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RECURSOS PÚBLICOS PARA ENTIDADES PRIVADAS ADVINDOS DE
EMENDAS PARLAMENTARES
Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
A Constituição Federal de 1988 prevê a possibilidade de
apresentação de emendas ao projeto de lei orçamentária anual.
Muitas dessas emendas propõem a alocação de recursos
a serem destinados a entidades privadas.
Entende-se que a apresentação de tais emendas pelos
parlamentares possibilita a participação dos representantes da sociedade na
definição das políticas públicas.
Muitas instituições privadas, sem fins lucrativos, são
indicadas nas emendas individuais dos parlamentares para receberem
recursos públicos pelo simples fato de atenderem às exigências relacionadas
na lei de diretrizes orçamentárias. Isso não se revela em conformidade com o
ordenamento jurídico pátrio, com destaque para a violação aos princípios da
impessoalidade e da isonomia. Além disso, estimula a criação de entidades
para receber recursos públicos.
Atualmente, as regras concernentes às transferências de
recursos financeiros da União mediante convênios, contratos de repasse e
instrumentos congêneres encontram-se estabelecidas, em particular pelo
Decreto 6.170, de 25 de julho de 2007, e na Portaria Interministerial nº 127, de
29 de maio de 2008, (revogada e substituída pela Portaria Interministerial nº
507, de 24 de novembro de 2011) dos Ministérios do Estado do Planejamento,
Orçamento e Gestão, da Fazenda e do Controle e da Transparência.
Outrossim, há dispositivos aplicáveis aos convênios na Lei nº 8.666/1993 – Lei
de licitações e contratos, - Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de
Responsabilidade Fiscal, - na Lei de Diretrizes Orçamentárias(LDO) e na
Constituição Federal de 1988.
(Artigo: Transferências de recursos da União para entidades privadas, sem fins
lucrativos. http://www.fiscosoft.com.br/a/4u6m/transferencias-de-recursos-da-uniao-
para-entidades-privadas-sem-fins-lucrativos-marco-aurelio-bicalho-de-abreu-chagas).
Em conformidade com princípios administrativos
constitucionais (art. 37) que devem nortear a realização de despesas públicas,
as leis de diretrizes vêm dispondo sobre a necessidade de seleção para
realização da transferência a entidades privadas. Como exemplo, podem ser
citadas as previsões:
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a) “...desde que a entidade seja selecionada em processo
público de ampla divulgação promovido pelo órgão ou entidade
concedente...” (art. 30, parágrafo único, inciso II, da LDO 2012);
b) “...sejam selecionadas para execução, em parceria com a
Administração Pública Federal, de programas e ações...” (art. 31, inciso
III, da LDO 2012);
c) “...publicação, pelo Poder respectivo, de normas, a serem
observadas na concessão de subvenções sociais, auxílios e
contribuições correntes, que definam, entre outros aspectos, critérios
objetivos de habilitação e seleção das entidades beneficiárias...”
(normas gerais para transferência a entidades privadas, no art. 34, inciso
VI, da LDO 2012).
“Como se percebe – afirma Mário Luis Gurgel de Souza -
a intenção da legislação é justamente incentivar a promoção da seleção
daquele que apresente as melhores condições para desempenhar a atividade
estatal. Com efeito, em havendo mais de uma entidade em situação de
igualdade e com interesse em firmar convênio com a Administração Pública,
não pode o administrador, sem qualquer motivação, escolher a entidade
“preferida”. Nessa situação, para melhor atender ao interesse público e aos
princípios de moralidade, impessoalidade, isonomia, publicidade (Art . 37 da
CF), a Administração deve estar vinculada à realização de processo de escolha
e de seleção por meio de critérios pré-definidos.”
“É oportuno mencionar entendimento do Tribunal de
Contas da União – TCU acerca da realização de transferências de recursos ao
setor privado. A Corte de Contas, reiteradamente, vem recomendando ao
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, à Casa Civil da Presidência
da República e à Secretaria do Tesouro Nacional que regulamentem a
obrigatoriedade de instituir processo de chamamento e seleção públicos
previamente à celebração de convênios com entidades privadas sem fins
lucrativos e estabeleçam critérios objetivamente aferíveis e transparentes para
a escolha das entidades privadas que receberão recursos por meio de
convênios e outros instrumentos públicos utilizados para transferir recursos
federais (como se pode observar no Acórdão TCU n° 1331/2008 – Plenário; no
Acórdão TCU nº 2066/2006 – Plenário e no Acórdão TCU nº 1.777/2005 –
Plenário).”
Fonte: Nota Técnica nº 19/2011- Análise de disposições legais afetas a
transferências a entidades privadas e o impacto das recentes alterações
implementadas pelo Decreto nº 7.568 de 2011, ao Decreto nº 6.170, de 2000,
de Mário Luis Gurgel de Souza
Em artigo sob o título “Convênios com ONGs: abordagem
com ênfase nas fragilidades, aplicando mineração de dados”, José Roberto
Valentim, assevera que:
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“Para viabilizar a prestação de serviços e a
implementação de políticas públicas, tem sido prática antiga o Estado brasileiro
valer-se de parcerias com entidades privadas. No início, essas parcerias eram
dedicadas, principalmente, à prestação de serviços nas áreas de saúde,
educação e assistência social às camadas mais pobres da população
(Carvalho Neto, 2007). Nas últimas décadas, o rol de papéis assumidos pelas
entidades privadas sem fins lucrativos foi alargado. Emergiram daí novo perfil,
novas perspectivas de atuação, mais visibilidade e novo rótulo para as
organizações da sociedade civil – passaram a ser denominadas de
Organizações Não-Governamentais (0NGs) ou terceiro setor.”
“As ONGs, usualmente, ocupam espaços deixados
pela ineficiência do poder público. Juridicamente, não existe definição para
ONG. Ela pode ser uma associação, uma fundação ou até mesmo uma
organização internacional que não seja vinculada a Estado ou governo. Assim
qualquer entidade de direito privado, contanto que sem fins lucrativos e sem
ser controlada pelo poder público, pode ser considerada ONG.”
“A lei nº 9.790/99, por sua vez, instituiu a possibilidade de
entidades sem fins lucrativos serem qualificadas pelo poder público como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP – desde que os
seus objetivos sociais e as normas estatutárias atendam aos requisitos do
diploma legal. Uma OSCIP é, essencialmente, uma ONG, porém com uma
qualificação jurídica diferenciada dada pelo Ministério da Justiça,
habilitando-a a firmar termo de parceria com a administração pública. Ser
OSCIP é uma opção institucional não uma obrigação imposta às ONGs.”
(grifamos).
ONG é um acrônimo usado para as organizações não
governamentais (sem fins lucrativos), que atuam no terceiro setor da sociedade
civil. Estas organizações, de finalidade pública, atuam em diversas áreas, tais
como: meio ambiente, combate à pobreza, assistência social, saúde,
educação, reciclagem, desenvolvimento sustentável, entre outras.
As ONGs obtêm recursos através de financiamento dos
governos, empresas privadas, venda de produtos e da população em geral
(através de doações). Grande parte da mão-de-obra que atua nas ONGs é
formada por voluntários.
Igor Thiago Batista Cupertino, em artigo intitulado,
“Entidades do Terceiro Setor sob o controle dos Tribunais de Contas”,
esclarece que “o Terceiro Setor representa as atividades que não são mais
desenvolvidas exclusivamente pelo Estado e sim por entidades sem fins
lucrativos e com apoio e financiamento pelo Poder Público. Deste modo,
ele possui autonomia e administração própria, sem ter fins lucrativos. Dentre as
várias entidades do Terceiro Setor, podemos citar as ONG´s (Organizações
Não Governamentais), as Fundações e as OSCIP´s (Organizações da
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Sociedade Civil de Interesse Público), que têm como objetivo atuar em
diversas áreas da sociedade, como saúde, educação, cultura, esportes,
levando qualidade de vida a quem precisa.”
“É importante que os representantes do Terceiro Setor
saibam que os instrumentos jurídicos de parceria com o Estado apresentam
limites por meio de indicadores e metas para controle e fiscalização das
atividades. Nestes casos, o Estado atua em parceria ao Terceiro Setor e realiza
também um controle externo. Essas instituições devem estar sujeitas à
fiscalização do Ministério Público e ao controle externo do Poder
Legislativo, que será feito com a ajuda dos Tribunais de Contas.”
(grifamos) Fonte: http://www.rubensandrade.adv.br/index.php/entidades-do-
terceiro-setor-sob-o-controle-dos-tribunais-de-contas/
Em face do até aqui exposto, entendemos que os
recursos públicos a serem destinados ou transferidos a entidades privadas
para viabilizar a prestação de serviços e a implantação de políticas públicas,
através de parcerias, encontra limites, pois tais entidades têm que ter finalidade
pública e atuarem em diversas áreas, precipuamente, aquelas em que se
verifica a ineficiência ou carência do poder público.
As ONGs e as OSCIPs se revestem, em princípio de
características entidades privadas, sem fins lucrativos passíveis de receber tais
benefícios e, portanto, se sujeitam, como visto, à fiscalização do Ministério
Público e do Tribunal de Contas.
Logo, é uma entidade privada, sem fins lucrativos que não
se equipara às ONGs ou OSCIPs e, por conseguinte, não se sujeita,
estatutariamente, à fiscalização do Ministério Público e nem do Tribunal de
Contas e, em vista disso, a nosso juízo, não se enquadra no rol de entidades
privadas que poderiam receber recursos por meio de convênios e outros
instrumentos públicos utilizados para transferir recursos, notadamente, aqueles
advindos das citadas Emendas Parlamentares.