4. Redesenhando a história
ma salutar parceria com a dupla de historiadores Douglas
Apra:~1 e Leda de Almeida, Enio Lins é aquela cabeça brilhante que nos
revel.;.., irme e mansamente, histórias alagoanas.
Da mudança da capital de Marechal Deodoro para a atual Maceió
ou d? meandros das relações incestuosas entre a Coroa portuguesa e
·· .,,'.*~; . noss ·'ffspírito libertário (não confundir com libertino), o homem sabe
: ·-i·.f1do..~ ono d: um .ª~lomb e d~ u~a ele~ância surpreendentes pa:a um
' : ,~ ·~rt ·. ta, Eruo pos1t1vamentee mais que isso. Produtorcultural, agitador
eza, foi responsável pela minha primeira ida a Maceió, para
ar de um salão de humor que ele havia criado.
. Agora, depois de experiências pela vida político-administrativa
aq<; ;'.,. .me consta foi adido cultural nos governos Suruagy e Lessa), nosso
if ··: · forte do cartum alagoano investe numa recontagem bem-
h · ··~. da da História que não foi contada.
· .· Conta com o apoio, nesta empreitada, da premiada dupla de
historf dores, Douglas & Leda, o que só vai acrescentar à sua verve o
imprescindívelrigor histórico desejávelnaboaliteratura.
Quem sabe esteja nascendo deste trabalho um outro, mais
pretensioso, que pode abarcar as linguagens já consagradas como teatro,
cinema e - por que não? - as virtuais do CD-ROM e as 11
que porventura
venham a ser inventadas11
, como somos obrigados a assinalar, hoje em dia,
emnossos contratos de cessão para difusão de obracultural.
Como todos sabem, estamos atravessando um portal para uma
nova realidade, tanto do ponto de vistasocioeconômico quanto do político
e do tecnológico.
Nessas horas é que se tornam indispensáveis o conhecimento e a
profundidadena concepção de onde viemos e paraonde vamos.
Esta é, sem dúvida, uma belíssima contribuição para um povo
prestes a retomar emsuas mãos o próprio destino.
Paulo Caruso
São Paulo, outubro de 2002
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Periódico Maceioense A verdade nua e crua Nºt
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AS RAIZES INDIGENAS
ajussara, Pratagy, Jacarecica, Ypioca,
Jacutinga, Suaçuy, Guaxuma, Jatiúca,,
Manguaba, Mundaú. E tão forte a presença
indígena na toponímia e na etimologiamaceioense e,
no entanto, nós nem associamos esses nome às
nossas raízes indígenas nem à herança que nossos
antepassados deixaram em muitos campos de
atividade.
O próprio nome da cidade, Maceió,
corruptela de Massayó ou Maçai-y-ok, é de origem
tupi e significa "o que tapa o alagadiço", explicação
para a restinga onde os nossos avós caetéshabitavam
antes da chegada dos portuguesas, dedicados à caça,
à coleta de frutos silvestres e principalmente à pesca
em nossas piscosas lagoas e no mar que lhe cerca e
embeleza.
I I
APRE-HISTORIA
/ importante salientar as características do nosso
.,..... complexo lagunar co1nunicado com o mar, que
-representa um ecossistema rico em recursos
naturais de flora e fauna e que foi, desde a pré-
história, até os dias atuais, uma região de atrativos
para as populações. Antes mesmo dos nossos avós
caetés chegarem, nossos bisavós pré-históricos já
ti11l1am percebidoisto, hámaisde 3000anos atrás.
QUER DIZER, ELES SÃO MAIS ANTIGOS
QUEOSÍNDIOSCAETÉSAQUI?
Sim, os desconhecidos senhores do
território maceioense co1neçaran1 a construir os
montes - nos quais deixaram registrada sua
passagem por aqui há muito, muito tempo atrás - e
SAMBAQUIS
são conhecidos pelos arqueólogos como
sambaquieiros, ou construtores de sambaquis, de
samba (mariscos) e ki (amontoados), em tupi. Na
verdade, eles já eram um mistério para os índios que
os sucederam. Quando os primeiros portugueses
aqui chegaram, já haviam desaparecido há mais de
mil anos.
Sabe-se quase nada daqueles nossos bisavós
que um dia ergueram os montes feitos de conchas e
restos de animais, utensílios e mesmo de
sepultamentos. Viviam à beira-mar, não tinham
estresse e se instalavam nas margens das lagoas e
inatas de encosta, o que lhes garantia comida o ano
il1teiro.
Há registro de vários sambaquis em Maceió, quase todos desaparecidos com a ocupação dos nossos
contemporâ11eos. Mas ainda é possível encontrar alguns como o da margem esquerda do Canal Grande de
Dentro, Sítio Areias, no local denominado Caboclos, um sambaqui grande, um enorme amontoado de cascas de
ostras, maçw1irn, wilia-de-veio, taiobas e restos de cerâmica, colarese resíduos de carvão desuas fogueiras.
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12. ...
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SURURU DESPINICADO
QUALAORIGEM:OENGENHOOUACASADETELHAS!
assayó era o nome do engenho de açúcar
do qual se originou a cidade. Antes disso,
porém, no período anterior à invasão
holandesa, lá pelos idos de 1609, havia em Pajussara,
perto da enseada das canoas dos caetés, uma casa de
telha pertencente a Manoel Antonio Duro, a quem
Diogo Soares, Alcaide-Mor de Santa Maria
Madalena, doara uma sesmaria. Escritura pública de
1611 con1prova já existir dois anos antes essa casa,
falando o documento num outro homem que se
estabelecera ali legalmente e que o sesmeiro era
obrigado a respeitar, caso a demarcação que ia se
realizar llle alcançasseos limites do sítio.,
E igualmente importante saber que a
sesmaria de Manuel A11tonio Duro foi transferida a
seguir para o Capitão Apolinário Ferna11des Padilha,
antigo proprietário de terras em Maceió, que
substituiuo antigo sesmeirona posse.
Após a expulsão dos holandeses, e da
sangrenta guerra que assolou o território alagoano,
pois éramos parte da capitania de Pernambuco, a
Coroa lusa decidiu preve11ir-se de novas investidas
estrangeiras, providenciando em alguns pontos de
stta colô11ia alguns fortes militares. Em 1673 o rei
D.Pedro II de Portugal ordenou ao Visco11de de
Barbacena a fortificação do Porto de Jaraguá para
coibir o contrabando de pau-brasil precioso produto
da época, abundante em nossas costas- que era feito
com a ajuda dos índios. Os recursos não vieram e a
obrafoi adiada.
I A
OREGISTRO NODIARIO HOLANDES
No longínquo ano de 1640, uma tropa de
reconhecimento holandesa percorreu a costa
alagoana desde Porto de Pedras fazendo anotações
que servissem para operações de guerra.
Atravessaram de canoa os rios Santo Antonio Mirim
e Pratagy e seguiram a rnarcl1a pelo caminho do
Poçoe Mangabeira até o Carrapato,hoje Jatiúca.
Descobriam com os batedores uma linda
enseada de águas turquesa. "Aqui é a Ioçara. Ali é
Jaraguá, onde tem um paço," diz um batedor índio
no diário flamengo. Com a maré cheia,fizeram urna
hora de marcha de Ponta Verde a Jaraguá; do
contrário, o fariam em meia hora pela areia dura da
praia. O passo seria tlm armazém, 011de antes havia
o embarque de pau-brasil. Ouseria a casa de Manuel
Duro, de telha e tijolo?
OPOVOADO INICIAL
Foi exatame11te após o fim do domínio
flamengo que teve início o primeiro povoado de
Maceió, através da construção do engenho de
açúcar que tomou emprestado o nome indígena
dado ao território da restinga, no local onde hoje
está situada aPraça D.Pedro II. Certamente algum
sesmeiro de Santa Luzia do Norte resolveu
procurar novas terras para fundar um engenho de
açúcar ena margem do riacho Maçayó construiu o
pequeno conjunto il1dustrial. Até n1eados do
século XVIII, Maceió seria uma modesta povoação
em torno daquele engenho, célu1a-1nãe da nossa
capital. Havia ali uma pequena capela dedicada a
Nossa Senhora dos Prazeres, anteriormente sob a
proteção de São Gonçalo do Amarante, santo da
devoção do primeiro proprietário.
O modesto povoado evoltúu no início do
século XIX para urna pequena vila, constituída
agora de um conjunto de ruelas e habitações
rústicas, com grande cobertura vegetal, mata
mesmo, rodeando as casas dos moradores, com
um terreno extremamentepantanosodenominado
Boca de Maceió e os mangues da lagoa. O
movimento comercial ia aumentando, servindo
de confluência da produção agrícola dos vales do
Mundaú e do Paraíba e dos demais rios de açúcar,
cortados por dois grandes caminhos abertos ao
acesso da penetração pelo sertão, co1n diversos
núcleos açucareiros marginais a lhes procurar
para escoar a produção. Daí o mérito do Porto de
Jaraguá, que definiria a sua importância como
pólo hegemônicoda economia e da administração.
Sendo necessário passar pelo povoado para ir ao
Porto de Jaragt1á, Maceió foi progredindo,
ameaçando ultrapassar em importância a Vila de
Alagoas.
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21. A HISTÓRIA NUA ECRUA''
PERIÓDICO MACEIOENSE REDAÇÃO: DOUGLAS APRATO E LEDAALMEIDA
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A TRANSFERÊNCIA DA CAPITAL, OU A MUDANÇA DO COFRE
O episódio central da história de Maceió é, sem dúvida, o da
transferência da capital, ou da mudança do cofre. Ten1 tudo para um
enredo de novela ou romance histórico: rivalidade, intriga, traição,
luta etc.
Com a separação da capitania de Alagoas, em 1817, o natural
seria a consolidação da sua capital, que naquela época era Alagoas do
Sul, hoje a cidade de Marechal Deodoro, sede militar, judiciária e
religiosa. Mas desde a gestão de Mello e Póvoas, em 1818, que o
interesse pelo burgo, que tinha um excelente porto natural, causava
ciúmes entre os habitantes da velha capital. Houve até um movin1ento
sedicioso tentando impedira mudança da tesouraria da Fazenda Geral
de Alagoas para Maceió. Póvoas viu logo as vantagens que o pequeno
povoado portuário oferecia em termos de topografia e facilidade para
a arrecadação de renda, e aí fez instalar as repartições fiscais e sua
residência. Sem querer uma niptura naquele 1nomento, preparou os
primeiros passos da transferência e ficou administrando daqui até a
proclan1ação das Cortesportuguesas, em 1821.
A interdição do Porto do Francês tomou Alagoas do Sul
dependente economicamente de Maceió. Tanto por causa do controle
fiscal como pelas dificuldades topográficas oferecidas pelo porto. Por
outro lado, a ampliação do comércio internacional e o forte prestígio dos
setores ligados à exportação, liderados pelos ingleses, exigiam uma
n1udança de rumo para fazer face ao incremento da economia.
En1 1839, quando a presidência da província era exercida por
Agostinho daSilva Neves, deu-seo impasse e a eclosão da crise que vinha
se arrastando há anos. O presidente decidiu pela mudança, mas foi
aprisionado no Palácio Provincial após uma rebelião lideradapelo pai do
Marechal Deodoro, Major Manuel Mendes da Fonseca e pelo notável
tribuno Tavares Bastos. Foi forçado a renunciare embarcado no Porto do
Francês para o Rio deJaneiro
Uma verdadeira guerra foi declarada, participando todas as
cidades e vilas de Alagoas. As tropas se dividiram. A rebelião foi vencida
pelos partidários da transferência, capitaneados pelo vice-presidente
Sinimbu, que interceptou o patacho, navio que conduzia o presidente e
reempossou-o em Maceió. A Coroa Imperial apoiou os mudancistas, suas
tropas marcharam sobre a velha capital, sendo os revoltosos presos. A 9
de dezembro de 1839 a resolução nº 11 decidia o impasse, tomando
Maceió a capital de Alagoas.
22. 1
1
..
EI.EVADA A VILA
Enão poderiaser de outra forma. Pelo alvará régio de
5 de dezembro de 1815, deu-se a sua elevação a vila, sendo-lhe
doadas 7 léguas de costa desmembradas do distrito da antiga
Vila de Alagoas. No ano de 1817 o Ouvidor Batalha deu-lhe a
maioridade, proclamando-a oficialmente como vila
independente, calculando-se que tinha naquela ocasião cerca
de 5000 habitantes, pois na contagem realizada em 1825
registrou-se a existência de 9.109 habitantes. Em 1833, nova
promoção. O termo de Maceió era elevado à categoria de
comarca.
AS LUTAS DE INDEPENDÊNCIA
E A LUSOFOBIA
Por ocasião da emancipação política de Alagoas, em
1817, Maceió não tinha a importância de Alagoas do Sul e de
outras cidades como Penedo e Porto Calvo, mas já se fazia
notar o seu florescimento. Nos embates que se seguiram à
independência do Brasil, em 1822, o pequeno burgo já
mostrava a sua vocação irredenta. Sua manifestação em favor
da autonomia nacional era contundente. Os portugueses e
seus aliados não tiveram tréguas. Em 1831, por exemplo, após
a abdicação do imperador D. Pedro II, preocupada em
retomar o Brasil à condição de colônia, uma multidão
revoltada atacou um quartel de artilharia, apoderando-se de
todo o armamento e munição. Liderava a população o Padre
Francisco Badaia Rego, político e agitador popular que dirigia
o jornal Federalista Alagoense.
A sublevação conseguiu contagiar outras vilas.
Exigia-se a demissão e a retirada de todos os portugueses das
terras alagoanas. As manifestações anti-portuguesas,
verdadeira lusofobia, foram intensas em Maceió. Estes
procuravam abrigos em suas casas, onde se trancavam, e
buscavam refúgios nas igrejas e nas matas. Uma igreja de
Jaraguá foi palco de lamentáveis acontecimentos, no trágico
episódio que ficou conhecido como "mata-marinheiro".
LISOS E CABELUDOS- OUTRAS CONFUSÕES
DA NOVA CAPITAL
As seqüelas da transferência permaneceram por
muitos anos. A imprensa recentemente desenvolvida
acompanhou os rumos do processo, engajando-se em um dos
lados litigantes. O jornalismo iniciante era panfletário e
porta-voz de governistas e oposicionistas. As lutas pelo
poder entre as duas facções se deram com disputas
acirradíssimas. Como na disputa entre lisos e cabeludos, que
gerou nova rebelião. Eram liberais e conservadores,
liderados, de um lado, por Sinimbu, do outro por Tavares
Bastos, incendiando a opinião pública. Na verdade, um
choque entre clãs e oligarquias que não queriam perder o
poder político. Quando do il1ício do funcionamento do
Legislativo, provisoriamente instalado na Igreja do Rosário,
houve uma séria crise.
Em seguida, em 1844, quando o governo liberal
nomeou Bernardo Souza Franco presidente da província, no
rodízio partidário que era comum no Império, nova sedição
estourou em Maceió. Revoltosos entraram na nova capital e
deu-se o combate em Bebedouro. Os sediciosos tomaram
Maceió e Souza Franco refugiou-se nw:::t navio que estava
ancorado em Jaraguá. Prometeu anistiar os .rebeldes e fazer
concessões, mas os combates continuaram na capital até que
reforços vindos de Pernambuco conseguiram restabelecer a
ordem.
Outros movimentos sacudiram ~iaceió, onde a
fermentação política sempre foi uma constante. Na Guerra
dos Cabanos, no movt.mento dos Quebra-Quilos, no
recrutamento de voluntários para a Guerta do Paraguai, na
campanha abolicionista ou na campanha republicana, mais
adiante.
A VISÃO E O F~~O DOS
ESTRANGF.IROS
Apesar de sua turbulência política. ~1aceió atraía
estrangeiros que passavam por aqci o-.. se fi..~vam parafa.zer
lucrativos negócios. Os ingleses que tr.-eram a hegemonia
dos negócios internacionais, participa.-..-.un ativamente da
vida local com seus investimentos. Trom.eram hábitos que
se incorporaram à nossa herança co~o o futebol, a religião
reformista, a modernização do comércio.e chegaram a ter um
cemitério perto do hoje canal Salgadinho, onde se
enterravamossúditos de Sua:faiestadebritânica.
Outros povos europeus er::?grar.i;:n para cá, como
espanhóis, italianos, franceses radicando-se aqui,
constituindo família e deixando cescendentes e alguns
costumes de seu país. Chegamos a te.: .,...ários consulados e
legações diplomáticas em Jaraguá. ..Ugan.s se foram logo
mas deixaram registradas em diários de viagens suas
impressões, como Robert ..ve i..alement. :lary Graham e
Daniel Kidder. Este último assim desc:re-:·eu a cidade, entre
outras palavras:
"Mesmo a mais bela !lha dos ~lares do Sul
dificilmente apresentaria aspecto mais pitoresco que o Porto
de Maceió. A praiase alarga terra adentro, emsemi-círculo. A
areia tem a alvura da neve e parece tersido branqueada pelas
espumas que as ondas atiram incessantementesobre ela. Um
pouco atrás, plantadasobre o flanco de uma colina, eleva-se a
cidade, habitada por quase três mil almas.•."'.
De todas elas a influência inglesa foi a mais
poderosa. A sede da Estação Ferroiária, antiga Alagoas
Railway, é uma reminiscência desse período áureo. Mas a
preeminência britânica entre nós, se trouxe benefícios, foi
também um agente da política de dominação mansa e
exploração sutil - o imperialism o econômico. Casas inglesas
incentivavam e tutelavam o comércio. Maceió tinha
navegação direta e regular com portos europeus como
Liverpool, Falmouth, Gibraltar, Alexandria e Londres. O
predomínio dos gêneros de exportação em detrimento dos
gêneros alimentícios, cujo cultivo era posto de lado,
provocando o aumento dos nveres básicos, causava
dificuldades nas classes mais desfavorecidas, não
vinculadas aos lucros das atividades de exportação. Por isso a
população ironizava com uma rima engraçada:
"Não se pesca mai de rede
não se podemai pescá,
qui já sube danutiça
ui os in rês com rou o má"
23. MACEIÓ
O NEGRO, A ESCRAVIDÃO
E OS ENGENHOS
· É absolutamente imperdoável falar da composição
racial e da cultura maceioense e esquecer a presença negra.
Apesar da vocação portuária, industrial, Maceió teve o papel
vanguardista de agente da urbanização tardia d~ ~~ago~s
plenamente inserido na formação na chamada c1v1l1zaçao
senhorial em função dos engenhos que abrigava em seu
território. Em conseqüência, o elemento negro aqui estava, na
cidade, nos distritos, nas fazendas. Na região norte, em
Ipioca e mesmo na região lagunar, algumas pequen.as
unidades de fabricar açúcar faziam parte da sua economia.
Eram engenhos como o de Garça Torta, o dos familiares de
Floriano Peixoto e o Boca da Caixa.
O número de escravos excedia, no Censo de1870, em
mais de 12o/o o da população livre. Ora, se naquele ano, já
consolidada em sua função de centro administrativo ligado
ao setor de exportação, ainda havia esse percentual, é de se
imaginarque nos anos e séculos anteriores o número era bem
•
maior.
Quando, em meados do século XIX, Maceió já
contava com 53 ruas e povoações e arrabaldes em torno do seu
perímetro urbano, a povoação de Ipioca, por exemplo, que
fazia parte da freguesia de Maceió mas era unidade
independente, destacava-se por ter uma alta taxa de escravos
em sua população: 3.326 deles para 10.668 homens livres,
segundo Tomaz Espíndola. Entre esses ~timos contav~-se
os alforriados, ou seja, aqueles que tinham conseguido
comprarou obtera liberdade.
Lembremo-nos da mão-de-obra escrava como força
de trabalho responsável por toda riqueza produtiva e
também das atrocidades do sistema escravista. A despeito da
condição de escravo - que o limitava na medida em que lhe
era arrancada a liberdade de transmitir na plenitude os
valores da sua cultura -, a herança negra se faz presente em
nossa vida: na cultura, no vocabulário, nos hábitos
alimentares, na dança, no folclore, no esporte. Foi além do
processo de miscigenação, tão visível nos rostos dos nossos
conterrâneos. Quem não gosta dos carinhosos diminutivos,
painho, mainha, netinho, filhinho? Da pimenta malagueta,
do inhame, das lendas, da música, todos impregnados da
nossa negritude? .
Nas ruas da capital os negros de ganho vendiam
refrescos, guloseimas, anunciavam seus ofícios e, por for~a
de uma formação histórica errônea que se perpetuou depois
da abolição, continuaram como a grande parte da população
excluída, abrigada nos bairros inóspitos e mais distantes.
Carente doselementos básicosde cidadania.
O TREM EA MODERNIZAÇÂO
CONSERVADORA
DO SÉCULO XIX
Trapiche da Barra, Poço, Bebedouro, Comércio e
Mangabeiras se consolidavam como áreas urbanas no
período de grandes transformações que foi a segunda metade
3
do século XIX e que tinha como epicentro Jaraguá, "porto e
porta" dessas mudanças, como bem disse o poeta Ledo Ivo.
A era de melhoramentos materiais - que se abria
para o Brasil e alterou o cenário urbano i:as pro~íncias - foi
vivida pela capital alagoana com intensidade. A
implantação do primeiro ramal ferroviário de 6 quilômetros,
ligando a ponte de desembarque de Jaraguá ao Trapiche da
Barra, em 25 de março de 1868 - e depois um outro, que ia da
Rua do Livramento até Bebedouro -, foi a arrancada da
chamadamodernização da capitalalagoana.
Tudo o que a nova era mundial apresentou de mais
significativo podemos encontrar em Macei~ dessa ép,o~a,
tendo como vitrine privilegiada o seu bairro portuano,
convertido em "city" financeira, e o centro comercial: ruas
iluminadas por lampiões a gás, calçamento das ruas
principais, ponte de ferro de desembarque do po~o~ rede
telegráfica, jardins nas praças, casas banc~ri~s .e
seguradoras, navegação a vapor, trem e as pnnc1paIS
repartições públicasinstaladas em prédios sólidos e v.is:osos
como o Consulado Provincial, a Alfândega, Repartiçao do
Selo, Capitania do Porto, Assembléia Legislativa, Palacete
do Barão de Jaraguá - onde hoje funcionam o Arquivo e a
BibliotecaPública-, DelegaciaFiscaletc.
Navios de várias bandeiras zarpavam com
regularidade do nosso porto principal levando algodão,
açúcar, madeira, carne, couro, coco, azeite de mamona e
gêneros exóticos como sebo em rama, vinh_ático, óle? ~e
copaíba, paina de barriguda. Em compensaçao, o comercio
foi inundado de artigos de lã e seda, tecidos de algodão,
azeite de oliva, vinhos, ferragens, drogas medicinais,
bacalhau, cigarros, brim·de linho, chapéus franceses, chitas
percalinas,chapéusde sol e paletósde casimira.
A VISITA DO IMPERADOR
Um acontecimento que marcou aquela época foi a
visita do Imperador D. Pedro II a Maceió, quando,
acompanhado da Imperatriz D. Teresa Cristina, em 31 de
dezembro de 1859, presidiu a solenidade de inauguração da
atual catedral e hospedou-se no palacete do Barão de
Jaraguá, ficando sua passagem marcada com um
monumento na Praça Pedro li.
O INÍCIO TURBULENTO
DA REPÚBUCA
Maceió, mais cosmopolita, acompanhou a intensa
campanha abolicionista que redundou na libertação dos
escravos em 13 de maio de 1888. As idéias libertárias eram
defendidas na imprensa, em jornais como "O Lincoln", a
"Gazetade Notícias", "O Gutenberg" e o "Correio de Maceió"
e instituicões como o Instituto Histórico, fundado em 1868
•
na esteira das mudanças, e grêmios corporativos. O
movimento contrapunha-se à resistência dos fazendeiros do
interior, que não queriam perder o que investiram na
compra dos negros - que sustentavam, com o nefando
24. ,,
"
4
instituto da escravidão, a economia local. A capital
igualmente apoiou o movimento republicano que foi
vitorioso em 15 de novembro de 1889, no Rio de Janeiro,
chefiado por um ilustre alagoano, o marechal Manoel
Deodoro da Fonseca.
Seu irmão, Pedro Paulino, foi designado primeiro
governador de Alagoas no novo regime. Mas o início
republicano foi de muita turbulência política na capital.
Pedro Paulino renunciou, Gabino Besouro foi destituído e o
Barão de Traipu também enfrentou sérias dificuldades. Ao
governo tenso de Manuel Duarte sucedeu Euclides Malta, que
inaugurou uma fase de tranqüilidade, mas que ficou marcada
comoera oligárquica.
AS SALVAÇÕESE
PERSEGUIÇÃO AOS TERREIROS
Diz-se com muita propriedade que o século XX
começou realmente em 1912, com a derrubada de Euclides
Malta e o advento das cha1nadas Salvações, liderado por
Clodoaldo da Fonseca. Nos dias agitados, onde Maceió era
uma verdadeira praça de guerra, houve um episódio triste: a
perseguição aos terreiros da religião afro, uma espécie de
inquisição alagoana. Violência, prisões, tiros, comícios,
manifestações aconteceram com a população participa11do
daquele movimento político. A morte do Secretário do
Interior e do estudante Bráulio Cavalcante, homenageado com
uma praça onde hoje funciona a OAB, são tristes recordações
da época.
Os terreiros voltariam a funcionar anos depois com os
seus muitos adeptos. Por outro lado, os católicos tiveram a
alegria de ver a sua Diocese criada pelo Papa Leão XIII, em 2 de
julho de 1900, e a inauguração do prédio do Seminário quatro
anos mais tarde. Outras religiões, como o kardecismo - que
apareceu no final do século XIX - e as chamadas igrejas
reformadas se implantaram em Alagoas. Estas últimas com
notável crescimento: Batista, em 17 de maio de 1885;
Presbiteriana, em 11 de setembro de 1887 e a Assembléia de
Deus,em1910.
A BEI.I.E ÉPOQUE DAS EJ.ITES
E A MISÉRIA DOS POBRES
A capital alagoana, que no final do século XIX ainda
media forças com algumas cidades interioranas, como a
aristocrática Penedo e a lacustre Pilar, consolidou-se
definitivamente no início do século como urbe moderna e
incontestável centropolítico,econômicoe administrativo.
O alargamento das ruas, o surgimento das praças onde se
reuniam os munícipes, deixando a reclusão de suas casas, e a
construção do Palácio Floriano Peixoto, do Teatro Deodoroe do
Tribunal de Justiça, em prédios monumentais, marcaram o
ingresso de Maceió na chamada "belle époque". Tempos
urbanos, por excelência. Endireitavam-se as velhas vias
cheirando a peixe frito, a tapioca, a arroz doce, vendidos nas
esquinasemtabuleiros enfeitados por negras trajando vistosos
xales e turbantes. Agora eram cavalheiros de chapéu coco e
bengala postados solenemente nas calçadas, à porta da
Maison Elegante, da Casa Zanotti, da High Life, da Casa
Eugene Goestchel ou do Café Colombo. As damas 11ão
dispensavam coletes, mantilhas ou pequenos leques. Maceió
ganhou até um hipódromo, o Prado Alagoano, que mais tarde
se chamaria Jockey Clube e que deu origem ao bairro do
Prado. Dancava-se nos intervalos das corridas de cavalos, ao,
som de conjuntos e orquestras. Apareciam os clubes de
futebol, CSA e CRB, outra novidade. O cinema atraía a
atenção, mudo inicialmente, com músicos a entreter os
freqüentadores. Multiplicavam-se as sociedades recreativas,
o Clube Fênix, a Terpsychore Jaraguaense, o Montepio dos
Artistas, sociedades recreativas. Maceió, mais suscetível às
novidades, ia abrindo brechas na sociedade agrária, adotando
inovações e tomando carona nas mudanças que oséculo XX ia
oferecendo.
O OUTRO LADO
DA MEDALHA: os EXCLutnos
Nem tudo era festa. As senzalas tinham sido
oficialmente extintas, mas permaneceu bem vivo o poder da
casa grande, a segregação nas relações sociais. A ''belle
époque" não chegara para todos, assim como as promessas
igualitárias da república. Maceió, estuário dos sonhos de
grande parte da população alagoana, não oferece a todos suas
benesses. O mundo dos despossuídos não estava nos belos
sobrados, entre os elegantessenhores de fraque, nos costumes
refinados. Para a maioria da população, a casa de tijolo e
alvenaria era artigo inacessível. Ela constrói seus abrigos
como mocambo de pescadores, em Pajuçara e Ponta da Terra
ou, mais adiante, às margens da lagoa, ou nas encostas de
Bebedouro.
Próximo às áreas de movimento, como o embarcadouro
da Levada, Jaraguá ou do Centro, em cortiços, galpões de
madeira subdivididos internamente entre numerosas
famílias que superlotam os cubículos e brigam por qualquer
motivo. Gente sofrida, mestiça, descendente de escravos e
índios, precocemente envelhecida, que lavae faz biscates para
sobreviver.
Eles são os clientes habituais do Asilo de Mendicância, as
vítimas das altas taxas de mortalidade e doenças mentais.
Pagavam pesado tributo a enfermidades como tuberculose,
vaáola, cólera, gripes; uma delas, a espanhola, trazida dos
campos de batalha da Europa, dizimou milhares de
maceioenses. A capital alagoana mudava com o novo século,
inseria-se na ''belle époque" com sua beleza e miséria, ora em
ritmo lento, ora mais veloz, mas sempre com o pensamento
voltado para as mudanças surgidas no mundo e as novidades
republicanas.
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25. O5ÉCULO XX ll'-lCA- ~O~ Pt .~t-'O~iA- f'OUTCA 90 (i~O LlO~RADo ·POR. ~OCLI D~'=> MALTA-1
1~~1RO DO efRÃO /~TAAlf'<J(~A.Noe.~4'Mt&lli~RO) G:AJE M!>.tJTêVE. t7ft)J)f;t<'f'CR 12. A~O:.
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Durante os anos 20 e 30, Maceió abrigou
grandes nomes do mundo cultural brasileiro,
como os alagoanos Graciliano Ramos, Aurélio
Buarque de Hollanda, Nise da Silveira,
Lily Lages, a cearense Rachel de Queiroz e
os paraibanos José Lins do Rego e Tomás
Santa Rosa, entre outras estrelas da
intelectualidade local.
O Café Ponto Central era um dos endereços
preferidos por todas essas estrelas.
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3.1
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COMO COMUNlST.1S t;:
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HA HISTÓRIA NUA E CRUA'' Nº 3
PERIÓ DICO MACEIOENSE REDAÇÃO: DOUGLAS APRATO E LEDAALMEIDA
•
-
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•••
1
•
•
FLAGRANTE COL.F-Tl DO NA RUA DO COMÉRCIO, QUANDO DA PASSEATAE1'vl SOLIDARIEDADE AO GOVERNADORCOSTA REGO
OS GANSOS DO SALGADINHO SALVAM O GOVERNADOR
Assim como a poderosa
Roma dos Césares teve em sua
lustória os gansos do Capitólio,
a cidade-sorriso teve os gansos
do Salgadinho. Um governador
durão, o pilarense Costa Rego,
co m seus costumes
cosmopolitas e ferrenho inimigo
do jogo do bicho e do crime,
decidiu também brigar com o seu
antecessor, Fernandes Lima, com
muita gente importante e até com
os seus colegas jornalistas. Urna
certa noite estava descansando na
casa de uma amiga francesa nas
imediações do Riacho Salgadinho,
próximo aJaraguá, quandofoi alertado
pelo ruído dos gansos da casa vizinl1a,
salvando-se milagrosamente de um
atentado encomendado por um dos
seus muitosinimigos.
•
36. 2
A REVOLUÇÃO DE 30 DEPÕE
UM GOVERNADOR
O movimento dos tenentes
encerrou o período da República
Velha, em 1930, com a tomada da
capital pelos revolucionários e a fuga,
do governador Alvaro Paes. Surpresa
geral, pois um dia antes o governador,
que era muito popular, fizera a sua
costun1eiracaminl1adavesperti11a pela
Rua do Comércio com os seus
auxiliares. Sucederam-no vários
interventores que representavam a
nova ordem chefiada por Getúlio
Vargas.
,
A EPOCA DE OURO DA
CULTURA
Nas décadas de 20 e 30
Maceió viveu a sua fase mais
destacada na cultura. Já no final da
década anterior, em 1918, com a
fundação da Academia Alagoana de
Letras, prenunciava-se urna era de
forte ebulição 11as letras e nas artes.
Intelectuais participavam ativamente
da vida política e administrativa, tais
como Jorge de Lima, Demócrito
Gracinda, Costa Rego, Guedes de
Miranda, Lima Júnior, Povina
Cavalcanti, Jayme de Altavila, entre
muitos outros.
Os ecos do modernismo
chegaram até nós. Rompia-se com os
padrões clássicos e debatia-se o
regional. Na Rua do Comércio, nas
imediações do Ponto Central, podia-se
encontrar um Graciliano Ramos e um
Carlos Paurílio tomando café e
conversando com Raquel de Queiroz,
José Lins do Rego, Santa Rosa e Jorge
An1ado. Os jovens, como Diegues
Junior e Arnon de Mello, fundava111
associações - o Grêmio Guimarães
Passos e a Academia dos Dez U11idos.
Revistas de vanguarda eram
publicadas. Lourenço Peixoto lançava
o paralelismo. O Instituto Histórico, a
m ais antiga i11stituição cultt1ral,
mantinha movimentadas reuniões.
- --- - ~
BEBEDOURO MANTÉM A
CHAMA DA
CULTURA POPULAR
Bebedouro, bairro
tradicional, famoso por seu
embarcadouro e pelos casarões das
famílias importantes que lá
moravam, destacava-se pelas festas
populares que promovia. O Major
Bonifácio é figura inesquecível para
os que amam o folclore alagoano.
Pastoril, Chegai1ça, Taieira, Baiana,
Reisado, Guerreiro, o Coco-de-
Roda, as Bandas de Pífano, as
Cavalhadas encontravam lá o seu
grande palco e atraíam gente dos
arrabaldes e das cidades vizinhas. O
ciclo natalino, o carnaval e as festas
juninas também eram celebrados,
sobrepujando outros bairros que
também faziam comen1orações.
O ESTADO NOVO E A GUERRA
A cidade despertou da vida
bucólica com o novo conflito na
Europa, coisa que11ão aco11tecera na
I Grande Guerra. O treinamento de
soldados para o front, apagões
noturnos, balões vigiando as praias,
cultivo de hortas nas casas, falta de
víveres importados.O
torpedeamento de navios brasileiros
em costas nordestinas levou a
população às rt1as, ein gigantescos
comícios pedin.do nossa entrada na
guerra. A presença de soldados
norte- americanos era explicada pela
ameaça nazista. O Vergel do Lagoe o
Tabuleiro tomaram impulso com a
construção de campos de pouso. A
juventude e a intelectualidade
também queriam a exploração do
petróleo descoberto em Riacho
Doce. O assunto galvanizou as
atenções do país, pois geólogos
norte-americanos diziam que
Alagoas não possuía reservas do
ouro negro. Um intelectual negro,
Rodriguez de Melo, participava
dessa campan11a que tinha como
MACEIÓ
slogan "o petróleo é nosso" e que
contou também com o apoio de
gente de expressão i1acio11al como o
escritor Monteiro Lobato.
Estávamos em plena ditadura
com o Estado Novo. A crítica ao
governo ou opiniões independentes
ot1 simples denímcia de desafetos
eram punidas com rigor e as pessoas
sofriam constrangimentos.
Intelectuais como Graciliano Ramos,
que era Diretor de Instrução Pública,
e Alberto Passos Guimarães foram
presos sem motivo e sem
julgamento.
/
OGOGO DA EMA
Um coqueiro esquisito tornou-
se símbolo de Maceió, objeto de
admiração dos visitantes e tema de
canções e poesias. Ficava na praia de
Ponta Verde. Sua foto era divulgada
por todo o Brasil.
ANGÚSTIA E NINHO DE
COBRAS
Dois livros, duas verdadeiras
obras-primas, retratam bem esse
período e são os romances por
excelência de Maceió. Lá se
encontram a geografia da cidade,
seu jeito de ser, seus tipos
ii1esquecíveis, sua arquitetura, a
alma e a psicologia da urbe. São eles
Angústia e Ninho de Cobras, dos
geniais Graciliano Ramos e Ledo
Ivo. Quem quer que se disponha a
conhecer Maceió não pode
prescindir da leitura desses dois
livros.
A REDEMOCRATIZAÇÃO
DE 45
O fim da guerra apressou a
derrubada de Getúlio Vargas e
juntou os antagonistas comunistas
e udenistas em uma frente ampla
contra o adversário comum: a
37. •
•
e
•
MACEIÓ
família Góis Monteiro, que vinha
dirigindo o Estado desde a Revolução
de 30. Foi wna época de muita
.i11quietação e sobressaltos na capital,
. no governo Silvestre Péricles.
Grandes concentrações públicas eram
feitas e1n Maceió e os conúcios no
Parque Gonçalves Ledo, Praça do
Pirulito e Rua do Comércio atraíam
multidões. Após tanto tempo
rigidamente controlada, a política
voltava a entusiasmar os
maceioenses. Uma grande tragédia
marcou também a capital alagoana
qua11do uma tromba d'água caiu sobre
a cida.de soterrando casas e matando
muitas famílias nas imediações do
atualCefet.
O PRIMEIRO PREFEITO ELEITO
EM 1953
Um fato a ser destacado i1essa
nova fase foi a eleição do primeiro
prefeito constituil1te de Maceió, em 06
de outubro de 1953, uma vez que os
intendentes antes, e os prefeitos
depois, eram nomeados. Neste
memorável pleito para a 11istória
política da capital sagrou-se vencedor
o coronel José Lucena Maranhão, que
tinha sido antes prefeito de Santana do
Ipanema e ficou famoso por ter
comandado as volantes que
combateram e liquidaram Lampião e
seubando de cangaceiros.
AS SURPREENDENTES
MUDANÇAS EM 50
A década de 50, que começou
com a surpreendente vitória do
liberalismo udenista do jornalista
Arno11 de Mello sobre o silvestris1no,
registrou importantes mudanças em
outros campos. Na questão
populacional, por exemplo, Maceió
vai simbolizar essas modificações
co1n o crescime11to urbano e a
migração de numeroso contingente de
pessoas do interior, pulando para
121 . 000 habitantes. O
cosmopolitismo e os ventos da
transformação nacional chegam até
aqui. A capital vai deixando de ser
rural e conservadora e tor11a-se mais
urbana e aberta quanto a novos
costumes. A influência francesa
cede lugar ao prestígio da cultura
norte-americana.
Na política e i1a
administração vive-se uma
dramática experiência com a
ascensão do populismo,
representado pelo governador
Muniz Falcão. Pela pri1neira vez um
governo saído das entranhas da
massa ousa confrontar-se com as
elites e a aristocracia estadual, que
secularmente controlam as rédeas
dopoderlocal.
O EPISÓDIO DO
"IMPEACHMENT"
Na sexta-feira, 13 de
setembro de 1957, Maceió foi notícia
internacional com um conflito entre
poderes que ficou conhecido como a
tragédia do "in1peachment". As
ate11ções nacionais voltaram-se para
a Assembléia Legislativa, com a
presença de altas personalidades da
política brasileira. Votava-se o
impedimento do gover11ador Muniz
Falcão no parlamento quando foi
deflagrado violento tiroteio entre
deputados situacionistas e da
oposição, transformando o prédio
da Câmara Estadual em praça de
guerra, deixando a cidade
conflagrada e atônita com a tensa
crise política que terminou com uma
intervenção assinada pelo
presidente Juscelino Kt1bitscheck.
Depois houve o retorno triunfal do
governador.
AS VILAS
OPERÁRIAS E O
VOTO URBANO
Urna das transformações
ocorridas na década de 50 foi a
igualdade de votos entre as
populações urbana e rural. O
eleitorado mais independente
da capital e de vilas operárias
como Alexa11dria, Fernão
Velho e Saúde passaram a
constituir um peso importante
nas eleições estaduais. Foram
elas que sustentaram o
movimento populista e deram
a vitória a Muniz Falcão.
Deve-se registrar, também,
que o inovimento sindical que
ressurgiu no fim da década de
40 tem uma história de luta
bemmais antiga. As primeiras
greves surgem no começo do
século passado. Na década de
20 os arquii11imigos Euclides
Malta e Fernandes Lima
juntaram-se para combater
, .
uma greve portuar1a que
paralisou Jaraguá. Por outro
lado, a existência de umaclasse
média, a concentração de
professores, estudantes e
intelectuais e a criação da Ufal,
em 1961, com un1 co11tingente
de massa crítica mais atuante,
ajudaram a formar na capital
aquilo que se denomina
opinião pública. Gente menos
comprometida com os
coro11éis donos da vida e da
morte das pessoas.
3
38. •
4
NOVA PERDADAAUTONOMIA
Com o ad,rento do regime
militar de 64, a população
maceioense deixou de escolher de
novo seu dirigente pelo voto. O
último prefeito eleito foi Divaldo
Suruagy, em 1966, que governou
até fevereiro de 1970. Os militares
conseguiram a cassação pela
Câmara Municipal de Sandoval
Caju em inaio de 1964 e a posse do
vice,Vinicius Cansanção. Sandoval
era um prefeito que sabia ~xercer
ben1 a arte da comunicação com o
povo e deixou muitas praças
construídas. Suruagy, por sua vez,
começou a construção de conjuntos
populares e alçou vôos n1ais altos,
chegando ao governo do Estado por
três vezes e exercendo um domínio
de mais de três décadas na política
alagoana, superando Euclides
Malta, Fernandes Lima e os Góis
Monteiro.
A RESISTÊNCIA EM UMA
ÉPOCA DE MEDO
O longo período que vai de
64 até o início da década de 80 foi
uma época de medo e incertezas. O
regime ditatorial aniquilava
qt1alquer tentativa de oposição.
Maceió resistia com sua juventude,
seus jornais alternativos e suas
lideranças si11dicais. A OAB, a
Igreja, as entidades estudantis, os
partidos proscritos, a Sociedade dos
Direitos Humanos, as Associações
de Moradores, os núcleos femininos
passam a oferecer um contraponto à
violência, à falsa unanimidade
oficial e à falta de democracia. Os
movimentos sociais e a sociedade
civil organizada surgem como
esperança de11ovosdias.
Nas eleições n1w1icipais de
1982, o MDB (partido que se
contrapunha à situacionista Arena),
elege uma forte representação
oposicionista para a Câmara de
Vereadores, ajudando ainda na
eleição para a Assembléia
Legislativa de vários nomes
comprometidos com a abertura
democrática. Logo em seguida, no
retorno da autonomia municipal,
com a consolidação da abertura
política, elege o prefeito de
oposição, o ex-deputado Djalma
Falcão.
PRESENÇA DAS MULHERES NA
RIBALTA POLÍTICA
O final do século XX foi
movimentado no burgo querido de
Melo e Póvoas. A população
manteve-se fiel à tradição irredenta
de va11guarda das transformações
sociais do Estado, iniciadas com a
mudança da capitalem 1839.
Destaque-se a visibilidade
dos movimentos negro e indígena,
as passagens constantes do
Movimento Sem Terra pelas ruas da
capital, a eleição, para a Prefeitura
de Maceió, de Ronaldo Lessa e
Heloísa Helena - políticos que
militam em partidos de esquerda
(PSB e PT) -, o movimento popular
de 17 dejulho de 1997 (derrubando o
governador Divaldo Suruagy, à
frente do seu terceiro mandato no
Palácio dos Martírios). Outro fato
importante foi a eleição do mesmo
Ronaldo Lessa para o governo do
Estado, em urna frente de esquerda
contra o candidato Manuel Gomes
de Barros, que pleiteava a reeleição.
O fato mais destacado do século,
porém, foi a vitória do movimento
feminista. Iniciado na década de 30
com a Federação para o Progresso
Feminino, as mulheres rnaceioenses
decidiram quebrar as cidadelas de
privilégio masculino: organizaram-
se em Conselhos e Associações e
conseguiram importantes vitórias.
Elas estão hoje em todos os setores.
No Senado da República,
representando o Estado, na Justiça,
MACEIÓ
i10 parlamento estadual e nos
.
muruc1pais, nas empresas e na
Prefeitura de Maceió. Uma
surpresa - elegeu uma militante
sindical, a dentista Kátia Bom,
para a Chefia da Municipalidade,
reelegendo-a na primeira eleição
do séculoXXI.
1
1
O DÉFICIT SOCIAL
E A EXCLUSÃO
PERMANECEM
A cidade cresceu. Hoje
beira quase um milhão de
habitantes. Modernizou-se.
Já nãoé a pacatacidadezinha
em que todos se conheciam.
São muitos os bairros novos.,
E uma metrópole. Ponta
Verde é o seu cartão postal.
Mas os graves e antigos
problemas também se
ampliaram. As
desigualdades e a exclusão
social se agravaram. A
maioria da população não
tem os direitos básicos de
cidada11ia, o que é um
desafio para os novos
dirigentes públicos e para a
toda a comunidade
rnaceioenseem geral. Que a
11istória de luta do nosso
burgo não seja esquecida e
inspire o enfrentamento
sem trégua dos graves
problemas sociais que
exigem uma resposta à
altura dosseusmunícipes.
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