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(Preparada pelo Centro de Catalogação-na-Fonte,
Câmara Brasileira do .Livro, SP)
Alain, 1868-1951.
A274c Reflexões sobre · a educação [por] Alain ·(Émile
77-0354
Chartier) ; tradução de Maria Elisa Mascarenhas.
São Paulo, Saraiva, 1978.
1. Educação I. Título.
CDD-370
índice para catâlogo sistemâtico:
1. Educação 370
Direitos exclusivos para a língua portuguesa adquiridos por
SARAIVA S.A. - Livreiros Editores
São Paulo - SP
Av. do Emissário, 1897
Tel: 1011 l 826-8422
Belo Horizonte - MG
R. Célia d~ Souza, 571 - Bairro Sagrada Famllia
· Tels: (031 l 461-9962 e 461°-9995
Rio de Janeiro - RJ
Av. Má'rechal Rondon, 2231
Tel: (021) 201-7149 e 261-4811
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REFLEXÕES SOBRE
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Tradução de
MARIA ELISA MASCARENHAS
Revisão Técnica e Notas d
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JOSE ALVYSIO REIS DE ANDRADE
. DEDALUS-Acervo-FE
Reflexoes sobre a educacao.
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1978
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Do original francês,
Propos sur l'Éducation
© 1932, Presses Universitaires de France
108, bd Saint-Gerrnain, 75279 Paris
Traduzido da 15'1- edição, 1972
Assessoria Editorial: Prof. Dr. João Gualberto de Carvalho Meneses,
da Faculdade de Educação da Universidade. de São Paulo.
Capa de: Regina B. Tracanella e Maria Tereza A. Jorge.
O desenho da 4.ª capa é de Eugenio Colonnese.
Produção gráfica: Arlindo André Batista Meira e Luiz Vitiello Júnior.
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ALAIN E SUA OBRA
I - Alain ou a pedagogia da dificuldade
José ~ário Pires Azanha, da
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Idade de Educação da Universidade de S. Paulo
II Alain
José Aluysio Reis de Andrade
Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação de '"
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Algumas pessoas jogavam Letras, um passatempo conhecido;
"'}a-se de formar palavras com letras espars~s. Essas combinações
.~taro prodigiosamente a atenção.· A grande facilidade dos peque-
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· '.s problemas de três ou quatro letras leva o espírito a um trabalho
,~tiito fatigante; bela ocasião para o ensino dos termos té<?nicos e da
, )_ografia. Assim, pensava eu, é fácil prender a atenção da criança;
~amos para ela uma ponte que~á de seu~ jogqs até às no~~as=~~-ª.!!-·
'.as; e que e a se ponbãa-·1;·ãba1Eãi.-Sem;;t>;;~-que tr-~1~-~---n~pois,
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}Irante toda: a suaViaã,"" o estudo ser~_.J!!!.L!~P--9:i,:1S<?. ·-~-· .U'Aa. .alegria,
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.·q.r ·causa desse hábitq da infância, enquanto que, par.a a maioria, a
.ir . ....;......,.__....,..---~ •._,... ,..,_....... ..... -·-· ·-·· .... ·~·-·· - · .. - -.-............ -······-··-.... .... ···---·-· --- ···-·- - · ----·-· --- ----·--··- ·--·--- ·--······- --· ..... ...... .
§rjlbran_ça dos estu.dos é como um suplí~!.9· Seguia as~im essa idéia ·
:~antadõrã-em.-companhía-de-Mon.tãig~e 1 • · Mas a sombra de· Hegel
.": ou mais alto 2 •
....;cí
·,.r.· A criança, disse essa Sombra, não gosta de suas alegrias de
-' ~ança tanto quanto você pensa. Em -sua vida imediata, sim, ela é
~talmente criança, e contente por ser criança, mas para você, não
·.'. '.:'~ra ela mesma. Pela reflexão, logo rejeita seu estado de criança:
''~er tornar-se homem. E nisso é mais séria que você, menos crian-
. . L Alusão à concepção de Michel ·de Montaigne (1533-1592) expressa
ps Ensaios (1582), Liv. I, cap. XXVI, de ·que o aprendizado deve 'ser ameno
,~~: . '- ··
~;,~ri.ança. .
;:~~Referência geral à concepção de Hegef ( 1770-1831) de.....Q!!e a criança
-'~o: se ~J!lpr.az c.om a sua própria maneira de ser. Aspira, natural e neêessa-
·:.~~nte, a s~ .homem, que constitui a realização da· idéia.
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ça que você, que se faz de criança. Porque o estado de homem,_
l belo para quem a ele chega com todas as forças da infância. O sorl
é um prazer de animal, sempre cinzento e algo sombrio, mas ne
logo nos perdemos; escorregamos para ele; mergulhamos, sem qu
qµer retorno a nós mesmos. E isso é o melhor. É todo o prarer
planta e do animal, certamente; é todo o prazer do ser que na~
supera, que não se ergue acima. de si mesmo. Mas embalar não :;
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instruir.
Ao contrário, disse essa grande Sombra, desejo que exista co
!· ·que.um fosso entre · a brin~~~~~f~_ ~-.~estud~:. Quê! Aprender ;
ler e a éscrever~~por~'ineio-de ·jogo de letras?- A contar com ave!ª
r ~ ' ;' ~. ~ : •
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II
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em atividade de símio? Antes temeria que estes grandes segred' · Já me ocorreu responder a algumas pesquisas de pedagogia. Já
não parecessem bastante difíceis, nem bastante majestosos. . :.ocorreu ter que responder a questões em inquéritos de peda-
idiota se diverte com tudo.; ele rói as nossas belas idéias, rumi; e&1-.ª~-~-~P:rn.g} .9<?.IE~ ·~dª_E_E?.!~m;1 pontap~ po~t~de---instru~r
....
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zomba. Tenho medo desse selvagem disfarçado de homem. ' ,:·:.~rtindo. Lastimo perturhar hmnêiis-bnns-ee
rmnentemente razoa-
porico de pintura, biincand.o; algumas notas de música, repentiname :~Mas"que fazer? Os pedagogos sã
9_~çria:Q&ª5__.a.ill~as. Não
te interrompidas, sem· medida, sem a s~riedade da ooisa. Uma co ,
i:. . ecem 0 -poder das paixões. o homem é um animal, e o homem
ferência sobre o rádio, ou sobre a telegrafia sem fio ou o~ raios _ . t,'erior talvez seja ainda mais animal que os outros. Nele percebo
a sombra de um esqueleto, uma anedota. Um pouco de dança; u ·.~~ força que é disciplinada, mas que é sempre força. Isso me faz
pouco de política,. um pouco de religião. O Incognoscível em se "~~ªr~que ·é 0 animal que pensa, condição que ninguém pode evitar.
palavras. "Eu sei, compreendi", diz o idiota. Mais lhe conviria ·~ ;:tl:etanto, os grandes modelos mostram também a imensa distância
tédio. Talvez ele o superasse. Mas nesse jogo de letras ele pe' fre 0 animal e o homem. Sei · como são treinados os cães, sei
manece assentado e muito ocupado; sério ao seu modo, e conten' -~- 0 treino perfeito f~ com-que pareçam mais do que nunca _
cães.
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consigo mesmo. ·~}mto mais eu os domino, mais eles são cães. '>'. ·,., .. -
Prefiro, disse a Sombra, prefiro na criança este ~-SE~l~ -~~--!'!... ·:., ~~-t!.~t~_, __ )?~:!~11.t_o~ de cJ.omestic_::i,r-..as crianças, ainda que
niell},. quando vê que é hora de estudo e que deseJamos ainda fazê-1 s.e para seu próprio bem. Muito pelo contrário, é necessário que
-;~:· Quero que ela se sinta bem ignorante, bem longe, bem abaix;~ '9qÜ
em9ª_ seu próprio aprendizaaó·em- suas mãos, fortalecerid<? 'as:.
bem criancinha por si mesma; que se apóie na ordem humana; q~ ~ su~tff~def ·P~rqtie-iião1iá-oü.fro-valcii: ·h~-~~?: aJ~m OS}.S~§_.. E
1 j se forme no respeito, porql,le somos grandes pelo respeito, e n~; 'o te õ'õ=trtopósito·· ·de-habitüai o homem aos ruídos repentinos,
-1 1 pequenos. Que conceba uma grande1....__1'.1_~bição, uma grande r~-~ :~o se faz para os ca,valos do exército. Em suma, tud.Q._() que é
1
1 Iução, por um_
a grande humildade. Que se discipline e se faça; sem ~-~t?. ·°-ª edu_c~ç_ão nãó me :p~~~f~. ~t1~a.n(). Ou, por outro lado,
f -pre com esforço, sempre em ascenção. Aprender dificilmente ~ :experiênda-que interessa me parece mortal para o espírito. Te-
' 1 , coisas fáceis. Depois, saltar e gritar, segundo a natureza '..' s mil exemplos disso. Os selvagens interessam-se pelo que é
l.i i.: Progresso, disse a Sombra, por oposições e negações. '. J ~a e pesca, pelas mudanças de tempo, pelas estações, pelos sinais
'l 1 j 'J. , : '-·~ ·"s estações; vemo-los entretanto supersticiosos e çrédulos; ,_é que
1 ! ( ,_ "·'· ~ .)!~.bito os governa. Eles sabem muito bem atirar com o arco e
1  -:-, ! • ' ~ -.
) p' ~
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seguir uma pista, mas acr.editam também que um encantamento, isto
é, uma conjuração de palavras, produz a morte. Viram os efeitos,
temem as causas. Nisso reconheço o movimento do ·animal que
te~e o chicote; quando tomamos o chicote ele começa a gemer. Ele
se reconhece; reconhece os movimentos animais que são produzidos
pelo ·hábito, e sente assim que a simples visão do chicote faz mal.
O selvagem é governado do mesmo modo, e é ingênuo da mesma
maneira; julga que o simples olhar de um feiticeiro prejudicará um
dia de caçada, e, por acreditar nisso, ele o constata. Porque aquele
i qu~~~!.+ vitó~~-a,~ .:>.~jam peno.~~ e atinw~~s ~~~-j~~~~~io_
; e~t~~1!<.?>...0 defe1.t~ do__'l!!~:-~-J!l.~~r~~~~~...P~:-~~ c~?s!J~~~·P.:.~}~l~.?~J
. { o~o apresentar dificuldade em nos .mteressar, e tanil2w
~no Jàto de
..~· ·~<?.-~~~P!~n~~õ
~.E5is:·~~!-~~Rõi-vo11!.~~Rria~
./ que desprezo até mesmo a bela linguagem, que é uma maneira de
•,:-- ,.: prender facilmen~e a atenção. E a criança não deve somente ser
.. capaz de vencer o tédio e a absfraçKõ;--aêve-··titmbém ..saber·que-::;'é .
•. f - ··-- _..-· - -..··--·-··-...-.. .. .
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! _gã~~~~~~so:· Isso é que deve ·ser ..reâlÇadõ~ ...e .Trãta-se, não mais,
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que está certo de perder .a cªça, p~rdê,,.Ia...-á-;-_...'Esse tipo de armadilha,
~;.:, :...·
ae aplicar à cultura do espírito os princípios que não podemos es-
'! ~-; quecer quando ensinamos a ginástica. Experi!E~E:~~II1_os, :Pº.f.~~JJ:tO,
:f e~rud~-~~-!Od~?--~!~$~-~e~~<?-~-~~a· bela ambição, umà.ambição
de mil formas, explica o incrível estado de barbárie e de furor do
qual há pouco saímos, e do qual a criança certamente ainda não saiu.
Porque ela nasce inteiramente nua, e traz em seu saco de pele t9g.as ....,
de espírito que os cães não possuem. -··- · · · · ·· .._-· ··
. - __,; ..-· ~ 
, as prux<?~~.. ;. , , · . :·, •J : ; • • '  _
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• • ; • ·- ·~ .,. i,,, l_. .··.~ ,·:.-.:J· c <
r. ~. · . ,..~.
)'.. ~1F~>· O brienso pÚigo, e também a urgência, sempny·prement~, de se .''. _,,__"/.)
ti_!."ar a humanidade d~ barbárie J?.:róxima, exige )lúe :nos encaminh~~ :.
mos diretamente à' !inalidade humana. É nesessário que a criança -:~·
conheça o poder que ela tem de se governai e, antes de tudo, de
não se confi;f~ · tf tâmberii priCisõ -qüe-feiiíiã: o sentimento de que t~~ ·
I ·
este trabalho sobre si mesma:_é_difiçJl_~J2~l9.! Não direi apenas que i-
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tud<? o que é fácil é mau; direi mesmo que o que julgamos fácil é ·&
mau. Por exemplo, a atenção fácil não é de modo algum a aten- ~·
. - ,~
ção; ou, senão, poderemos dizer que o cão que espera o açúcar .;;~
presta atenção. Igualmente, não quero vestígio de açúcar; e a ve- ·1;
lha história do cálice amargo cujas bordas são untadas de mel parece- :•;
me ridícula. Preferiria tornar ·amargas as bordas 'de um cálice
~ ·:
mel, todavia isso não é necessário; ~~rd.açleiros.. problemas são_ ..: :
..~I1i~ia~~~~~~-. ~~-~~~'='~--~~--~~~; o praz~r_ vi~á ~ã-;queies~..qÜeve~~. ·~:'. ' ',
.. ·- - --- ·---·-- ...... .·~ 
cerem o amarg~r. Não pr9.in~~~~~i . .P..9!.!~!~- ?...P.r.~!:~!.1_ ~~~.• ~
ar~i · /
c'omo finalidade a dificl.lld_é!Q~ . ye.p._çJc;tª-··. Esse é o atr:;itivo que COll"'.' , . /
vém ao homem; somente assim é que co~seguirá pensar em vez "(t~ /,'j
'-/ -: :
experimentar. :
Toda a arte consiste em graduar as provas e e.
m medir os es-
forços; .porque a grande tarefa é dar à criança uma elevada idéia de
~e~ P?der;·ê..·4~-~~ÍÚ~á=iâ-.p~fãs vffO~Tãs:-·--Mas··ê-·tãmbém ·impórtarite
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III
Crianças nascidas e criadas na burguesia imitam as conversa-
ções e ·a polidez, oferecem seus lugares, acompanham as pessoas,
saúdam, sem encontrar qualquer dificuldade nisso. ~ ___que as coi-
sas não são tão importantes quanto as pessoas. Os filhos de acro-
batas, no tapete do circo, tentam 'manter-se de cabeça para baixo ou
dar saltos pe.rigosos, coisas nas quais .a opinião não importa, porque
.p peso corrige rudemente o desajeitado. Interfiram ou não os pais,
é como se a criança fosse puniôa a cada erro. Esses dois métodos
/fazem duas espécies de homens, -,duas espécies cÍe estima, duas es-
,: pécies de glória. Um filho de virtuose imita ~ pai tocando sendo
1 •  '
j aplaudido, saudando, fa).ando aos p~·cipes; é a parte fácil do ofício;
1
1
•mas n~o. pode imitar .º.pai diante do vi~ino· ou do piano. ~~-!!L
·1~:c
_ es_s~n~- fo'.ç_á:lo
_~".'tas _
vezes; e mi:ito--'!!:li..Sta__s_f~~l!!lcial~nte
5~Bª-YEº?S..· ao --CU?·
µro e ~ .:pr.ecis_
ij_9ypr. _
p-ahca9as___
çl_e_~ Consi-
<lerai;ido os resultados, segundo os valores.humanos, compreendemos
que. f~ta ~!~- ~- um~ ._~?.uca~~2:-.~tQ~~;::;-;l~_::?~ra;. Montaigne .era
despertado ao som dos·.instrumentos; não era esse o meio de formar
!r, ' •
,e.; J.~ :,: .. -:! : i ' , ., . . " •
.: .';': . C.A~1.9,-- , . -:· '
gánham ou perdem nesse regime; muitos dirão ·que há homens que '
se assemelham a estes cavalos generosos que se consumiriam para'ul• .
... · ~;,:)trapassar o vizinho, mas enfim que é ne:cessário bater mais na cabeça
· ': 1 <:1 se desejarmos obter no mesmo tempo mais meio metro. Talvez o
.J · ~·'<.:::ii
:~' ;'. 1 ~~~_()xeador aprenda mais depressa se o golpe for real, e s_
e, por uma_.
:j ,'~ ....... {!Ǫº de segundo~ o nariz sangrar ou o olho ficar· !n~ha'!º· . .Não
r ·-ci ~seria necessário concluir que então sua vontade é e~crava e que isso
~ ,-S: ".lé o melhor; porque é o aprendiz de boxeador que quer que o golpe
_
1
· ·:· • ,.seja forte, e que suas faltas sejam punidas segundo ~ força, não se-::.~ ·
· ,_ ~ ·gundo a opinião. O mé~do de força_teve decerto seus excessos. ~
: :J~ Locke 3 , em seu tratado de pedagogia, recomenda que se surre for.;. ':·.
~- temente a criança mentirosa. Que falta aqui? Falta que a criança '·.:~
-~ · · mentirosa peça por si mesma para ser surrada. Eis aí a questão. __ ~-:·.: :~
: i1srÇreciso que a criança, por si mesma, pr()Çl]re a dificuldade, ~- recuse-- :'
·- ' "' _,.. - . .
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'. _};:; ~~alquer auxílio ~~- ap_oio,:<, T~~-~~i~n~_a_. ~~o apen~s exist~~ .:zias é .:i;
'" ~ ~esmo comum. ' . '· ... ' ,•, ' .r . ) -.; ·_. ...... ('! "-". ' l. ,,,
j ~:. -- ..,~::.- . ~..:.:. .:;··(".~·-:) ., e·: .· -.,, ·"· ...../ J ·-~~;.
'. -. / ....- O que leva adiante a criança não é o amor pelo jogo, porque, a · (;
.·~ ' /"cada minuto, ela esquece um amor do jogo, e é como passar da ca- · ;_:
·' :; (1 misola para a calça. Toda a infância se passa em esquecer- a cr.!an--:: -:::~
::!~ IJ ~~~~~e se era na vésp
_· era
__ . O cresc..im~nto. :qãb sigµifica outra coisa. E:"/j
~~ ;- ~!ll&-ª µaqa ,tnª-i~ desej~ s_enão deixar_ -~e ser criança_. Ambição. -.~
·
1~ que sem cessar cede lugar à atração do, j~go; do ~esmo_ modo o
t : jogo contínuo sempre tem desgosto e ted10. A cnança pede so- ..:
) '. c()rro. Quer intensamente ser tirada do jogo; não pode fazer isso .,
• j
,; ' por si mesma, mas por si mesm~ ela o deseja. É o começo e ccimo .;.,~
1'
j ,
:
. o germe de sua vontade. Eis por que, protegendo das pancadas o "'i ,
que merece ser protegido, n~~_9.ey_e_!.!!QJL_~~L.À~S_gQs.tá:·la, .e....-ª~·-·-"-;
1 um ~úsico. ,O J:io!l?._~-~---~? :~-~-~ i_~_l?_~-~-~-1:1-_cj~pelo _gue ..2'btém _d~_
__s,,L.--
;. s~egun.,yo. ~.}1J.~tqd9
___s~~.Y..~r.<:>; ~ Jt,queles _que reousam o método severo
:---;D~~~IA,Q.___.dev.emos. _Je:µi,~I ~e.r.:P.:!-~ .. _
agrac;láyeis. Ela. ama o que é se-
~ inelhante, mas despreza-o também. _§_e, __~ _JtjudaJ_:g:rns____
a_
_çon_t_ar, ela
·nunca valerão nada. -'----,· .} . (- ...:r-..~> ·. :"}_ ··
.•. j ~·'
Não quer isso dizer que eu ·seja favorável às pancadas. Pierre
Hamp, em seu belo livro em que nos apresenta a história de seus
ofícios, conta que um pequeno pasteleiro, por um erro, perdoáve~ ou
não, logo recebe uma pancada de espátula na cabeça, um golpe que
dói. Não sabemos dizer se a rapidez e a precisão dos movimentos
"
· cederá e ficª-J:.á__c.ontent~. J;!grque ~ cri_@__ç_a.; mas s_~ _:r.i_ã.o a_ajudarmo)
, e, .!~.5~t.J:~:r~ri~'- .. ~~Pe.:r~:rp.g_~---~~P?:~_nte _qtie cl.i s~. arranj.e. .sozinha,__ -~L ;
1
t
'. · 3. John Locke (1632-1704), filósofo empirista inglês, teórico do ' libe-
.ralismo político e da tolerância religiosa e para quem a empresa da educação · ·:_
,
reside na formação de um caráter livre, recusa eficácia às sanções físicas, .
sobrepondo-lhes as sanções morais (cf. Pensamentos Referentes à Edu-
cação, 1693). '
..,. ,, ~
~o~trarmos seus erros sem qualquer complacência, reconhecerá (!g_- ~J '.:'.;
!ão __S.~~---~:r_riigq verdadeiro, que não adula, que não engana. Quanto ;:~ ,,
-~-_severidade, Q§._.PfQP~iC>$ ._~ÚIJ,:i~r.os se e:p._c;_a.,rr~g~rão _. c:Iisso, pois não ."
1
tfm piedade. Assim é que _
será.. ho_nrado como deve ser .o mestre.-. .:
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pe valor.
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.
IV
Quando alguém diz, depois de tantos Jª o terem dito, que é
necessário agradar às crianças, e que esse é o verdadeiro meio de
instruí-Ias, deixamos passar. Mas não gosto muito de...!.~J§....c;Ioçµ:-
~....";~·'!:": --··-····.::.+,::-: ;_;.:;::..;;,;.,,:,,,'•
,7:,.'-!-"-::.,...._, ••.M••••"- ' ' "• ' • "' ' . •-
ras, nem deste professor cortesão. Quando estava na escola en-
:_.'_'. Õntrei uni professor-rn.uítoafefüosô, e que s'abia interessar seu jo-
; Jem auditório; posso até dizer que. o amávamos. Ora, ele ·não
~b.~conseguiu superar uma certa desordem que, como me le~bro muito
·
0
pem, resultava de _
_
sinais indiscretos de aprovação. E com isso vi.:.
J) nha logo o tumulto, pelas forças da juventude, e pelas leis da mul-
~~ ~ Údão, que se agita à maneira dos elementos naturais. Do que
"' .
tirei uma espécie de regra de' ºª~·io; concordo que devemos provo-.
/car o interesse, mas-·não..··deyemos querer interessa~_
_principal-
" M· . .
.; '_;·, ~@ent-e;-:-nãs--àeyémos mo~trar .,que.-::fi queremos. Tal regra é boa
~ ,f~ i.!: também para o orador, e em todas as artes ela é encontrada, aínda
J;.-: q.ue esteja então profundamente escondida. Não tem o ator.o ofício
~ -~ · de agradar? Sim, mas existe agradar 'é agradar: e o difícil é fazer
•.'!Ç; • • · -·····-····-·--·--·-····-·· ····- ··-·-· -··
if' : i ~?.1:1.1.. _q:u_e _os homens sejam l~yados a gostar f4talmente ~o que inici~l-
. mente não gostav.ªmlX- e.•>]/... .. rL {'.i.. VJQJ ()k /.'.~ '" }- ,, ( i_ ' ' . ~<..i 
- -·--··· -· - ' .. ) ~- -  ·j
O ofício de condutor de homens, qualquer que seja o grau em
que seja tomado, encerra muitos ardis. Os atores que resolveram .
trabalhar de costas para o público haviam julgado, e talvez por razões
secundárias, que um certo __cg·_
_
d~_jpdif.~.r~~"-S..~b.Y~ªlg1ull.~.iez~1LP.~Ll;!J
,çl~~p<;:.r.télr. a -a.tenção-~~-·;rivel conve~ente, ~ pa.ra moswar·."~~~ espec~ ·
tadores ·um tipo de prazer que ele~ apenas nã9 concebi_
W ·;::... :A arte
. l . . . ,_,...:··-' -:.: . .:.~/:''.'cf:._.:t:_ .i" :. ..
'do músico, se.·.b.~m ouvi, _não começa agradando, mas sim forçando.
';Muita .~dulação.· inicialme'nte no _
som pode ofender. Há também
uma· arquitefurà acjuladora e um - abuso de rosas 'em guirlandas.
Sinto que o homem é um animal altivo e difícil e, abaixo dele, a
criança é· mais homem que o homem. Uma criança mimada é uma
criança estragada por agrados e prazeres . feit~s.· · Que-- desêj~~-~i~­
.então,. e_ q11e__c:leseja 9 holl!~m? _
>·Deseja o difícil, não o agradável,
e, quando não pode mante;·-esta' atitude de homem, deseja que
' a ajudemos ~sso. · Pressente outros prazeres além dos que correm
ao nível dos .seus lábios·; quer erguer-se inicialmente até perceber
uma outra·paisagem de ·prazere~; quer enfim ser educada; eis aí um;{
palav_
ra muito bela. · · ·
·uma bela palavra, cujo sentido a criança percebe muito bem,
por este movimento natural de_crescer que é seu. No nível da
criança, pense nisso, você .só desperta o interesse de .seu ser de on-
tem; ela diminui então un:i pouco o seu tamanho, a fim de que você
possa lhe agrad~r. Mas cuidado com o desprezo. O que existe
de terrível no_desprezo é a parte de desprezo de si que nele existe,
desprezo de si ultrapassado. Tal é o progresso da criança; se ela
o faz sem o seu auxílio, vo~ê se torna então para ela apenas um
objeto de distração. E nada· é mais desprezível que o objeto de dis-
tração. "Para esta..criança de ontem, diz a criança a si mesma, meus
brinquedos são suficientes."
Eis por que não acredito muito nessas lições divertidas que são
como o prosseguimento das brincadeiras. São .devaneios de boas
i:essoas que não aprenderam seu ofício. Certamente é melhor per-
ceber as causas, mas o ofício instrui de inodo mais rude e rústico. O
sino ou o apito marcam o fim dos jogos e a volta a uma ordem
mais severa; e a prática ensina que não deve haver um~ passagem
insensível, mas, pelo contrário, uma mudança ·total, e muito clara
nas aparências. A atenção é elevada de um grau. Ela então não
procura mais lamber algum prazer, como fazem os cães. Não é
mai_
s gulodice; é P!..iY.ª-窺~ .P.~~!~~cia; é uma espera· que olha acima
de ·,.s_i~-~1l~~}.;:; A atepção do_cãônão _é___~úeriç-ão;- ·- ·· ··--- ·· ·-· ··· ----.- --- ·
~'.i~~;:~tl~f .·
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( .....i~y_e!l_çõ.~s .P'?I ~ei°.. _dos _
_
_
q~_'!l~.-- pro_cu.!_8:~~~ _i!J-~~~l.'...-º-~:yertind_~· O
· método já não é excelente para os homens~ · Poderia citar pessoas
 que são consideradas instruídas, e que se entediam lendo La Char-
.j. ··.,_treuse de Parme ou Lys dans la Vallée 4 • _Iai_~ pessoas sg,lêem obras
;f. d~al~~nd~_rio, n.as quais tudo está qjspost9 'mu.:a...agradar ' à
, ., . ·p_~-~~-~~- yj~ta; mas, e~W~-~g~rido-se ~ _
prazeres fáceis,-..perdem .unL .1
j ,j.' .P.-!".~~~-r___pla~ _
_
_
;:tJ~º- ..ql~ _
!e.!.!ª_
m_
_
_
ªciquirid.Q_RQr_meio..-de_, .um.._
po.uc0---
de-
l :; ,:~:~~~~ _
e__ d~- -~t_enç~9. / Cl..,. w i:_ .:: '="" 0 ,b,1..v-"-· ' e:_ ,l~-)cA;( -,'ç.... d.t V._,,.•,. 1

.' . 1/ (/'"":)"' f, .... 1'),,' , : • ~ •  ~ • • ff
.• Não há experiênc'1a que'··eduque melhor um. homem _
que. a..desco- .
· .'.;. ·berta de um prazer superior, que ele teria ignorado para ·sempre se
~.. •• • , • 1
·! ~ (.," não tivesse se esforçado, um pouco, inicialmente. .~.o~t,ai~~ é di-
.~;- · , fícil; é que é pr.eciso inicialmente conhecê-lo, Ofientar-se ~.:_i
ua 1
-· · i. l.ObJ.~.1_)9-Y.~I~~~I;i~~ ço"
1
;i:L ~~y somen1e'"éfepois·- -disso- é-gu.~-épos.~j_y~l ~
descobri-lo. Do 'mesmo mÕcfo, à geometria·- por -cartões reunidos
·pÕde ·agradar; mas os problemas mais rigorosos produzem também
{< Ç; um prazer mais vivo. Assim é que o prazer de ler uma o'!Jr.?..-'!9.
t:p?"' ,,_:p_i~~? ~ão po~e ser perc~bido n~s .~rimeir~s lições; é __pr:ç_is_o .sab.i;r-
l: / m~s - suportar o aborrecimento J.mcial. _
Eis por que nao se pode
j~·l ~z
1~::;.m ~~e ~~'~ian~as,sabo~~~m .~ ~'.ên~:~~ e as ~tes como sa- !
• " . 4.tJStendhal (Henri Beyle, 1783-1842) e Balzac (1799-1850), respecti-
-.:·
r varilente autores dos romances A Cartuxa de Parma e O Lírio do Vale, esta-
·J~ vam entre os preferidos por Alain. Sobre cada um deles publicou ens~
ios: ·
"J -~ Stendhal (1935) e Avec Balzac (1937). . ·.,
·{<, /· . '
-~ ê " • .
t : ··.·.-.~:·:·:;~-~: ,e;.::._;;.··.·-:4.:> -
bóre~;,,os o~ doces de frutas. ·' O homem se forma pelo esforço; . des do trabalho, está melhor formado quanto ao caráter, não - ·1!I
seus verdadeiros prazeres, ele dé~e. ga~hâ~"fõs;·-mér~cê-los. Deve dar quanto ao espírito. Se aprendêssemos a pensar como aprendemos · t
l.
1
1
1
 .
antes de receber. É a lei. a soldar, conheceríamos o povo rei.
O f, · d d" · ' l' · d b f d · Ora, desde que nos aproximamos dos pensamentos reais, fica-
º rc10 e rstrarr e so rc1ta o e em pago, e, no un o, se-.
creta~ente desprezado. Que pensar dessas vazias revistas semanais/ mos todos submetidos a esta condição de receber inicialmente sem
cheias de imagens, nas quais todas as artes e todas as ciências são compreender, e por uma espécie de piedade. Ler é 9 verdadeiro
postas ao alcance çlo olhar mais distraído? Viagens, rádio, aero- culto, e o termo cultura mostra-nos tal fato. A opinião, o exem-
planos, política, economia, medicina, biologia, tudo reunido; e os pio, o rumor da glória nos dispõe da forma devida, mas a beleza
autores tiram também todos os espinhos. Esse magro prazer des- ainda mais. Eis por que estou bem longe de crer ql;le a criança deva
gosta; produz um enfado das coisas do ·espírito, que são seve~as no compreender tudo o que lê e recita. Tomemos, portanto, La Fon-
início, mas deliciosas. Citei há pouco dois romances que não sãoi taine, sim, antes de Florian; tomemos Corneille, Racine, Vigny,
mais lidos. Quantos prazeres ignorados e que as pessoas poderiam· Hugo,. r:- ~, - · ·' -.
obter com a condição de terem um pouco de coragem! Ouvi conta* ,, ~,.) ~-':M~~····~erá isso muito para a criança? Por Deus, assim o
que uma criança muito amada, que ganhara um teatro de marionete$1
-' e~pero. Ela será inicialmente tocada· pela J.:iarmonia. Escutar em
como presente de aniversário, instalava-se na orquestra como um .. si mesma as belas coisas, como uma música, é a primeira meditação.
velho ~enhor rico, enquanto sua mãe se esforçava para fazer com ("Devemos semear os verdadeiros· grã9s, e não areia. _QP.:e --~lª·ª---~
~u~~s r~~::,a~en;e:a:~;:s:~:,~:v::::a:::rig":i;nh~mp::~: ~ li:.~ ;::~~:~~:!: &;;:~~;i;:lf ~gelo, de :~f71;.A~:,, ·.
um pensamento magro, que caça a sua presa. .',·:'.',·).·:'·;·•L.',i...,!.:;~.. _,.;.,----'
Como aprendemos uma língua? Pelos grandes autores, e nao )
• / • • • • / 1
. _R!!_z:i·cip~lmente às crianças, ciue _ tê.~ ~anto fresccfr, tanta força, :: ( de outro modo, Pelas frases mais densas, mais ncas, mais ~~.<?.-::._,.. :
.:::~~i:Ji~;::~;__
!;;~:~~~~;='~;;~t~~:~~~g~e:~~:r;~~:;l :
'. ~·-d:~di~ici~!~t~e~asa~~~c;:~:g~~ai~~~~e~:esc~~::::~~~~da~p:s~:~
L§[rJi,_
_
q~=:f~~Í}§..~ça_
_
s~ esfor.~. _e~se_ f'.tg-~..!~-~~~:~~.-9-,~!3~§.m:~iii.rm'õ'--.., . jóias de tríplice segredo. ~ão acredito que a criançá possa se. educar ._
6
- a âm@ção que falta aqüi;~: ·a:~5_iÇ.ão -e a melado esp!rito infantil. ',~ ~:, ·sem admiração e sem veneração; é nisso que ela é cri~nça..
A infância é um estado paradoxal no qual se percebe que nã_
o é ~ ·:'.. _..E. a virilidade consiste em ultrapassar esses sentimentos, ~uando a
possível permanecer; o crescimento acelera imperiosamente este mo- ·'.(l ~ razão desenvolve sem fim toda a riqueza humana, inicialmente pres-
vimento de auto-superação, que, em seguida, tornar-se-á bem mais ~~ "~- sentida. A criança constrói uma idéia· muito grandiosa da idade
lento. O homem feito deve reconhecer que é em certo sentido me- ~ ( viril; é necessário entretanto que esta esperança seja também ultra-
nos razoável e menos·. sério que a criança. Há, sem dúvida, uma ::~ ': passada. Nada é demasiadamente belo para es'sa idade.
frivolidade da criança, uma necessidade de movimento e de ruído; 1
é a parte dos jogos; _!IlaS _
é também necessário que a ériança se sint.a .. ;~~
. ">· '
crescer, quando passa do jogo ao .trabalho. Esta bela passagem, ·.,
. . .
longe de torná-la insensível? eu a desejaria marcada· e sole~e. A
criança nos será reconhecida por ter sido forçada; mas desprezar-nos-
á se tiver. sido adtllada. O aprendiz está em um melhor regime; ele .
sente a seri'edade do trabalho; entretanto, pelas próprias necessida-
1
. .. ' :•:·
"".:. 1 • •  •, .~ :.~~·~·
~l>:il•.•.,. .• ., •.•,_
.. .. ·'' ., •
· ;-·..--Fh
VI
Dois juízos falsos em tçx:Ios os nossos ensaios. Pensamos ini-
cialmente, que a c-oisa é muito fácil; e, após uma primeira tent~ti:va.
julga:rno-la impossível. Os que fizeram girar um diabolô, jogo es~
quec1do, _sabem o que é uma tentativa ridícula e sem qualquer espe-
rança. Que dizer então do violino, do piano, do latim, do inglês?
Esteja a criança lendo, ou escrevendo, ou calculando, essa ação des-
..nudada é seu pequeno mundo, e deve lhe bastar. E todo este abor-
recimento, em volta, e este vazio sem profundidade, são como uma
lição falante, porque _se há algo que lhe importa, meu pequeno: é
o que você faz. Se bem ou mal, logo você saberá. Mas faça º . que
você faz.
Esta simplicidade monástica nunca é aceita por suas verdadei-
ras causas, ainda que felizmente estejamos reduzidos a ela. "Oh,
solidão, oh, pobreza!" Todo homem é um poeta que se queixa.
Ouvi contar, a respeito de uma criança bem dotada, que seu pro- -11..
fessor de piano ocupava boa parte do tempo a lhe falar sobre bio-
grafias, escolas e gêneros, o que talvez a prepare a falar razoavel-
mente sobre Beethoven, mas de modo algum a tocar as suas obras.
Ora, falar razoavelmente não é difícil; tocar é 'que é difícil. E en-
..!_rn não há}?~_?gresso, para qualquer esco~ar que seja, nem no-que el~- ·I
ouve, p~m ~o quevê;JD.1fs-s-o1tíe1Ileno que ~-· -~~"'[),,~'it ,,,_:_,---;_--;._
O esp_
etáculo dos que já prosseguiram fortalece no começo nos-
sa coragem, ma~ quase logo em seguida arruína..:a com uma compa-
ra-ção. que esmaga. E por isso que a curiosidade, o primeiro impulso,
o ardor d~ qualquer começo não prometem muito aos olhos do mes-
·tre. Ele sabe muito bem que essas provrsões serão logo devoradas.
.Espera mesmo_que o desespero e a falta de habilidade estejam ·liga-
das_à primeira ambição, porque é necessário que· todas estas coisas
de entrada, boas e más, sejam enterradas e esquecidas; então. 0 tra-
balho começa. Eis por que, se .trab"
alhamos sem mestre, as tentativas
terminam logo no momento em que o trabalho deveria começar.
.~'Y:J""' _Q_!"a,__este méto~-º severo, _que encurta tão bem as visões sobre o
. munc:tg,_~~amente °....S.1:1~ introduz___ªQ____m_µJ!çl_2~-~~P..Qiq_üe,-ímorlltãn:·
1
·O trabalho tem exigências espantosas, e que nunca oompreende-
mos suficientemente. Ele não tem paciência para esperar que 0 es-
~//pírito consid-ere fins distantes; quer toda a atenção. O ceifeiro não
 olha a extr~piidade do campo. ·
~.- -----.A escol~-·é·~~~-·Ioc~i-·ad~kâ~~i~__
,--A~h~--b~-~--~u~---~~-~~íd~~-·ex- -;r
· .' ternos nela não penetrem. Gosto destas paredes nuas. Não apro- ':
lt
~2:~;1~:~;;~:~::~;~~~·:º~=n:1:~~::~:~d~::~h:~b~:~~ .!
!'
do-nos a resp_
eito de tudo, nunca_...sab.emos--uaà-a-. -- Ap~néiemos a ~
polític_a transmitindo ordens e copiando despachos, ;--~i~ -d~--Õ.Ütro ,'!-
WA9· cliegãrêTmeslliOa dlzér··-q1ieem quafquer...tf'ãf)alh~--;;· ct-~tj~-----
de fazer bem deve ser usado no início; e disso qualquer ofício se
encarrega, e também o ofíciq de escolar, como os outros. Porque o
desejo visa muito longe, e estraga a ação presente, misturando a e'sta
· a que se seguirá. Por mais exercitado que seja o ·pianista, sempre
terá tanto de decepções quanto de ambições. Por isso ele é levado
ao seu trabalho, e tudo lhe confia. Aqui começa toda a grandeza.
Quero explicar assim que a paciência consiste em dispensar-se
d
.
-
; e provas; e a provação, e_m todo o seu sentido, significa isso. Do
_:'.mesmo modo,__os impacientes sempre dizem que não se lembram de
jrrada, que não progridem, que tu-d~--é -diÍícil. -..Essa atitude do espí-
.~ito não_ é desprezível; existe nela certa .seriedade, uma severidade
[.para consigo meSII10_, _uma nobre idéia da perfeição. Mas são ~ir-
; tudes prematura·s. É necessário superar essa tiroide? o;@l~osa. A
"' -,_ e·;. · e -, · ., 1
' ;:·:-~~~:;.~~;~~tit~:~~~.r~~:-~.-~:---
ambíção é então inteiramente levada ·a ações que estão sempre ao
alc~nce, como, ?or· exe~plo, regrar o emprego do tempo. E, por
meio desta hurmlde policia de si mesmo, o espírito fica então liber-
ta~o se_m que perceba. Esta arte de querer não se perde mais, mas
nao ve30 como possa ser adquirida fora do colégio. E aqueles que
são instruídos, tardiamente, como diz Platão, nunca a adquirem.
•;
·-:·;~:· .
VII
''Que é a escola, dizia o pedagogo, ·senão uma farm1ia maior e
'que desejaria substituir a mãe, sem muita esperança de consegui-lo,
ou pelo menos de se aproximar de tal finalidade? A educação
normal, para os de pequena idade, requer duas condições: a pri-
. meira, é que a mãe tenha tempo para instruir seu filho; a segunda,
é que ela seja capaz de fazê-lo. Entrementes, nós outros recebe-
mos d~legação do pai e da mãe; e temos obrigaçã'o de amar cin-
qüenta guris como se os tivéssemos feito. Há algo de artificial,
de abstrato e de inófgânico nessa instituição, que sem dúvida desa-
parecerá pela ação de uma melhor Economia e de uma melhor
Sociologia."
Assim, tentava ele ligar as novas idéias com as antigas. Mas
º·v:elho sociólogo sacudia a cabeça e lançava ~aíscas através de. seus
·óculos. "Observemos, diz ele, não construa~os. Não creio que
haja tanto de· artificial e de inorgânico em vossas escolas; e também
não me agrada que se procure saber em que é que uma instituição
se assemelha a outra. De preferência, eu pensaria que a escola é
~·
~~... /:·:
~ ~::'. urna coisa natural, não menos natural q.ue a família; e muito dife-
., ~ · rente da família, e cada vez mais, à m·edida que ela desenvolve sua
·~( p~rfeição própria. Tudo é feito com o mesmo fio, eu compreen-
J ~::._. ·do bem; mas esta humanid~de escolar parece-me arranjada e tecida·
·;~I~H'?· de modo düerente. Desde que ·haja váFias fa~ílias .em vizinhança
-';} ·.., e cooperação, o agrupamento das crianças segundo a idade se faz
~~-- .::·l~fS'>
·
:';.. naturalmente para as brincadeiras. -g. 'verdad.e que o agrupa.mento
!
·. ::·.../.-·- ..:·
,_
- familiar, com seus pequenos . e seus grandes conjuntos, e com esta :.
distribuição· natural dos poderes e dos deveres, é algo de belo e que · ':'.·
nada pode sub$tituir. Aqui é a escola do sentimento; aqui movi- '.!
mentam-se o devotamento, a confiança, a admiração; os meninos ·
imitam o pai, as meninas imitam a mãe, cada um é ao mesmo.tempo · tià
prótetor e protegido, vener.ado e venerante. Mas por que tentar .:
imitar o que é inimitável? 'A reunião das crianças da mesma idade,
e que devem aprender as mesmas coisas, é uma sociedade natural
também; não do mesmo gênero, mas de gênero totalmente diverso;
diverso ._
por sua estrutura, que eu hão inventei. Por que desejam
~·ocês afirmar que ir à escola seja menos natural que ter duas mãos,
um ouvido musical, e olhos sensíveis ao Televo e às· cores?"
. .
O pedagogo abandonara seus lugares-comuns e espreitava a
idéia, porque o objeto assim focalizado era-lhe familiar e de certa
forma estava sempre sob seus olhos .e em suas mãos já há alguns
anos. Mas o outro, boa cabeça, trazia ª' palestra este espírito de
conjunto, que .faz Sl,lrgir as diferenças·.. Sacudindo novamente a· ca-
beça, e como que olhando de lado; ~le . dis~e~ "A. escola oontrasta
. . . ' - .. . '
ao Contrário, coin a família, e esse próprio contraste .faz com que a
criança desperte deste sono biológico e deste~: instinto..fa~miliar que
se ,e11cerra .sobre si mesmo. · Aqui,' igualdade de· idades; elos bioló-
gicos muito fracos, e além disso apagados. Dois gêmeos; dois pri-
mos da mesma i~ade ficam aqui separados, e _
fogo agrupados se-
gundo . outras afinidades. Talvez a criança seja. Íiberfada do amor
por' este sino :_ por. est~ mest:e se,m coração. E,.orffiw. o. _
_
, · stre de~~-·-
~~::_~:_s5i1}-. c:~:.~ç~_<:>_;c,_~:~·--~~~:~~-1-~~~~~s ~~~~~~~~·~do c~~~~ ·
. !~~~:.:8.~C>....!TimL,~~ntad~..:-/~1e aeve s~-10, ele .º é. Aql.ll~ar~w ·
o verdadeiro e o justo, 'ínas medidos· pela}êiã<le
-:"' ·Aqúi é ápãgada ·
a ~~!!~~~ade de existir; tudo_,_~Jnicialniente· exterior é estranho. o
'h-ümano --s·ê·-·mostrã·-·nestà lingu~emregra<lã:-:·;:e·ste .-t;~~ã;;.i~te,
nestes exercícios, e mesmo nestes erros que fazem parte do ceri-
monial, e · não comprometem o coração. Uma certa indiferença
aparece; o espírito lança o .seu olhar oblíquo esua invencível pa-
ciência. o olhar mede e conta, em': {ie~: de. esperar e de, temer. o
tempo .~orna...dimensão e valor. O . trabalho ·móstra seu .rosto frio,
insensível à.·p~na· e .até mesmo ao prazer".
,
 1 !.'
VIII
A família instrui mal e mesmo educa mal. A comunidade do
sangue desenvolve em seu seio afeições inimitáveis, mas mal regra-
das. A~.. pessoas cónfi_~I!l .._n~~-~ª~·- · af~_içê)_e.s; e assim, tiranizam de
-,,.. todo o cÓ~~Ç-ão.· · 'rssc»-iem algo de selvagem. Uma total confiança,
'.l sem nenhuma liberdade. Pode-se exigir tudo, mas igualmente tudo
~ é devido. Quando a família vive sobre si mesma como uma planta,
sem o ar saudável dos amigos, dos cooperadores e dos indiferentes,
~; surge nela um fanatismo sem igual. É um furor de admirar e ao
;{. mesmo tempo de censurar. Não é permitida a dissidência porque
~~ · a concordância é muito esperada. O traço mais característico des-
'. ·.sa existência puramente biológica é a diferença das' idades, q_
ue im-
; planta a hierarquia em tudo. Espantamo-nos com as disputas
 · entre. irmãos; mas é preciso que nos lembremos de . que existe sem..:
·~ · pre um mais velho e um mais jovem; é uma comunidade, não uma
••~
1
::_ igualdade. Ne~sa ~~gtunidacle_Q_ corpQ_Q.9deria~~Jªr. bem, Hmas o_
·:: .espírito se revolta. Portanto, a natureza o castiga. Isso produz
 .dramas, .me~mo ··~ um garotinho de sete anos. É n~cessário admi-
tir que qualquer pensamento é injurioso em relação a um pai ou a
uma mãe; é necessário. admitir que isso está ·bem e que só pode
ser assim.
Parece-me que as comunidades religiosas traduzem essa oposi-
ção, mas abstratamente, isto é, . por simples negação. A idéia de
que os elos de família constituem 'ôbstáculo à salvaçã'? é uma idéia
forte, ainda que não desenvolvida. É preciso que compreendamos
que o espírito cristão foi um espírito de livre pensament<;>;. e q~e:.
/
1:
1
í
1
..~(
ainda o é, ·e sempre o será; e a doutrina da salvação pessoal será{~
sempre um escândalo diante da instituição biológica.. Inversamentei:.
.
os direitos do quilo, e as reivindicações da polpa nutriz sempre cons~{J!
tituirão escândalo diante do espírito. Do que decorre esta divisão,:~~
mais resta do erro. Aí então é que o espírito toma -esse ar de ne-
gligência, que por si só não é bom, mas que é entretanto primordial, ·
como o poder de cair sem se matar é primordial para o ginasta.
Isto .é novo; podemos perceber apenas os frutos de uma organização
de sociedade na qual todo espírito terá sido 1,ivre e juiz. de si mesmo
celebrada em Polyeucte 5 • ~...
:E', necessáno que o oposto imite o. seu oposto. A ingênua-'.i
igreja é uma família de espíritos, que reconstrói a família; o que,~
encontramos no festim místico é a um só tempo negação e imitação~t
,"· durante alguns instantes. ·
~-·
da mesa familiar. Daí a obrigação de venerar e de crer, e uma',~i
insuperável dificuldade de sair da infância. Esses tecidos de so- j;
ciedade deveriam ser estudados fisiologicamente, porque de qualquer ~
modo a biologia nos conduz e, por conseguinte, nos governa sem- ~
pre. Quantos homens são ainda crianças em doutrina, tal como f
esses pais que são ainda crianças diante do ancestral! A metáfora f
do Pai Eterno é justamente como estes movimentos de vida que ul- ''.í
trapassam de longe nossos magros pensamentos, anunciando-os mui- .:~
tas vezes, e sempre os regulando. '',~ :'.~·
Se procurarmos agora o meio-termo, encontraremos a escola.i ~f.
Quem não conheceu a escola nada sabe de seu pensamento. Eis aí ·:~ .~.
um outro tecido de sociedade e um belo objeto para o naturalista. ~~· ~­
Mas atualmente não se pensa mais nisso. A escola se completa ·;.~..~~
por meio dos jogos, nos quais necessariamente as mesma.S idades se ~- ).-.
encontram. As crianças ficam naturalmente reunidas e tão estranhas ~· 
em sua república de jogos, quanto na sociedade de intercâmbios e _
;,, ·:
na sociedade familiar. Mas como tentar a análise exata desta outra ;~~-~ ­
sociedade, que não tem indústria real, que talvez.nem mesm~· tenha '·' ·;,;.
afeições reais, e q'?e por algum tempo costuma escapar às necessida- '
des e às mais durns exigências? Te.mos sempre presente que o de-
senvolvimento do espírito nada tem de trágico, e que o próprio ·:+ ~ -
jogo conduz naturalmente a um pensamento de jogo, que escolhe ~:;?; ·
e limita seus problemas, e nega as conseqüências. É certo que ..:(L~
a cr~ança que faz um erro de cál~ulo não fica arruinada por isso. .~::." '
Aqui o erro tem o seu lugar; hmpa-se o quadro-negro, e nada :i~:
5.. No . original qu'on l'éleve. Aqui, como em outras passagens (come> )
na p~g. l~, in fine), o autor usa élever ao mesmo teml?O ÇQffiQ ~levar e :
co~o}educ;~.
~ . .
i;.;·..,,.9(). ·- .
.11
1;;
 ~
••· 1'.;
-· porta se fechou, ,ela se calou. Tornava-se ~scolar pela força da '1
·· .;;·li·~nstituição. ~ que um tipo d~~Jfer~nç~-~--q1:~ para o mestre é de l
§ ' ~fício, age prontamente, como um clima.
~~'." --;~~~i~~~..-~~i~~..~ ·s~;ti~;;t~. Mas não esperemos dele servi-
:
'-.,, "
.,.
(..·
C) ~) -•
, •
.....~ ~: ....
"·. ;.•
(1X/
 - :
...-·[· .
 ...
. /
/
---
Todos nós sabemos que os pais, quando se imiscuem, instruem
muito mal os seus filhos. Já vi um bom pai, que era também
um bom violinista, cair em acessos de cólera ridícula, e enfim
enviar seu filho a algum professor menos apaixonado. O amor não
tem paciência. Talvez espere demasiadamente; talvez qualquer
negligência possa lhe parecer uma espécie de insulto. Enfim esse
sentimento, tão apto a explicar os erros e a desculpar, g~~nçl9 se Y.ê. .
na situação de mestre, torna-se · ainda mais severo do que seria se ..:: 'L
ensinasse a si mesmo. Mas não me surpreende que sejamos seve- :; t
ros para . com aqueles que nos dizem respéito:---·-pais--nã-o·-·soirios -~ ;.
também estranhamente seve11os em relação a nós mesmos? Um !z ~
homem perdoa .com muito mais facilidade o erro de outrem. Mas ·~! '.~
a lembrança de seu próprio erro faz com que enrubesça, mesmo até l~ J
!
dez anos depois. E assim se envergonha da ignorância de seu H
filho, como se envergonharia da sua própri;i ignorância. Perde .. :.
todas as medidas, e as coisas não podem ir bem.
-·.
Aristóteles disse que o sentimento logo tiraniza. :B preciso ..
que vejamos dos dois lados. O pai imagina, quando percebe a fri-
volidade do jovem, que seu filho não o ama. Mas o filho, por seu
lado, compreende ainda menos que seu pai deseje forçá-lo. Ex-
. . ,
penmenta todas as marcas do sentimento, e se não é bem sucedido, :-:·
desespera-se. . Há. um espírito de revolta e crises de paixão que ·~
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perturbam profundamente as famílias, e que a escola logo desfaz. . '.~ .
Vi· certa ·yez 1,lllla criança .ser levada à escola aos gritos; logo ·qu~ .ª
. ços que não pode prestar. O tirano pensava que Guilherme Tell
r '
tremeria por causa de seu filho. Ora, aquele que explica é como
um atirador de arco; não é necessário que o alvo seja de grande in-
teresse. ~o J!l~:l! __~ntend~r .. o ..bom mestre é bastante indiferente, e
deseja sê-lo, exercita-se por sê-lo. Um pai pode dizer a seu filho:
"Faça isto para me agradar", mas contanto que não se trate de
prestar atenção, de examinar, de compreender. Porque, coisa es-
tranha, a boa vontade excessiva, o ardor, a vivacidade, coisas que
se assemelham, enfim, à paixão, são totalmente incompatíveis
com o exercício da inteligência. Quando um indivíduo nos toca
vivamente, por um motivo ou por outro, não estamos mais em con-
dições de dominá-lo pelo pensamento. :É: necessário usar inicial-
mente o sentimento.
Por outro lado, o mestre não deve dizer: "Faça isto ou aquilo
para me agradar". :B usurpar o direito dos pais. E a criança,
que tem em tal assunto um pudor extremo, logo sentirá todas as
provas de afeição como uma espécie de constrangimento injusto.
O próprio tom da afeição desagrada quando provém daqueles que
não têm direito de usá-la. Daí decorre o fato de que os sentimen-
tos paternos, em qualquer outro indivíduo que não o pai, tornam-
se facilmente ridículos. Enfim, cada relação social tem seu ·ma-
tiz próprio; ao pai convém agir como pai, ao mestre como mestre.
Alguns costumam ter escrúpulos; um pai teme amar demasiadamen-
te, um mestre procura amar. Creio que tais escrúpulos estragam
tudo. :E: necessário que cada um saiba exatamente o que deve ser,
e que a harmonia nasça das diferenças. A força da afeição está em
que, quando pede, .tudo ·perdoará. Ao contrário, a autoridade só se
pode enfraquecer quando deseja adivinhar os pensamentos e provocar
os sentimentos. Porque se ela finge amar, torna~se odiosa, e se
ama realmente; não tem poder. Já observei, e este é um fato do
conhecimento dos que aprenderam o ofício, ·que, logo que ..'~·:.:.d~iança
1 .... ·::.~.··~~·~i~:~{~::<~~
·.':;'-:1.:~~..!'·3.-~tl·k:·.~~5:..tli"" ~
descobre o seu poder de afligir realmente o mestre por sua preguiça
ou por sua frivolidade, logo come9a a abusar. Pelo que sei, logo
se inicia a desordem, quando a bondade do coração se ni.ostra. En-
fim, a escola não é de modo algum uma grande família. Na escola
mostra-se a justiça, que evita amar, e que não deve perdoar, por-
que nunca é realmente ofendida. -~ força ·do mestre, quando re-
pr~ende, consiste no fato de· que logo ·-.no-instante seguinte não. pen-
sará. :mais no caso; e a cri~nç(t () sabe. Il11'.Üto bem. Assim, a puni-
ção não . cai sobre aquele que a aplica. .Ao··contráriÔ do que ocor-
re com o pai, que pune a si mesmo quando pune o seu filho.
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X
Sócrates 6 já observava que um pai, por mais eminente que seja,
não sabe instruir devidamente os seus próprios filhos. Vi um exem-
plo disso em uma avó muito instruída, que nunca conseguiu ensinar
à sua neta o cálculo ou a ortograf~a. Esse paradoxo irrita porque
os pais sempre estão dispostos a julgar que o mestre tem pouco zelo.
E espantam-se quando constatam, para seu próprio exemplo, que o
zelo não basta. Digo mais ainda, digo que .o zelo. prejudica.
É claro que o ensino ·é um ofício, como qualquer outro. Mas
também não creio muito nos procedimentos. Além disso, vi mes-
tres, e mestres que conheciam. o seu ofício, falharem com seus pró-
prios filhos, seja para o violino, seja para o .latim. A força .do ofí-
cio não está onde a procuramos; está mais abaixo. Considere-se o
caso de um mestre remunerado que chega na hora certa, e vai-se
embora também na hora certa; vai dar outras aulas. Aparece então
aqui uma ordem inflexível e estranha. Não se leva em consideração
o fato de estar ou não. a criança bem disposta. Um mestre que se
apresenta na hora aprazada ·nunca será dispensado, a não ser por
motivos muito fortes. Assim, as aulas tomam o aspecto da necessi-
dade 7 • E é isso o que importa; porque a criança nunca se resignará
a ficar séria e a prestar atenção quando tiver alguma esperança de
6. O Sócrates referido pelo autor, nesta como em muitas outras passa-
gens, é o que foi retratado nos Diálogos, de Platão, Especialmente na pri-
meira parte desses escritos, nem sempre se consegue separar .o pensamento
dos dois filósofos.
7. Termo usado no sentido filosófico de algo que não . pode.. ser de
outra maneira, como lei do reat ·.· , ,·.. ,.... · '
.,~.,;;;:~~t~;~i$&}~~;:~~1:~
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perder um pouco de tempô. Todos n6s sabemos quê um pai que
deseja fazer o papel do professor nunca será escravo da hora; assim,
a criança não se prepara. Não estando·presa a uma regra que nunca
dá suas razões, nunca toma este hábito precioso de se dedicar intei-
ramente ao trabalho logo de início. Esquiva-se. Ora, a principal
de todas as lições, e a mais importante, é a de que não podemos nos
esquivar diante da, necessid~de. Quem.aprende o sentido destas pa-
lavras é necessário já sabe muito.. ·
Outra conseqüência. O pai se alegra quando uma aula vai
bem; e com isso ele a prolonga. É ·ainda um grande erro manter
_
a atenção além .do tempo:. fixad.Q. Os treinadores daqueles que se
·dedicam às competições de corridas sabem que nunca se deve ceder
a um certo tipo de entusiasmo que faz com que não se sinta a fadi-
ga. .O mestre pago talvez seja menos sábio, mas felizmente a ne-
cessidade exterior o convoca; ele se levanta com o despertador. O
que exfate de melhor para qualquer idade é o trabalho que não faça
uso do prazer. Fechamos o livro, passamos a outras ocupações, e
então é que a lehura repercute com sua própria força, e acaba de
amadurecer por unia espécie de falta de atenção. · Isso é aindà mais
válido para a criança.
Acrescentemos ainda o fato de que ..Q pai é exigente, e logo em
seguida impaciente, por mtiitas razões: é que ele espera muito, conta
demasiadamente com este ·seu outro eu, que entretanto não tem sua
idade nem sua experiência. O pior é que conta com o sentimento,
de modo que qualquer erro é considerado. pelo lado trágico. Esta
criança, que mostra a leviandade própria de sua idade, logo é con-
siderada como não tendo amor por seu pai. Assim, qualquer se-
veridade lhe parece uma ho.rrível injustiça, Aliás, a própria crian-
ça faz o seu jogo; sabe que é amada; quer ser perdoada. Estes
pequenos · dr~mas, seguidos de reconciliações, esses sinais mistura-
dos de ternura e de despeito, passam a interessá-la mais do que a
gramática. Os sentimentos sinceros e profundos têm isto de te-
mível: nada lhes importa a não ser sua própria vitória. Desejamos
ser am~dos, sem contudo demonstrar· que o merecemos; tudo o que
lembr~.; uHiê'.·'~!9ça ou uma .recompensa é profundamente desprezado.
Eis.·.pçr ·"q~~;:~~i~te uma certa vaidade em todo seµtimento verdadeí-
1<..... .·:J·.}f;: ·..:
~ .<... ·~.. !.. .
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também uma tentativa a fim de se ver até quando é poss{vel
ro, e b
desagradar impunemente. E, como é eviden~e para am os. que a
f. - tem importância em comparaçao com o sentunento,
ortogra ia nao , . . , .
esse belo pensamento não demora a prejudkar gramat1ca, h1stona e
cálculo.
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• . "J'···.~··'!-·. ..:..~ ~~~.-.i..!
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XI
Meu irmão de leite era um garoto silencioso, engenhoso, e, ao
que eu soubesse, afetuoso. Eu não o deixava; juntos construímos
barcos, fabricamos pólvora e criamos bichos-da-seda. Não me lem-
bro de ter sofrido de sua parte alguma injustÍÇa;· nunca o vi tam-
bém ·separar se~s brinquedos dos meus. Enquanto estava comigo·..:
sob o domínio de meus pais, tornava-se esquecido, aventuroso e
imprudente como uma criança .comum; tal como eu mesmo. Mas
obediente, polido e. conveniente diante do poder, tanto quanto eu.
...
~...
Quando estávamos em sua casa, e sob a outra dinastia, as
coisas mudavam. Vinham cenas violentas e punições terríveis.
Lembro-me de que seu pai quebrou sucessivamente mais de vinte
soldados de chumbo para conseguir que ele dissesse bom-dia à sua
avó; e ele não disse. Eu estava fora dessa guerra· privada, e con-
tudo muito chocado com a cena, por causa dos soldàdos de chumbo.
Logo que ficávamos sós, nenhum sinal de aborrecimento nô g·aro-
tinho, e recomeçávamos nossas brincadeiras. Mas desde que o po-
der surgia, ainda que com aparências pacíficas, fosse o avô, a avó
ou o pai, devo dizer que era mal recebido. A criança terrível logo
atacava, segundo as regras da guerra, fazendo abertamente o que
era proibido, jogando pedras nas janelas, e servindo-se de palavras
injuriosas que comigo nunca eram usadas. Por fim, o garoto acaÇa-
va preso a uma janela, exposto ao olhar dos transeuntes, com ore-
lhas de burro, ou então expondo sobre o peito um cartaz no qual
.... ".::,º
lia: mentiroso, menino maldoso, sem coração, e out.~as ~~isas· 11
.... desse gênero. 'r
Não sei como essa guerra havia começado; mas agora com-
preendo que ela durava por sua própria força. ,~ pai s~~h~va com
os meios de corrigir seu filho, e julgava necessano qualifica-lo sem
fraqueza; e 0 filho, interessado nesta espécie de guerra, não de_Drava
de se mostrar desobediente, mentiroso e brutal, segundo os Julga-
mentos paternos. Esses dramas foram esquecidos, e a criança ter-
rível tornou-se um homem semelhante aos de~ais.
Muitas vezes constatei depois, com as crianças e também com
os homens, que a natureza humana se m?lda com facilidade segun-
do ·os julgamentos de outrem, assim como se dá a réplica n~ teatro,
mas talvez também por esta razão mais profunda de que eXlS~.~~
-espécie de direito de mentir para com quem nos julga mentir~.s~sl-~ ,
. bater em quem nos julga brutos, e assim por diant~. ·A contraprova
muitas vezes é bem sucedida; não costumamos l?a.ter em al~ém . qu'?
está com as mãos nos bolsos, e não gostamos. de .enganar a con- .
fiança verdadeira. E daí concluo que não devemos julgar apressa-
damente o caráte~, como se decretássemos que um é tolo e o outro
preguiçoso para sempre. Quando um galé é marcado, ele adquire
para sempre uma espécie de direito selvagem. No fundo de todos
os vícios, há sem dúvida alguma condenação na qual se acredita. E,
em todas as relações humanas, isso leva muito long~, já·que Q· julga-
mento pede sua prova e a prova fortifica o julgamento. Procuro
~nca julgar muito alto, nem mesmo muito baixo, porque os olha-
res e a atitude sempre falam demasiadamente; e espero o bem após
0· mal, muitas vezes pelas mesmas causas. E nisso não me engano
.muito: todo homem é bem rico.
Com isso, entrietanto, creio firmemen.te que cada indivíduo
~ive e morre segundo sua própria· natureza, assim como o
crocodilo é crocodilo, e não muda. . Mas .essa natureza pertence à
ordem da vida; está abaixo de nossos juízos. ·};: um fundo de tempe-
ramento e como um regime de vida, que· por si mesma não encerra
1
J i 1
1· ~.?~ ·-1.:~_!E:.__Q__mal~.-nem--uma. _
yJrtu4e_...nem._tim ví · • :~·
;; , um modo inimitável e único d . . -- . cm,... mas_antes
... .d - - ·· - ·· · e ser franco ou. ardiloso cruel ou c
;~n~:º·e:~:r:~uh~::~os;~raj~=e::~:ue existte be~· .menos d~f=~~,:
vard encon ro, e o mesmo co-·
e em um outro, que entre dois heróis e dois covardes. ' .
XII
Os sociólogos 8 estudam os costumes dos selvagens e se admi-
ram. Por que não estudam os costumes das crianças? Esse povo
é mal conhecido. Todos querem julgá-lo de acordo com as crian-
ças que observam em suas próprias famílias. Erro de método, que
·um sociólogo, ·por seus prejuízos próprios, deve evitar. Na famí-
lia a criança não está em relação com seus semelhantes; está presa
entre pessoas mais velhas ou mais jovens, e movida por sentimentos
.
./ '.. invencíveis que são marcados na carne. Somente na escola é que
f.:· ·encontra seu semelhante e seu igual. Na escola ela é outra, algu-
"1:·· .
ff mas vezes melhor, algumas vezes pior; diferente, digamos. E isso
·é o que quase todos os mestres ignoram. Eles contam com o senti-
mento, e o sentimento só pode ser muito fraco. Nunsa somos pais
por decreto. É verdade que uma criança isolada é comumentç po-
lida diante de um homem que ela não conhece. Mas quando são
reunidas crianças .da mesma idade, os sentimentos fortes nessa mul-
tidão resultam de .imitação e de contágio. Se julgarmos que esse ser
coletivo tem semelhança, em suas reações, em suas opiniões, em
suas paixões, com os indivíduos que o compõem, iremos de erro
em erro, e conheceremos o insulto contínuo, falando por cinqüenta
rostos.
8. É preciso que se tenha em conta que Alain escreveu a. maior parte
destas reflexões nas: primeiras décadas do século, quando os estudos· sobre
sociabilidade infantil eram pouco difundidos, por se encontrarem ainda em
·seus começos.
!'.) ·'f,. .J
l ':I~~ 11'
x,· ;1~-sação a criança também o ama; .e. principalm~nte•. a crià.·~Ça é a úni~a
Esse povo criança é capaz de amar e respeitar. Não inicial~t ,:.. 'd de di'ante do pai E toda a família, h1erarqu1camente dis-.
·-:~ ..,; em sua i a · <
mente por pensamentos, mas pelo . poder de todos sobre oada um:·~ i.{::' posta, é reguladora e testemunha. Cois~ digo~ de ~ota, esse p~dE
E esses sentim.entQs coletivos se imprimem tão fortemente que;:i J:paterno é totalmente incapaz de. in!1rmr; e isso e compreensivel.
mesmo na solidão, algo permam:cerá. Apenas é preciso inicial-:~~ .:t Por um lado, 0 erro de ortografia e tomado como uma ofe~sa do
mente que esta multidão esteja em ordem, e orientada segundo o J · coração; mas em éompensação, qualquer movimento v~rdadeiro d~
silêncio e a atenção. O silêncio é tão contagioso quanto o riso. :.· coração apaga 0 erro de ortografia. Nesta outra soc1e~ade que :
Mas se essa sociedade de crianças se dispõe mal para começar, tudo . a escola 0 sentimento não se conta; ·em um certo sentido tudo e
está perdido, e muitas vezes irremediavelmente. O riso sacode até ·..f~· _.., ~perdoad~·; em outro, nada é perdoado. .Aqui, não se mostra amor
mesmo os mais prudentes e tranqüilos: Assim, todos sentem qqe ..· ._::· ~.·· · - espera por ele. A ordem que deve s~ estabelecer nessa
. ._ e nao se ·1·
são as partes de um elemento cego como o mar; sentem logo que esta:):' ' sociedade não deve parecer de modo algum· com a ordem fami iar·
força coletiva é irresistível. A polidez, que é um hábito familiar~.i" Mas seria necessário descrever com. seqüência estes costumes pouco
não tem · mais lugar aqui. A criança está em estado selvagem): conhecidos. Como poderemos admitir que nenhum sociólogo tenha
Isso já reduziu ao desespero mais de um homem estimável, devotado~ : pensado seriamente em tal assunto?
afetuoso. j~~ ·
O primeiro pensamento que pode iluminar o mestre, nessa difí-.:'/;(''.
cil situação, é o de.que não há maldade nessas desordens, nem mes- ::5:1
::,
mo por pensamento. São efeitos físicos, que r~sultam do número. · '. / ~
Esse pensamento, quando seguido; conduzirá á uma espécie de in- .:;~~ .~ .
dulgência e também a uma espécie de severidade. Porque não se ~. ~;-
• . ..•:· r."';. l. .
trata no caso de pesar nem de julgar; trata-se de impedir. E se o ::·~· ~
mestre age como uma força física, diretamente oposta à desordem, . ' .
imediatamente triunfará. Não quero dizer com isso que. ele vá se
bater; aliás, não seria o .mais forte. Mas dispõe de punições muito
sensíveis a essa idade agitada, punições que são sempre suficientes,
contanto que sejam inflexíveis, à maneira das forças naturais.
Observei, quando era criança, que aqueles que mantêm a or-
dem como se estivessem varrendo, como se estivessem arranjando
objetos materiais, eram logo temidos por esta indüerença, que tira-
va qualquer esperança. E, sem exceção, aqueles: que queriam per-
suadir, escutar, discutir, perdoar enfim às promessas, eram despre-
zados, vaiados, e, coisa triste de· ser dita, finalmente odiados; en-.
quanto os outros, os homens sem coração, eram fi.iialmente amados.
A situação de um pai é totalmente diferente. Por um lado,
ele ama o seu filho, e a .criança sabe disso. A criança tem este te-
mível meio de punir seu pai; obrigá-lo a· punir. ·. Mas em compen-
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XIII
O ~lefante, em Kipling 9
, puxa corda, arranca piqruetes, 'respon- .
de aos apelos .noturnos, ~ corre nesta dança de elefantes, cerimônia :,
que os homens nunca vrram. Em seguida esse fiel amigo do ho- _·
mem volta .ªº seu cercado. Assim também a criança, exilada de ;
se~ povo, fica atrás da janel~ fechada, escutando o chamado das ·
cnanç.as. A ~ria~ça é ligada ~ sua família por elos muito fortes;
mas hga-s~ tambem ao povo criança por relações que não são me-
nos .n~tura1s. Em ~ certo· sentido, ela é menos estranha no meio
das cnanças que em sua família, onde não tem iguais nem se _
lhantes E" 1 me
· · . is p~r que, ogo que consegue roer a sua corda, corre
par~ .a brmcade1ra, q~e é a .ce.ri~ônia e 0 culio do povo criança.
Felicidade plena, entao, de 1m1tar seus semelhantes e de perceber
em seus.movimentos a imagem de seus próprios movimentos.
j Ein .sua família ~· cri~nça não é ela mesma· pede
l tado· iiruta o - ~ d ' tudo empres-
1 . ' . que nao e e sua idade. Disso decorre um enfado
j a~tado, que conhecemos mal. Aqui a. criança é como que estran-
1 .ge1~a, ~porque nã.o experimenta nem os sentimentJos que lhe são
l atnbwdos, nem os que ~la mesma. exprime. _o que se deseja cha-
1 ~ar de m~ldade em certas crianças é sem dúvida somente impaciên-
j c1~ po~ nao poder romper a corda e ir encontrar-se com seu povo
i criança. · Esse pov~ é ateu e religioso; tem ritos e preces nos jogos,
1
9. Referência a Rudyard Kipling (1865 1936) · ·
cupações tipicamente vitorianas t - , escritor mglês, d~ preo-:
: conhecidas t da 1 , omou, como assunto de suas obras mais
~·. ;'4Livro da i.f,;;!1, Mi:u'"::'o. da lndfa, então •Ob dominação britânica. Cf.
,,
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_,'mas sem qualquer deus exterior. Esse povo tem seu próprio deus;
) adora suas próprias cerimônias e nada mais; é a bela idade das re-
ligiões. Os profanos causam escândalo quando ·são espectadores;
e mais ainda quando se misturam nos jogos: o hipócrita não pode
enganar aqueles que têm fé. Daí ocorrem movimentos de humor
incompreensíveis. Lembro-me de um pai indiscreto que queria
~: brincar com soldados de chumbo com as crianças entre as quais eu
'. ::estava;· eu via claramente que ele não entendia nada; seu próprio
·:"·
·· filho demonstrava mau humor e estragava tudo. .~ pessoas gran-
des-minca. devem brinçª-t ...COfil__as__ç.r,ianç.as..- .Parece-me--
.qüe õ--p:ar-
.· tido mais sábio é ser polido e reservado para com elas, como sería-
mos para com um povo estranho. Quando uma criança se .vê se-
parada das de sua idade, só brinca bem sozinha.
A escola é, portanto, uma coisa natural. O povo criança nela
se encontra em sua unidade. E aprender é também uma cerimônia.
Mas é preciso que o mestre seja estranho e distante. Desde o mo-
mento em que :ele se aproxima e quer passar por criança, há um
escândalo. Como se um profano entrasse em uma sociedade se-
creta. ,_Q .povo ci;iap.ça tem suas leis sagradas, e guarda-as para si.
Este elo tão forte e~tre--oscarnaradas dê jogõs--prende até mesmo o
homeip. feito, e de certa forma ele logo se torna amigo de um outro
homem que não via há vinte anos, e que quase. não conhece. O
povo criança cresce assim e torna-se povo de homens, estranho aos
que são mais velhos, estranho àqueles que o seguem. A conversa
com um irmão· mais velho é sempre difícil; é quase impossível corr
um pai; é mais natural com um estranho de uma outra idade; mai:
natural com um professor de língua ou de ciência, ou de literatura
porque o mestre conhece e mantém as ·diferenças, enquanto que un
irmão ou um pai desejam se aproximar e compreender, e logo si
irritam por não o conseguirem. De modo_
_g_l,!_
e__.Q__mestre se torn:
embaixador e negoclad~I-..~~re o poy9_
_J2-ªLe..o...pQy~-criaiiÇa~--
·---
- ----·· ... --- -- -
--
- '
3
1
1
XIV
O· povo criança vai se reagrupar, e abrir novamente seu par-
lamento de dez meses.
A família, nesse tempo de férias, esgotou seu poder de pensar,
que não vai longe. Porque, pela troca de sentimentos afetuosos
'
cada um fica fechado em si mesmo, exercendo seu poder de escra-
vo e usando de seu humor sem precaução, o que faz com que o in-
ferior governe e com que o tédio reine. ~--ç.ri-ançª, .. _gµ~ _
n~~ tem ~ ;.L
.-~-~yp.ações, improvisa em m..~io a obstáculos, sei;gI>r~-P~rturbada ·pela· --.;~~ ·iJC
·-~~!:~~v~~~~.: Mas ei-la- quêvãC-voÚ~ às su-;~..ocÜpaçõ~'..{ ~·
próprias, e encontrar novamente seu pensamento em seu parlamen- !1'.;~
to. Dizer que a escola convém aos pensamentos de infância. é ainda
dizer muito pouco. Porque é bem possível que só haja pensamento
na escola, e que nossa sabedoria, depois, seja somente a lembrança
desse belo tempo.
A experiência instrui pouco, mesmo quando é conduzida segun-
do o método mais severo. Ora, quem portanto · interroga assim a
n~tureza? Ta!v~ algum professor, reconduzido à sua própria infân-
cia pel~ assembleia do povo criança, mais possante então que a as-
sembléia acadêmica, onde a intriga, a adulação e a preponderância
dos velhos doentes e atrabiliários logo fazem com q1Ue se es-
~~eç~ a experiência _sã e o cálculo honesto. Em geral, é a · expe-
nencia humana que substitui a outra, a experiência humana, na
·l qual nada 'é bem sucedido de acordo com o razoável, onde os erros
~' ·. 36
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muitas vezes são recompensados, e outras vezes são punidos; onde.
o curso do tempo desvia e carrega, porque é necessário seguir os
movimentos da fortuna, e criticar o violino quando se ganha a vida
tocando flauta. :E: que os acasos humanos pesam demasiadamente
sobre cada homem. Os encontros fazem os negócios, e a ação..
corre à frente do pensamento.
....~
~-~i~~ncia_ do....pnv..o.....criança....encontra..se_
_
_
entã9_ .fora._
desse.. fil~"'.
::f vimento agitado. O homenzinho, carregado com seus livros, atra-
~- -- -..· · ·- --·-··.. .. .
vessa os acontecimentos da rua, e encontra outros acontecimentos,
ordenados ao seu tamanho e de acordo com a sua expectath;a, ver-
são ou problema. E os programas não são coisa pequena, porque
são seguidos. Ora, não há um homem vivo, já saído dos estudos,
que tenha alguma vez podido seguir um programa, e passar de um
problema a outro segundo a ·ordem da dificuldade crescente. Os
acontecimentos folheiam o livro de trás para diante, sem nos dar
tempo de acabar o capítulo, ou pelo menos a frase. Mas na escola
encontra-se ainda esta preciosa condição cujo passo é regulado pela
massa dos iguais, de modo que a elite revê o que já sabe, e cura-se
assim da surpresa. Em todos, uma espa~tosa · segurança, por este
socorro que não é suspeito, e esta confirmação de todos os instantes
misturando convicção e persuasão segundo os meios de cada · um
Para as menores coisas, para um verso de Virgílio ou 'para um cál
culo, a opinião verdadeira se estabelece, com o ·auxílio do. mestre
pela união das provas e do rumor público. E agradável passar ai
lado de um grupo de escolares que caminha em direção à escola
discutindo e comparando, a propósito de um particípio ou de ur
peso específico. Cada qual puxa o seu papel, e algumas vezes u1
hesitante corrige o seu sob a fé das au~oridades, que são tambér
garotos, sem majestu...çle nem borla de doutor. Este feliz estado d
espírito h~mano nunca mais se repetirá. Nem mesmo dois profe:
sores reunidos têm tamanha boa fé, nem uma tão pura consciênci
dos valores verdadeiros.
O povo criança-feFja...Jdéia&.;-Q._J29VO dos_
_
homens faz·-delas,. e
--=------ --···-·;"' .
seguida, o que pode, muitas vez~_§__J1atendo.--COJ!!___~ tenaz, muit
...________
_
_--·--- ------ ·----- .. ____
__/
·~. . ' 1
l ' vezes torcendo fracos cinzéis para cortar 0 ferro. Por causa dessa
pressa. d-~ que e~ falava, p~_~us!._9o _~n;iprevis_to, _
,pela _aflição.,: E
essas ideias torcidas são algumas·- vezes muito belas, trazendo jun-
tas as marcas da guerra e a linha do espírito. Eis por que as lom-
badas dos livros de aula são ainda algUmas das melhores coisas que
tem9s para considerar. Lembran~a e recordação.
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X7
Esse pânico de crianças e esse afogamento levam-me a pensar
que a escola, que é propriamente a sociedade das crianças, é e deve
ser separada da natureza. A escola requer jardins, isto é, uma na-
tureza desenhada, ordenada, limitada pelo homem. · Toda a ativi-
dade se desenvolve então no trabalho escolar e no jogo, sem qual-
quer preocupação real de produção ou de defesa. Essas condi-
ções são reguladas pela própria natureza da criança, que é absolu-
tamente sem defesa contra as paixões.. Um desespero de criança
logo ultrapassa qualquer medida e levaria à convulsão, se uma
força superior, que é a da mãe ou da ama, não a tirasse da terra
indiferente, exageradamente severa para essa idade, e não a enro-
lasse novamente no tecido humano do qual ela acaba de sair, do
qual se espalha, sobre o pequeno ser, com o calor e·o amor, o forte
remédio das lágri~as e do sono.·
Vendo uma criança levada ao colo compreendemos esta justa
proporção entre a infância, que não sabe viver, e a humanidade, que
protege a infância; Vemos também por toda parte, no trabalho, e
mesmo no movimento agitado de nossas cidades, a criança feliz ou
a criança adormecida, transportada, carregada, tão tTanqüila neste
gesto envolvente quanto em seu berço. Esta sabedoria da criança
nos engana; ela pertence a nós, não a ela.
O povo criança é belo de ser visto na escola. Aí é que a crian-
-,ça encontra uma força conveniente à sua. Mas, se observarmos
bem, perceberemos defesas e barreiras contra todas as ameaças ex-
ternas. A criança brinca no barco ou no veículo, mas falta a água,
' ~ 1
faltam os cavalos e a curva da estrada. Desde que a criança
encontra em relação com uma força real, ainda que seja no carro ~J
puxado por cabras, é preciso que tudo seja organizado e medido, e
que, enfim, cabras, vekulos e crianças sejam dominados pela força
superior das amas e dos zeladores. Não se concebe um bonde de
ver·dade, ainda que .de dimensões reduzidas, servindo de brinquedo
para crianças, e do qual elas fossem os condut"Ores, os passageiros e os
viajantes. A força mecânica, que é cega e desumana, não se presta
à brincadeira. Ou então é necessário que os brinquedos mecânicos
sejam muito pequenos, e que o pezinho possa derrubá-los sem es-
forço.
Na própria natureza, e sob as condições normais da vida hu-
mana, o povo criança é um monstro, pelo medo, que é a primeira
das paixões e talvez a malª oculta de todas. Uma assembléia de
crianças supõe um terreno plano, sem segredos nem armadilhas, e
no qual tudo será brincadeira, Desde que apareça a ameaça, é
preciso que a assembléia de crianças seja dividida, e governada de
perto por um bom número de seres mais firmes, que não trocam
medo por medo. Essa justa proporção entre natÜrezas reguladoras
e naturezas reguladas é oferecida por essas famílias numerosas que
afrontam os perigos comuns em uma viagem a Meudon. Devemos
lembrar ainda aqui que as crianças não têm todas a mesma idade
'
e que o filho mais velho encontra naturalmente uni grande reforço
de razão e de coragem em seu papel de protetor. A escola, ao con-
trário, reúne crianças da mesma idade, o que provoca uma bela paz,
contanto que sejam mantidas as condições próprias à escola; mas
surgem também terríveis pânicos, desde que o elemento desumano
. apareça. De maneira muito sábia, nas grandes escolas, já costumam
ser também instituídos exercícios de fuga tranqüila, comandados pelo
grito: "Fogo". Assim substitui-se a autoridade habitual dos mestres,
fonte de confiança, pelo poder desumano do fogo, e principalmente
pelo medo, rei dos poderes desumanos. Daí talvez perceberemos que
a escola é uma sociedade de um determinado tipo, bem diferente da
família, bem diferente também da sociedade dos homens, e que tem
suas condições próprias e sua organização própria, bem como seus
cultos. e suas paixões próprias. Belo tema para o sociólogo.
l
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1
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o psicólogo discorria seguindo a inclinação, como um ~egar_o.
"Só a experiência, dizia ele, pode nos instruir. A obse~~açao nao
nos levaria longe se não tivéssemos aprendido com os oflc1os a arte
de modificar os fenômenos naturais, produzindo por nós mesmos
mudanças bem determinadas das quais medimos os e~eitos. Que_é
um físico, que é um químico, senão um homem que poe em questao
os objetos, rompendo-os, pulverizando-os, submetendo-os ao calor
ou ao frio? Sem estas inumeráveis tentativas, teríamos alcançado a
lei oculta? Do mesmo modo a psicologia só se elevará à dignidade
de uma ciência quando submetermos o homem a experiências pre-
paradas. Os médicos já procurar~m muito por esse lado; infeliz-
mente, eles só consideravam os loucos. É preciso que os e?ucado-
res submetam também as crianças das escolas a experimentações. e
provas, a fim de que se possa enfim apreender algo de positivo so-
bre esta natureza humana em sua infância, que eles conhecem mal..
Sem essas investigações metódicas, perderão seu tempo. Para ins-
truir a infância, é necessário, inicialmente, conhecê-la." Que dizer
contra isso? A evidência é nossa cabeça de Medusa.
o Sociólogo de óculos terá, entretanto, o se~uinte a dizer: "Se
os conhecimentos humanos tivessem sido formados na ponta de nos-
sos dedos, como dizem vocês, o problema humano seria bem mais
simples do que é, e isso me alegraria. Infelizmente, i~so não ocor-
reu. Em todos os povos antigos vemos que os oflc1os chegam a
uma espantosa perfeição, ao mesmo tempo em que os artesãos per-
j;;.·
( 1 1
manecem atados às n:iais ridículas superstições. Poderíamos
cluir disso que o objeto que muda sob as mãos não instrui.
chamo a sua atenção para uma outra prova universal. A primeira ,'1:.
éiênda, e da qual ·saiu a primeira idéia da lei natural, foi por toda ;~>
parte a astronomia; e os objetos astronômicos são justamente os j,;
únicos que estão fora de nosso alcance e que não podemos mudar. · ·:;
_Assim o astrônomo.-foi protegido contra esta curiosidade indiscreta, ·~k
que muda o objeto em lugar de considerá-lo com paciência. E ain-
da agora a experimentação', da qual. vocês fazem tanta questão, só
instrui o homem prudente e formado pela astronomia, isto é, aquele
que observou muito t~mpo. Se é perigoso, para quem quer instruir,
alongar muito rapidamente a mão, que diremos desse olhar psicólogo
que muda o objeto humano sobre o qual se detém? E desconfio
ainda mais dessas experiências que logo agitam seu tenro e frágil
objeto. ~ preciso observar o homem com o canto do olho, e sem
avisar. E é curioso que vo~ês observem a infância de hoje, que,
com 'as palavras da língua, aprende em alguns meses a sabedoria dos
séculos, quando a infância da espécie se mostr~· sobre foda a ·terr·à......,
em séus templos .e seus deuses".
Ele se calou e limpou os óculos. "Àgora, disse, tenho ainda
outra coisa a dizer, não como sociólogo, mas como professor, porque
aprendi o· ofício. ·Vocês dizem que é preciso conhecer·a. criança
para instruí-la, mas isso nao é verdade; direi .antes que é preciso
'.instruí-la para conhecê-Ia, porque sua verdadeira natureza é aquela
desenvolvida pelo estudo das línguas, dos autores e das ciências.
Formando-a no canto é que saberei se ela é um musicista."
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."
XVII
o ensino deve ser resolutamente retardatário. Não retrógrado,
muito pelo contrário. .E para andar no sentido diteto que ele recua.
Porque se não nos colocarmos no momento superado, como superá-
. ' d' t esmo para um homem em
Io? Seria um louco empreen imen o, m _
toda a força, tomar os conhecimentos em seu último estado; ~ao
teria entusiasmo, nem qualquer esperança razoável. . v:endo..so a
insuficiência por toda parte, aposto que ele .se veria ~a 1~obill~~~~
irroniana 10 porque, compreendendo tudo, nada afirmana.
~ontrário, q~em acorre das idades antigas é como qu~·;_la~çado se-
gundo 0 movimento exato. Sabe vencer. Essa expenencia faz os
espíritos vigorosos.
. A Bíblia anuncia muito, e mais ainda se~undo o espí~to que
. segundo a letra. Porque não podem.os parar ai. Mas tambe~ log~
· b mos que não vamos ·_parar. Este pensamento selvagem e abs .
sa e .--·---· f E 'á 'que tantos homens su~
trato, rochoso abrupto, tem uturo. J . _
t·?:· le' cada um pode se dar a perm1ssao de nela acre-
raram a an I6 a i, de
ditar: E assim é .que será 'ievada à maturidade ~s~ pro~essa
. dem melhor. Falta-nos, para sermos cnstaos senamente,
uma or . .. 'alm f ·
termos sido· pagãos ou judeus. Quem não é rmc1 ente anse~,
como poderia se curar de sê-lo? E também quantos hom~ns .sao
fariseus quando velhos! Tal é a marcha retrógra~a'. .Isso e ~ qu:
0 direito nos faz sentir, porque o direito nunca é suficiente, e isso
10. Alusão aPirro de EÜ~ _(360~270 a.C.),· fund31dor :~a ~:ti~a~~~;
cismo. Defendia a suspe_nsão do 1u1z~ sobre todas as colSas, P .
a de8ejada imperturbabilidade (ataraxza).
bem fácil de ser compreendido. · Mas também esse :amargo pensa- ./'J:
mente a nada conduz. É o jurista que muda o direito para melhor, :::
justamente porque o · conhece, porque acredita nele e porque a ele
está ligado. .'f: pela suficiência, e não pela jns_yfi.ciência,- -que--uma_ :~~
idéia promete outra. Diante da espécie, o juiz de paz pensa algo ''
de novo, pela própria força doutrinal; assim se faz a jurisprudência,
bem mais forte e de muito maior alcance que a ironía do litigante.
_
A criança tem necessidade de futuro. ~ Não é a última palavra
do homem que lhe deve ser .-dada, mas antes a primeira. Isso é o
que fazem de modo maravilhoso os antigos autores, que deveriam
ser chamados Profetas. Eles nos dão a amêndoa, para que a que-
bremos. A virtude das Belas-letras consiste no fato de que é preciso
ouvirmos o oráculo. E não há melhor modo de nos interrogarmos
a respeito de nós mesmos, como anunciava o frontão de Delfos 11,
Nas ciências, ao contrário, acontece muitas vezes que, pela perfei-
ção ~o resumo, não vemos mais o obstáculo. Em um elegante cur-
so de mecâníca, nada se detém. E perguntamos: "Para que serve
isto?", em vez de indagarmos: "De que pode isso me livrar?" O
contrário ocorre em Descartes 12, como podemos ver bem, porque ele
se engana e se desengana; bem mais perto de nós. Mas Tales vale
mais. Sócrates tinha .essa arte de levar qualquer idéia à primeira
infância 13• .'f: bom pensar a respeito dos líquidos com Arquimedes, e
sobre o barômetro com Pascal; e até mesmo esta confusão que per-
manece em seus raciocínios não é ainda bastante nossa. Aproxima-
se, todavia, de nós. Os antigos possuem o novo; é o que os moder-
nos muitas vezes não têm, porque sua verdade não está no nível de
nossos erros. A Terra gira, isso é velho e gasto; o fanático não
vê mais aí qualquer dificuldade. Mas quanto ·a isso será menos
fanático, ou mais? Eu não saberia dizer.
· 11. O Templo de Delfos, dedicado a Apolo, trazia em seu frontispício
a inscrição: "Conhece-te a ti mesmo", que era como uma advertência ao
homem a respeito de seus próprios limites. Fonte de inspiração do pensa-
mento de Sócrates.
· 12. Referência ao pensamento cartesiano, que antes de alcançar a cer-
teza, se exercita na dúvida (dúvida metódica) até ão exagero (ÇlúVida hiper-
bólica). Cf. Descartes, Primeira Meditação. ·,
13. .Sc)crates, que lutava contr~ a~ falsas competências, principalmente
as di1>s,(:minadas pelos Sofistas, propunha aos seus interlocutores a volta ao
estado de ignorância original, como . ponto de ·partida · de qualqúer .indagação.
11.•.- •
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' 1
:J :-:..
• I ' • t
XVIII
,.
. b saber Quando um professqr começa a expli-
Existe sa er e · " · e de-
. d céu descrevendo inícialmente as aparencias,
car as c01sas 0
• " dos astros muitas
finindo o leste e o oeste pelo nascer e pelo por , 1 -
. a dÍzer· "Não é verdade que o Sol se e
vezes surge um gun par , · . . disse" Esse tipo de
vanta e se deita· a Terra e que gira, papai me .
ber não tem ;emédio, porque ·aquele que sabe tão prem,..atu.ramen-
sa Terra cnra nunca dará suficiente atenção às aparencias. ~
te oue a e>· T - 0 pode de1-
se lhe falamos da .esfera terrestre, forma a~x1 ~ar que na , . não
d P
ara descrever as aparencias, pensara que .
xar de ser usa a . na
, . recurará, em vão, naturalmente, a ordem co~ermca, '
e assrrµ, e lpa seria vista de uma estrela. A ordem copermcana e a
tal como e , · d · u três
,.. . Mas julgo que são necessanos 01s. o
::r!a~: ~~::!:~~:
1
:~guidas, e, segundo as aparências'. antes~de s:
'd' . do sistema solar. É um mal irreparavel,
formar realmente a 1 eia ·
muito comum, -duvidar antes de se ter certeza.
O público se instrui mal, porque imagina que a última verdad~ é
lh
- ·-- , Mas a verdade não pode ser derramada assim
0 que e convem. . f 1 d
de um espírito para outro. Para quem não a ~onqmsto.u a .ªn ~
das aparências ela nadá é. Quantas pes~oas abriram os-3orna1s d1":'
zendo: "Vejamos um pouco se o princípio da conservaçao da en~r.,
". ---
._ . . d d . ,, Ambição vã. . Não podemos renunciar
gia contmua ver a eiro · . . . . . , .
àquilo aue não temos. .'f: preciso posSUlf lDlClalmente O pnnc1p10,
e tentar-com milhares de exemplos, para que s:_ possa ap:mas co~~e-
d · ' ·0 chamado de degradaçao, que nao destro1 o
ber o segun o prmc1p1 , .· . . , ..
.. . :.'.
' '
'primeiro, e que não tem qualquer sentido sem o primeiro. f: preci-
so ter aplicado ambos muitas vezes, para que se possa duvidar .de
um ou de outro. A dúvida é uma passagem. Para experimentá-la,
é preciso sentir inicialmente sob o pé uma inquebrantável resistência.
A dúvida é o sinal da· certeza.
Considerem atentamente Descartes 14, o mais ousado duvidador
que já existiu. Poderíamos dizer na verdade que duvida ainda
menos que o ébrio, o delirante ou o louco. Porque diante desses
pobres espíritos o mundo se desfaz a cada momento. As aparên-
cias tomam mil formas; é como um caos, do qual os sonhos nos dão
alguma idéia. Mas também ninguém desejará dizer que esses es-
píritos fracos estejam em estado de duvidar. E de que duvida-
riam? Ao contrário, vejam que Descart~s duvida, ao lado àe sua
lareira, mais desperto, mais liberado de qualquer paixão, mais se-
guro deste mundo sólido que qualquer homem. E, guardadas as
proporções, eu diria que o célebre Poincaré H5 bem podia duvidar do
movimento da Terra, porque inicialmente e por muito tempo
havia pensado intensamente a tal respeito. Mas isso não faz com
· que qualquer guri possa se levantar do .seu banco para dizer: "Não
é verdade que a Terra gira, isso é só ~m modo de dizer". Há um
caminhar de idéia em idéia, e finalmente para além de qualquer idéia,
que cada espírito deve seguir por sua conta, sempre com o cuidado
de construfr a verdade, mas pouco curioso de recebê-la. Se essa sa-
bedoria fosse melhor compreendida, quase todos os homens, diante
dos paradoxos de Einstein, diriam como digo: "Ainda não che-
guei lá".
14. V. nota 12. .
15. Referência a Henri Poincaré (1854-1912), matemático, físico;:mate-
mático ~.·. filósofo da .ciência francês, a quem se devem importantes contri-
buições nesses campos especializados.
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XIX

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,, ·J 1
1 ·. 
.
' .familias a escolha de
Acho ridículo que se dê às crianças e as
aprender isto antes daquilo. Ridículo também que se acuse o Es-
. . uil Ninguém deve escolher, e a
tado de querer impor isto ou aq o. _ . .
escolha está feita. Acredito que Napoleao expnmm em duas, pa~
lavras o que todo homem deve saber da melhor fori:ia poss1vel.
t
. 1 t'm Ampliemos. compreendamos por latim o estudo
geome na e a i • • . · E t-
. · 1 · t de toda a poesia humana. n ao,
das grandes obras, e prmc1pa men e
está tudo dito.
/( A geometria é a chave da natureza. Quem não é geômetra
nunca perceberá bem este mundo em que vive e do qual depende:
Mas antes sonhará segundo a paixão do momento, enganando a si
mesmo a respeito do poder antagonista, medindo mal, cont.and~
mal nocivo e infeliz. Não quero dizer também que se deve :ns1-
nar 'toda a natureza, ri.ão. Mas regular o espú:'ito segundo o objeto,
segundo a necessidade claramente percebida.. Nem mais. nem me-
Q em não tem qualquer idéia a respeito da necessidade geo-
nos. u 'd d
métrica, tem também deficiência da própria idéia de necessi a e e:-
terior. Nem toda a física e toda a história natural juntas poderao
suprir essa deficiência. Pouca ciência, portanto: mas uma boa
ciência, e sempre a mais rigorosa prova. Q_
_q-y_~,. e bel~ .!l..ª--g~Q.:t;Q.~­
tria é que há_·-~~tá.:~.<:1-8...~~-)?.!'.PY.~.~'--~....~lg2..9~__ç}~o e ~a~io em t~das
·····-·-· ..·-·· .... ·· ····--··· · f · ma portanto nos deem hçoes de coisas.
elas. Que a es era e o pns , , . .
-A-~em? A todos. f: bem curioso decidirmos que..uma .cnança
ign~rará a geometria porque tem dificuldade em. ,coe!17r~~11dê"'.la; .
~::;~~~~:~..~~~..~~..·
-...~ -ª
este é, muito pe1o contrário, o si~al de que se deve fazer paciente-
mente com q~e ela penetre na g~ometria. Tales não sabia toda a. ·~·~
n~;a geometria: Mas o que ele sabia, sabia bem. Assim, qualquer :~,
v1sao da necessidade será uma luz P.ara toda utna vida. Não con- .-·
tem por.tanto as horas, não meçam as aptidões, mas "
digam apenas:
"E: preciso". ·
1- A . ,
poes~a e -ª ·-~~!!'!:.~..9~--2~9_e~).!E!!!.!:l.na, e,___~9!11º j§ disse muitas
vezes'. o e~~QQ__Q_'!._ ah~a. _.~~~- _i:iã~ ..
~__pgesi~----~<.?~ feÍt;·--~~ ~i~~~.
especialmente ar a · ' · -·- ···;·--------·
-.-- .. . __ ·--..R-..ª-..____'.'__-:-C.!_~!?S~:S.'. _Ao contrar~<;>_,,._~_
_
_
!I,l~ls ~lt_ét poesia,
a 111a1s_ ~enerad?.:_ Muitas vezes se diz que a criança não a c;;~-=:-·
preendera. É verdade que inicialmente ela não compreenderá.
N!_~~·- Q...~~<?.:1" .da poesia cons~!~to, e~ cada leiturà: inicialmente,
~1!!5'.~...c:!~-~-Qs_..1.!!~LU.!!~,-- -~~ª...n.9-~~·:·g_i~p9.~-e~lc:>s_
_
s~:ms-e__p~IÓ-ritnio, segun-
do um modelo h · · · --- - -- - - ---- ·--
-:·--·-·--·- -----.. ·-·--··- .....E.1!?:~-~-º--~-º..!Y..e:!.sal. .E isso é bom também para a
cn.ança. Como aprende ela a falar, senão regulando sua natureza
~~=aluse;u~do este canto humano que escuta? __ !:~Ç~!1.?--~..-P9!".~~-1?:~.2.
...______
___,q:·.~~ .e.c1t.e escrupulos~rneI?:~e.__2_!.?_~_lC?....s'.~!!!9~. _,,/~·§.ê.i.fil..~~-mi~..---!"-~_fil!­
lando 1~1f.ial!n_~!!!~..-~E..~~---P~-~x_9_es,,,_
_
~I~.Je_P<?~ _em seguida em situa("ã-o ·
de com reend · - ·-·· --- · -------·-·------=-
_____
JQ!_
___ . --~r ..~q_c)_~s ...a_s pa1~.o~s, elevan<:lº-":_~_e... _lgg9 ao sentimento
mmtQ·-º~--Q!J.se!_vaçã<:>. _tje__o.n.9-~.:~.~..-<!:~~~~!?!:~_
_!c_:>_~~--~-..P.~i~~g~~~-h~~-;~;: '
Ma~ a criança é grosseira e como que selvagem? Indifer~-~; a
essas colSas? Não acredito. A grande poesia tem efeito sobre to-
dos.~ .os mais rude~ garotos querem a maior poesia. f: 0 melhor
remedro con.tra a careta, que .é uma espécie de poesia', mas sem so-
corro. , Portanto, toda a poesia para todos, e 0 mais possível. E
to~a hngua humana, o mais possível. O homem que não é disci-
plmado segundo ess~ imitação não é um homem.
-jl-~~triª e p~a: isso basta. Uma tempera ·a outra. Mas
ambas são necessárias. Homero e Tales ·conduzirão 0 e t d
I - A . , s u ante
pe a mao. . . ~nança tem esta ambição de ser homem. Não deve-
mos. qecepc1ona-la. E menos ainc!-a deixá-la escolher em meio ao que
ela ignora. Sem o que. o catecismo faria com que enrubescê~semos.
Por~ue os teó~.qgos ensmavam a todos tudo 0 que sabiam dete d .
se dia t d ' · · b · ' n o-
. n e o esp1~1to .re ~Ide. E, na dúvida, batizavam qualque~-ior-
ma hum,an~.. >~V~1os nos, então, escolher e recusar o batismo hu-
manq· ao fqypJ~~:Q.u ao adormecido? .
. . ··. -~:.. ~~~·~.~~> .
LA o
' ~·
/
XX
O garoto que mostra aptidões <?U tão-somente um gosto acen-
tuado pelo estudo é log~ tirado de sua cidadezinha. Cada qual ql,ler
levá-lo adiante à sua maneira, e ele é celebrado pelas comadres. É
um belo traço do homem esta admiração diant~ de u~a criança que
talvez seja alguém. Os condiscípulos também fazem um belo coro
nesses 'louvores. E conheci pess~as que, mesmo depois de passados
sessenta anos, ainda tinham orgulho de terem. sido coleg~, elas, pes-
soas medíocres, de um homem bem sucedido. Assim todos pro-
curam o gênio e falam muito a seu respeitó. Todos nós· conhece-
mos gente desse tipo, pessoas boas, mas que so se enganavam por
esperar demasiadamente. Em suma, as bolsas nã? faltam, os bolsis-
tas é que faltam. E assim são procurados os can<;lidatos para as altas
~;·p::an::e:~~:~;ai;:.;~•e:;:::rn~:·:~:~.::~~isi:,:
~lema está resolvido; não há barragem. ·Lembro, como exemplo,
todos estes filhos de camponeses e de operários que estão atualmente
situados, e muitos acima do que valiam. Mas também não quero
seguir estas fracas declamações sobre aqueles que, tendo sido cha-
mados, não são eleitos. Entre esses, e conheço-os bem, não vejo
um desclassificado em cem; quase todos voltam para suas províncias,
·onde não provocam ruído, mas permanecem acima de suas pequenas
funções, e úteis ainda pelo conselho; é um .bom levedo.
Restam ainda aquéles que ·não são suficientemente instruído~,
sej-a porque não querem aprender, seja porque· não pc;:>~·em. Aqu;
,.
·está o verdadeiro pr?blema. Houve um tempo em que o garoto que
raciocinava mal uma ou duas vezes sobre os triângulos era logo
abandonado. Conduta razoável, se o poder só pTocura recrutas ..
para a ~art: governant~; conduta ridícula, se o poder· deseja real-~......:~
mente .c1dadaos esclarecidos. ~~QQ.._UnLIDen.419_..não...mostt;a_,q"""u_atD=.
qu~:...~E!~~.~.C?. E~.~ as~~1e.mátiGas,-iss-1ré-um..avi~.9.~.QJJ.~uecessá­
r10 ensin~ matemática obstinada e engenhosamente... Se não
··-·----- --------.--- ~---_...------- - -·--...~-'""'
compreende o que é mais simples, que podera então compreender?
apenas pensará nas .coisas divinas e humanas, mal ou bem, como fa-
zem todos, mas, além disso, decidirá a respeito da paz e da guerra,
do justo e do injusto, da nobreza, da baixeza, e enfim a respeito de
tudo, talvez de maneira louca, com todo o seu peso de homem,
certamente. O mais livre dos escritores sente a cada instante este
peso em sua pena. E também não é pouco se um homem, destina-
do ao comércio, à agricultura, ou tão-somente à prática dos meca-
nismos,· lê Descartes, Montaigne e Pascal, ou pelo menos entrevê a
majestade aos teoremas mais ~:Este ~uncto- irá sempre..e:o.~~...../
vai, se õ---te-souro"âã.S Humanidades estiver reservado àqueles que são
mais. dignos dele. Mas se nos puséssemos a instruir os ignorantes, .ve-
ríamos coisas novas. . .. ..._________
__ _
_ ---T""·----·"
- - · ..- .. ·.- . · .- - - ··-- -- .- - •• ·- I ~ -
b (l_.O..-.d .•Ç Y''·.' r'>Ov.Q.
·." 0<- n.. Edu! e
( .......-i
.. "~·"/
'
Evidentemente, no que se refere ao mais fácil, é aceitável esse julga- "
mento sumário, que ainda ·é muito ouvido: "Este menino não é in-
teligente". Mas nem isso é permitido. Muito ao contrári~, é o
erro capital em relação ao homem,. e constitui injustiça essencial
mandá-lo assim para junto dos animais, sem empregar em seu favor
todo. o espírito que se tem e todo o calor de amizade de que se é
capaz, fazendo voltar à vida estas partes geladas. Se a ar.te--de-··
 i~~~~uir só tem .._a finalidade de esclarecer os gênios, eí.;_t_
rldícula, Ü j .o·
 porque ôS gênio~< Stirgerii ..ao primeiro 'd}amaao,...e..afrãvess-ãm Os.Ob -   '. ' .
.._, /' ·r O 1 r~'-' jl •. '··<:->elo_
r,
•,

_ táculos. Mas aqueles· qüe ·se agarrãm- em--tudÕ- e se engãriãrn: com : .-. " (( >.>''- L-
t.
udo, a~~eles que são sujeitos a perder a coragem e a desespera,r_..9~~·.:';:  '.
~eu espmto, esses é que devem_ ~e..r. a.:l1.!9.~d9_s...----- ·· ....---- '.; ..-' C ( ,·
. --:&1e~~~- ~.maÍ~r ~~idado não seria exagerado, nesse julgamento; :i.1 '.
L
'. '-,
e, por meu lado, se eu tivesse que julgar algum espírito ousado e vi- l ~'---
goroso, faria com que ele se pusesse a desfiar as primeiras noções ·,i: o.L,t~
com pequeno escravo, como fazia Sócrates. Suspeito até que o gênio,
em seus discursos para si mesmo, seja mais criança do que podería-
mos pensar, e procura o selvagem, o escravo, o tolo, o retardado, 0
sup.ersticioso, o estúpido, o adormecido, em si mesmo. Eis por que
muitas vezes pensei que não estaríamos perdendo tempo se Terunísse-
mos a cauda do rebanho, revirando de mil modos os ·primeiros ele-
mentos até vencer os· espíritos mais obtusos. ~__melhores gª-11ha-
riam ~om isso, e tambéz:g o.~mestre,...p.oL meio desta reflexão sobre o
_.qµe . acredita:~os..sa])~,!,_ C()ii:;a, muito rara. . · ·------·-- -
Não há. homem, evid~ntemente, a respeito do qual se possa de-
clarar que lJ.ãC) pense além de seu ofício. Ainda que ele seja es~ravo,
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  • 2. Do original francês, Propos sur l'Éducation © 1932, Presses Universitaires de France 108, bd Saint-Gerrnain, 75279 Paris Traduzido da 15'1- edição, 1972 Assessoria Editorial: Prof. Dr. João Gualberto de Carvalho Meneses, da Faculdade de Educação da Universidade. de São Paulo. Capa de: Regina B. Tracanella e Maria Tereza A. Jorge. O desenho da 4.ª capa é de Eugenio Colonnese. Produção gráfica: Arlindo André Batista Meira e Luiz Vitiello Júnior. _..,,.,,.... .t . 'I. 11; t ' ,, ! j r i. :! l. l f. l 1 ( . ·~ " ,, ( ... ... ......._,,,. ALAIN E SUA OBRA I - Alain ou a pedagogia da dificuldade José ~ário Pires Azanha, da ..... Facu. Idade de Educação da Universidade de S. Paulo II Alain José Aluysio Reis de Andrade Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação de '" Araraquara
  • 4. lf ;. l .·..~:~,:~li. ,.. ... ~ '· ' ( ..... .., ··: • 1 . · · - - , . ·, ' ~ ~-; - ' i Algumas pessoas jogavam Letras, um passatempo conhecido; "'}a-se de formar palavras com letras espars~s. Essas combinações .~taro prodigiosamente a atenção.· A grande facilidade dos peque- ' . · '.s problemas de três ou quatro letras leva o espírito a um trabalho ,~tiito fatigante; bela ocasião para o ensino dos termos té<?nicos e da , )_ografia. Assim, pensava eu, é fácil prender a atenção da criança; ~amos para ela uma ponte que~á de seu~ jogqs até às no~~as=~~-ª.!!-· '.as; e que e a se ponbãa-·1;·ãba1Eãi.-Sem;;t>;;~-que tr-~1~-~---n~pois, j , - - ·- - - - · - · ·· }Irante toda: a suaViaã,"" o estudo ser~_.J!!!.L!~P--9:i,:1S<?. ·-~-· .U'Aa. .alegria, ..'• . .·q.r ·causa desse hábitq da infância, enquanto que, par.a a maioria, a .ir . ....;......,.__....,..---~ •._,... ,..,_....... ..... -·-· ·-·· .... ·~·-·· - · .. - -.-............ -······-··-.... .... ···---·-· --- ···-·- - · ----·-· --- ----·--··- ·--·--- ·--······- --· ..... ...... . §rjlbran_ça dos estu.dos é como um suplí~!.9· Seguia as~im essa idéia · :~antadõrã-em.-companhía-de-Mon.tãig~e 1 • · Mas a sombra de· Hegel .": ou mais alto 2 • ....;cí ·,.r.· A criança, disse essa Sombra, não gosta de suas alegrias de -' ~ança tanto quanto você pensa. Em -sua vida imediata, sim, ela é ~talmente criança, e contente por ser criança, mas para você, não ·.'. '.:'~ra ela mesma. Pela reflexão, logo rejeita seu estado de criança: ''~er tornar-se homem. E nisso é mais séria que você, menos crian- . . L Alusão à concepção de Michel ·de Montaigne (1533-1592) expressa ps Ensaios (1582), Liv. I, cap. XXVI, de ·que o aprendizado deve 'ser ameno ,~~: . '- ·· ~;,~ri.ança. . ;:~~Referência geral à concepção de Hegef ( 1770-1831) de.....Q!!e a criança -'~o: se ~J!lpr.az c.om a sua própria maneira de ser. Aspira, natural e neêessa- ·:.~~nte, a s~ .homem, que constitui a realização da· idéia. .r:: . - . l.·t • .J·, : .. ......... ,. ,.1··
  • 5. f..--,- ! ~ e ,. ;,_ ;: , ça que você, que se faz de criança. Porque o estado de homem,_ l belo para quem a ele chega com todas as forças da infância. O sorl é um prazer de animal, sempre cinzento e algo sombrio, mas ne logo nos perdemos; escorregamos para ele; mergulhamos, sem qu qµer retorno a nós mesmos. E isso é o melhor. É todo o prarer planta e do animal, certamente; é todo o prazer do ser que na~ supera, que não se ergue acima. de si mesmo. Mas embalar não :; P· j e e: li t ., :' instruir. Ao contrário, disse essa grande Sombra, desejo que exista co !· ·que.um fosso entre · a brin~~~~~f~_ ~-.~estud~:. Quê! Aprender ; ler e a éscrever~~por~'ineio-de ·jogo de letras?- A contar com ave!ª r ~ ' ;' ~. ~ : • .·~-~.... ..;' ... ........ • • • ! • II 1 .... ; . em atividade de símio? Antes temeria que estes grandes segred' · Já me ocorreu responder a algumas pesquisas de pedagogia. Já não parecessem bastante difíceis, nem bastante majestosos. . :.ocorreu ter que responder a questões em inquéritos de peda- idiota se diverte com tudo.; ele rói as nossas belas idéias, rumi; e&1-.ª~-~-~P:rn.g} .9<?.IE~ ·~dª_E_E?.!~m;1 pontap~ po~t~de---instru~r .... '·· zomba. Tenho medo desse selvagem disfarçado de homem. ' ,:·:.~rtindo. Lastimo perturhar hmnêiis-bnns-ee rmnentemente razoa- porico de pintura, biincand.o; algumas notas de música, repentiname :~Mas"que fazer? Os pedagogos sã 9_~çria:Q&ª5__.a.ill~as. Não te interrompidas, sem· medida, sem a s~riedade da ooisa. Uma co , i:. . ecem 0 -poder das paixões. o homem é um animal, e o homem ferência sobre o rádio, ou sobre a telegrafia sem fio ou o~ raios _ . t,'erior talvez seja ainda mais animal que os outros. Nele percebo a sombra de um esqueleto, uma anedota. Um pouco de dança; u ·.~~ força que é disciplinada, mas que é sempre força. Isso me faz pouco de política,. um pouco de religião. O Incognoscível em se "~~ªr~que ·é 0 animal que pensa, condição que ninguém pode evitar. palavras. "Eu sei, compreendi", diz o idiota. Mais lhe conviria ·~ ;:tl:etanto, os grandes modelos mostram também a imensa distância tédio. Talvez ele o superasse. Mas nesse jogo de letras ele pe' fre 0 animal e o homem. Sei · como são treinados os cães, sei manece assentado e muito ocupado; sério ao seu modo, e conten' -~- 0 treino perfeito f~ com-que pareçam mais do que nunca _ cães. ,. ..1 consigo mesmo. ·~}mto mais eu os domino, mais eles são cães. '>'. ·,., .. - Prefiro, disse a Sombra, prefiro na criança este ~-SE~l~ -~~--!'!... ·:., ~~-t!.~t~_, __ )?~:!~11.t_o~ de cJ.omestic_::i,r-..as crianças, ainda que niell},. quando vê que é hora de estudo e que deseJamos ainda fazê-1 s.e para seu próprio bem. Muito pelo contrário, é necessário que -;~:· Quero que ela se sinta bem ignorante, bem longe, bem abaix;~ '9qÜ em9ª_ seu próprio aprendizaaó·em- suas mãos, fortalecerid<? 'as:. bem criancinha por si mesma; que se apóie na ordem humana; q~ ~ su~tff~def ·P~rqtie-iião1iá-oü.fro-valcii: ·h~-~~?: aJ~m OS}.S~§_.. E 1 j se forme no respeito, porql,le somos grandes pelo respeito, e n~; 'o te õ'õ=trtopósito·· ·de-habitüai o homem aos ruídos repentinos, -1 1 pequenos. Que conceba uma grande1....__1'.1_~bição, uma grande r~-~ :~o se faz para os ca,valos do exército. Em suma, tud.Q._() que é 1 1 Iução, por um_ a grande humildade. Que se discipline e se faça; sem ~-~t?. ·°-ª edu_c~ç_ão nãó me :p~~~f~. ~t1~a.n(). Ou, por outro lado, f -pre com esforço, sempre em ascenção. Aprender dificilmente ~ :experiênda-que interessa me parece mortal para o espírito. Te- ' 1 , coisas fáceis. Depois, saltar e gritar, segundo a natureza '..' s mil exemplos disso. Os selvagens interessam-se pelo que é l.i i.: Progresso, disse a Sombra, por oposições e negações. '. J ~a e pesca, pelas mudanças de tempo, pelas estações, pelos sinais 'l 1 j 'J. , : '-·~ ·"s estações; vemo-los entretanto supersticiosos e çrédulos; ,_é que 1 ! ( ,_ "·'· ~ .)!~.bito os governa. Eles sabem muito bem atirar com o arco e 1 -:-, ! • ' ~ -. ) p' ~ .Jj:
  • 6. . ' _, ' seguir uma pista, mas acr.editam também que um encantamento, isto é, uma conjuração de palavras, produz a morte. Viram os efeitos, temem as causas. Nisso reconheço o movimento do ·animal que te~e o chicote; quando tomamos o chicote ele começa a gemer. Ele se reconhece; reconhece os movimentos animais que são produzidos pelo ·hábito, e sente assim que a simples visão do chicote faz mal. O selvagem é governado do mesmo modo, e é ingênuo da mesma maneira; julga que o simples olhar de um feiticeiro prejudicará um dia de caçada, e, por acreditar nisso, ele o constata. Porque aquele i qu~~~!.+ vitó~~-a,~ .:>.~jam peno.~~ e atinw~~s ~~~-j~~~~~io_ ; e~t~~1!<.?>...0 defe1.t~ do__'l!!~:-~-J!l.~~r~~~~~...P~:-~~ c~?s!J~~~·P.:.~}~l~.?~J . { o~o apresentar dificuldade em nos .mteressar, e tanil2w ~no Jàto de ..~· ·~<?.-~~~P!~n~~õ ~.E5is:·~~!-~~Rõi-vo11!.~~Rria~ ./ que desprezo até mesmo a bela linguagem, que é uma maneira de •,:-- ,.: prender facilmen~e a atenção. E a criança não deve somente ser .. capaz de vencer o tédio e a absfraçKõ;--aêve-··titmbém ..saber·que-::;'é . •. f - ··-- _..-· - -..··--·-··-...-.. .. . _} 1 ! _gã~~~~~~so:· Isso é que deve ·ser ..reâlÇadõ~ ...e .Trãta-se, não mais, 1 que está certo de perder .a cªça, p~rdê,,.Ia...-á-;-_...'Esse tipo de armadilha, ~;.:, :...· ae aplicar à cultura do espírito os princípios que não podemos es- '! ~-; quecer quando ensinamos a ginástica. Experi!E~E:~~II1_os, :Pº.f.~~JJ:tO, :f e~rud~-~~-!Od~?--~!~$~-~e~~<?-~-~~a· bela ambição, umà.ambição de mil formas, explica o incrível estado de barbárie e de furor do qual há pouco saímos, e do qual a criança certamente ainda não saiu. Porque ela nasce inteiramente nua, e traz em seu saco de pele t9g.as ...., de espírito que os cães não possuem. -··- · · · · ·· .._-· ·· . - __,; ..-· ~ , as prux<?~~.. ;. , , · . :·, •J : ; • • ' _ '=----..j-:- ·- ~ ·i ....t' t _l' .. 1 • • ; • ·- ·~ .,. i,,, l_. .··.~ ,·:.-.:J· c < r. ~. · . ,..~. )'.. ~1F~>· O brienso pÚigo, e também a urgência, sempny·prement~, de se .''. _,,__"/.) ti_!."ar a humanidade d~ barbárie J?.:róxima, exige )lúe :nos encaminh~~ :. mos diretamente à' !inalidade humana. É nesessário que a criança -:~· conheça o poder que ela tem de se governai e, antes de tudo, de não se confi;f~ · tf tâmberii priCisõ -qüe-feiiíiã: o sentimento de que t~~ · I · este trabalho sobre si mesma:_é_difiçJl_~J2~l9.! Não direi apenas que i- ,. tud<? o que é fácil é mau; direi mesmo que o que julgamos fácil é ·& mau. Por exemplo, a atenção fácil não é de modo algum a aten- ~· . - ,~ ção; ou, senão, poderemos dizer que o cão que espera o açúcar .;;~ presta atenção. Igualmente, não quero vestígio de açúcar; e a ve- ·1; lha história do cálice amargo cujas bordas são untadas de mel parece- :•; me ridícula. Preferiria tornar ·amargas as bordas 'de um cálice ~ ·: mel, todavia isso não é necessário; ~~rd.açleiros.. problemas são_ ..: : ..~I1i~ia~~~~~~-. ~~-~~~'='~--~~--~~~; o praz~r_ vi~á ~ã-;queies~..qÜeve~~. ·~:'. ' ', .. ·- - --- ·---·-- ...... .·~ cerem o amarg~r. Não pr9.in~~~~~i . .P..9!.!~!~- ?...P.r.~!:~!.1_ ~~~.• ~ ar~i · / c'omo finalidade a dificl.lld_é!Q~ . ye.p._çJc;tª-··. Esse é o atr:;itivo que COll"'.' , . / vém ao homem; somente assim é que co~seguirá pensar em vez "(t~ /,'j '-/ -: : experimentar. : Toda a arte consiste em graduar as provas e e. m medir os es- forços; .porque a grande tarefa é dar à criança uma elevada idéia de ~e~ P?der;·ê..·4~-~~ÍÚ~á=iâ-.p~fãs vffO~Tãs:-·--Mas··ê-·tãmbém ·impórtarite - - -·-·-- ··~- --. ·-·- ... i .1 ·-~ •. " .( .. '-._·. ! ·' ........ " • ~· l '• J'. / : ····P.;;.._
  • 7. . r - 1 '. :'·_. ( . ·;<-' '· . ' ' " -..... f • f .. ~. ·~ .. .., , . '· . "- -,... - .. t'-' . - ' '.-' ·~ -~-- III Crianças nascidas e criadas na burguesia imitam as conversa- ções e ·a polidez, oferecem seus lugares, acompanham as pessoas, saúdam, sem encontrar qualquer dificuldade nisso. ~ ___que as coi- sas não são tão importantes quanto as pessoas. Os filhos de acro- batas, no tapete do circo, tentam 'manter-se de cabeça para baixo ou dar saltos pe.rigosos, coisas nas quais .a opinião não importa, porque .p peso corrige rudemente o desajeitado. Interfiram ou não os pais, é como se a criança fosse puniôa a cada erro. Esses dois métodos /fazem duas espécies de homens, -,duas espécies cÍe estima, duas es- ,: pécies de glória. Um filho de virtuose imita ~ pai tocando sendo 1 • ' j aplaudido, saudando, fa).ando aos p~·cipes; é a parte fácil do ofício; 1 1 •mas n~o. pode imitar .º.pai diante do vi~ino· ou do piano. ~~-!!L ·1~:c _ es_s~n~- fo'.ç_á:lo _~".'tas _ vezes; e mi:ito--'!!:li..Sta__s_f~~l!!lcial~nte 5~Bª-YEº?S..· ao --CU?· µro e ~ .:pr.ecis_ ij_9ypr. _ p-ahca9as___ çl_e_~ Consi- <lerai;ido os resultados, segundo os valores.humanos, compreendemos que. f~ta ~!~- ~- um~ ._~?.uca~~2:-.~tQ~~;::;-;l~_::?~ra;. Montaigne .era despertado ao som dos·.instrumentos; não era esse o meio de formar !r, ' • ,e.; J.~ :,: .. -:! : i ' , ., . . " • .: .';': . C.A~1.9,-- , . -:· ' gánham ou perdem nesse regime; muitos dirão ·que há homens que ' se assemelham a estes cavalos generosos que se consumiriam para'ul• . ... · ~;,:)trapassar o vizinho, mas enfim que é ne:cessário bater mais na cabeça · ': 1 <:1 se desejarmos obter no mesmo tempo mais meio metro. Talvez o .J · ~·'<.:::ii :~' ;'. 1 ~~~_()xeador aprenda mais depressa se o golpe for real, e s_ e, por uma_. :j ,'~ ....... {!Ǫº de segundo~ o nariz sangrar ou o olho ficar· !n~ha'!º· . .Não r ·-ci ~seria necessário concluir que então sua vontade é e~crava e que isso ~ ,-S: ".lé o melhor; porque é o aprendiz de boxeador que quer que o golpe _ 1 · ·:· • ,.seja forte, e que suas faltas sejam punidas segundo ~ força, não se-::.~ · · ,_ ~ ·gundo a opinião. O mé~do de força_teve decerto seus excessos. ~ : :J~ Locke 3 , em seu tratado de pedagogia, recomenda que se surre for.;. ':·. ~- temente a criança mentirosa. Que falta aqui? Falta que a criança '·.:~ -~ · · mentirosa peça por si mesma para ser surrada. Eis aí a questão. __ ~-:·.: :~ : i1srÇreciso que a criança, por si mesma, pr()Çl]re a dificuldade, ~- recuse-- :' ·- ' "' _,.. - . . _ ..- '. _};:; ~~alquer auxílio ~~- ap_oio,:<, T~~-~~i~n~_a_. ~~o apen~s exist~~ .:zias é .:i; '" ~ ~esmo comum. ' . '· ... ' ,•, ' .r . ) -.; ·_. ...... ('! "-". ' l. ,,, j ~:. -- ..,~::.- . ~..:.:. .:;··(".~·-:) ., e·: .· -.,, ·"· ...../ J ·-~~;. '. -. / ....- O que leva adiante a criança não é o amor pelo jogo, porque, a · (; .·~ ' /"cada minuto, ela esquece um amor do jogo, e é como passar da ca- · ;_: ·' :; (1 misola para a calça. Toda a infância se passa em esquecer- a cr.!an--:: -:::~ ::!~ IJ ~~~~~e se era na vésp _· era __ . O cresc..im~nto. :qãb sigµifica outra coisa. E:"/j ~~ ;- ~!ll&-ª µaqa ,tnª-i~ desej~ s_enão deixar_ -~e ser criança_. Ambição. -.~ · 1~ que sem cessar cede lugar à atração do, j~go; do ~esmo_ modo o t : jogo contínuo sempre tem desgosto e ted10. A cnança pede so- ..: ) '. c()rro. Quer intensamente ser tirada do jogo; não pode fazer isso ., • j ,; ' por si mesma, mas por si mesm~ ela o deseja. É o começo e ccimo .;.,~ 1' j , : . o germe de sua vontade. Eis por que, protegendo das pancadas o "'i , que merece ser protegido, n~~_9.ey_e_!.!!QJL_~~L.À~S_gQs.tá:·la, .e....-ª~·-·-"-; 1 um ~úsico. ,O J:io!l?._~-~---~? :~-~-~ i_~_l?_~-~-~-1:1-_cj~pelo _gue ..2'btém _d~_ __s,,L.-- ;. s~egun.,yo. ~.}1J.~tqd9 ___s~~.Y..~r.<:>; ~ Jt,queles _que reousam o método severo :---;D~~~IA,Q.___.dev.emos. _Je:µi,~I ~e.r.:P.:!-~ .. _ agrac;láyeis. Ela. ama o que é se- ~ inelhante, mas despreza-o também. _§_e, __~ _JtjudaJ_:g:rns____ a_ _çon_t_ar, ela ·nunca valerão nada. -'----,· .} . (- ...:r-..~> ·. :"}_ ·· .•. j ~·' Não quer isso dizer que eu ·seja favorável às pancadas. Pierre Hamp, em seu belo livro em que nos apresenta a história de seus ofícios, conta que um pequeno pasteleiro, por um erro, perdoáve~ ou não, logo recebe uma pancada de espátula na cabeça, um golpe que dói. Não sabemos dizer se a rapidez e a precisão dos movimentos " · cederá e ficª-J:.á__c.ontent~. J;!grque ~ cri_@__ç_a.; mas s_~ _:r.i_ã.o a_ajudarmo) , e, .!~.5~t.J:~:r~ri~'- .. ~~Pe.:r~:rp.g_~---~~P?:~_nte _qtie cl.i s~. arranj.e. .sozinha,__ -~L ; 1 t '. · 3. John Locke (1632-1704), filósofo empirista inglês, teórico do ' libe- .ralismo político e da tolerância religiosa e para quem a empresa da educação · ·:_ , reside na formação de um caráter livre, recusa eficácia às sanções físicas, . sobrepondo-lhes as sanções morais (cf. Pensamentos Referentes à Edu- cação, 1693). '
  • 8. ..,. ,, ~ ~o~trarmos seus erros sem qualquer complacência, reconhecerá (!g_- ~J '.:'.; !ão __S.~~---~:r_riigq verdadeiro, que não adula, que não engana. Quanto ;:~ ,, -~-_severidade, Q§._.PfQP~iC>$ ._~ÚIJ,:i~r.os se e:p._c;_a.,rr~g~rão _. c:Iisso, pois não ." 1 tfm piedade. Assim é que _ será.. ho_nrado como deve ser .o mestre.-. .: .. '· Jl pe valor. •·. ......._ '.. ·' . ' - - .. -.)1 '. 'f•' ""-· t·,, - :· .. { .. . IV Quando alguém diz, depois de tantos Jª o terem dito, que é necessário agradar às crianças, e que esse é o verdadeiro meio de instruí-Ias, deixamos passar. Mas não gosto muito de...!.~J§....c;Ioçµ:- ~....";~·'!:": --··-····.::.+,::-: ;_;.:;::..;;,;.,,:,,,'• ,7:,.'-!-"-::.,...._, ••.M••••"- ' ' "• ' • "' ' . •- ras, nem deste professor cortesão. Quando estava na escola en- :_.'_'. Õntrei uni professor-rn.uítoafefüosô, e que s'abia interessar seu jo- ; Jem auditório; posso até dizer que. o amávamos. Ora, ele ·não ~b.~conseguiu superar uma certa desordem que, como me le~bro muito · 0 pem, resultava de _ _ sinais indiscretos de aprovação. E com isso vi.:. J) nha logo o tumulto, pelas forças da juventude, e pelas leis da mul- ~~ ~ Údão, que se agita à maneira dos elementos naturais. Do que "' . tirei uma espécie de regra de' ºª~·io; concordo que devemos provo-. /car o interesse, mas-·não..··deyemos querer interessa~_ _principal- " M· . . .; '_;·, ~@ent-e;-:-nãs--àeyémos mo~trar .,que.-::fi queremos. Tal regra é boa ~ ,f~ i.!: também para o orador, e em todas as artes ela é encontrada, aínda J;.-: q.ue esteja então profundamente escondida. Não tem o ator.o ofício ~ -~ · de agradar? Sim, mas existe agradar 'é agradar: e o difícil é fazer •.'!Ç; • • · -·····-····-·--·--·-····-·· ····- ··-·-· -·· if' : i ~?.1:1.1.. _q:u_e _os homens sejam l~yados a gostar f4talmente ~o que inici~l- . mente não gostav.ªmlX- e.•>]/... .. rL {'.i.. VJQJ ()k /.'.~ '" }- ,, ( i_ ' ' . ~<..i - -·--··· -· - ' .. ) ~- - ·j O ofício de condutor de homens, qualquer que seja o grau em que seja tomado, encerra muitos ardis. Os atores que resolveram . trabalhar de costas para o público haviam julgado, e talvez por razões secundárias, que um certo __cg·_ _ d~_jpdif.~.r~~"-S..~b.Y~ªlg1ull.~.iez~1LP.~Ll;!J ,çl~~p<;:.r.télr. a -a.tenção-~~-·;rivel conve~ente, ~ pa.ra moswar·."~~~ espec~ · tadores ·um tipo de prazer que ele~ apenas nã9 concebi_ W ·;::... :A arte . l . . . ,_,...:··-' -:.: . .:.~/:''.'cf:._.:t:_ .i" :. ..
  • 9. 'do músico, se.·.b.~m ouvi, _não começa agradando, mas sim forçando. ';Muita .~dulação.· inicialme'nte no _ som pode ofender. Há também uma· arquitefurà acjuladora e um - abuso de rosas 'em guirlandas. Sinto que o homem é um animal altivo e difícil e, abaixo dele, a criança é· mais homem que o homem. Uma criança mimada é uma criança estragada por agrados e prazeres . feit~s.· · Que-- desêj~~-~i~­ .então,. e_ q11e__c:leseja 9 holl!~m? _ >·Deseja o difícil, não o agradável, e, quando não pode mante;·-esta' atitude de homem, deseja que ' a ajudemos ~sso. · Pressente outros prazeres além dos que correm ao nível dos .seus lábios·; quer erguer-se inicialmente até perceber uma outra·paisagem de ·prazere~; quer enfim ser educada; eis aí um;{ palav_ ra muito bela. · · · ·uma bela palavra, cujo sentido a criança percebe muito bem, por este movimento natural de_crescer que é seu. No nível da criança, pense nisso, você .só desperta o interesse de .seu ser de on- tem; ela diminui então un:i pouco o seu tamanho, a fim de que você possa lhe agrad~r. Mas cuidado com o desprezo. O que existe de terrível no_desprezo é a parte de desprezo de si que nele existe, desprezo de si ultrapassado. Tal é o progresso da criança; se ela o faz sem o seu auxílio, vo~ê se torna então para ela apenas um objeto de distração. E nada· é mais desprezível que o objeto de dis- tração. "Para esta..criança de ontem, diz a criança a si mesma, meus brinquedos são suficientes." Eis por que não acredito muito nessas lições divertidas que são como o prosseguimento das brincadeiras. São .devaneios de boas i:essoas que não aprenderam seu ofício. Certamente é melhor per- ceber as causas, mas o ofício instrui de inodo mais rude e rústico. O sino ou o apito marcam o fim dos jogos e a volta a uma ordem mais severa; e a prática ensina que não deve haver um~ passagem insensível, mas, pelo contrário, uma mudança ·total, e muito clara nas aparências. A atenção é elevada de um grau. Ela então não procura mais lamber algum prazer, como fazem os cães. Não é mai_ s gulodice; é P!..iY.ª-窺~ .P.~~!~~cia; é uma espera· que olha acima de ·,.s_i~-~1l~~}.;:; A atepção do_cãônão _é___~úeriç-ão;- ·- ·· ··--- ·· ·-· ··· ----.- --- · ~'.i~~;:~tl~f .· .. ! ( ( i·1- . (r-' ' . ·. V : I . : ~-~?..!~~º-_l!l~i.~~ __Ç<?.P-Í!ªP:ç_ª---~-es.s~s.. jªxdins___d~_jnfª-_l}_çiª---LºJJtras--,, ( .....i~y_e!l_çõ.~s .P'?I ~ei°.. _dos _ _ _ q~_'!l~.-- pro_cu.!_8:~~~ _i!J-~~~l.'...-º-~:yertind_~· O · método já não é excelente para os homens~ · Poderia citar pessoas que são consideradas instruídas, e que se entediam lendo La Char- .j. ··.,_treuse de Parme ou Lys dans la Vallée 4 • _Iai_~ pessoas sg,lêem obras ;f. d~al~~nd~_rio, n.as quais tudo está qjspost9 'mu.:a...agradar ' à , ., . ·p_~-~~-~~- yj~ta; mas, e~W~-~g~rido-se ~ _ prazeres fáceis,-..perdem .unL .1 j ,j.' .P.-!".~~~-r___pla~ _ _ _ ;:tJ~º- ..ql~ _ !e.!.!ª_ m_ _ _ ªciquirid.Q_RQr_meio..-de_, .um.._ po.uc0--- de- l :; ,:~:~~~~ _ e__ d~- -~t_enç~9. / Cl..,. w i:_ .:: '="" 0 ,b,1..v-"-· ' e:_ ,l~-)cA;( -,'ç.... d.t V._,,.•,. 1 .' . 1/ (/'"":)"' f, .... 1'),,' , : • ~ • ~ • • ff .• Não há experiênc'1a que'··eduque melhor um. homem _ que. a..desco- . · .'.;. ·berta de um prazer superior, que ele teria ignorado para ·sempre se ~.. •• • , • 1 ·! ~ (.," não tivesse se esforçado, um pouco, inicialmente. .~.o~t,ai~~ é di- .~;- · , fícil; é que é pr.eciso inicialmente conhecê-lo, Ofientar-se ~.:_i ua 1 -· · i. l.ObJ.~.1_)9-Y.~I~~~I;i~~ ço" 1 ;i:L ~~y somen1e'"éfepois·- -disso- é-gu.~-épos.~j_y~l ~ descobri-lo. Do 'mesmo mÕcfo, à geometria·- por -cartões reunidos ·pÕde ·agradar; mas os problemas mais rigorosos produzem também {< Ç; um prazer mais vivo. Assim é que o prazer de ler uma o'!Jr.?..-'!9. t:p?"' ,,_:p_i~~? ~ão po~e ser perc~bido n~s .~rimeir~s lições; é __pr:ç_is_o .sab.i;r- l: / m~s - suportar o aborrecimento J.mcial. _ Eis por que nao se pode j~·l ~z 1~::;.m ~~e ~~'~ian~as,sabo~~~m .~ ~'.ên~:~~ e as ~tes como sa- ! • " . 4.tJStendhal (Henri Beyle, 1783-1842) e Balzac (1799-1850), respecti- -.:· r varilente autores dos romances A Cartuxa de Parma e O Lírio do Vale, esta- ·J~ vam entre os preferidos por Alain. Sobre cada um deles publicou ens~ ios: · "J -~ Stendhal (1935) e Avec Balzac (1937). . ·., ·{<, /· . ' -~ ê " • . t : ··.·.-.~:·:·:;~-~: ,e;.::._;;.··.·-:4.:> -
  • 10. bóre~;,,os o~ doces de frutas. ·' O homem se forma pelo esforço; . des do trabalho, está melhor formado quanto ao caráter, não - ·1!I seus verdadeiros prazeres, ele dé~e. ga~hâ~"fõs;·-mér~cê-los. Deve dar quanto ao espírito. Se aprendêssemos a pensar como aprendemos · t l. 1 1 1 . antes de receber. É a lei. a soldar, conheceríamos o povo rei. O f, · d d" · ' l' · d b f d · Ora, desde que nos aproximamos dos pensamentos reais, fica- º rc10 e rstrarr e so rc1ta o e em pago, e, no un o, se-. creta~ente desprezado. Que pensar dessas vazias revistas semanais/ mos todos submetidos a esta condição de receber inicialmente sem cheias de imagens, nas quais todas as artes e todas as ciências são compreender, e por uma espécie de piedade. Ler é 9 verdadeiro postas ao alcance çlo olhar mais distraído? Viagens, rádio, aero- culto, e o termo cultura mostra-nos tal fato. A opinião, o exem- planos, política, economia, medicina, biologia, tudo reunido; e os pio, o rumor da glória nos dispõe da forma devida, mas a beleza autores tiram também todos os espinhos. Esse magro prazer des- ainda mais. Eis por que estou bem longe de crer ql;le a criança deva gosta; produz um enfado das coisas do ·espírito, que são seve~as no compreender tudo o que lê e recita. Tomemos, portanto, La Fon- início, mas deliciosas. Citei há pouco dois romances que não sãoi taine, sim, antes de Florian; tomemos Corneille, Racine, Vigny, mais lidos. Quantos prazeres ignorados e que as pessoas poderiam· Hugo,. r:- ~, - · ·' -. obter com a condição de terem um pouco de coragem! Ouvi conta* ,, ~,.) ~-':M~~····~erá isso muito para a criança? Por Deus, assim o que uma criança muito amada, que ganhara um teatro de marionete$1 -' e~pero. Ela será inicialmente tocada· pela J.:iarmonia. Escutar em como presente de aniversário, instalava-se na orquestra como um .. si mesma as belas coisas, como uma música, é a primeira meditação. velho ~enhor rico, enquanto sua mãe se esforçava para fazer com ("Devemos semear os verdadeiros· grã9s, e não areia. _QP.:e --~lª·ª---~ ~u~~s r~~::,a~en;e:a:~;:s:~:,~:v::::a:::rig":i;nh~mp::~: ~ li:.~ ;::~~:~~:!: &;;:~~;i;:lf ~gelo, de :~f71;.A~:,, ·. um pensamento magro, que caça a sua presa. .',·:'.',·).·:'·;·•L.',i...,!.:;~.. _,.;.,----' Como aprendemos uma língua? Pelos grandes autores, e nao ) • / • • • • / 1 . _R!!_z:i·cip~lmente às crianças, ciue _ tê.~ ~anto fresccfr, tanta força, :: ( de outro modo, Pelas frases mais densas, mais ncas, mais ~~.<?.-::._,.. : .:::~~i:Ji~;::~;__ !;;~:~~~~;='~;;~t~~:~~~g~e:~~:r;~~:;l : '. ~·-d:~di~ici~!~t~e~asa~~~c;:~:g~~ai~~~~e~:esc~~::::~~~~da~p:s~:~ L§[rJi,_ _ q~=:f~~Í}§..~ça_ _ s~ esfor.~. _e~se_ f'.tg-~..!~-~~~:~~.-9-,~!3~§.m:~iii.rm'õ'--.., . jóias de tríplice segredo. ~ão acredito que a criançá possa se. educar ._ 6 - a âm@ção que falta aqüi;~: ·a:~5_iÇ.ão -e a melado esp!rito infantil. ',~ ~:, ·sem admiração e sem veneração; é nisso que ela é cri~nça.. A infância é um estado paradoxal no qual se percebe que nã_ o é ~ ·:'.. _..E. a virilidade consiste em ultrapassar esses sentimentos, ~uando a possível permanecer; o crescimento acelera imperiosamente este mo- ·'.(l ~ razão desenvolve sem fim toda a riqueza humana, inicialmente pres- vimento de auto-superação, que, em seguida, tornar-se-á bem mais ~~ "~- sentida. A criança constrói uma idéia· muito grandiosa da idade lento. O homem feito deve reconhecer que é em certo sentido me- ~ ( viril; é necessário entretanto que esta esperança seja também ultra- nos razoável e menos·. sério que a criança. Há, sem dúvida, uma ::~ ': passada. Nada é demasiadamente belo para es'sa idade. frivolidade da criança, uma necessidade de movimento e de ruído; 1 é a parte dos jogos; _!IlaS _ é também necessário que a ériança se sint.a .. ;~~ . ">· ' crescer, quando passa do jogo ao .trabalho. Esta bela passagem, ·., . . . longe de torná-la insensível? eu a desejaria marcada· e sole~e. A criança nos será reconhecida por ter sido forçada; mas desprezar-nos- á se tiver. sido adtllada. O aprendiz está em um melhor regime; ele . sente a seri'edade do trabalho; entretanto, pelas próprias necessida- 1 . .. ' :•:· "".:. 1 • • •, .~ :.~~·~· ~l>:il•.•.,. .• ., •.•,_ .. .. ·'' ., • · ;-·..--Fh
  • 11. VI Dois juízos falsos em tçx:Ios os nossos ensaios. Pensamos ini- cialmente, que a c-oisa é muito fácil; e, após uma primeira tent~ti:va. julga:rno-la impossível. Os que fizeram girar um diabolô, jogo es~ quec1do, _sabem o que é uma tentativa ridícula e sem qualquer espe- rança. Que dizer então do violino, do piano, do latim, do inglês? Esteja a criança lendo, ou escrevendo, ou calculando, essa ação des- ..nudada é seu pequeno mundo, e deve lhe bastar. E todo este abor- recimento, em volta, e este vazio sem profundidade, são como uma lição falante, porque _se há algo que lhe importa, meu pequeno: é o que você faz. Se bem ou mal, logo você saberá. Mas faça º . que você faz. Esta simplicidade monástica nunca é aceita por suas verdadei- ras causas, ainda que felizmente estejamos reduzidos a ela. "Oh, solidão, oh, pobreza!" Todo homem é um poeta que se queixa. Ouvi contar, a respeito de uma criança bem dotada, que seu pro- -11.. fessor de piano ocupava boa parte do tempo a lhe falar sobre bio- grafias, escolas e gêneros, o que talvez a prepare a falar razoavel- mente sobre Beethoven, mas de modo algum a tocar as suas obras. Ora, falar razoavelmente não é difícil; tocar é 'que é difícil. E en- ..!_rn não há}?~_?gresso, para qualquer esco~ar que seja, nem no-que el~- ·I ouve, p~m ~o quevê;JD.1fs-s-o1tíe1Ileno que ~-· -~~"'[),,~'it ,,,_:_,---;_--;._ O esp_ etáculo dos que já prosseguiram fortalece no começo nos- sa coragem, ma~ quase logo em seguida arruína..:a com uma compa- ra-ção. que esmaga. E por isso que a curiosidade, o primeiro impulso, o ardor d~ qualquer começo não prometem muito aos olhos do mes- ·tre. Ele sabe muito bem que essas provrsões serão logo devoradas. .Espera mesmo_que o desespero e a falta de habilidade estejam ·liga- das_à primeira ambição, porque é necessário que· todas estas coisas de entrada, boas e más, sejam enterradas e esquecidas; então. 0 tra- balho começa. Eis por que, se .trab" alhamos sem mestre, as tentativas terminam logo no momento em que o trabalho deveria começar. .~'Y:J""' _Q_!"a,__este méto~-º severo, _que encurta tão bem as visões sobre o . munc:tg,_~~amente °....S.1:1~ introduz___ªQ____m_µJ!çl_2~-~~P..Qiq_üe,-ímorlltãn:· 1 ·O trabalho tem exigências espantosas, e que nunca oompreende- mos suficientemente. Ele não tem paciência para esperar que 0 es- ~//pírito consid-ere fins distantes; quer toda a atenção. O ceifeiro não olha a extr~piidade do campo. · ~.- -----.A escol~-·é·~~~-·Ioc~i-·ad~kâ~~i~__ ,--A~h~--b~-~--~u~---~~-~~íd~~-·ex- -;r · .' ternos nela não penetrem. Gosto destas paredes nuas. Não apro- ': lt ~2:~;1~:~;;~:~::~;~~~·:º~=n:1:~~::~:~d~::~h:~b~:~~ .! !' do-nos a resp_ eito de tudo, nunca_...sab.emos--uaà-a-. -- Ap~néiemos a ~ polític_a transmitindo ordens e copiando despachos, ;--~i~ -d~--Õ.Ütro ,'!- WA9· cliegãrêTmeslliOa dlzér··-q1ieem quafquer...tf'ãf)alh~--;;· ct-~tj~----- de fazer bem deve ser usado no início; e disso qualquer ofício se encarrega, e também o ofíciq de escolar, como os outros. Porque o desejo visa muito longe, e estraga a ação presente, misturando a e'sta · a que se seguirá. Por mais exercitado que seja o ·pianista, sempre terá tanto de decepções quanto de ambições. Por isso ele é levado ao seu trabalho, e tudo lhe confia. Aqui começa toda a grandeza. Quero explicar assim que a paciência consiste em dispensar-se d . - ; e provas; e a provação, e_m todo o seu sentido, significa isso. Do _:'.mesmo modo,__os impacientes sempre dizem que não se lembram de jrrada, que não progridem, que tu-d~--é -diÍícil. -..Essa atitude do espí- .~ito não_ é desprezível; existe nela certa .seriedade, uma severidade [.para consigo meSII10_, _uma nobre idéia da perfeição. Mas são ~ir- ; tudes prematura·s. É necessário superar essa tiroide? o;@l~osa. A "' -,_ e·;. · e -, · ., 1 ' ;:·:-~~~:;.~~;~~tit~:~~~.r~~:-~.-~:---
  • 12. ambíção é então inteiramente levada ·a ações que estão sempre ao alc~nce, como, ?or· exe~plo, regrar o emprego do tempo. E, por meio desta hurmlde policia de si mesmo, o espírito fica então liber- ta~o se_m que perceba. Esta arte de querer não se perde mais, mas nao ve30 como possa ser adquirida fora do colégio. E aqueles que são instruídos, tardiamente, como diz Platão, nunca a adquirem. •; ·-:·;~:· . VII ''Que é a escola, dizia o pedagogo, ·senão uma farm1ia maior e 'que desejaria substituir a mãe, sem muita esperança de consegui-lo, ou pelo menos de se aproximar de tal finalidade? A educação normal, para os de pequena idade, requer duas condições: a pri- . meira, é que a mãe tenha tempo para instruir seu filho; a segunda, é que ela seja capaz de fazê-lo. Entrementes, nós outros recebe- mos d~legação do pai e da mãe; e temos obrigaçã'o de amar cin- qüenta guris como se os tivéssemos feito. Há algo de artificial, de abstrato e de inófgânico nessa instituição, que sem dúvida desa- parecerá pela ação de uma melhor Economia e de uma melhor Sociologia." Assim, tentava ele ligar as novas idéias com as antigas. Mas º·v:elho sociólogo sacudia a cabeça e lançava ~aíscas através de. seus ·óculos. "Observemos, diz ele, não construa~os. Não creio que haja tanto de· artificial e de inorgânico em vossas escolas; e também não me agrada que se procure saber em que é que uma instituição se assemelha a outra. De preferência, eu pensaria que a escola é ~· ~~... /:·: ~ ~::'. urna coisa natural, não menos natural q.ue a família; e muito dife- ., ~ · rente da família, e cada vez mais, à m·edida que ela desenvolve sua ·~( p~rfeição própria. Tudo é feito com o mesmo fio, eu compreen- J ~::._. ·do bem; mas esta humanid~de escolar parece-me arranjada e tecida· ·;~I~H'?· de modo düerente. Desde que ·haja váFias fa~ílias .em vizinhança -';} ·.., e cooperação, o agrupamento das crianças segundo a idade se faz ~~-- .::·l~fS'> · :';.. naturalmente para as brincadeiras. -g. 'verdad.e que o agrupa.mento ! ·. ::·.../.-·- ..:· ,_
  • 13. - familiar, com seus pequenos . e seus grandes conjuntos, e com esta :. distribuição· natural dos poderes e dos deveres, é algo de belo e que · ':'.· nada pode sub$tituir. Aqui é a escola do sentimento; aqui movi- '.! mentam-se o devotamento, a confiança, a admiração; os meninos · imitam o pai, as meninas imitam a mãe, cada um é ao mesmo.tempo · tià prótetor e protegido, vener.ado e venerante. Mas por que tentar .: imitar o que é inimitável? 'A reunião das crianças da mesma idade, e que devem aprender as mesmas coisas, é uma sociedade natural também; não do mesmo gênero, mas de gênero totalmente diverso; diverso ._ por sua estrutura, que eu hão inventei. Por que desejam ~·ocês afirmar que ir à escola seja menos natural que ter duas mãos, um ouvido musical, e olhos sensíveis ao Televo e às· cores?" . . O pedagogo abandonara seus lugares-comuns e espreitava a idéia, porque o objeto assim focalizado era-lhe familiar e de certa forma estava sempre sob seus olhos .e em suas mãos já há alguns anos. Mas o outro, boa cabeça, trazia ª' palestra este espírito de conjunto, que .faz Sl,lrgir as diferenças·.. Sacudindo novamente a· ca- beça, e como que olhando de lado; ~le . dis~e~ "A. escola oontrasta . . . ' - .. . ' ao Contrário, coin a família, e esse próprio contraste .faz com que a criança desperte deste sono biológico e deste~: instinto..fa~miliar que se ,e11cerra .sobre si mesmo. · Aqui,' igualdade de· idades; elos bioló- gicos muito fracos, e além disso apagados. Dois gêmeos; dois pri- mos da mesma i~ade ficam aqui separados, e _ fogo agrupados se- gundo . outras afinidades. Talvez a criança seja. Íiberfada do amor por' este sino :_ por. est~ mest:e se,m coração. E,.orffiw. o. _ _ , · stre de~~-·- ~~::_~:_s5i1}-. c:~:.~ç~_<:>_;c,_~:~·--~~~:~~-1-~~~~~s ~~~~~~~~·~do c~~~~ · . !~~~:.:8.~C>....!TimL,~~ntad~..:-/~1e aeve s~-10, ele .º é. Aql.ll~ar~w · o verdadeiro e o justo, 'ínas medidos· pela}êiã<le -:"' ·Aqúi é ápãgada · a ~~!!~~~ade de existir; tudo_,_~Jnicialniente· exterior é estranho. o 'h-ümano --s·ê·-·mostrã·-·nestà lingu~emregra<lã:-:·;:e·ste .-t;~~ã;;.i~te, nestes exercícios, e mesmo nestes erros que fazem parte do ceri- monial, e · não comprometem o coração. Uma certa indiferença aparece; o espírito lança o .seu olhar oblíquo esua invencível pa- ciência. o olhar mede e conta, em': {ie~: de. esperar e de, temer. o tempo .~orna...dimensão e valor. O . trabalho ·móstra seu .rosto frio, insensível à.·p~na· e .até mesmo ao prazer". , 1 !.' VIII A família instrui mal e mesmo educa mal. A comunidade do sangue desenvolve em seu seio afeições inimitáveis, mas mal regra- das. A~.. pessoas cónfi_~I!l .._n~~-~ª~·- · af~_içê)_e.s; e assim, tiranizam de -,,.. todo o cÓ~~Ç-ão.· · 'rssc»-iem algo de selvagem. Uma total confiança, '.l sem nenhuma liberdade. Pode-se exigir tudo, mas igualmente tudo ~ é devido. Quando a família vive sobre si mesma como uma planta, sem o ar saudável dos amigos, dos cooperadores e dos indiferentes, ~; surge nela um fanatismo sem igual. É um furor de admirar e ao ;{. mesmo tempo de censurar. Não é permitida a dissidência porque ~~ · a concordância é muito esperada. O traço mais característico des- '. ·.sa existência puramente biológica é a diferença das' idades, q_ ue im- ; planta a hierarquia em tudo. Espantamo-nos com as disputas · entre. irmãos; mas é preciso que nos lembremos de . que existe sem..: ·~ · pre um mais velho e um mais jovem; é uma comunidade, não uma ••~ 1 ::_ igualdade. Ne~sa ~~gtunidacle_Q_ corpQ_Q.9deria~~Jªr. bem, Hmas o_ ·:: .espírito se revolta. Portanto, a natureza o castiga. Isso produz .dramas, .me~mo ··~ um garotinho de sete anos. É n~cessário admi- tir que qualquer pensamento é injurioso em relação a um pai ou a uma mãe; é necessário. admitir que isso está ·bem e que só pode ser assim. Parece-me que as comunidades religiosas traduzem essa oposi- ção, mas abstratamente, isto é, . por simples negação. A idéia de que os elos de família constituem 'ôbstáculo à salvaçã'? é uma idéia forte, ainda que não desenvolvida. É preciso que compreendamos que o espírito cristão foi um espírito de livre pensament<;>;. e q~e:. / 1: 1 í 1
  • 14. ..~( ainda o é, ·e sempre o será; e a doutrina da salvação pessoal será{~ sempre um escândalo diante da instituição biológica.. Inversamentei:. . os direitos do quilo, e as reivindicações da polpa nutriz sempre cons~{J! tituirão escândalo diante do espírito. Do que decorre esta divisão,:~~ mais resta do erro. Aí então é que o espírito toma -esse ar de ne- gligência, que por si só não é bom, mas que é entretanto primordial, · como o poder de cair sem se matar é primordial para o ginasta. Isto .é novo; podemos perceber apenas os frutos de uma organização de sociedade na qual todo espírito terá sido 1,ivre e juiz. de si mesmo celebrada em Polyeucte 5 • ~... :E', necessáno que o oposto imite o. seu oposto. A ingênua-'.i igreja é uma família de espíritos, que reconstrói a família; o que,~ encontramos no festim místico é a um só tempo negação e imitação~t ,"· durante alguns instantes. · ~-· da mesa familiar. Daí a obrigação de venerar e de crer, e uma',~i insuperável dificuldade de sair da infância. Esses tecidos de so- j; ciedade deveriam ser estudados fisiologicamente, porque de qualquer ~ modo a biologia nos conduz e, por conseguinte, nos governa sem- ~ pre. Quantos homens são ainda crianças em doutrina, tal como f esses pais que são ainda crianças diante do ancestral! A metáfora f do Pai Eterno é justamente como estes movimentos de vida que ul- ''.í trapassam de longe nossos magros pensamentos, anunciando-os mui- .:~ tas vezes, e sempre os regulando. '',~ :'.~· Se procurarmos agora o meio-termo, encontraremos a escola.i ~f. Quem não conheceu a escola nada sabe de seu pensamento. Eis aí ·:~ .~. um outro tecido de sociedade e um belo objeto para o naturalista. ~~· ~­ Mas atualmente não se pensa mais nisso. A escola se completa ·;.~..~~ por meio dos jogos, nos quais necessariamente as mesma.S idades se ~- ).-. encontram. As crianças ficam naturalmente reunidas e tão estranhas ~· em sua república de jogos, quanto na sociedade de intercâmbios e _ ;,, ·: na sociedade familiar. Mas como tentar a análise exata desta outra ;~~-~ ­ sociedade, que não tem indústria real, que talvez.nem mesm~· tenha '·' ·;,;. afeições reais, e q'?e por algum tempo costuma escapar às necessida- ' des e às mais durns exigências? Te.mos sempre presente que o de- senvolvimento do espírito nada tem de trágico, e que o próprio ·:+ ~ - jogo conduz naturalmente a um pensamento de jogo, que escolhe ~:;?; · e limita seus problemas, e nega as conseqüências. É certo que ..:(L~ a cr~ança que faz um erro de cál~ulo não fica arruinada por isso. .~::." ' Aqui o erro tem o seu lugar; hmpa-se o quadro-negro, e nada :i~: 5.. No . original qu'on l'éleve. Aqui, como em outras passagens (come> ) na p~g. l~, in fine), o autor usa élever ao mesmo teml?O ÇQffiQ ~levar e : co~o}educ;~. ~ . . i;.;·..,,.9(). ·- .
  • 15. .11 1;; ~ ••· 1'.; -· porta se fechou, ,ela se calou. Tornava-se ~scolar pela força da '1 ·· .;;·li·~nstituição. ~ que um tipo d~~Jfer~nç~-~--q1:~ para o mestre é de l § ' ~fício, age prontamente, como um clima. ~~'." --;~~~i~~~..-~~i~~..~ ·s~;ti~;;t~. Mas não esperemos dele servi- : '-.,, " .,. (..· C) ~) -• , • .....~ ~: .... "·. ;.• (1X/ - : ...-·[· . ... . / / --- Todos nós sabemos que os pais, quando se imiscuem, instruem muito mal os seus filhos. Já vi um bom pai, que era também um bom violinista, cair em acessos de cólera ridícula, e enfim enviar seu filho a algum professor menos apaixonado. O amor não tem paciência. Talvez espere demasiadamente; talvez qualquer negligência possa lhe parecer uma espécie de insulto. Enfim esse sentimento, tão apto a explicar os erros e a desculpar, g~~nçl9 se Y.ê. . na situação de mestre, torna-se · ainda mais severo do que seria se ..:: 'L ensinasse a si mesmo. Mas não me surpreende que sejamos seve- :; t ros para . com aqueles que nos dizem respéito:---·-pais--nã-o·-·soirios -~ ;. também estranhamente seve11os em relação a nós mesmos? Um !z ~ homem perdoa .com muito mais facilidade o erro de outrem. Mas ·~! '.~ a lembrança de seu próprio erro faz com que enrubesça, mesmo até l~ J ! dez anos depois. E assim se envergonha da ignorância de seu H filho, como se envergonharia da sua própri;i ignorância. Perde .. :. todas as medidas, e as coisas não podem ir bem. -·. Aristóteles disse que o sentimento logo tiraniza. :B preciso .. que vejamos dos dois lados. O pai imagina, quando percebe a fri- volidade do jovem, que seu filho não o ama. Mas o filho, por seu lado, compreende ainda menos que seu pai deseje forçá-lo. Ex- . . , penmenta todas as marcas do sentimento, e se não é bem sucedido, :-:· desespera-se. . Há. um espírito de revolta e crises de paixão que ·~ ;;. perturbam profundamente as famílias, e que a escola logo desfaz. . '.~ . Vi· certa ·yez 1,lllla criança .ser levada à escola aos gritos; logo ·qu~ .ª . ços que não pode prestar. O tirano pensava que Guilherme Tell r ' tremeria por causa de seu filho. Ora, aquele que explica é como um atirador de arco; não é necessário que o alvo seja de grande in- teresse. ~o J!l~:l! __~ntend~r .. o ..bom mestre é bastante indiferente, e deseja sê-lo, exercita-se por sê-lo. Um pai pode dizer a seu filho: "Faça isto para me agradar", mas contanto que não se trate de prestar atenção, de examinar, de compreender. Porque, coisa es- tranha, a boa vontade excessiva, o ardor, a vivacidade, coisas que se assemelham, enfim, à paixão, são totalmente incompatíveis com o exercício da inteligência. Quando um indivíduo nos toca vivamente, por um motivo ou por outro, não estamos mais em con- dições de dominá-lo pelo pensamento. :É: necessário usar inicial- mente o sentimento. Por outro lado, o mestre não deve dizer: "Faça isto ou aquilo para me agradar". :B usurpar o direito dos pais. E a criança, que tem em tal assunto um pudor extremo, logo sentirá todas as provas de afeição como uma espécie de constrangimento injusto. O próprio tom da afeição desagrada quando provém daqueles que não têm direito de usá-la. Daí decorre o fato de que os sentimen- tos paternos, em qualquer outro indivíduo que não o pai, tornam- se facilmente ridículos. Enfim, cada relação social tem seu ·ma- tiz próprio; ao pai convém agir como pai, ao mestre como mestre. Alguns costumam ter escrúpulos; um pai teme amar demasiadamen- te, um mestre procura amar. Creio que tais escrúpulos estragam tudo. :E: necessário que cada um saiba exatamente o que deve ser, e que a harmonia nasça das diferenças. A força da afeição está em que, quando pede, .tudo ·perdoará. Ao contrário, a autoridade só se pode enfraquecer quando deseja adivinhar os pensamentos e provocar os sentimentos. Porque se ela finge amar, torna~se odiosa, e se ama realmente; não tem poder. Já observei, e este é um fato do conhecimento dos que aprenderam o ofício, ·que, logo que ..'~·:.:.d~iança 1 .... ·::.~.··~~·~i~:~{~::<~~ ·.':;'-:1.:~~..!'·3.-~tl·k:·.~~5:..tli"" ~
  • 16. descobre o seu poder de afligir realmente o mestre por sua preguiça ou por sua frivolidade, logo come9a a abusar. Pelo que sei, logo se inicia a desordem, quando a bondade do coração se ni.ostra. En- fim, a escola não é de modo algum uma grande família. Na escola mostra-se a justiça, que evita amar, e que não deve perdoar, por- que nunca é realmente ofendida. -~ força ·do mestre, quando re- pr~ende, consiste no fato de· que logo ·-.no-instante seguinte não. pen- sará. :mais no caso; e a cri~nç(t () sabe. Il11'.Üto bem. Assim, a puni- ção não . cai sobre aquele que a aplica. .Ao··contráriÔ do que ocor- re com o pai, que pune a si mesmo quando pune o seu filho. .: ·- :~ '.'' 1·~-~ ' ' ..,_..... . :· ..,.. ·;:: {°.' ;~~ .. ·;.. -:r:. '.1 ' ..... ..~:;' :::J)~ :,,.;~ .,,~·=- · '>!l ;. , ~· ' ]111' til' · 111 X Sócrates 6 já observava que um pai, por mais eminente que seja, não sabe instruir devidamente os seus próprios filhos. Vi um exem- plo disso em uma avó muito instruída, que nunca conseguiu ensinar à sua neta o cálculo ou a ortograf~a. Esse paradoxo irrita porque os pais sempre estão dispostos a julgar que o mestre tem pouco zelo. E espantam-se quando constatam, para seu próprio exemplo, que o zelo não basta. Digo mais ainda, digo que .o zelo. prejudica. É claro que o ensino ·é um ofício, como qualquer outro. Mas também não creio muito nos procedimentos. Além disso, vi mes- tres, e mestres que conheciam. o seu ofício, falharem com seus pró- prios filhos, seja para o violino, seja para o .latim. A força .do ofí- cio não está onde a procuramos; está mais abaixo. Considere-se o caso de um mestre remunerado que chega na hora certa, e vai-se embora também na hora certa; vai dar outras aulas. Aparece então aqui uma ordem inflexível e estranha. Não se leva em consideração o fato de estar ou não. a criança bem disposta. Um mestre que se apresenta na hora aprazada ·nunca será dispensado, a não ser por motivos muito fortes. Assim, as aulas tomam o aspecto da necessi- dade 7 • E é isso o que importa; porque a criança nunca se resignará a ficar séria e a prestar atenção quando tiver alguma esperança de 6. O Sócrates referido pelo autor, nesta como em muitas outras passa- gens, é o que foi retratado nos Diálogos, de Platão, Especialmente na pri- meira parte desses escritos, nem sempre se consegue separar .o pensamento dos dois filósofos. 7. Termo usado no sentido filosófico de algo que não . pode.. ser de outra maneira, como lei do reat ·.· , ,·.. ,.... · ' .,~.,;;;:~~t~;~i$&}~~;:~~1:~ l i: 1 l1 1 i j
  • 17. • 1 perder um pouco de tempô. Todos n6s sabemos quê um pai que deseja fazer o papel do professor nunca será escravo da hora; assim, a criança não se prepara. Não estando·presa a uma regra que nunca dá suas razões, nunca toma este hábito precioso de se dedicar intei- ramente ao trabalho logo de início. Esquiva-se. Ora, a principal de todas as lições, e a mais importante, é a de que não podemos nos esquivar diante da, necessid~de. Quem.aprende o sentido destas pa- lavras é necessário já sabe muito.. · Outra conseqüência. O pai se alegra quando uma aula vai bem; e com isso ele a prolonga. É ·ainda um grande erro manter _ a atenção além .do tempo:. fixad.Q. Os treinadores daqueles que se ·dedicam às competições de corridas sabem que nunca se deve ceder a um certo tipo de entusiasmo que faz com que não se sinta a fadi- ga. .O mestre pago talvez seja menos sábio, mas felizmente a ne- cessidade exterior o convoca; ele se levanta com o despertador. O que exfate de melhor para qualquer idade é o trabalho que não faça uso do prazer. Fechamos o livro, passamos a outras ocupações, e então é que a lehura repercute com sua própria força, e acaba de amadurecer por unia espécie de falta de atenção. · Isso é aindà mais válido para a criança. Acrescentemos ainda o fato de que ..Q pai é exigente, e logo em seguida impaciente, por mtiitas razões: é que ele espera muito, conta demasiadamente com este ·seu outro eu, que entretanto não tem sua idade nem sua experiência. O pior é que conta com o sentimento, de modo que qualquer erro é considerado. pelo lado trágico. Esta criança, que mostra a leviandade própria de sua idade, logo é con- siderada como não tendo amor por seu pai. Assim, qualquer se- veridade lhe parece uma ho.rrível injustiça, Aliás, a própria crian- ça faz o seu jogo; sabe que é amada; quer ser perdoada. Estes pequenos · dr~mas, seguidos de reconciliações, esses sinais mistura- dos de ternura e de despeito, passam a interessá-la mais do que a gramática. Os sentimentos sinceros e profundos têm isto de te- mível: nada lhes importa a não ser sua própria vitória. Desejamos ser am~dos, sem contudo demonstrar· que o merecemos; tudo o que lembr~.; uHiê'.·'~!9ça ou uma .recompensa é profundamente desprezado. Eis.·.pçr ·"q~~;:~~i~te uma certa vaidade em todo seµtimento verdadeí- 1<..... .·:J·.}f;: ·..: ~ .<... ·~.. !.. . : ,.· ' '(; : .,·. também uma tentativa a fim de se ver até quando é poss{vel ro, e b desagradar impunemente. E, como é eviden~e para am os. que a f. - tem importância em comparaçao com o sentunento, ortogra ia nao , . . , . esse belo pensamento não demora a prejudkar gramat1ca, h1stona e cálculo. • • ·<. · 2~~ · • • , ~ • • • ·: 1 • . "J'···.~··'!-·. ..:..~ ~~~.-.i..!
  • 18. ~. · XI Meu irmão de leite era um garoto silencioso, engenhoso, e, ao que eu soubesse, afetuoso. Eu não o deixava; juntos construímos barcos, fabricamos pólvora e criamos bichos-da-seda. Não me lem- bro de ter sofrido de sua parte alguma injustÍÇa;· nunca o vi tam- bém ·separar se~s brinquedos dos meus. Enquanto estava comigo·..: sob o domínio de meus pais, tornava-se esquecido, aventuroso e imprudente como uma criança .comum; tal como eu mesmo. Mas obediente, polido e. conveniente diante do poder, tanto quanto eu. ... ~... Quando estávamos em sua casa, e sob a outra dinastia, as coisas mudavam. Vinham cenas violentas e punições terríveis. Lembro-me de que seu pai quebrou sucessivamente mais de vinte soldados de chumbo para conseguir que ele dissesse bom-dia à sua avó; e ele não disse. Eu estava fora dessa guerra· privada, e con- tudo muito chocado com a cena, por causa dos soldàdos de chumbo. Logo que ficávamos sós, nenhum sinal de aborrecimento nô g·aro- tinho, e recomeçávamos nossas brincadeiras. Mas desde que o po- der surgia, ainda que com aparências pacíficas, fosse o avô, a avó ou o pai, devo dizer que era mal recebido. A criança terrível logo atacava, segundo as regras da guerra, fazendo abertamente o que era proibido, jogando pedras nas janelas, e servindo-se de palavras injuriosas que comigo nunca eram usadas. Por fim, o garoto acaÇa- va preso a uma janela, exposto ao olhar dos transeuntes, com ore- lhas de burro, ou então expondo sobre o peito um cartaz no qual .... ".::,º lia: mentiroso, menino maldoso, sem coração, e out.~as ~~isas· 11 .... desse gênero. 'r Não sei como essa guerra havia começado; mas agora com- preendo que ela durava por sua própria força. ,~ pai s~~h~va com os meios de corrigir seu filho, e julgava necessano qualifica-lo sem fraqueza; e 0 filho, interessado nesta espécie de guerra, não de_Drava de se mostrar desobediente, mentiroso e brutal, segundo os Julga- mentos paternos. Esses dramas foram esquecidos, e a criança ter- rível tornou-se um homem semelhante aos de~ais. Muitas vezes constatei depois, com as crianças e também com os homens, que a natureza humana se m?lda com facilidade segun- do ·os julgamentos de outrem, assim como se dá a réplica n~ teatro, mas talvez também por esta razão mais profunda de que eXlS~.~~ -espécie de direito de mentir para com quem nos julga mentir~.s~sl-~ , . bater em quem nos julga brutos, e assim por diant~. ·A contraprova muitas vezes é bem sucedida; não costumamos l?a.ter em al~ém . qu'? está com as mãos nos bolsos, e não gostamos. de .enganar a con- . fiança verdadeira. E daí concluo que não devemos julgar apressa- damente o caráte~, como se decretássemos que um é tolo e o outro preguiçoso para sempre. Quando um galé é marcado, ele adquire para sempre uma espécie de direito selvagem. No fundo de todos os vícios, há sem dúvida alguma condenação na qual se acredita. E, em todas as relações humanas, isso leva muito long~, já·que Q· julga- mento pede sua prova e a prova fortifica o julgamento. Procuro ~nca julgar muito alto, nem mesmo muito baixo, porque os olha- res e a atitude sempre falam demasiadamente; e espero o bem após 0· mal, muitas vezes pelas mesmas causas. E nisso não me engano .muito: todo homem é bem rico. Com isso, entrietanto, creio firmemen.te que cada indivíduo ~ive e morre segundo sua própria· natureza, assim como o crocodilo é crocodilo, e não muda. . Mas .essa natureza pertence à ordem da vida; está abaixo de nossos juízos. ·};: um fundo de tempe- ramento e como um regime de vida, que· por si mesma não encerra 1
  • 19. J i 1 1· ~.?~ ·-1.:~_!E:.__Q__mal~.-nem--uma. _ yJrtu4e_...nem._tim ví · • :~· ;; , um modo inimitável e único d . . -- . cm,... mas_antes ... .d - - ·· - ·· · e ser franco ou. ardiloso cruel ou c ;~n~:º·e:~:r:~uh~::~os;~raj~=e::~:ue existte be~· .menos d~f=~~,: vard encon ro, e o mesmo co-· e em um outro, que entre dois heróis e dois covardes. ' . XII Os sociólogos 8 estudam os costumes dos selvagens e se admi- ram. Por que não estudam os costumes das crianças? Esse povo é mal conhecido. Todos querem julgá-lo de acordo com as crian- ças que observam em suas próprias famílias. Erro de método, que ·um sociólogo, ·por seus prejuízos próprios, deve evitar. Na famí- lia a criança não está em relação com seus semelhantes; está presa entre pessoas mais velhas ou mais jovens, e movida por sentimentos . ./ '.. invencíveis que são marcados na carne. Somente na escola é que f.:· ·encontra seu semelhante e seu igual. Na escola ela é outra, algu- "1:·· . ff mas vezes melhor, algumas vezes pior; diferente, digamos. E isso ·é o que quase todos os mestres ignoram. Eles contam com o senti- mento, e o sentimento só pode ser muito fraco. Nunsa somos pais por decreto. É verdade que uma criança isolada é comumentç po- lida diante de um homem que ela não conhece. Mas quando são reunidas crianças .da mesma idade, os sentimentos fortes nessa mul- tidão resultam de .imitação e de contágio. Se julgarmos que esse ser coletivo tem semelhança, em suas reações, em suas opiniões, em suas paixões, com os indivíduos que o compõem, iremos de erro em erro, e conheceremos o insulto contínuo, falando por cinqüenta rostos. 8. É preciso que se tenha em conta que Alain escreveu a. maior parte destas reflexões nas: primeiras décadas do século, quando os estudos· sobre sociabilidade infantil eram pouco difundidos, por se encontrarem ainda em ·seus começos. !'.) ·'f,. .J
  • 20. l ':I~~ 11' x,· ;1~-sação a criança também o ama; .e. principalm~nte•. a crià.·~Ça é a úni~a Esse povo criança é capaz de amar e respeitar. Não inicial~t ,:.. 'd de di'ante do pai E toda a família, h1erarqu1camente dis-. ·-:~ ..,; em sua i a · < mente por pensamentos, mas pelo . poder de todos sobre oada um:·~ i.{::' posta, é reguladora e testemunha. Cois~ digo~ de ~ota, esse p~dE E esses sentim.entQs coletivos se imprimem tão fortemente que;:i J:paterno é totalmente incapaz de. in!1rmr; e isso e compreensivel. mesmo na solidão, algo permam:cerá. Apenas é preciso inicial-:~~ .:t Por um lado, 0 erro de ortografia e tomado como uma ofe~sa do mente que esta multidão esteja em ordem, e orientada segundo o J · coração; mas em éompensação, qualquer movimento v~rdadeiro d~ silêncio e a atenção. O silêncio é tão contagioso quanto o riso. :.· coração apaga 0 erro de ortografia. Nesta outra soc1e~ade que : Mas se essa sociedade de crianças se dispõe mal para começar, tudo . a escola 0 sentimento não se conta; ·em um certo sentido tudo e está perdido, e muitas vezes irremediavelmente. O riso sacode até ·..f~· _.., ~perdoad~·; em outro, nada é perdoado. .Aqui, não se mostra amor mesmo os mais prudentes e tranqüilos: Assim, todos sentem qqe ..· ._::· ~.·· · - espera por ele. A ordem que deve s~ estabelecer nessa . ._ e nao se ·1· são as partes de um elemento cego como o mar; sentem logo que esta:):' ' sociedade não deve parecer de modo algum· com a ordem fami iar· força coletiva é irresistível. A polidez, que é um hábito familiar~.i" Mas seria necessário descrever com. seqüência estes costumes pouco não tem · mais lugar aqui. A criança está em estado selvagem): conhecidos. Como poderemos admitir que nenhum sociólogo tenha Isso já reduziu ao desespero mais de um homem estimável, devotado~ : pensado seriamente em tal assunto? afetuoso. j~~ · O primeiro pensamento que pode iluminar o mestre, nessa difí-.:'/;(''. cil situação, é o de.que não há maldade nessas desordens, nem mes- ::5:1 ::, mo por pensamento. São efeitos físicos, que r~sultam do número. · '. / ~ Esse pensamento, quando seguido; conduzirá á uma espécie de in- .:;~~ .~ . dulgência e também a uma espécie de severidade. Porque não se ~. ~;- • . ..•:· r."';. l. . trata no caso de pesar nem de julgar; trata-se de impedir. E se o ::·~· ~ mestre age como uma força física, diretamente oposta à desordem, . ' . imediatamente triunfará. Não quero dizer com isso que. ele vá se bater; aliás, não seria o .mais forte. Mas dispõe de punições muito sensíveis a essa idade agitada, punições que são sempre suficientes, contanto que sejam inflexíveis, à maneira das forças naturais. Observei, quando era criança, que aqueles que mantêm a or- dem como se estivessem varrendo, como se estivessem arranjando objetos materiais, eram logo temidos por esta indüerença, que tira- va qualquer esperança. E, sem exceção, aqueles: que queriam per- suadir, escutar, discutir, perdoar enfim às promessas, eram despre- zados, vaiados, e, coisa triste de· ser dita, finalmente odiados; en-. quanto os outros, os homens sem coração, eram fi.iialmente amados. A situação de um pai é totalmente diferente. Por um lado, ele ama o seu filho, e a .criança sabe disso. A criança tem este te- mível meio de punir seu pai; obrigá-lo a· punir. ·. Mas em compen- .,, . 33
  • 21. 1 :r '· ' 'i i.:! ' 1 • 1 .' 'i 1 ,1 ~1 XIII O ~lefante, em Kipling 9 , puxa corda, arranca piqruetes, 'respon- . de aos apelos .noturnos, ~ corre nesta dança de elefantes, cerimônia :, que os homens nunca vrram. Em seguida esse fiel amigo do ho- _· mem volta .ªº seu cercado. Assim também a criança, exilada de ; se~ povo, fica atrás da janel~ fechada, escutando o chamado das · cnanç.as. A ~ria~ça é ligada ~ sua família por elos muito fortes; mas hga-s~ tambem ao povo criança por relações que não são me- nos .n~tura1s. Em ~ certo· sentido, ela é menos estranha no meio das cnanças que em sua família, onde não tem iguais nem se _ lhantes E" 1 me · · . is p~r que, ogo que consegue roer a sua corda, corre par~ .a brmcade1ra, q~e é a .ce.ri~ônia e 0 culio do povo criança. Felicidade plena, entao, de 1m1tar seus semelhantes e de perceber em seus.movimentos a imagem de seus próprios movimentos. j Ein .sua família ~· cri~nça não é ela mesma· pede l tado· iiruta o - ~ d ' tudo empres- 1 . ' . que nao e e sua idade. Disso decorre um enfado j a~tado, que conhecemos mal. Aqui a. criança é como que estran- 1 .ge1~a, ~porque nã.o experimenta nem os sentimentJos que lhe são l atnbwdos, nem os que ~la mesma. exprime. _o que se deseja cha- 1 ~ar de m~ldade em certas crianças é sem dúvida somente impaciên- j c1~ po~ nao poder romper a corda e ir encontrar-se com seu povo i criança. · Esse pov~ é ateu e religioso; tem ritos e preces nos jogos, 1 9. Referência a Rudyard Kipling (1865 1936) · · cupações tipicamente vitorianas t - , escritor mglês, d~ preo-: : conhecidas t da 1 , omou, como assunto de suas obras mais ~·. ;'4Livro da i.f,;;!1, Mi:u'"::'o. da lndfa, então •Ob dominação britânica. Cf. ,, .- ., ,1 ·' ' ' ' ,. _,'mas sem qualquer deus exterior. Esse povo tem seu próprio deus; ) adora suas próprias cerimônias e nada mais; é a bela idade das re- ligiões. Os profanos causam escândalo quando ·são espectadores; e mais ainda quando se misturam nos jogos: o hipócrita não pode enganar aqueles que têm fé. Daí ocorrem movimentos de humor incompreensíveis. Lembro-me de um pai indiscreto que queria ~: brincar com soldados de chumbo com as crianças entre as quais eu '. ::estava;· eu via claramente que ele não entendia nada; seu próprio ·:"· ·· filho demonstrava mau humor e estragava tudo. .~ pessoas gran- des-minca. devem brinçª-t ...COfil__as__ç.r,ianç.as..- .Parece-me-- .qüe õ--p:ar- .· tido mais sábio é ser polido e reservado para com elas, como sería- mos para com um povo estranho. Quando uma criança se .vê se- parada das de sua idade, só brinca bem sozinha. A escola é, portanto, uma coisa natural. O povo criança nela se encontra em sua unidade. E aprender é também uma cerimônia. Mas é preciso que o mestre seja estranho e distante. Desde o mo- mento em que :ele se aproxima e quer passar por criança, há um escândalo. Como se um profano entrasse em uma sociedade se- creta. ,_Q .povo ci;iap.ça tem suas leis sagradas, e guarda-as para si. Este elo tão forte e~tre--oscarnaradas dê jogõs--prende até mesmo o homeip. feito, e de certa forma ele logo se torna amigo de um outro homem que não via há vinte anos, e que quase. não conhece. O povo criança cresce assim e torna-se povo de homens, estranho aos que são mais velhos, estranho àqueles que o seguem. A conversa com um irmão· mais velho é sempre difícil; é quase impossível corr um pai; é mais natural com um estranho de uma outra idade; mai: natural com um professor de língua ou de ciência, ou de literatura porque o mestre conhece e mantém as ·diferenças, enquanto que un irmão ou um pai desejam se aproximar e compreender, e logo si irritam por não o conseguirem. De modo_ _g_l,!_ e__.Q__mestre se torn: embaixador e negoclad~I-..~~re o poy9_ _J2-ªLe..o...pQy~-criaiiÇa~-- ·--- - ----·· ... --- -- - -- - ' 3
  • 22. 1 1 XIV O· povo criança vai se reagrupar, e abrir novamente seu par- lamento de dez meses. A família, nesse tempo de férias, esgotou seu poder de pensar, que não vai longe. Porque, pela troca de sentimentos afetuosos ' cada um fica fechado em si mesmo, exercendo seu poder de escra- vo e usando de seu humor sem precaução, o que faz com que o in- ferior governe e com que o tédio reine. ~--ç.ri-ançª, .. _gµ~ _ n~~ tem ~ ;.L .-~-~yp.ações, improvisa em m..~io a obstáculos, sei;gI>r~-P~rturbada ·pela· --.;~~ ·iJC ·-~~!:~~v~~~~.: Mas ei-la- quêvãC-voÚ~ às su-;~..ocÜpaçõ~'..{ ~· próprias, e encontrar novamente seu pensamento em seu parlamen- !1'.;~ to. Dizer que a escola convém aos pensamentos de infância. é ainda dizer muito pouco. Porque é bem possível que só haja pensamento na escola, e que nossa sabedoria, depois, seja somente a lembrança desse belo tempo. A experiência instrui pouco, mesmo quando é conduzida segun- do o método mais severo. Ora, quem portanto · interroga assim a n~tureza? Ta!v~ algum professor, reconduzido à sua própria infân- cia pel~ assembleia do povo criança, mais possante então que a as- sembléia acadêmica, onde a intriga, a adulação e a preponderância dos velhos doentes e atrabiliários logo fazem com q1Ue se es- ~~eç~ a experiência _sã e o cálculo honesto. Em geral, é a · expe- nencia humana que substitui a outra, a experiência humana, na ·l qual nada 'é bem sucedido de acordo com o razoável, onde os erros ~' ·. 36 é> ~ ··~ t "• ., . . ' · ,! i.:·• i / muitas vezes são recompensados, e outras vezes são punidos; onde. o curso do tempo desvia e carrega, porque é necessário seguir os movimentos da fortuna, e criticar o violino quando se ganha a vida tocando flauta. :E: que os acasos humanos pesam demasiadamente sobre cada homem. Os encontros fazem os negócios, e a ação.. corre à frente do pensamento. ....~ ~-~i~~ncia_ do....pnv..o.....criança....encontra..se_ _ _ entã9_ .fora._ desse.. fil~"'. ::f vimento agitado. O homenzinho, carregado com seus livros, atra- ~- -- -..· · ·- --·-··.. .. . vessa os acontecimentos da rua, e encontra outros acontecimentos, ordenados ao seu tamanho e de acordo com a sua expectath;a, ver- são ou problema. E os programas não são coisa pequena, porque são seguidos. Ora, não há um homem vivo, já saído dos estudos, que tenha alguma vez podido seguir um programa, e passar de um problema a outro segundo a ·ordem da dificuldade crescente. Os acontecimentos folheiam o livro de trás para diante, sem nos dar tempo de acabar o capítulo, ou pelo menos a frase. Mas na escola encontra-se ainda esta preciosa condição cujo passo é regulado pela massa dos iguais, de modo que a elite revê o que já sabe, e cura-se assim da surpresa. Em todos, uma espa~tosa · segurança, por este socorro que não é suspeito, e esta confirmação de todos os instantes misturando convicção e persuasão segundo os meios de cada · um Para as menores coisas, para um verso de Virgílio ou 'para um cál culo, a opinião verdadeira se estabelece, com o ·auxílio do. mestre pela união das provas e do rumor público. E agradável passar ai lado de um grupo de escolares que caminha em direção à escola discutindo e comparando, a propósito de um particípio ou de ur peso específico. Cada qual puxa o seu papel, e algumas vezes u1 hesitante corrige o seu sob a fé das au~oridades, que são tambér garotos, sem majestu...çle nem borla de doutor. Este feliz estado d espírito h~mano nunca mais se repetirá. Nem mesmo dois profe: sores reunidos têm tamanha boa fé, nem uma tão pura consciênci dos valores verdadeiros. O povo criança-feFja...Jdéia&.;-Q._J29VO dos_ _ homens faz·-delas,. e --=------ --···-·;"' . seguida, o que pode, muitas vez~_§__J1atendo.--COJ!!___~ tenaz, muit ...________ _ _--·--- ------ ·----- .. ____ __/
  • 23. ·~. . ' 1 l ' vezes torcendo fracos cinzéis para cortar 0 ferro. Por causa dessa pressa. d-~ que e~ falava, p~_~us!._9o _~n;iprevis_to, _ ,pela _aflição.,: E essas ideias torcidas são algumas·- vezes muito belas, trazendo jun- tas as marcas da guerra e a linha do espírito. Eis por que as lom- badas dos livros de aula são ainda algUmas das melhores coisas que tem9s para considerar. Lembran~a e recordação. -· ;·, · ..') ,~ ' ·~ · .j·f . :f ~~~I .;1 · ·' r 1 t ·C X7 Esse pânico de crianças e esse afogamento levam-me a pensar que a escola, que é propriamente a sociedade das crianças, é e deve ser separada da natureza. A escola requer jardins, isto é, uma na- tureza desenhada, ordenada, limitada pelo homem. · Toda a ativi- dade se desenvolve então no trabalho escolar e no jogo, sem qual- quer preocupação real de produção ou de defesa. Essas condi- ções são reguladas pela própria natureza da criança, que é absolu- tamente sem defesa contra as paixões.. Um desespero de criança logo ultrapassa qualquer medida e levaria à convulsão, se uma força superior, que é a da mãe ou da ama, não a tirasse da terra indiferente, exageradamente severa para essa idade, e não a enro- lasse novamente no tecido humano do qual ela acaba de sair, do qual se espalha, sobre o pequeno ser, com o calor e·o amor, o forte remédio das lágri~as e do sono.· Vendo uma criança levada ao colo compreendemos esta justa proporção entre a infância, que não sabe viver, e a humanidade, que protege a infância; Vemos também por toda parte, no trabalho, e mesmo no movimento agitado de nossas cidades, a criança feliz ou a criança adormecida, transportada, carregada, tão tTanqüila neste gesto envolvente quanto em seu berço. Esta sabedoria da criança nos engana; ela pertence a nós, não a ela. O povo criança é belo de ser visto na escola. Aí é que a crian- -,ça encontra uma força conveniente à sua. Mas, se observarmos bem, perceberemos defesas e barreiras contra todas as ameaças ex- ternas. A criança brinca no barco ou no veículo, mas falta a água, ' ~ 1
  • 24. faltam os cavalos e a curva da estrada. Desde que a criança encontra em relação com uma força real, ainda que seja no carro ~J puxado por cabras, é preciso que tudo seja organizado e medido, e que, enfim, cabras, vekulos e crianças sejam dominados pela força superior das amas e dos zeladores. Não se concebe um bonde de ver·dade, ainda que .de dimensões reduzidas, servindo de brinquedo para crianças, e do qual elas fossem os condut"Ores, os passageiros e os viajantes. A força mecânica, que é cega e desumana, não se presta à brincadeira. Ou então é necessário que os brinquedos mecânicos sejam muito pequenos, e que o pezinho possa derrubá-los sem es- forço. Na própria natureza, e sob as condições normais da vida hu- mana, o povo criança é um monstro, pelo medo, que é a primeira das paixões e talvez a malª oculta de todas. Uma assembléia de crianças supõe um terreno plano, sem segredos nem armadilhas, e no qual tudo será brincadeira, Desde que apareça a ameaça, é preciso que a assembléia de crianças seja dividida, e governada de perto por um bom número de seres mais firmes, que não trocam medo por medo. Essa justa proporção entre natÜrezas reguladoras e naturezas reguladas é oferecida por essas famílias numerosas que afrontam os perigos comuns em uma viagem a Meudon. Devemos lembrar ainda aqui que as crianças não têm todas a mesma idade ' e que o filho mais velho encontra naturalmente uni grande reforço de razão e de coragem em seu papel de protetor. A escola, ao con- trário, reúne crianças da mesma idade, o que provoca uma bela paz, contanto que sejam mantidas as condições próprias à escola; mas surgem também terríveis pânicos, desde que o elemento desumano . apareça. De maneira muito sábia, nas grandes escolas, já costumam ser também instituídos exercícios de fuga tranqüila, comandados pelo grito: "Fogo". Assim substitui-se a autoridade habitual dos mestres, fonte de confiança, pelo poder desumano do fogo, e principalmente pelo medo, rei dos poderes desumanos. Daí talvez perceberemos que a escola é uma sociedade de um determinado tipo, bem diferente da família, bem diferente também da sociedade dos homens, e que tem suas condições próprias e sua organização própria, bem como seus cultos. e suas paixões próprias. Belo tema para o sociólogo. l l t 1 ' .. o psicólogo discorria seguindo a inclinação, como um ~egar_o. "Só a experiência, dizia ele, pode nos instruir. A obse~~açao nao nos levaria longe se não tivéssemos aprendido com os oflc1os a arte de modificar os fenômenos naturais, produzindo por nós mesmos mudanças bem determinadas das quais medimos os e~eitos. Que_é um físico, que é um químico, senão um homem que poe em questao os objetos, rompendo-os, pulverizando-os, submetendo-os ao calor ou ao frio? Sem estas inumeráveis tentativas, teríamos alcançado a lei oculta? Do mesmo modo a psicologia só se elevará à dignidade de uma ciência quando submetermos o homem a experiências pre- paradas. Os médicos já procurar~m muito por esse lado; infeliz- mente, eles só consideravam os loucos. É preciso que os e?ucado- res submetam também as crianças das escolas a experimentações. e provas, a fim de que se possa enfim apreender algo de positivo so- bre esta natureza humana em sua infância, que eles conhecem mal.. Sem essas investigações metódicas, perderão seu tempo. Para ins- truir a infância, é necessário, inicialmente, conhecê-la." Que dizer contra isso? A evidência é nossa cabeça de Medusa. o Sociólogo de óculos terá, entretanto, o se~uinte a dizer: "Se os conhecimentos humanos tivessem sido formados na ponta de nos- sos dedos, como dizem vocês, o problema humano seria bem mais simples do que é, e isso me alegraria. Infelizmente, i~so não ocor- reu. Em todos os povos antigos vemos que os oflc1os chegam a uma espantosa perfeição, ao mesmo tempo em que os artesãos per-
  • 25. j;;.· ( 1 1 manecem atados às n:iais ridículas superstições. Poderíamos cluir disso que o objeto que muda sob as mãos não instrui. chamo a sua atenção para uma outra prova universal. A primeira ,'1:. éiênda, e da qual ·saiu a primeira idéia da lei natural, foi por toda ;~> parte a astronomia; e os objetos astronômicos são justamente os j,; únicos que estão fora de nosso alcance e que não podemos mudar. · ·:; _Assim o astrônomo.-foi protegido contra esta curiosidade indiscreta, ·~k que muda o objeto em lugar de considerá-lo com paciência. E ain- da agora a experimentação', da qual. vocês fazem tanta questão, só instrui o homem prudente e formado pela astronomia, isto é, aquele que observou muito t~mpo. Se é perigoso, para quem quer instruir, alongar muito rapidamente a mão, que diremos desse olhar psicólogo que muda o objeto humano sobre o qual se detém? E desconfio ainda mais dessas experiências que logo agitam seu tenro e frágil objeto. ~ preciso observar o homem com o canto do olho, e sem avisar. E é curioso que vo~ês observem a infância de hoje, que, com 'as palavras da língua, aprende em alguns meses a sabedoria dos séculos, quando a infância da espécie se mostr~· sobre foda a ·terr·à......, em séus templos .e seus deuses". Ele se calou e limpou os óculos. "Àgora, disse, tenho ainda outra coisa a dizer, não como sociólogo, mas como professor, porque aprendi o· ofício. ·Vocês dizem que é preciso conhecer·a. criança para instruí-la, mas isso nao é verdade; direi .antes que é preciso '.instruí-la para conhecê-Ia, porque sua verdadeira natureza é aquela desenvolvida pelo estudo das línguas, dos autores e das ciências. Formando-a no canto é que saberei se ela é um musicista." :·~·: 1.;'.,: -'..i ~ '· ,. .-~. ." XVII o ensino deve ser resolutamente retardatário. Não retrógrado, muito pelo contrário. .E para andar no sentido diteto que ele recua. Porque se não nos colocarmos no momento superado, como superá- . ' d' t esmo para um homem em Io? Seria um louco empreen imen o, m _ toda a força, tomar os conhecimentos em seu último estado; ~ao teria entusiasmo, nem qualquer esperança razoável. . v:endo..so a insuficiência por toda parte, aposto que ele .se veria ~a 1~obill~~~~ irroniana 10 porque, compreendendo tudo, nada afirmana. ~ontrário, q~em acorre das idades antigas é como qu~·;_la~çado se- gundo 0 movimento exato. Sabe vencer. Essa expenencia faz os espíritos vigorosos. . A Bíblia anuncia muito, e mais ainda se~undo o espí~to que . segundo a letra. Porque não podem.os parar ai. Mas tambe~ log~ · b mos que não vamos ·_parar. Este pensamento selvagem e abs . sa e .--·---· f E 'á 'que tantos homens su~ trato, rochoso abrupto, tem uturo. J . _ t·?:· le' cada um pode se dar a perm1ssao de nela acre- raram a an I6 a i, de ditar: E assim é .que será 'ievada à maturidade ~s~ pro~essa . dem melhor. Falta-nos, para sermos cnstaos senamente, uma or . .. 'alm f · termos sido· pagãos ou judeus. Quem não é rmc1 ente anse~, como poderia se curar de sê-lo? E também quantos hom~ns .sao fariseus quando velhos! Tal é a marcha retrógra~a'. .Isso e ~ qu: 0 direito nos faz sentir, porque o direito nunca é suficiente, e isso 10. Alusão aPirro de EÜ~ _(360~270 a.C.),· fund31dor :~a ~:ti~a~~~; cismo. Defendia a suspe_nsão do 1u1z~ sobre todas as colSas, P . a de8ejada imperturbabilidade (ataraxza).
  • 26. bem fácil de ser compreendido. · Mas também esse :amargo pensa- ./'J: mente a nada conduz. É o jurista que muda o direito para melhor, ::: justamente porque o · conhece, porque acredita nele e porque a ele está ligado. .'f: pela suficiência, e não pela jns_yfi.ciência,- -que--uma_ :~~ idéia promete outra. Diante da espécie, o juiz de paz pensa algo '' de novo, pela própria força doutrinal; assim se faz a jurisprudência, bem mais forte e de muito maior alcance que a ironía do litigante. _ A criança tem necessidade de futuro. ~ Não é a última palavra do homem que lhe deve ser .-dada, mas antes a primeira. Isso é o que fazem de modo maravilhoso os antigos autores, que deveriam ser chamados Profetas. Eles nos dão a amêndoa, para que a que- bremos. A virtude das Belas-letras consiste no fato de que é preciso ouvirmos o oráculo. E não há melhor modo de nos interrogarmos a respeito de nós mesmos, como anunciava o frontão de Delfos 11, Nas ciências, ao contrário, acontece muitas vezes que, pela perfei- ção ~o resumo, não vemos mais o obstáculo. Em um elegante cur- so de mecâníca, nada se detém. E perguntamos: "Para que serve isto?", em vez de indagarmos: "De que pode isso me livrar?" O contrário ocorre em Descartes 12, como podemos ver bem, porque ele se engana e se desengana; bem mais perto de nós. Mas Tales vale mais. Sócrates tinha .essa arte de levar qualquer idéia à primeira infância 13• .'f: bom pensar a respeito dos líquidos com Arquimedes, e sobre o barômetro com Pascal; e até mesmo esta confusão que per- manece em seus raciocínios não é ainda bastante nossa. Aproxima- se, todavia, de nós. Os antigos possuem o novo; é o que os moder- nos muitas vezes não têm, porque sua verdade não está no nível de nossos erros. A Terra gira, isso é velho e gasto; o fanático não vê mais aí qualquer dificuldade. Mas quanto ·a isso será menos fanático, ou mais? Eu não saberia dizer. · 11. O Templo de Delfos, dedicado a Apolo, trazia em seu frontispício a inscrição: "Conhece-te a ti mesmo", que era como uma advertência ao homem a respeito de seus próprios limites. Fonte de inspiração do pensa- mento de Sócrates. · 12. Referência ao pensamento cartesiano, que antes de alcançar a cer- teza, se exercita na dúvida (dúvida metódica) até ão exagero (ÇlúVida hiper- bólica). Cf. Descartes, Primeira Meditação. ·, 13. .Sc)crates, que lutava contr~ a~ falsas competências, principalmente as di1>s,(:minadas pelos Sofistas, propunha aos seus interlocutores a volta ao estado de ignorância original, como . ponto de ·partida · de qualqúer .indagação. 11.•.- • •• ' 1 :J :-:.. • I ' • t XVIII ,. . b saber Quando um professqr começa a expli- Existe sa er e · " · e de- . d céu descrevendo inícialmente as aparencias, car as c01sas 0 • " dos astros muitas finindo o leste e o oeste pelo nascer e pelo por , 1 - . a dÍzer· "Não é verdade que o Sol se e vezes surge um gun par , · . . disse" Esse tipo de vanta e se deita· a Terra e que gira, papai me . ber não tem ;emédio, porque ·aquele que sabe tão prem,..atu.ramen- sa Terra cnra nunca dará suficiente atenção às aparencias. ~ te oue a e>· T - 0 pode de1- se lhe falamos da .esfera terrestre, forma a~x1 ~ar que na , . não d P ara descrever as aparencias, pensara que . xar de ser usa a . na , . recurará, em vão, naturalmente, a ordem co~ermca, ' e assrrµ, e lpa seria vista de uma estrela. A ordem copermcana e a tal como e , · d · u três ,.. . Mas julgo que são necessanos 01s. o ::r!a~: ~~::!:~~: 1 :~guidas, e, segundo as aparências'. antes~de s: 'd' . do sistema solar. É um mal irreparavel, formar realmente a 1 eia · muito comum, -duvidar antes de se ter certeza. O público se instrui mal, porque imagina que a última verdad~ é lh - ·-- , Mas a verdade não pode ser derramada assim 0 que e convem. . f 1 d de um espírito para outro. Para quem não a ~onqmsto.u a .ªn ~ das aparências ela nadá é. Quantas pes~oas abriram os-3orna1s d1":' zendo: "Vejamos um pouco se o princípio da conservaçao da en~r., ". --- ._ . . d d . ,, Ambição vã. . Não podemos renunciar gia contmua ver a eiro · . . . . . , . àquilo aue não temos. .'f: preciso posSUlf lDlClalmente O pnnc1p10, e tentar-com milhares de exemplos, para que s:_ possa ap:mas co~~e- d · ' ·0 chamado de degradaçao, que nao destro1 o ber o segun o prmc1p1 , .· . . , .. .. . :.'.
  • 27. ' ' 'primeiro, e que não tem qualquer sentido sem o primeiro. f: preci- so ter aplicado ambos muitas vezes, para que se possa duvidar .de um ou de outro. A dúvida é uma passagem. Para experimentá-la, é preciso sentir inicialmente sob o pé uma inquebrantável resistência. A dúvida é o sinal da· certeza. Considerem atentamente Descartes 14, o mais ousado duvidador que já existiu. Poderíamos dizer na verdade que duvida ainda menos que o ébrio, o delirante ou o louco. Porque diante desses pobres espíritos o mundo se desfaz a cada momento. As aparên- cias tomam mil formas; é como um caos, do qual os sonhos nos dão alguma idéia. Mas também ninguém desejará dizer que esses es- píritos fracos estejam em estado de duvidar. E de que duvida- riam? Ao contrário, vejam que Descart~s duvida, ao lado àe sua lareira, mais desperto, mais liberado de qualquer paixão, mais se- guro deste mundo sólido que qualquer homem. E, guardadas as proporções, eu diria que o célebre Poincaré H5 bem podia duvidar do movimento da Terra, porque inicialmente e por muito tempo havia pensado intensamente a tal respeito. Mas isso não faz com · que qualquer guri possa se levantar do .seu banco para dizer: "Não é verdade que a Terra gira, isso é só ~m modo de dizer". Há um caminhar de idéia em idéia, e finalmente para além de qualquer idéia, que cada espírito deve seguir por sua conta, sempre com o cuidado de construfr a verdade, mas pouco curioso de recebê-la. Se essa sa- bedoria fosse melhor compreendida, quase todos os homens, diante dos paradoxos de Einstein, diriam como digo: "Ainda não che- guei lá". 14. V. nota 12. . 15. Referência a Henri Poincaré (1854-1912), matemático, físico;:mate- mático ~.·. filósofo da .ciência francês, a quem se devem importantes contri- buições nesses campos especializados. t ;... t~~ ,.. •~ ,1 ~ : ; "'" ' '· ( • l . ! '. i!' ~~ ·~- . ·~' .,.: ~ ! '" ;;.,. .~:.~ ·;. '• ·' 1 ' ( ' , - : L XIX ( . . . ,, ·J 1 1 ·. . ' .familias a escolha de Acho ridículo que se dê às crianças e as aprender isto antes daquilo. Ridículo também que se acuse o Es- . . uil Ninguém deve escolher, e a tado de querer impor isto ou aq o. _ . . escolha está feita. Acredito que Napoleao expnmm em duas, pa~ lavras o que todo homem deve saber da melhor fori:ia poss1vel. t . 1 t'm Ampliemos. compreendamos por latim o estudo geome na e a i • • . · E t- . · 1 · t de toda a poesia humana. n ao, das grandes obras, e prmc1pa men e está tudo dito. /( A geometria é a chave da natureza. Quem não é geômetra nunca perceberá bem este mundo em que vive e do qual depende: Mas antes sonhará segundo a paixão do momento, enganando a si mesmo a respeito do poder antagonista, medindo mal, cont.and~ mal nocivo e infeliz. Não quero dizer também que se deve :ns1- nar 'toda a natureza, ri.ão. Mas regular o espú:'ito segundo o objeto, segundo a necessidade claramente percebida.. Nem mais. nem me- Q em não tem qualquer idéia a respeito da necessidade geo- nos. u 'd d métrica, tem também deficiência da própria idéia de necessi a e e:- terior. Nem toda a física e toda a história natural juntas poderao suprir essa deficiência. Pouca ciência, portanto: mas uma boa ciência, e sempre a mais rigorosa prova. Q_ _q-y_~,. e bel~ .!l..ª--g~Q.:t;Q.~­ tria é que há_·-~~tá.:~.<:1-8...~~-)?.!'.PY.~.~'--~....~lg2..9~__ç}~o e ~a~io em t~das ·····-·-· ..·-·· .... ·· ····--··· · f · ma portanto nos deem hçoes de coisas. elas. Que a es era e o pns , , . . -A-~em? A todos. f: bem curioso decidirmos que..uma .cnança ign~rará a geometria porque tem dificuldade em. ,coe!17r~~11dê"'.la; . ~::;~~~~:~..~~~..~~..· -...~ -ª
  • 28. este é, muito pe1o contrário, o si~al de que se deve fazer paciente- mente com q~e ela penetre na g~ometria. Tales não sabia toda a. ·~·~ n~;a geometria: Mas o que ele sabia, sabia bem. Assim, qualquer :~, v1sao da necessidade será uma luz P.ara toda utna vida. Não con- .-· tem por.tanto as horas, não meçam as aptidões, mas " digam apenas: "E: preciso". · 1- A . , poes~a e -ª ·-~~!!'!:.~..9~--2~9_e~).!E!!!.!:l.na, e,___~9!11º j§ disse muitas vezes'. o e~~QQ__Q_'!._ ah~a. _.~~~- _i:iã~ .. ~__pgesi~----~<.?~ feÍt;·--~~ ~i~~~. especialmente ar a · ' · -·- ···;·--------· -.-- .. . __ ·--..R-..ª-..____'.'__-:-C.!_~!?S~:S.'. _Ao contrar~<;>_,,._~_ _ _ !I,l~ls ~lt_ét poesia, a 111a1s_ ~enerad?.:_ Muitas vezes se diz que a criança não a c;;~-=:-· preendera. É verdade que inicialmente ela não compreenderá. N!_~~·- Q...~~<?.:1" .da poesia cons~!~to, e~ cada leiturà: inicialmente, ~1!!5'.~...c:!~-~-Qs_..1.!!~LU.!!~,-- -~~ª...n.9-~~·:·g_i~p9.~-e~lc:>s_ _ s~:ms-e__p~IÓ-ritnio, segun- do um modelo h · · · --- - -- - - ---- ·-- -:·--·-·--·- -----.. ·-·--··- .....E.1!?:~-~-º--~-º..!Y..e:!.sal. .E isso é bom também para a cn.ança. Como aprende ela a falar, senão regulando sua natureza ~~=aluse;u~do este canto humano que escuta? __ !:~Ç~!1.?--~..-P9!".~~-1?:~.2. ...______ ___,q:·.~~ .e.c1t.e escrupulos~rneI?:~e.__2_!.?_~_lC?....s'.~!!!9~. _,,/~·§.ê.i.fil..~~-mi~..---!"-~_fil!­ lando 1~1f.ial!n_~!!!~..-~E..~~---P~-~x_9_es,,,_ _ ~I~.Je_P<?~ _em seguida em situa("ã-o · de com reend · - ·-·· --- · -------·-·------=- _____ JQ!_ ___ . --~r ..~q_c)_~s ...a_s pa1~.o~s, elevan<:lº-":_~_e... _lgg9 ao sentimento mmtQ·-º~--Q!J.se!_vaçã<:>. _tje__o.n.9-~.:~.~..-<!:~~~~!?!:~_ _!c_:>_~~--~-..P.~i~~g~~~-h~~-;~;: ' Ma~ a criança é grosseira e como que selvagem? Indifer~-~; a essas colSas? Não acredito. A grande poesia tem efeito sobre to- dos.~ .os mais rude~ garotos querem a maior poesia. f: 0 melhor remedro con.tra a careta, que .é uma espécie de poesia', mas sem so- corro. , Portanto, toda a poesia para todos, e 0 mais possível. E to~a hngua humana, o mais possível. O homem que não é disci- plmado segundo ess~ imitação não é um homem. -jl-~~triª e p~a: isso basta. Uma tempera ·a outra. Mas ambas são necessárias. Homero e Tales ·conduzirão 0 e t d I - A . , s u ante pe a mao. . . ~nança tem esta ambição de ser homem. Não deve- mos. qecepc1ona-la. E menos ainc!-a deixá-la escolher em meio ao que ela ignora. Sem o que. o catecismo faria com que enrubescê~semos. Por~ue os teó~.qgos ensmavam a todos tudo 0 que sabiam dete d . se dia t d ' · · b · ' n o- . n e o esp1~1to .re ~Ide. E, na dúvida, batizavam qualque~-ior- ma hum,an~.. >~V~1os nos, então, escolher e recusar o batismo hu- manq· ao fqypJ~~:Q.u ao adormecido? . . . ··. -~:.. ~~~·~.~~> . LA o ' ~· / XX O garoto que mostra aptidões <?U tão-somente um gosto acen- tuado pelo estudo é log~ tirado de sua cidadezinha. Cada qual ql,ler levá-lo adiante à sua maneira, e ele é celebrado pelas comadres. É um belo traço do homem esta admiração diant~ de u~a criança que talvez seja alguém. Os condiscípulos também fazem um belo coro nesses 'louvores. E conheci pess~as que, mesmo depois de passados sessenta anos, ainda tinham orgulho de terem. sido coleg~, elas, pes- soas medíocres, de um homem bem sucedido. Assim todos pro- curam o gênio e falam muito a seu respeitó. Todos nós· conhece- mos gente desse tipo, pessoas boas, mas que so se enganavam por esperar demasiadamente. Em suma, as bolsas nã? faltam, os bolsis- tas é que faltam. E assim são procurados os can<;lidatos para as altas ~;·p::an::e:~~:~;ai;:.;~•e:;:::rn~:·:~:~.::~~isi:,: ~lema está resolvido; não há barragem. ·Lembro, como exemplo, todos estes filhos de camponeses e de operários que estão atualmente situados, e muitos acima do que valiam. Mas também não quero seguir estas fracas declamações sobre aqueles que, tendo sido cha- mados, não são eleitos. Entre esses, e conheço-os bem, não vejo um desclassificado em cem; quase todos voltam para suas províncias, ·onde não provocam ruído, mas permanecem acima de suas pequenas funções, e úteis ainda pelo conselho; é um .bom levedo. Restam ainda aquéles que ·não são suficientemente instruído~, sej-a porque não querem aprender, seja porque· não pc;:>~·em. Aqu;
  • 29. ,. ·está o verdadeiro pr?blema. Houve um tempo em que o garoto que raciocinava mal uma ou duas vezes sobre os triângulos era logo abandonado. Conduta razoável, se o poder só pTocura recrutas .. para a ~art: governant~; conduta ridícula, se o poder· deseja real-~......:~ mente .c1dadaos esclarecidos. ~~QQ.._UnLIDen.419_..não...mostt;a_,q"""u_atD=. qu~:...~E!~~.~.C?. E~.~ as~~1e.mátiGas,-iss-1ré-um..avi~.9.~.QJJ.~uecessá­ r10 ensin~ matemática obstinada e engenhosamente... Se não ··-·----- --------.--- ~---_...------- - -·--...~-'""' compreende o que é mais simples, que podera então compreender? apenas pensará nas .coisas divinas e humanas, mal ou bem, como fa- zem todos, mas, além disso, decidirá a respeito da paz e da guerra, do justo e do injusto, da nobreza, da baixeza, e enfim a respeito de tudo, talvez de maneira louca, com todo o seu peso de homem, certamente. O mais livre dos escritores sente a cada instante este peso em sua pena. E também não é pouco se um homem, destina- do ao comércio, à agricultura, ou tão-somente à prática dos meca- nismos,· lê Descartes, Montaigne e Pascal, ou pelo menos entrevê a majestade aos teoremas mais ~:Este ~uncto- irá sempre..e:o.~~...../ vai, se õ---te-souro"âã.S Humanidades estiver reservado àqueles que são mais. dignos dele. Mas se nos puséssemos a instruir os ignorantes, .ve- ríamos coisas novas. . .. ..._________ __ _ _ ---T""·----·" - - · ..- .. ·.- . · .- - - ··-- -- .- - •• ·- I ~ - b (l_.O..-.d .•Ç Y''·.' r'>Ov.Q. ·." 0<- n.. Edu! e ( .......-i .. "~·"/ ' Evidentemente, no que se refere ao mais fácil, é aceitável esse julga- " mento sumário, que ainda ·é muito ouvido: "Este menino não é in- teligente". Mas nem isso é permitido. Muito ao contrári~, é o erro capital em relação ao homem,. e constitui injustiça essencial mandá-lo assim para junto dos animais, sem empregar em seu favor todo. o espírito que se tem e todo o calor de amizade de que se é capaz, fazendo voltar à vida estas partes geladas. Se a ar.te--de-·· i~~~~uir só tem .._a finalidade de esclarecer os gênios, eí.;_t_ rldícula, Ü j .o· porque ôS gênio~< Stirgerii ..ao primeiro 'd}amaao,...e..afrãvess-ãm Os.Ob - '. ' . .._, /' ·r O 1 r~'-' jl •. '··<:->elo_ r, •, _ táculos. Mas aqueles· qüe ·se agarrãm- em--tudÕ- e se engãriãrn: com : .-. " (( >.>''- L- t. udo, a~~eles que são sujeitos a perder a coragem e a desespera,r_..9~~·.:';: '. ~eu espmto, esses é que devem_ ~e..r. a.:l1.!9.~d9_s...----- ·· ....---- '.; ..-' C ( ,· . --:&1e~~~- ~.maÍ~r ~~idado não seria exagerado, nesse julgamento; :i.1 '. L '. '-, e, por meu lado, se eu tivesse que julgar algum espírito ousado e vi- l ~'--- goroso, faria com que ele se pusesse a desfiar as primeiras noções ·,i: o.L,t~ com pequeno escravo, como fazia Sócrates. Suspeito até que o gênio, em seus discursos para si mesmo, seja mais criança do que podería- mos pensar, e procura o selvagem, o escravo, o tolo, o retardado, 0 sup.ersticioso, o estúpido, o adormecido, em si mesmo. Eis por que muitas vezes pensei que não estaríamos perdendo tempo se Terunísse- mos a cauda do rebanho, revirando de mil modos os ·primeiros ele- mentos até vencer os· espíritos mais obtusos. ~__melhores gª-11ha- riam ~om isso, e tambéz:g o.~mestre,...p.oL meio desta reflexão sobre o _.qµe . acredita:~os..sa])~,!,_ C()ii:;a, muito rara. . · ·------·-- - Não há. homem, evid~ntemente, a respeito do qual se possa de- clarar que lJ.ãC) pense além de seu ofício. Ainda que ele seja es~ravo, como E~'?P~~ sempre pensará. Ora, ele não seTá escravo. Não ··~ ·.' '' ·' ..... 1 / ··.. _...~.