financeira e
sugeriu publicamente sua substituição, devido às falhas que apresentava. Por sua vez, o DF,
nas palavras do GDS, “rejeitava constantemente [este fato], alegando que a função da
diretoria de informática era manter o sistema funcionando”, por fim, sugeria haver má gestão
na área. Vale dizer que segundo alguns entrevistados, o antigo Presidente não autorizava a
diretoria de informática realizar diagnósticos, examinar seus processos e melhorar o sistema
(software).
Em 2001, dados relatando a situação financeira negativa da empresa, segundo o GDS “uma
falha grave na tabulação dos dados que confirmavam a situação econômica negativa da
empresa”, foi o ponto central de um conflito explícito entre os setores, o que resultou em
níveis significativos de polarização entre as partes.
O Gerente de Contabilidade (GC) afirma que “o pessoal da informática foi influenciado pelo
atrito do seu diretor com o de finanças, [...] acho que eles erravam os dados financeiros de
propósito”, e acrescenta, concluindo que “o problema não era do software e sim de
insubordinação”.
Por sua vez o GDS afirma que havia uma armação (manipulação de dados) por parte do DF
para prejudicar seu setor, segundo ele “não houve erro da nossa diretoria, [...] o software era
ruim, mas não era capaz de causar aquele erro”. Na mesma linha o Supervisor de Sistemas
Operacionais (SSO) disse que “o DF e o Gerente de Faturamento (GF) estavam tramando
contra a nossa diretoria, mas o que eu podia fazer?”. Tais questionamentos eram possíveis
haja vista que o acesso a algumas informações do sistema era exclusivo dos responsáveis pela
cobrança, que imediatamente repassavam ao DF.
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Tanto não se tem elementos objetivos para determinar se houve adulteração de dados ou
incompetência/falha humana de algum dos lados, como os fatos imediatamente posteriores
não auxiliam na compreensão, haja vista que o pedido de demissão feito pelo DI em 2001
pode explicitar indiretamente que este assumiu sua falha ou perda na luta de poder; e a não
realização de uma auditoria financeira, sugerida após o problema, e a subsequente
subordinação dos funcionários da informática a Diretoria Financeira pode explicitar
indiretamente a intenção do DF de esconder suas falhas ou de contornar o conflito a seu favor.
Aqui, percebe-se como o discurso de gestão e os aparatos burocráticos são utilizados, por
ambas as partes, como instrumentos no jogo de poder que constitui a arena organizacional.
Segundo Morgan (2000) um indivíduo pode utilizar a tecnologia disponível, as próprias
regras da empresa e o conhecimento técnico, ocultamente, para se beneficiar.
Por outro lado, os eventos subsequentes demonstram que o DF soube utilizar este fato como
instrumento de poder na arena organizacional. Tendo a partir daí empreendido ações
deliberadas para alcançar seus objetivos de ocupar a Presidência da Alfa, agora sem contar
com possíveis focos de divergência e conflito. Para o Gerente de Faturamento (GF) “o DF
queria mesmo era tomar o lugar do Vice-Presidente [...] talvez até a do Presidente [...] era o
jeito dele, sempre estava à frente de todos”.
Minimizado os focos de divergências, o controle organizacional foi reforçado sob a tutela do
medo da demissão. O clima organizacional no final do primeiro semestre de 2002 piorou
devido à tentativa de reverter o quadro econômico da empresa por parte da diretoria
financeira, conforme depoimentos. A taxa de rotatividade nesse período foi uma das mais
elevadas, devido a pressões do DF por melhores resultados. Para GDS, no entanto, “era mais
uma tática; não havia necessidade daquela rotatividade [...] tudo foi criado para proporcionar
um clima de ansiedade”. Ele acrescenta que “ninguém se arriscava mais a comentar sobre
conflitos ou coisa do gênero [...] era salve-se quem puder [...] todo mundo estava cegamente
dando o melhor para não ser demitido [...] e recuperar a empresa”.
No ano de 2002, de acordo com o GC, “a situação se complicou quando o Vice-Presidente
desconfiou do nosso diretor (DF)”. Houve aí outro atrito. Ele lembra que até foi cogitada a
demissão do DF: “o Vice-Presidente encontrou algumas informações financeiras incoerentes
nos documentos da empresa e começou a acusar o DF [...], foi uma confusão [...], pensou-se
em fazer uma auditoria [...] eu lembro que ele até ameaçou demitir o nosso diretor”. Para o
GDS “não havia incoerência [...], havia era desvio de dinheiro!”.
Segundo o GF, “eram distorções daquele software problemático, além dos dados manipulados
pelo Diretor Financeiro; tudo passava pela mão dele”. Esta fala pode indicar que o primeiro
problema financeiro não tenha sido fruto de intenção deliberada, mas tenha aberto a
perspectiva para este tipo de ação posteriormente. O próprio ex-DF e atual Presidente indica
isso: “minha intenção era fazer parte da presidência e foi no que deu [...] em alguns momentos
cheguei a me arrepender [...]; pensava realmente que agente ia quebrar [...], mas deu tudo
certo”. Esta fala revela também o paradoxo da ação social, como formulado por Robert
Merton (MOTTA & VASCONCELOS, 2004).
O passo seguinte foi se utilizar do argumento/situação de insolvência da empresa para
empreender e legitimar a venda da mesma, fato que resultou no ex-DF como novo Presidente
da Alfa. De acordo com GF, “no mês de setembro de 2002 o Presidente percebe uma
oportunidade de negócio” e, em seguida, uma “boa oferta por parte de uma empresa
concorrente na compra da empresa Alfa”. “Ele, então, aceitou a minha sugestão e a do DF e
acabou negociando a empresa”. Nesse momento é possível perceber como interesses
divergentes presentes na organização surgem e são utilizados argumentos “técnicos” para
reforçar posições políticas, pois o DF como o GF alçaram na hierarquia após as controvérsias
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financeiras.
4.2 Novo discurso para a burocracia dominada
Nascia agora uma nova empresa sob a presidência do ex-DF. Um funcionário da empresa
compradora se tornou o Vice-Presidente no período de 2003 a 2004. O antigo GF passou a ser
o atual DF e o cargo de GF foi ocupado por outro funcionário recém-admitido. Os demais
entrevistados permaneceram nos seus cargos, exceto o GDS que foi demitido no início de
2003 por pressão da nova presidência; atualmente ele trabalha em outra empresa. Em suas
palavras: “minha demissão foi causada pelo meu envolvimento com o DI após sua demissão
[...] ele era meu amigo [...], mas nem isso era permitido”. Este ponto, como também a
proeminência do DF na antiga gestão, revelam como as relações informais influenciam as
estruturas burocráticas e traçam novas regras em complemento ou sobreposição àquelas
formais.
De acordo com o atual Presidente “a verdadeira história [sobre todo esse incidente financeiro]
foi divulgada para todos os funcionários em 2003”. “Sempre deixei claro que a antiga
presidência não estava comprometida com a empresa, era natural isso acontecer”. Contudo, a
versão do atual Presidente não apresenta os conflitos, a manipulação financeira e as versões
dissidentes da história. Aqui é possível relacionar a forma de institucionalização mítico-
ideológica, bem como da forma de comunicação e aprendizagem organizacional conforme
Powell e Dimaggio (1991) e Crozier e Friedberg (1977), respectivamente.
A relação de autoridade existente entre o atual Presidente e os demais funcionários é
confirmada nas entrevistas. A maioria dos funcionários tem o atual presidente como
inteligente, estratégico, ético e comprometido. Ou seja, acredita-se acriticamente na versão
unilateral do ex-DF sobre sua estratégia de tomada de poder. Revelando a propagação de um
sistema de crenças específicas que serve para dominação ideológica e obtenção da
aquiescência dos demais funcionários, reforçando a assimetria de poder, conforme Lukes
(1983).
A atitude do atual presidente é muito diferente daquela que existia quando dos conflitos e
busca pelo poder. Hoje, de acordo com seus membros, ele permite questionamentos,
descontentamento, conflitos controlados e sugestões; o nível de rotatividade reduziu
drasticamente e a tecnologia de software foi totalmente modificada, sendo usado, atualmente,
um sistema de última geração. Tudo isso, segundo o atual Presidente, foi por perceber que “a
empresa cresce muito mais de forma ética, com equipe motivada, com inovação e zelo pela
imagem”.
Atualmente, percebe-se um paternalismo por parte do atual Presidente, que busca manter sua
dominação conforme Crozier (1981) e Carvalho e Vieira (2007), seguindo a linha da
negociação e manipulação ou dominação ideológica. Situação que confirma as ideias dos
autores que serviram como “alicerce” teórico desta pesquisa.
5. Conclusão
O foco deste artigo foi analisar a relação de poder que existiu entre o ex-Direitor Financeiro e
toda a empresa estudada. Esse indivíduo, com a anuência de outros membros da organização e
com base em sua coalizão, conduziu todos com suas ideologias e interesses; inibindo
manifestações contrárias por meio da coação e da persuasão, mesmo que isso proporcionasse
prejuízo à empresa.
Através da narrativa central, fruto da pesquisa empírica, pode-se perceber que os atores
sociais que dominam as zonas de incertezas pertinentes, que detém as competências
primordiais para o funcionamento da empresa, podem decidir colaborar ou não, fornecer estes
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recursos, aptidões técnicas e informações ou não. Eles podem até se impor aos outros e
influenciar os rumos do sistema organizacional e ganhar maior poder como foi o caso do ex-
Diretor Financeiro. Servindo esta pesquisa para esclarecer, através do caso, as ações dos
atores individuais imbuídas de poder, os jogos de poder e a mudança “intra-organizacional”
ou endógena. Corroborando e endossando, assim, as afirmações e os pressupostos teóricos
dos autores pesquisados.
Por outro lado, por ser uma pesquisa inicial e preliminar apresentou limitações conclusivas
sobre alguns aspectos da narrativa, inclusive devido a problemas de acessibilidade. Pois não
foi possível entrevistar a antiga presidência, atualmente ocupada pelo ex-Diretor Financeiro.
O que não invalida os resultados encontrados, bem como as análises e inferências. Fazendo
emergir ao menos uma hipótese: as mudanças organizacionais sempre envolvem jogos de
poder? Bem como o seguimento da pesquisa aumentando-se o tempo e os entrevistados.
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