SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 30
A HISTÓrU A 1 A ARTl:~'
E LI (' L ' ••
. r:. Jomorich
cO,j/i
16.a edição
Tradução
Álvaro Cabra]
Licenciado em /-1' , .istona e Fl· J'
pela Faculda i, '1, L . t  oso Ia
, l l te etras de Lisboa
~ILTC
G.. ~t,9
~~
t~o#
~~
o GRANDE DESPERTAR
Crhia, -,écll/O-' 1/]] iT V 11. C.
'Foi nos oásis dos grandes desertos, onde o sol queima implncnv '1111'1111',I'
OJlLk somente o solo irrigado pelos rios fonlt'ce ,11i111c 11to , qll 'SlI'~,il'oIill lK
mais antigos estilos de arte, sob o domínio de Lit-SP()(;)S, ricnrnis, " ('l'~
estilos permaneceram quase inalterados por milhares de :l11lS.!I.~1'011dl,1 I'~
eram muito diferentes nos climas mais temperados do mnr COIII 11'" '~SI'M
impérios confinavam, nas múltiplas ilhas, grandes e pequcnns, ti )
Mediterrâneo oriental e nas costas recortadas por inúmeras ~1's,'a(I,IS dll
peninsulas da Grécia e da Ásia Menor. ESS:1Sregiões não CSl.nV~Il
submetidas a um único senhor. Eram os esconderijos de US:lI ~
marinheiros, de reis-piratas que cruzavam os mares lés :1lés a jOIII',l tlo~
seus limites conhecidos, e acumulavam sr:r:llldes riquezas em S~II. 'I~I'lm I'
portOS de abrigo, produtos do comércio e de pilhagem maritirnn. )
principal centro dessas áreas foi origin~llmente a ilha de Crera. 'lI';O' I'I'I~
eram, algumas vezes, suficientemente ricos e poderosos para cnvi.u'
embaixadas ao Egito, e cuja arte cansou profunda impressào :II~ 11,1('(lIli'
'1raônica (p. 68).
lJ,.'llOra-Se gual er'l eX,llamente o ROVOgUl' "'ill<l'y"'Ll' , ','1:1, ' (l111111li'
t~iada no continente grego, sobretudo em Mict'nas. 1 l'sc,lb:IIII~
recentes levam a aceitar a probabilidade de que os cretcnscs lid:IV:lIll 11111I1
forma primitiva de grego. MaIS tarde, cerca de 11100 a.~ novu 1II1I,1
de tribos guerreiras provenientes da Europ-a penetrou na mOllC~I1IH1~iI
península da Grécia, avançou até o litoral da Ásia Menor, COJ11b:1'li I'
e errorou os antIgos habitantes. Somente nas canções que na 1'1':111I I'SNIIN
b-;t;lhas sobrevive algo do esplendor e beleza da arte que f i ti 'S~III .ln
nessas guerras prolongadas, pois essas canções ou rapsódias consthu '111II~
Roemas homéricos; e entre os recém-chegados estavam as Iril t)~ ~,II'I"N1111'
conhecemos da história.
Nos primeiros séculos do seu domínio sobre a Crécia, a :11'1(,'dl'HNIINIII11II~
era bastante rude, desgraciosa e primitiva. Nada existe nessas .dl1·,I~Ijlll'
lembre, mesmo de longe, o alegre !11ovim~nto do estilo crl'IC'II"" 1,111'11,1111
mais superar até os egípcios em rigidez. Sua cerâmica er:l dc·('(ll.l1.1 11111
paaroes gt'OIfl'ttricos SImples, e, quando C]ueri:llll í'êj:)!-CSl',ll:,1'1111.1 1'11,11'11I
íÚla parte do dest'nJ1'()ã'ültero t'l'lgorcl.-o.pc)r-;,;:.;z-';inplc). :1I~il'.. ](,
i'eprescllla a lamentaçáo por um morro. 'Este jaz em seu (':''111;11',1'11'11,1111'
as carpideiras:i direita e ~ esquerdalevJJ1l aS'Jl1Jos ~ Obl'::1 "" 1,,·11" 11'1,,]
que é u;;-;:-(;-:;~;le cle--gLl;1Setoebs as socie-oãdes pl:i111il~V"S
-_.---------._--- ._-- -- -_._--_ ... ---- -~_._--.
Algo dessa simplicidade e desse arranjo claro e esquernático parece ter
contribuído para o estilo de construção que os gregos introduziram nesses
primeiros tempos e que, por estranho que pareça, ainda perdura em nossas
cidades e aldeias, A Fig, 50 mostra um templo grego do antigo estilo, o
qual recebeu a desi,:nacão de dórico em atenção à tribo do mesmo nome.
Era esta a tribo a que pertenciam os espartanos, célebres por sua
austeridade. Com efeito, nada existe de desnecessário nesses edifícios, nada,
pelo menos, de que não vejamos ou pensemos ver a hnahdade.
Provavelmente, os mais antigos desses templos foram construidos de
madeira e consistiam em pouco mais do que um cubículo murado para
guardar a imagem do deus, e tendo ao redor sólidos esteios que
sustentavam o peso do telhado. Por volta do ano 600 a.Ci, os gregos
começaram a imitar em pedra essas estruturas simples. Aos esteios de
madeira que escoravam os telhados sucederam as colunas que sustentavam
robustas vigas transversais de pedra. Estas vigas transversais eram chamadas
arquitraves, e toda a unidade assente nas colunas recebeu o nome de .
entabJamento. Podemos observar reminiscenclas da construçao de mad"eira
na parte superior, como se estivessem expostas as extremidades das vigas.
Estas extremidades eram usualmente marcadas com três sulcos, e foram, por
isso, designadas pela palavra greg~ "tnghto ,que slgIllbc~ 'tres sulêõS~
e2]?aço do fi-iso entre esses orn~tos chama-se amétopa. O aspecto
surpreendente nesses primeiros templos, que imitam de um modo tão claro
as ontigas construçÕes de madeira, é a sill1p-Jicidade e a harmonia do
conjunto. Se os construtores tivessem usado sim!2kLpilares quadrados ou
cilíndricos os templos poderiam eventualmente jJa -e el" e ado e os.
Entretanto, pelo contrário, eles preferiram modelar as colunas de modo que
houvesse uma leve protuberância na parte central e um afuselamento em
diredo ao topo. O resultado é que as colunas dóricas ganham uma
aparência quase elástica, como se o peso do telhado as estivesse
comprimindo ligeiramente sem, no entanto, chegar a deformá-Ias. ~
Transmitem remotamente a idéia de criaturas viventes sustentando suas y
cargas sem esforço. Embora ~lguns desses templos sejam vastos e ~ ~~.;JfJ
imponentes, não atingem as colossais dimensôes das construçoesegípcias. .'V,r
~el.l~ue for~m editicados por sereshumanos, e jJài':lseres 1llmanos. De 0 ,
fato, não existia um governante divino Imperando sobre os gregos que "(:JY.JS'
pudesse forçar - ou tivesse forçado - todo um povo J trabalhar como ~ _,.
escravo para ele. As tribos gregas tinham-se instalado em várias cidades V
pequenas e em portos de abrigo ao longo da costa. Havia muita rivalidade e
atritos entre essas comunidades, mas nenhuma delas consegLliu dominar
'x Q todas as outras.
/'..]-" Dentre essas cidades-estado gregas, Atenas, na Ática, tornou-se de longe
• ~ ~ ,3 mais famosa e a mais importante nJ!listóna da arte: F,01 '11, sobretudo, que
.~,.;- a maIor c maIs sqrpreendente wyolu_ça.CLe.lll...todo:J JlJi;,to.l.'-la...da-'J-J:W..pJ:~l-
r~ rseus ti·utos. É dificil dizer quando e onde essa revolucão comeccm - ulvcz
_cY':5 ,;-- J por volta da época em que os primeiros templos de pedra estavam sendo
", y p~;..éY ,-.9-'~ .",
u,/ ~ .er-:
,"- -/ l
'J 1."",':'- -y.r
Y / -',J
",
Il /o1I1U'llTdfjj(l pelo
1/1t1rfl1, r. 7UO a.C.
V;I,n !!f"!.!.I) no csulo
(;~·)ll~·(ri•.'o: ;llIlIr:l 155 ou:
/I.·111~·LI Arqucológico
N;I,ioJ}.11. Art'IlJ~
COJlStrtlídos Ila GréoJ, no século VJ a.C:. Sabemos que antes desse período
os artistas dos antigos impérios orientais tinham-se empenhado em obter
um tipo peculiar de perfeição. Procuravam emular a arte dos seus
antepassados tão fielmente quanto possível e aderir estritamente às regras
sagr;ldas que haviam aprendido. Quando os 'lrtis·tas gregos começaram a
1;12<:,rest;Ítuas de pedra, partiram do ponto em que egípcios e assírios tinham
parado. A Fig. 47 mostra-nos que eles estudaram e imitaram modelos
:'gípcios, dos qlJalS aprenderam como reproduza a hgura de um Jovem de
pé, COIllO marcar as divisões do corpo e os mÚsculos que o mantem ullldo.
Mas também nos mostra que o artista que fez essas estátuas não se limitou a
obedecer a formulas fixas por melhor que elas fossem, e começou na prática
suas próprias experiências. Estava obviamente in teressado em descobrir que
aspecto os joelhos realmente têm. Talvez não lograsse um êxito completo;
talvez os joelhos de suas estátuas sejam até menos convincentes do que os
dos exemplos egípcios; mas o ponto importante é que ele se decidira a
investigar por conta própria, em vez de seguir a velha prescrição. Já não se
tratava de uma questão de aprender uma fórmula consagrada para
representar o corpo humano. Todos os escultores gregos quiseram saber
como iriam representar um determinado corpo. Ds egípcios tinham
baseado sua arte no conhecimento. Os gregos começaram a usar os Polimcdes de Argos
ró rios olhos. Un1a vez iniciada essa revolução, nada 111ais a sustaria. Os 0.( íl'll/t1tls Clcábi.( e
Bito/I,
escultores em suas oficinas ensaiaram novas idéia.s e novos mo os e ( 15 -"() c
r.).-~7;1... ~'
r~>preselJtacào da tlgura hl1l11ana, e Cadê.l inovação era avidanlente adotada Míml)r.;',alnll~12!H'.?Jh(lIl; i ,.,
d
·· , . d 1 U d .::D-M""'''A'~I''''''I,,",<'O.))'li''. . 1.
11
~
por outros, que J lClonavam as suas propnas esco )ertas. m apren eu .
como cinzelar o tronco, outro concluiu que uma estátua vai parecer muito
mais viva se ambos os és não estiverem firmemente plantados no chão. J:1ro ainda descobriria ser possível animar um rosto recurvan o r.".À.f..r-. Ct- ;[~
E
s!mlplesment~ a dboca p<lra cima, dbe1110. o a cnar uma ll:lpressao dA sorriso. . t5- ~C' '--íõ.'1 V
- c aro, () meto o eglpclo era, so muitos aspectos, mais seguro. s 0"""
experiências dos artistas gregos falharam algumas vezes. O sorriso poderia """"-.$ I
resultar num esgar embaraçado, ou a postura menos rígida era passível de ~ - "I
criar a impressão de falsidade. Mas os artistas gregos não se atemorizavam I
facilmente diante dessas dificuldades. Eles tinham enveredado por um O --t' n r A <
caminho sem retorno. _.-f:'..... .:~- ~j..fl. -t" ~~.
Os.pwt.o'LeS segJJiGlJu eUl sua estejra Saheu1QS pouco a respeito do ==--v DJJ..-..aJV-,;.1~
trabalho deles, exceto o que os autores gregos nos contam, mas é ~ ,1
iJ'iij)ortante compreender que muitos pintores gregos eram até mais famosos w- O~ U~>Ii' ru--J-
na uele tempo do que seus colegas escultores. A única maneira qtle temos V
"nra fOl'lllar uma vaga idéia sobre a pintura grega antIga e o servan o as
dCCOL1'ÕCSem cerâmica. Esses recipientes pinta os, con leCl os pc o nOllle 1
genérico ete vasos, destinav,1111 se mais amiúde a conter vinho ou azeite do ~ , i., If 1'-
'111<: flores. A pintllr: desses vasos tornou-se uma importante indústria em , ~'-"
Àrl·ILls. <: os llUlIlddcs :mítices empregados nessas oficil1JS estavam tâo !)./1J:-..J~ ,
:'i'V771"s'111:1111"os ,k-I11:lis :lrtist:ls por introduzir as mais recentes descobect&
,;~ S,'IIS Ir.d;llllus. N0S prill1L:irüs_lLasüs,-pÍ.ind-dG5-11.O,~é.::.:I1~L1.:_Ç-,-,~l.'i;L_
47
.-"lql/ilt'S (' .!UIIX.iI~l!mldll
damas, r. 540 a.C,
l~r':::~:1:~:):I~:;:::I)d~l'I~;::.g~~::.ski:ts;
:dtur:1 (,J em: MII~.·u Errusro,
Vaucuno
encontramos vestígios dos métodos egípcios
(Fig. 48). Vemos os dois heróis de Hornero.
AquiJes e Ajax, jogando dam'ls em sua renda.
Ambas as figuras ainda sào rigorosamente
mostradas de perfil. Seus olhos ainda parecem
ser vistos de fi-ente. Mas os corpos já não são
desenhados à m'1I1eiraegípcia, nem os braços I
e màos estao dlSpostos com a mesma clareza e~ i
rigidez antigas. O pintor tinha tentado, /, tll~~
o,bviamenre, imagil1Jr qual seria, na realidade, ~~~~~/, J','1,,_,1
1
o aspecto de duas pessoas colocadas fi"ente a I  •r
fi-ente. debrucadas sobre esse jogo. Já não JP() 'j:
receava mOstria- apenas uma pequena pane da t
mão esquerda de Aquiles, deixando o i'esto :1
escondido atrás do 0l1l ro. a nao ensava "
que tudo o que ele sabia estar ;di tinha
forçosamente que ser mostrado. Uma vez
quebrada essa alltJga regra, um.! vez que o
artista começou a apreender o que seus olhos
realmente viam, desencadeou-se uma
verdadeira avalancha. Os pintores fizeram a
maior de todas as descobertas -- a descoberta
do escorço. Foi um momento assombroso na
história da arte quando, talvez um pouco
antes de 500 a.C., os artistas se atreveram
ReJa primeira vez na história a pilltar unL]1L
tal como é visto de fi-ente. Nas milhares de
obras egípcias e assírias que chegaram até
nós, jamais acontecera algo assim. Um vaso grego (Fig. 49) mostra com
que orgulho essa descoberta foi adotada. Vemos um jovem guerreiro
vestindo uma armadura para a batalha_ Seus pais gue em cada um dos
lados, o ajudam e provavelmente lhe dão bons conselhos, ainda são
representados em rígido perfil. A cabeça do jovem 1]0 c~ntro também se
mostra de perfil, e podemos observar que o pintor tevl-' algulJla
d~e em ajustar a cabeça ao corpo, que é visto de fi'ente Também
o pé direito aJl1da foi desenhado da maneira "radronizada" mas o
e~uerdo Ja esta "escorçado"; vemos os cinco dedos disRQS.t.9s_comp~ullla
f!.leira de cinco pequenos círculos. Poderá I'arecer exagerado nos
alongarmos tanto nesse pequeno detalhe, mas ele realmente significou
que a velha arte estava morta e sendo enterrada_ Significou glleoJfiTsta
d'elxara de ter a pretensão de juntar tudo na pintura ~a forma mais
~1rajl]ente exphclta, passando a levar em conta o ângulo de onde ele via
o objeto. 13emao lado do pé, demOjlstrou o que pretendia. Desenhou o
escudo do Jovem, não na forma como poderíamosvê-loen-ln()~.s-,1._.
imaginação, ou st-:j;-:-mJj-übJetoredondo, ~)as ~-i~t~d~lado", encostado
-nlllTIJ parede. -'-'~"~-----_._"-:---'~-_.----7~--------'- "-_.__._-- --
----{>-G'-["~~~r-o: ~y~-~
'---~
49
A dC.'.I)Jedida di)
.1.!/II'rrcin1,
r. S IO-SnO ;l.C.
V,1S0 no estilo J~,"figur:ts
vermelhas", ;J~sill:.do ror
Eurimidcs: altura hO em;
Sta:lIlit:)w
Anrik~'lls~JlllnJllng~'1I uüd
Clyptutlwk. Munique
Mas, ao observar essa pintura, e também a anterior, nos apercebemos de
que as lições de arte egípcia não tinham sido simplesmente descartadas, de
uma vez. Os artistas gregos ainda procuravam fazer suas figuras COI11 os mais
nítidos contornos e incluir tantos conhecimentos sobre o corpo humano
quantos coubessem na pintura sem violentar a sua aparência. Ainda eram
amantes das linhas firmes e do plano equilibrado. Ainda não se dispunham a
todos os relances fortuitos da natureza, tal como os viam. A velha fórmula,
o tipo de formas humanas que se desenvolvera ao longo de tantos séculos,
continuava sendo o seu ponto de partida. Só que já não as consideravam
tão sagradas como antes em cada detalhe.
A grande revolução da arte grega, a descoberta de formas naturais e do
escorço, ocorreu numa ~poca que é, certamente, o mais assombroso
r.eríodo da história humana. É a época em que o povo das cidades gregas
começou a contestar as antigas tradições e lendas sobre os deuses, e a
investigar sem preconceitos a natureza das coisas. É o período em que a
ciência, tal C0l110 hoje entendemos o termo, e a filosofia despertam pela
primeira vez entre os homens, e desenvolvendo-se o teatro a partir das
cerimônias em honra a Dioniso. Não devemos imaginar, porém, que os
artistas dessa época estavam entre as classes intelectuais. Os gregos ncos que
administravam os negócios da sua cidade, gastando seu tempo em
intermináveis discussões na praça do mercado, e talvez até mesmo os poetas
e filôsofos, olhavam com sobranceria para os escultores e pintores, a quem
consideravam. pessoas de classe inferior. Os artistas trabalhavam com as
próprias mãos - e trabalhavam para viver. Passavam os dias labutando em
suas forjas, cobertos de suor e fuligem, ou como operários comuns em
pedreiras e canteiros, e por isso não eram considerados membros da classe
refinada. Contudo, sua participação na vida da cidade era infinitamente
superior à de um artífice egípcio ou assírio, porque a maioria das cidades
gregas, Atenas em particular, era de democracias em que a esses humildes
obreiros, alvos do desdém dos esnobes abastados, era consentido, no
entanto, participarem em certa medida dos assuntos de governo.
Foi no período em que a democracia ateniense atingiu o seu mais
elevado nível que a arte grega chegou ao apogeu. Depois de Atenas frustrar
a invasão persa, o povo, sob a liderança de Péricles, começou a reconstruir
o que os persas haviam destruído. Em 480 a.C., os templos situados no
rochedo sagrado de Atenas, a Acrópole, tinham sido incendiados e
saqueados pelos persas. Seriam agora construídos em mármore e com um
esplendor e nobreza jamais vistos (Fig. 50). Péricles não era esnobe. Os
autores antigos deixam entrever que ele tratou os artistas do seu tempo
como iguais. O homem a quem ele confiou o planejamento e o traçado
d~los foi o arquiteto retino, e o escultor gue iria modelar as fi~
dos deuses e supervisionar a decoração dos templos foi Fídias.
A fama de Fídias baseava-se em obras qll~jánão existem m;lis..J'v1as-.ê
importante, porém, tentar imaginar como elª-~s·eri.ª-!1!d)oisesquecemos
cpm excessiva fàcilidade a qual objetivo, nessa época, servia a arte grega.
Lemos na Bíblia como os profetas investiam contra a adoração de ídolos,
o que ]erenljas descrevia eram os ídolos da Mesopotâmia, feitos de {.
madeira e metais preciosos. Mas suas palavras aplicar-se-iam quase !
exatamente às obras de Fídias, produzidas apenas alguns séculos após a vida l' {'j)
do profeta. Quando visitamos as filas de estátuas de mármore branco da • , r»: _ ~j'J5
antiguidade clássica nos grandes IllUSCUS, esquecemos muitas vezes que
entre elas se encontram os ídolos de que a Bíblia tala: que ,]S pesso,ls oravam ~ ~
diante delas, que sacrifícios lhes eram oferecidos em meio a encantamentos, /, _,c)-,
e que milhares e dezenas de milhares de adoradores delas se aproximavam ---."-.' ~;;;~ r- ~
C0111 esperança e medo em seus corações - interrogando-se, como diz o ~I ~-~
profeta, sobre se aquelas est,íruas e ídolos n3'a seriam realmente os prQ]2liPs C/' ' .f
deuses. De tno, a razão pela qual Quase todas as estátuas Clmos'JS do unindo
antigo desapareceram foi que. <lpÓSa vitória do cristianismo, considerava-se
piedoso dever dcstmjr est<Ítqasdos denses.pagâcs As eSÇ.UJ.w.ra~os
museus são, na sua maioria, reproducões feitas no período romalliLp-aL'L..
. viajantes e colecionadores, levadas como SO/ll)enirs e decoracões para jardins
Cru banhos pÚblicos. Devemos ser muito gratos por essas réplicas, porque
pelo menos nos proporclOnam unD páhda ldela das famosas obras-pnm,ls
da arte grega; entretanto, se não usarmos a imaginação, essas fracas
imitações também podem causar muito dano. Elas sao responsavelS, em
grande parte, pela idéia generalizada de que a arte grega era inanimada, fiia,
insípida, e de que as estátuas gregas tinham aquela aparência pálida e o
olhar vazio que nos lembram obsoletas aulas de desenho.,A cópia romana
do grande ídolo de Palas Atena, por exemplo, que Fi(lias realizara ara o
seu santuário no artenon -Ig.. ,dificilmente causará forte impressão.
Devemos recorrer a antigas descrições e tentar imaginar como realmente
s~ria: uma gIgantesca Imagem de madeira, com uns 1] metros de altura, tão
alta quanto uma árvore, toda coberta de materiais preciosos ;]armadura
e as vestes de ouro, a pele de marfim. Havia também grande profusão de
cores fortes e brilhantes no escudo e em outras partes da armadura, sem
esquecer os olhos. que eram feitos de Redras colondas. O elmo dourado aa
deusa era cncirnado por gritos, e os olhos de uma enorme serpente
enrascada dentro do escudo também eram destacados, sem dúvida, por
refulgentes gemas. Devia ser uma visão fantástica, inspiradora de profundo
temor e reverência, quando alguém entrava no templo e, de súbito, via-se
diante dessa estátua enorme. Havia, por certo, um tom meio primitivo e
selvagem em algumas de suas características, algo que ainda ligava um ídolo
dessa espécie às amigas superstições contra as quais o profeta Jeremias
Ianra v.i SU<lS invectivas. Mas essas idéias primitivas sobre os deuses como
111:IS '111 geral 1.10 relacionamos ess.is palavras ;) I;)[os concretos. Existem
muitas passagens COIllOa seguinte, de jeremias (X. 3-5):
Os (OSfIIl//('.' dos ])(ll't'5 ,ia,) vaidadcs; 11 IIlall dl" anist« ((lrf,7 UIII IIlt1d/'il'tl do bo.q/lc, ((lJlJ {l IIItlchado,
Ad(lrJ/(l~.'(' coni pra:« {' O/t/'{l;.!lxa-o (011/ J)/"((!tli c Jlld/UI,l.-. Jh1r1111110.'(' drstonjunta«. ()s [dolos são
ferOS (11110 as polmci/'as, mas lIt1oJalt1lJJ; é PI'CrJSI) (r11T(~lí~/,1.i, pMquC 11110 atuimn, Nào os tcnutis,
pois "ao podcn. )~12:cr 11111/., c 111IlIjJtlllú) 1'0(/('1/1 .111':: tT bem,
51
Atl!('llIl Partlicnos,
c. 447-43" a.C.
CÓpi:l H)1ll:IlJ em m:irlll<Ht'
do oriuinul .1.' modciru. 1)11'11 .',!.
v m;lrli;n (I'ÍI;l l'nr Fídi;lS,
~:~~:::':);:'~~~l~:::~~:~;I~:~~;d, '~
Atenas 'I;'
52
Hévcules carregando os
ril/S, c. 470-460 a.C.
Eragrncnro de mármore do
T cmplo de Zcus em
Oltmpia. altura 15h em;
Museu Arqueológico,
Olimpia
dum nius L 'I'I'!WIS lJue hilllllllVilll1 1111 ('Nlllllil 1111111111111 1 ,"1" di _11 01
cara rcristica prin 11"1. Pnlns At.eIHI, I~d rOlllll ·111111" 11 111111111111 I' 11101111
11111,
era mais do que a mera iJ1HlCIIl 11.:uni d 'l!1l nlo, [l('I~H li' 11i~ • qUI'
conhecemos, a estátua tinha L1J1la lignidade <]11C tl':lIlmtilia 110 povo uiuu
idéia especial sobre o caráter e o significado d seu teus .s. A /.('111 dl'
Fídias era como um grande ser humano. Seu poder residia 111<.:11 S 'JJl
poderes mágicos do que na sua beleza. As pessoas por certo
compreenderam, na época, que a arte de Fidias outorgara ao pov da
Grécia uma nova concepção do divino.
As duas grandes obras de Fidias, a Palas Arena e a sua famosa estátua de
Zeus em Olímpia, perderam-se irremediavelmente, mas os templos onde
estavam ainda existem, e, neles, algumas das decorações feitas na época de
Fidias. O templo em Olímpia é o mais antigo; foi iniciado, supõe-se, por
volta de 470 a.C. e concluído antes de 457 a.C. Nos intervalos quadrados
(métopas) sobre a arquitrave estavam representadas as façanhas de Hércules.
A Fig. 52 mostra o episódio em que ele foi enviado a colher os frutos das
Hespéridas. Era uma tarefa que nem mesmo Hêrcules podia executar. Por
isso rogou a Atlas, que sustentava os céus em seus ombros, para realizá-Ia
por ele, e Atlas concordou, sob a condição de que, nesse meio tempo,
Hércules carregasse o seu fardo. Neste relevo, Atlas regressou com as maçãs
douradas e as entrega a Hércules, a quem vemos retesado sob sua carga
gigantesca. Atena, a ardilosa assistente de Hércules em todos os seus
trabalhos, coloca uma almofada no ombro dele para suavizar a penosa
tarefa. Em sua mão direita, ela manteve outrora uma lança de metal. A
história é contada com maravilhosa simplicidade e clareza. Sentimos que o
artista ainda preferia mostrar as figuras em atitudes sóbrias, de frente ou de
lado. Atena está olhando diretamente para nós, embora sua cabeça esteja
voltada para Hércules. Não é dificil pressentir nessas figuras a longa
influência das regras que regeram a arte egípcia. Mas sentimos que a
grandeza, a calma e a força majestosa da escultura grega também se devern.à
observância de antigas regras, embora elas então tivessem deixado de
constituir tão grande obstáculo, cerceando a liberdade do artista. A velha
idéia de que era importante mostrar toda a estrutura do corpo - suas
principais articulações, por assim dizer, para fazer entender como o
conjunto se mantinha unido e coeso - instigou o artista a continuar
explorando a anatomia dos ossos e músculos, e a formar uma imagem
convincente da figura humana, a qual permanece visível mesmo sob o
ondulado das roupagens. 125_fato, a maneira como os artistas gregos usar~m
as roupagens para marcar as principais divisões da anatomia do corpo
depuncla a importanCla que eles atribliíãi11:lo CoI11;'ecIm-énto a rãriTi:ã."É~
esse equilíbrio entre a adesão às regras e a liberdade' de criação apesar delas
qye faz com que a arte ~iccínt;nl~; ~ãõ-adiniracTã elllsecu]os
_subsegüentes. E é essa a razão_~1~9ualos artistas retomam
sistematicamente às obras::.p!:0:as da arte greg~_~:~~~JSca.!~~~ientaçãoe
mspiração.
I i
I
(-
,/'
53
AtIr~l?tI, c. 475 a.C.
Encomr;ld() c ru DdlilS;
bronz(', :llwra lHO em:
Museu AriJlll'~Jróg:iri), J)d(o.1
l2..Jipo dI: Ji'lIlwlJw ~JIJ..:W uu lU
gregos 10'1', m Ij'L'lI Lkl1C '1l1L'IJl~ soli 'iw lo~ 11
re;iliZ'll'pode tr-Ios ~.u.cL.1.d ' 'p.L!tt" 'iço:1l'
seus conhecimentos do corpo hurnnllo
eIII m oviIII ento lJ!lJ t('1lJ pkw:.0J.llD-'l..d e
Olímpia estava sempn' cercad.o-d.e-
est<Ítuasde atletas vitoriosos dedicadas.aos
deuses. Para nós, isso talvez pareça Ulll
estranho costume, pois não esp-eramos
por mais populares que sejam os nossos
campeões, ver ,1S suas imagens oferecidas
a uma igreja C0l110agradecimento por
lima vitória obtida. Mas as grandes
reuniões esportivas dos gregos, das quais
osJogos Olímpicos eram, evidentemente,
os mais célebres, tinham características
muito diferentes das nossas modernas
competições. Estavam muito mais
intimamente ligadas às crenças religiosas e
'105 ritos do povo. Os que pa11icipavam
de taisjogos não eram simples esportistas
- amadores ou pmfissionais -, mas membros das principais famílias da
Grécia, e os vencedores eram olhados com reverência, como homens a
ri quem os deuses tinham favor.ecido com o dom da invencibilidade. Era para
,~ descobrir sobre quem essa bênção da vitória recaíra que se celebravam
~. originalmente os jogos, e era para comemorar e talvez perpetuar esses sinais
'~-ye graça divina que os vencedores encomendavam suas estátuas aos mais
J [11110S0Sartistas do seu tempo.
~ Escavações em Olímpia puseram a descoberto um grande número de
pedestais em que elas deviam estar assentadas, mas as estátuas
~~vdesap,..a.l..eceram se.nd.o em su.J. n.1aioria fe.l·tasd..e bronze, o mais provável é
r . que fQs~em derretidas quando esse metal se tornou escasso na Idade Média.
Somente e;11Delfos foi encontrada u;l1a dessas estátuas, a figura de um
- auriga (Fig. 53), cuja cabeça mostramos na Fig. 54. Surpreende como ela é
Y diferente da idéia que em geral logo fom1al1los ao observar as cópias de que
. dispomos. Os olhos, que com tanta freqüência parecem vazios e
inexpressivos nas estátuas de mármore ou são cegos nas cabeças de bronze,
são destacados com pedras colorida; - como sempre eram naquela época.
Os cabelos, olhos e lábios são levemente dourados, o que transmite a todo
o rosto vivacidade e calor. E, no entanto, tal cabeça nunca parecia
rebuscada ou vulgar. Podemos concluir que o artista tinha a intenção de
imitar um rosto real, com todas as suas imperfeiçôes, mas a modelava a
partir dos seus conhecimentos sobre a forma humana. Ignoramos se o
auriga constitui um bom retrato - talvez não "pareça" realmente um
auriga real, no sentido em que entendemos hoje a palavra "parccenca".
54
MIIS • ,11111,('111 t'l IIVjl1 ~llL' dê um S~I' human , Ic maravilhosa
silllplidducl' • beleza.
I I'~S como essa, que nâo são sequer mencionadas pelos autores gregos
clás: j os, lembram-nos o que devemos ter perdido na mais famosa dessas
estátuas de atletas, como o "Discóbolo", do escultor ateniense Myron, que
provavelmente pertenceu à mesma geração de Fidias, Foram encontradas
várias cópias dessa obra, o que nos permite, pelo menos, formar uma idéia
geral de 'como ela seria (Fig. 53). O jovem atleta é representado no instante
em que está prestes a lançar o pesado disco. Ele dobra o corpo para adiante
e projeta o braço para trás de modo a poder lançá-lo com mais força, No
momento seguinte, vai girar e soltar o disco, sustentando o lançamento
com uma rotação do corpo. A atitude é tão convincente que os atletas
modernos a adotaram C0l110 modelo e com ela procuram aprender o exato
estilo grego de lançamento do disco. Mas isso se torna menos tãcil do que
seria.de esperar Eles se esquecem de que a estátua de Myron nªo é 0_
congelamento de uma cena de documentário cinematográfico de esportes,
mas uma obra de arte grega. De fato, se a observarmos mais
CJlicladosanwnre descobriremos que Myron logrou esse extraordinário
eleito de movimento através, sobretudo, de uma nova adaptação de
métodos artísticos multo antIgos. Se nos colocarmos dIante da 'estatua e nos 55
C ) 1 entrarmos a enas em seus C0l1tOI·110S.subitamente nos are os co Dístóbolo, r. 450,.C.
o a. < relacào (On1 a tradjcão da 3Jte e i cia. A sen1elhan a dos intores ~';lóE:.t!!~~:IJt::~;11~~ll~lnl;:.iI~;J(1rl'
caí cio M 'ron deu-n .as ::> • M'I'O';. ;llmril1:;5 çrn;!
" ". MI~I'o Nanonale Rlllll;UlO. ':, iel Ista lateral; tal como aqueles, tambem compos ;1 Imagem do corpo de Ito"", ,:."1
1111homem segundo os planos vIsuaIs malS caractenstlcos e suas partes. ~ ..:i
Mas, em suas mãos, essa velha e gasta fórmula tornou-se algo inte~rame'nte ~ ..••...l..JJy-c-tC~.' .•'.'.;'
dlferente. Em vez de combll1ar esses planos VlsualS na representaç;lO ~>.i
'i vincente de uma ose rígida, pediu a um mo e o rea que posasse ~ .~'i
n.aQueJa atitude e adaptou o de tal mo o gue nos C/aa 11l1pressJo drs-e-r a (j.Y.'p ;1::
representado exata de um corpo em movimento. Se isso correspom!e OlL K ,c'.
nfio ao movimento perfeito, mais adeguado e eficaz para lançar o disc<,?.  -r;
pouca importância tem. O que importa é que Myron conquistou o !).Pb ",.
movimento, tal como os pintores do seu tempo conquistaram o espaço. 'i,>,c',i,' ..I.I.•,'
De todos os originais gregos que chegaram até nós, as esculturas do ..
Partenon talvez reflitam essa nova liberdade da maneira mais digna de
admiração. O Parrenon (Fig. 50) foi completado uns vinte anos depois do
templo de Olímpia, e, nesse breve espaço de tempo, os artistas tinham
adquirido desenvoltura e fâcilidade cada vez maiores na resolução de
problemas de representação convincente. Ignoramos quem foram os
autores das decorações do templo, mas, como Fidias foi o autor da estátua
de Atena no santuário, parece provável que a sua oficina também tenha
fornecido as outras esculturas.
As Figs, 56 e 57 mostram fragmentos do extenso friso que corria em
toda a volta da parte superior interna do edificio e representava o desfile
anual durante a festa solene da deusa. Havia sempre jogos e exibições
esportivas no curso dessas festividades; uma das provas consistia na perigosa
51>
AIIf~I!I1, {. 440 a.C.
!}"(JJJll' do frise d,- mármore
do Pancnon: Ilrinsh
Muscum. Londres
proeza de conduzir um carro e saltar para fora e para dentro dele com os
quatro cavalos a pleno galope. Essa é a prova que se mostra na Fig. 56. No
começo, o observador poderá ter dificuldade em orientar-se nesse primeiro
fragmento, pois o relevo está seriamente danificado. Não só uma parte da
superfície está quebrada, mas desapareceu toda a cor, o que provavelmente
fazia as figuras se destacarem de forma brilhante contra um fundo
intensamente colorido. Para nós, a cor e a textura do mármore fino são
algo tão maravilhoso que jamais desejaríamos cobri-lo de tinta, mas os
gregos pintavam até seus templos com fortes cores contrastantes, como
vermelho e azul. Mas, por muito pouco que tenha restado do trabalho
original, vale sempre a pena, no caso de esculturas gregas, esquecer o que
desapareceu em troca da pura alegria de descobrir o que sobrou. A primeira
coisa que vemos em nosso fragmento são os cavalos, em número de quatro,
todos emparelhados. As cabeças e patas estão suficientemente bem
preservadas para nos darem uma idéia da mestria com que o artista logrou
mostrar a estrutura de ossos e músculos sem que o conjunto parecesse
rígido ou árido. Logo percebemos que deve ser também esse o caso das
figuras humanas. Podemos imaginar, pelos vestígios que restaram, com que
liberdade elas se movimentavam e com que clareza se destacavam os
músculos de seus corpos. O escorço já OJO apresentava grandes problemas
57
(:mlalo c (aJ!t1lâro,
(.440,.C.
Dt'!allw do friso dt' mármnrc
do Parrcnou: Bricish
MlIs~·urn.LtI!I!r~'~
I :WI o artista. braç com o escudo é desenhado com perfeita
desenvoltura, assim como o penacho esvoaçante do elmo e a capa enfunada
pelo vento. Mas todas essas novas descobertas não "descontrolaram" o
artista. Por mais que o entusiasmasse essa conquista do espaço e do
movimento, não sentimos que ele estivesse ansioso por exibir tudo o que
era capaz de fazer. Ainda que os grupos tivessem adquirido vida e
animação, nem por isso deixaram de ajustar-se bem ao arranjo de um
desfile solene que marcha ao longo da parede do edifício. O artista ainda
reteve algo da sabedoria do arranjo que a arte grega derivou dos egípcios e
do treinamento em padrões geométricos que tinha precedido o Grande
Despe.rta.r. É essa segurança manual que torna tão lúcido e "certo" cada ~~
detalhe do friso do Partenon.
odas as obras re as desse 'ande eriodo mostram essa sabedoria e qV .habilidade na distribuição dasfiguras, mas os ~os de então valorizavan}.~ I
ainda mais o L1to de que a recém-adquirida liberdade para representar o
corpo humano em qualquer pOS1caoou mOVlJllento podiaserü5TiZaãã para iZ?'
'efletir a vida interior das figuras representadas. Sabemos por um dos seus
iscí ulos ser isso o ue o ran e I 'aso o ocrates, que ora e e mesnio
treinado como escultor, exortava os artistas a L1zer.Deviam representar a
"atividade da alma", observando minuciosamente o moa'o como "os
, sentimentos afetam o corpo em ação".
. Uma vez mais, os artífices que pintavam vasos tentaram manter-se a par
dessas descobertas dos grandes mestres cujas obras se perderam. A Fig. 58
representa um comovente episódio da história de Ulisses: o herói volta para
casa após dezenove anos de ausência, disfarçado de mendigo, com um
bordão, alforje e tigela, e é reconhecido por sua velha ama, que descobre
na perna dele a cicatriz de um velho ferimento quando lhe lavava os pés. O
artista deve ter ilustrado uma versão algo diversa da de Hornero (onde a
ama tem um nome diferente do inscrito no vaso e Eurnaios, o guardador
de porcos, não está presente); talvez ele tivesse visto uma representação
teatral em que essa cena era interpretada, pois lembramos ter sido também
nesse século que os dramaturgos gregos criaram a arte do Teatro. Mas não
precisamos do texto exato para sentir que algo dramático e comovente está
acontecendo, pois a troca de olhares entre a ama e o herói quase nos diz
mais do que as palavras poderiam dizer. De fato, os artistas gregos tinham
dominado os meios de transmitir um pouco dos sentimentos mudos
existentes entre as pessoas.
t essa capacidade de nos revelar "a atividade da alma" na P,<:lstura.,do
corpo que converte uma simples lápide como a da Fig~..2..Jl1!..I.lliLgJ:aUde _
obra de arte. O relevo mostra Hegeso, que está sepultada sob a lápide, tal
c era em vida. Uma 'ovem serva, em pé, diante dela, oferece-lhe um
estojo do qual Heg~_J>irece escolher llllla..I01a. ' uma cena tranqui a que
poderíamos comparar com a representação egípcia de Tutankhamon em
seu trono, com a esposa ajustan(h;:The';gos-(p~69:Fíg~-42 . Tamoérna---
obra egípcia é maravilhosamente clara em seus contornos, mas, apesar do__ o . ._.,... ~
58
Uíisses reconhecido pM
sua vcllia 11I/M,
século V a.C.
Vaso no csrilo de "{jgllr;ls
vermelhas": nltura 205 em;
Musco A1Cblo
olog-il'o
Nnzionnlc, Cluu,j
S9
Pcdrll /li/I/111m' de
Hcycso, r. 4()O o.C.
M;;I"JI1H('. nltum J'17 em:
MlI~(·lI Arqu('olúgirl)
N:n:I!!I.11. Atenas
Oficina de um escultor
g;,go, c. 480 ..c.
Cena do lado inferior de U!Jl;1
laça no estilo de "fi~lras
vermelhas"; ànqllrrd'I::t
fundição de bronze com
C~bOÇ05 na parede; ,i direi/a:
homem trabalhando numa
csrárua sem c;lbC'Çl. estando
esta no chão: diámcrro
30,S em; Anrikcnsarumlung.
Sraarliche Musccn. Bcrlim
fato de datar de um período excepcional da arte egípcia, é bastante rígida e
afetada. O relevo grego desfez-se das embaraçosas limitações mas reteve a
lucidez e a beleza do arranjo, o qual deixou de ser geométrico e angular
para se tornar livre e descontraído. O modo como a metade superior é
emoldurada pela curva dos braços das duas mulheres, a maneira como essas
linhas são replicadas pelas curvas do escabelo, o método simples pela qual a
bela mão de Hegeso converte-se no centro de atenção, o ondear das vestes
que envolvem as formas do corpo, tão expressivas de um momento de
calma - tudo se combina, enfim, para produzir aquela harmonia simples
que só veio ao mundo com a arte grega .do século V.
•
o IMPÉRIO DO BELO
/:I Grécia e " inundo <~reg.o:séculos 1V a. C. a 1 d. C.
o grande despert,)r da arte para a libel'd;ide tinha ocorrido nos cem anos
entre, aproximadamente, 5')0 e 420 a.c. Em tlna{s do séc-uiüYJ.c.:Os
artistas já haviam adquirido plena consciência de seu poder e mestria, e o
mesmo se passava com o público. Embora os artistas ainda fosse;l olhados
.como meros artlÍlces e, talvez, desprezados pelos esnobes, um número --
crescente de pessoas começou a se interessar pelo trabalho deles como obras
de arte, e não apenas por suas funções religiosas ou políticas. As pessoas
compararam os méritos das várias" escolas" de arte; quer dizer, dos vários
métodos, estilos e tradições que distinguiam os mestres em diferentes
cidades. Não há dúvida de que a comparação e a competição entre essas
escolas estimularam o artista para esforços sempre maiores e ajudaram a
criar aquela variedade que admiramos na arte grega. Em arquitetura, vários
estilos começaram a ser usados simultaneamente. O Partenoll fora edificado
DO estilo dórico (p. 83 Fig. 50), mas, nos edificios ulteriores da Acrópole,
, foram introduzidas as formas do chamado estilo jônico. 9~ípio que
presidiu à construção desses templos foi o mesmo dos dÓlicos, -mas, emseu
todo, a aparência e o caráter acabam sendo diferentes. O edificio que
mostra isso com o máximo de perfeição é o templo chamado Erecteion
(Fig. 60). As colunas do templo jónico são muito menos maciças e fortes.
São como hastes mais esguias, e o capitel ou remate da coluna deiX;i""ãe"Ser
mJJa simples almofada sem ornatos para tornar se ncamente decorada, com
volutas laterais; estas outra vez parecem expressar a função da parte que
sustentaa vig;! tpnsversal onde o telhado a~~çnta. A impressão global desses
edifkios, com seus detalhes hnam~nte lavrados, e de mÍlmta graclOsldade e
leveza.
A mesma característica de graça e leveza marca a escultura e a pintura
desse período, que começa com a geração seguinte à de Fidias. Atenas,
durante essa época, esteve envolvida numa cruenta guerra com Esparta, a
qual pôs fim à sua prosperidade - e à da Grécia. Em 408 a.c., durante um
breve intervalo de paz, uma balaustrada entalhada foi acrescentada ao
pequeno templo consagrado à deusa da vitória na Acrópole, e suas
esculturas e ornamentos mostram a mudança de gosto, no sentido da
delicadeza e do refinamento, que também se refletem no estilo jônico. As
tlguras foram deploravelmente mutiladas, mas eu gostaria, não obstante , de
ilustrar uma delas (Fig. 61), a fim de mostrar como ainda é bela essa tlgura
destroçada, mesmo sem cabeça e sem as mâos. É a figura de uma jovem,
uma das deusas da vitória, inclinando-se para atar uma sandália que se lhe
afrouxou enquanto caminhava. Com que supremo encanto essa parada
súbita é retratada, e com que suavidade e opulência a túnica diáfana cai
sobre o belo corpo! Podemos ver, nessas obras, que o artista será capaz de
fazer tudo o que quiser. Já não tinha a menor dificuldade em representar o
movimento ou a perspectiva. Sua própria mestria, seu virtuosismo, talvez o
tornassem algo presunçoso. O artista do friso do Partenon (pp, 92-3, Figs.
56-7) não parecia levar em grande conta a sua arte ou o trabalho que estava
realizando. Cumpria-lhe a tarefa de representarum desfile, e ele se esforçou
laboriosamente por representá-lo tão nitidamente quanto podia. Não creio
que estivesse muito consciente do fato de ser um grande mestre, de quem
velhos e moços, indistintamente, ainda estariam falando milhares de anos
depois. O friso do templo da Vitória mostra-nos, talvez, o início de uma
mudança de atitude. O artista revelava-se agora orgulhoso do seu imenso
p,oder, e era perfeitamente justo que assim estivesse. E assim, gradualmente,
iJurante o século IV o enfo ue da arte sofi-eu uma rnudança. 7'i:sestatuas ele
deuses de Fidias tinham ficado famosas em toda a Grécia como
J~epresentações dos deuses. As estátuas dos grandes templos do século IV
'anjearam reputação mais em virtude da sua beleza como obras de arte. Os
grq,'os educados ISClltJamagora pmturas e estatuas como uiscunam
poemas e teatro; elogiavam sua e eza ou cntICavam sua arma e
.concepção.
4 4.
60
61
Deusa da vitória,
408 a.c.
De urna balaunrada cru torno
do Templo da Vuória '111
A[l'Jla~: mánnore , almra
106 em; Museu (.1.1Acrópolc,
At~nas
.2
Praxitclcs
Hcnncs (011I (I jCJP/'/Il
Dioniso, r. .34'0 a.C.
Mármore, ahurn 21.1 em:
11l1s'1I Arqtlt'ológI(ll,
Olirnpia
IlHlln 111[ ti t11.M ~ 11111.
Pl'IIXIlC] '. '1' ~ li '~Id) '1 I11 • 1' li.
fascínio de su: 1'0. 1 do~ 1I1'U I' I)
caráter insinuante de SUfl,1 C!ill' •
Seu trabalho mais f:. rn s , IIj()
louvor foi cantado em muitos
poemas, representava a deusa do
Amor, a jovem Afrodire entrand n
seu banho. Contudo, essa obra
desapareceu. Supõe-se que urna
estátua descoberta em Olimpia no
século XIX seja um original saído de
suas mãos (Figs. 62-3). Mas não
podemos ter a certeza. Pode ser
apenas uma cópia fiel, em mármore,
de uma estátua de bronze.
Representa o deus Herrnes
segurando o jovem Dioniso em seu
braço e brincando com ele. Se
olharmos de novo, na p. 79, para a
Fig. 47, veremos que enorme
distância a arte grega percorreu em
duzentos anos. Na obra de
Praxíteles, todos os vestígios de rigidez desapareceram. O deus ergue-se
diante de nós numa postura descontraída que, contudo, não prejudica a sua
dignidade. Mas se meditarmos um pouco sobre o modo como Praxíteles
obteve esse efeito, começaremos a entender que nem mesmo então fora
esquecida a lição da arte antiga. Praxiteles também se preocupa em mostrar
as articulações mais importantes do corpo para nos fazer entender o seu
funcionamento com a maior clareza possível. Mas agora pode fazer tudo
isso sem manter sua estátua como uma figura hirta e inanimada. Pode
mostrar os músculos e ossos que se distendem e se movem sob a pele
maciav.e dar a}P'lpressão de un}Ç.Qrpoestll'lme de vitalidade, em plena
graça é beleza. Ent!'etaqto cumpreentêÔde'r quI" Praxíteles e os antros
artistas gregos alcancaram esse grau de beleza através do conhecjmento
I;São existe COll'0 humano que seja tão simétrico, tão bem-construído e
belo quanto o das estátuas gregas. As pessoas pensam fregÜentemente que o
ipétodo empregado pelos artistas consistia em observarem muitos corpos e
deixarem de fora qualquer característica que não lhes agradasse; que
,..cGmeçavam cop1al1do meticulosamente a aparência de um homelTl-;:;;l e
depois o embelezavam, omitindo qualquer irre ularidade ou tra o ue mo
se 1armOIllzasse com a idéiade um COlpOperfeito Mujt~
artistas gregos "idealizaram" a natureza e gue a conceberam em termos de
um fotógrafo que retoca um retrato eliminando pequenos defeitos. Ocorre,
'n? entanto, que uma totograba retocaaa e uma estátua idealizada carecem
usualmente de caráter e vi or. Tanta coisa fica de fora e tanta é 1'1'1 a
63
-
que pouco restará além de um pálido e insípido espectro do modelo. O
enfoque grego era, na realidade, exatamente o oposto. Durante todos esses
séculos, os artistas que estivemos analisando se empenhavam em insuflar
cada vez mais vida nos corpulentos modelos antigos. Na época de
Praxireles, esse método produziu seus Iruros mais maduros. Os velhos tipos
começaram a se mover e a respirar sob as mãos do hábil escultor, e
erguem-se diante de nós como seres humanos de verdade, mas, ao mesmo
tempo, como seres de um mundo diferente e melhor. São, de fato, seres de
um mundo diferente, não porque os gregos fossem mais sadios ou mais
belos do que outros homens - não há qualquer razão para pensar que
fossem -. mas porque a arte, nesse momento, atingira um ponto em que o
típico e o individual eram colocados num novo e delicado equilíbrio.
6.
Apolo do Bclvcderc.
r. 350 a.c.
Cópi:l romana 1.'111Ill:irlllort'.
segundo uma <:~{átu;l gr"~J
original. alcura 2:24 em:
Mnsco Pio Cl<'!lKmiIlO,
Vaticnno
65
VêlJlJS de Ali/o,
c. 200 a.c.
Mármore,
Jhura202: em;
Louvre, Pari}
MlllrlN dll! (11 IIOHIIHIIIIIU tlilllllll
CJ. S ,j a jll I1.ll'llllldllJiIIIt!i1 ('111
épo 'as r' 'IU'S CUIII "I""" ('IIIIIIVIl!
de criaturas humanas pc!'l"itoN SI 11
cópias ou variantes de estámas
produzidas em mead s do sé ul ) IV
a.c. O Apelo do Belvcdere (Fig. l4)
mostra o modelo ideal do corpo de UI1I
homem. Quando o temos diante dos
olhos, em sua impressionante pose,
segurando o arco no braço estendido e
com a cabeça de lado, como se
estivesse seguindo com a vista a
trajetória da flecha, nào temos
dificuldade em reconhecer o tênue eco
do antigo esquema em que a cada
parte do corpo el-a dado o seu mais
característico plano visual. Entre as
famosas estátuas clássicas de Vênus, a
Vênus de Milo (assim chamada porque
a encontraram na ilha de MeIos) talvez
seja a mais conhecida (Fig. 65).
Pertenceu provavelmente a um
conjunto de Vênus e Cupido realizado
num período algo mais recente, mas
que usou as inovações e os métodos de
Praxíteles.Foi idealizada para ser vista
de lado (Vênus estendia os braços para
Cupido), e podemos, uma vez mais,
observar a clareza e a simplicidade com
que o artista modelou o belo corpo, o
modo como assinalou as suas principais
divisões, sem se tornar jamais
desarrnonioso ou indefinido.
É claro que esse método de criar
beleza realizando uma figura geral e
esquernática que se torna cada vez mais
real, até a superfície do mármore
parecer animar-se de vida e respirar,
tem um inconveniente. Era possível
criar tipos humanos convincentes por
esse meio - mas tal método levaria
alguma vez à representação de seres
humanos, em sua individualidade e
permanência? Por estranho que nos
pareça, a idéia de um retrato, na
;I('~p,::i() eru 'JllL' se 1l~;1 hoje' :1 palavra, SÓ viria a ocorrer aos gregos já em
fins do século IV.. É cerro 11:1'er notícia de retratos feitos em épocas
anteriores (pp. 1-;9-90, Fig. 54). mas essas estátuas não eram provavelmente
reprcsenraçóes muito íié'is. O retrato de um general pouco mais era do que
a imagem de qualquer soldado de boa aparência, com um elmo e um
bastão de comando. O artista nunca reproduzia o formato do nariz, as rugas
da testa ou a expressão específica do retratado. É um fato estranho, que
ainda não examinamos o bastante, terem os artistas gregos, nas obras que
vimos, evitado dar às cabeças uma expressão particular. Isso é ainda mais
surpreendente, na verdade, do que parece à primeira vista, pois é quase
impossível rabiscarmos o mais simples rosto numa folha de papel sem lhe
imprimir alguma expressão especial (usualmente, uma expressão divertida).
As cabeças de estátuas ou de pinturas gregas do século V não são
inexpressivas, é claro, no sentido de parecerem opacas ou vazias, mas suas
feições nunca parecem demonstrar qualquer emoção forte. Era o corpo e
seus movimentos que esses mestres usavam para expressar o que Sócrates
chamou "a atividade da alma" (pp. 94-5, Fig. 58), porquanto pressentiam
que o jogo fisionómico iria distorcer e destruir a simples regularidade da
cabeça.
Na geração que se seguiu à de Praxíreles, em fins do século IV, essa
limitação desfez-se gradualmente, e os artistas descobriram meios para
animar as feições sem lhes destruir a beleza. Mais do que isso: aprenderam
como captar a atividade da alma de um indivíduo ou o caráter peculiar de
uma fisionomia, e como fazer retratos na acepção atual da palavra. Foi na
época de Alexandre que as pessoas começaram a discutir essa nova arte do
retrato. Um autor desse período, satirizando os hábitos irritantes dos
aduladores e subservientes, menciona que eles sempre explodem em
sonoros elogios à impressionante parecença dos retratos de seus benfeitores.
O próprio Alexandre preferia ser retratado por seu escultor palaciano,
Lisipo, o mais celebrado artista da época, cuja fidelidade ao natural
espantava os seus contemporâneos. Pensa-se que o seu retrato de Alexandre
está refletido numa cópia livre (Fig. 66) que nos mostra até que ponto a
arte tinha mudado desde o tempo do auriga délfico, ou mesmo desde o
tempo de Praxireles, que era apenas uma geração mais velho do que Lisipo.
É claro, o 'problema com todos os retratos antigos é que realmente não
podemos nos pronunciar sobre a sua parecença com os retratados - muito
menos, de fato, do que o adulador na história. Talvez se pudéssemos ver
uma foto de Alexandre descobríssemos que ele era muito diferente do
busto. Possivelmente, as estátuas de Lisipo assemelhavam-se muito mais a
um deus do que ao conquistador da Ásia. Mas podemos afirmar sem o
menor constrangimento: um homem como Alexandre, espírito inquieto,
imensamente talentoso mas algo pervertido pelo sucesso, poderia parecer-se
com esse busto, com seu supercílio altivamente erguido e sua expressão
vigorosa.
A fi.mdação de um império por Alexandre foi um evento sobremodo
importante para a arte grega, que depois de ser divulga da em meia dúzia de
6(,
Cabeça. di' AI.:x(1fuirr (l
Crondc,
c. 325-300 '.C.
Cópia (1(, mármore segundo
origina] de Lisipo. alwr:l
,,! em; MU.C'll An]u{"()16(ricu,
Isrambul

4,
pequenas cidades se
Converteu na linguagem
pictórica de quase meio
mundo. Essa mudança
estava fatalmente destinada
a afetar o seu caráter.
Referimo-nos usualmente
a essa arte do período
subseqüente não como
arte grega, DIas como arte
helenística, por ser esse o
nome comumente dado
aos impélios fundados
pejos sucessores de Alexandre em solo oriental. As cidades mais importantes
desses impérios, AJexandria no Egito, Antioquia na Síria e Pérgarno na Ásia
Menor, fizeram aos artistas exigências diferentes daquelas a que estavam
habituados na Grécia. Mesmo na arquitetura, as formas simples e robustas
do estilo dórico e a graça natural do estilo jônico não eram bast<ll1tes.Deu-
se preferência a uma nova forma de coluna, a lIal tinha sido inventada no
J ' V e denominada em home O'.m à lica cida e e em no
e Corinto Fi . 67 . No estilo codntio, foi adicionada folhagem
às volutas es iraladas 'ônicas ara decorar o ca itel, e havia em geral
Çlmamentos mais numerosos e mais ricos em todo o edificio. Esse modo
ll!xuoso ham10nizava-se com as suntuosas construçoes que oram
~seminadas em vasta esca a pe as recem- undadas cIdades d eM/lte
Próximo. Poucas entre elas foram reservadas, mas o que resta de períodos
subseqüentes dá-nos uma impressão de grande magnificencia e esp en oro
Os estilos e invenções da arte grega foram aplica os a esca a gran iosa os
reinos orientais, de acordo com as suas tradições.
Afirmei que a arte grega estava fadada, como um todo, a sofrer unia
profunda mudança no período helenístico. Essa J11udança pode Ser
observada em algumas das mais famosas esculturas dessa era. Uma delas é
um altar proveniente da cidade de Pérgamo, erigido cerca de 160 a.c. (Fig.
68). O grupo representa a luta entre os deuses e os gigantes. É um trabalho
SUntuoso, mas procura-se debalde a harmonia e o refinamento da anterior
escultura grega. O artista pretendeu, obviamente, obter fortes efeitos
teatrais. A batalha desenrola-se com terrível violência. Os desajeitados
gigantes são esmagados pelos deuses triunfante] e olham para o alto num
frenesi de agonia. Tudo está repleto de movimento desordenado e vestes
esvoaçantes. Para tornar o efeito ainda mais impressionante, o relevo
deixou de ser achatado Contra o plano de fundo para se compor de figuras
quase soltas, as quais, em sua luta, parecem transbordar para os degraus do
altar como se pouco lhes importasse saber a que lado pertenciam. A arte
helcnística adorava tais obras tumultuosas e veementes; desejava ser
impressionante ... c impressiollallte por certo era.
4 4,
6Z_
C,lpircl "ror/mio",
c. 300 a.c.
Ml1~I'(l Ar-Jlll'n]úg-i"ü.
Epi,burtl
68
O 11"111' de ZI'/(. di'
Pét/;!,JI/JO,
(. J 6,-1 56 a.C.
M;irlllor~';
POf;~m()IlIllU~I·lIIJ1. Sr;l;lrljç]ll'
[Vlll~t't·ll. 13,'r1iJll
69
Hagcsandro,
Atcnodoro e Polidoro
de Rodes
LUlCOOllfC l' seusfiíhos,
c. 175-50 a.c.
Minnorc. ahurn 242 em:
MUSl:o Pio Clcmcnono.
V:UiC~110
Algumas da, obras da escultura IÃssicn que ri 'slhlLíI 1'11111dt, illilJ(l1111111>1
em épocas ulteriores for:1111criadas durante perlod iJL'1'n li ),( 1111111111
o grupo de Laocoonre (Fig. 69) foi descoberto em 1506, S 'li t:li'ito td1l-dt'O
causou profundo impacto emocional nos artistas e amantes Ia art ,
grupo representa a terrível cena que é também descrita na Eucida, de
Virgílio: o sacerdote troiano Laocoo nre advertiu seus compatriotas 1':11"<1n}iu
aceitarem- o cavalo de madeira onde se escondiam os soldados gregos. s .
deuses, vendo contrariados os seus planos de destruição de Tróia, enviaram
duas gigantescas serpentes-da-mar que envolveram o sacerdote e seus dois
infelizes filhos em seus anéis e os estrangularam. É uma das histórias de
absurd; crueldade perpetrada pelos deuses olímpicos contra pobres mortais,
muito freqüentes nas mitologias gr.ega e latina. Gostaríamos de saber CCHno
a história impressionou o artista grego que concebeu esse comovente
grupo. 'Desejaria ele que sentíssemos 'O horror de limá cena em qlié' uma
vítima inocente sofreu por ter falado a verdade? Ou pretenderia, ,
principalrnenre, exibir o seu próprio poder de representar uma luta
aterradora e mesmo sensacional entre o homem e a besta? Ele tinha todas as
razões para se orgulhar da sua habilidade. A maneira como os músculos do
tronco e dos braços transmitem a idéia de esforço e sofrimento na luta
desesperada, a expressão de-dor no rosto do sacerdote, as contorções ,
impotentes dos dois rapazes, e o modo como todo esse movimento e
agitação foram imobilizados num grupo permanente, tudo isso contribuiu
para a admiração contínua que a obra suscita desde então. Mas não posso
deixar de suspeitar, algumas vezes, de que essa era uma arte cuja intenção
consistia em atrair um público que também se deleitava no horrível
espetáculo das lutas de gladiadores. Talvez seja errôneo recriminar o artista
por isso. O fato é que provavelmente nessa época, o período do helenismo,
a arte já perdera em grande parte suas antigas vinculações com a magia e a
religião. Os artistas passaram a interessar-se pelos problemas do seu oficio
em termos de arte pela arte, e a dificuldade de como representar tão
dramática luta com todo o seu movimento, fulgor e tensão era justamente
o gênero de ral'efáque testari? a habilidadede um artista. Os acertos ou
erros do destino de Laocoonte podem não ter sequer ocorrido ao espírito
do escultor.
Foi nessa época, e nessa atmosfera, que as pessoas ricas começaram a
colecionar obras de arte, mandando fazer cópias das mais famosas se não
pudessem obter as originais, e pagando preços fabulosos pelos originais que
pudessem adquirir. Os escritores começaram a interessar-se por arte e a
escrever sobre as vidas dos artistas, colecionaram anedotas sobre suas
excentricidades e compuseram guias para visitantes. Muitos dos mestres
mais famosos entre os antigos eram pintores e não escultores, e nada
sabemos a respeito de suas obras, salvo o que encontramos nos excertos de
livros de arte clássica que chegaram até nós. Também sabemos que esses
pintores estavam mais interessados nos problemas especiais de seu oficio do
que em pôr sua arte a serviço de uma finalidade religiosa. Ouvimos de
mestres que se espc ializararn em temas iJlSp.il'~d)S lal vidn .oudlaun, qUI'
pintaram barbearias ou cenas de peças teatrais, 111~St das essas pintums H'
perderam. A única maneira pela qual podemos formar alguma idéia sobr
caráter da pintura antiga é observando os trabalhos murais e os mosaicos
descobertos em Pompéiae em outros lugares. Pornpéia, uma cidade de
veraneio habitada por famílias abastadas, foi sepultada sob as cinzas do
Monte Vesúvio quando se deu a erupção em 79 d.e. Quase todas as casas e
uillas nessa cidade tinham pinturas murais, colunatas e galerias ilustradas,
imitações de quadros emoldurados e de cenários para palcos teatrais. Nem
todas, essas pinturas são, obviamente, obras-primas, embora surpreenda ver
o gral;de número de bons trabalhos numa cidade pequena e de importância
relativamente pequena. Dificilmente faríamos tão boa figura se uma das
nossas estâncias de veraneio de qualquer litoral viesse a ser escavada pela
posterioridade. Os decoradores de interiores de Pornpéia e cidades vizinhas
como Herculaneum e Stabiae desenhavam livremente, apoiando-se, é
claro, no acervo de invenções dos grandes artistas helênicos. Entre muita
coisa trivial, descobrimos às vezes uma figura de requintada beleza e
elegância, como a Fig. 70, que representa uma das Horas colhendo uma
flor como se executasse uma dança. Ou surpreendemos detalhes como a
cabeça de um fàuno (Fig. 71), proveniente de outra pintura, que nos
propiciam uma idéia da mestria e da
liberdade que esses artistas haviam
adquirido ao manipular a expressão.
Quase todas as espécies de
elementos suscetíveis de participarem
de pintura serão encontradas nesses
murais decorativos: bonitas naturezas-
mortas, por exemplo, como dois
limões num copo de água, e cenas
mostrando animais, Até pinturas de
paisagem existiam ali. Talvez tenha
sido, essa a maior inovação do período
helenisrico. A antiga arte oriental não
tinha uso algum para as paisagens,
exceto como moldura para as cenas de
vida humana ou de campanhas
militares. Quanto à arte grega, ao
tempo de Fídias ou de Praxiteles, o
homem continuou sendo o tema
principal do interesse do artista, No
período helenístico, a época em que
poetas como Teócrito descobriranl o
encanto da vida simples entre pastores,
os artistas tentaram também evocar os
prazeres da existência campestre pJLl
70
DC1Ilz('/il(c11lIt'lufojl0f('s,
sé-culo I d.e.
Decilhc di' pinmra mural de
St;loi;l~': Museu A,.,hl'o]o!-:i,'l
N;lzinll;lk, N;il'.lk~ .
7J
Cilbc(a de rUII}lIH/O,
século II s.c.
Dcralhc dcurn mural
proveniente til,
H('rcu!ant'Ulll: Mus •.-o
Arcbcologic c N:IZioll;,IC'.
Nápoles
'2'
os refinados habitantes das cidades. Essas pinturas não são vistas reais desta
ou daquela casa de campo ou de bonitas paisagens. São, antes, coleções de
tudo o que constitui uma cena idílica, pastores e rebanho, rústicas ermidas,
palacetes e mon tanhas distantes (Fig. 72). Tudo estava encantadoramente
disposto nesses quadros, e todas as peças componentes se apresentavam em
seus melhores e mais favoráveis aspectos. Sentimos realmente estar olhando
para uma cena de profunda serenidade. Não obstante, mesmo essas obras
são muito menos realistas do que poderíamos pensar à primeira vista. Se
começássemos a fazer perguntas embaraçosas ou tentássemos desenhar um
mapa da localidade, não tardaríamos em descobrir que isso era impossível
de fazer. Ignoramos que distância existirá entre o pequeno santuário e o
palacete, e se a ponte está perto ou longe do santuário. O fato é que
mesmo os artistas do período helenístico desconheciam o que chamamos de
leis da perspectiva. A famosa avenida de choupos, que se afasta até um
ponto de fuga e que muitos de nós desenhamos na escola, não constituía
então lima tarefa rotineira. Os artistas desenhavam mais pequenas as coisas
distantes te maiores as coisas mais próximas ou importantes, mas a lei da
rec!uç3o regubr de objetos ~ medida que se distanciam, o enquadramento
lixo ClIl qll" I'"d,''')o, representar uma paisagem, não eram adorados pela
72
Paisagem,
século I d.e.
Pintura mural; Villa Albani.
Roma
ESCIIlror gn:~o
lraúalhalldo,
século I <t.C.
GI~I,;'Ição de H11;'l gClIl:
hcleuisrica: 1,3 X 1.2 em:
Merropotiran MU.'CUlll of
An, Nova York
antiguidade clássica. Com efeito, mais de mil anos transcorreriam antes que
a lei passasse a ser aplicada.iAssim, mesmo as obras mais recentes,
inovadoras e presunçosas da arte antiga preservam ainda, pelo menos,.um
remanescente do princípio que discutimos em nossa descrição da pintura
egípcia. Mesmo aqui, o conhecimento do contorno característico de cada'
objeto ainda contava tanto quanto a .impressâo real recebida pelos olhos.
Reconhecemos há muito tempo que essa qualidade em obrasde arte nàó
constitui um defeito a ser lamentado e olhado com desdém, mas que é
possível ~ltingir a perfeição artística dentro de qualquer estilo. Os gregos
romperam os rígidos tabus do primitivo estilo oriental e empreenderam
uma viagem de descoberta a fim de acrescentarem às imagens tradicionais ..
cio mundo uma quantidade cada vez maior de características obtidas através
da observação. Mas suas obras nunca se parecem com espelhos onde se
refletem todos os recantos, ainda os mais insólitos, da natureza. Elas
ostentam sempre o cunho do intelecto que as criou.
- - -------_.~~ ~~~~---""'--"===----"-""===-""'--""===~----"-""===~~-----===----=-===--~~----=~~-----==-=---=--===-=-~-
-~--~--~
A HISTÓRIA DA ARTE
E, H, Gombrich
5
CONQUIstAt)OIUS DO 'MUND
Romanos, budistas, judeus e cristãos, séculos 111 I V d. C,
16." edição
r;fC
Vimos gúe POI1lPéia, uma peQuena cidade romana c()ntjIlha numerosos
.reflexos da atte heleqís.ticl Com efeito, a arte permaneceu mais ou menos
inalterada enquantoos romanos conquistavam O mundo e fundavam Seu
próprio império sobre as ruínas dos reinos helênicos. A maioria dos artistas
que trabalhavam em R,olíla era greg:I, e à maioria dos colecionadores
romanos adquiria obras dos ~randes mestres gregos ou cÓpias dessas obras,
Não obstante, em certa medida, a arte mudou, quando Roma se tornou .>( .•....•
senhora do mundo', Aos artistas fórarn confiadas diferentes tarefas, c eles ~r .,
tiveram, por conseguinte, que se adaptar .I0S novos métodos, A maIs! 'rJ
e-
notável realizaç;10 dos romanos ocorreu, provavelmente, na área ela ~~ V
engenharia civil. Conhecemos tudo sobre as suas estradas, os seus ~''l,
.-J!9}ledutos, os seus b~nhos públicos. Mesmo as ruínas dessas construções V..
conserval,H ainda hoje urn aspecto sobremaneira impr~ssiollante, Sentimo- ()- ~
nos formIgas quando call11l1hamosentre os enormes pIlares romanos, De .~ .:
fato, foram essas ruínas que tornaranl impossível às gerações seguintes ~ 'O , .iP
esq,llecer "') gr'J1Jfieza de ROI11a". V !
O mais famoso desses cd5ficios é. talvez. a giljalitesca àrena conhecida ,t:, _vl'
como o Coliscu (fig, 73), E uma característica construção romana, a qual -...sS)Y .•.. :
suscitou muito admiração em épocas subseqüentes, Em seu todo, constitui
uma estrutura utilitária, com três ordens de arcos sobrepostos, destinados a
sustentarem os assentos do vasto anfiteatro i,nterior.,.M'IS, na frente desses
arcos. o arquiteto romano coloco%ullla espécie de cortina de tornm q.~
gregas, Na verdade, ele ilplicou to os o~ trÇj "sei 1m dI' constrllç~o usados ., p9
para ostemplos gregos, O andar térreo ç uma variaçào elo I;:stilodórico, V
sendo conservados inclusive as méropas e os triglifos; O segundo andar é ~ .!
jõ..!!i.co,e o terceiro e o quarto são meias colunas córíntias, Essa combinaç:lo;~
de cstrutllras romanas com tormas ou "ordens" ' ~ zia
enorme so re os arquitetos posteriores, Se passarmos os olhos pelas nossas
próprias cidades, poderemos t:Jcilmente encontrar exemplos de tal
influência,
Talvez nenhuma dessas criações arquitetõnicas reli/Ia cauâac!o ir. Ipressolo
!113isduradoura do ljue os jlJ'('()uri.uUÚjS_qLl.e..()$_1;~)J,1,1a.1;10~_(;'I,i,gÜ:;!!11em todo
o seu império na lc,ília, França (rir 74) Áti'(ca do Norte e Ásia. A
arquitetura grega era composta geralmeure de unidades idênticas, que
foram empregadas até, para o Coliseu: mas os arcos triunfais US:lIlImctodos
que emolduram e acentuam a grande portada central, que é tlanqueada por 
Álvaro Cabral
-=.t
Lucnriudo l'IlI llist ória e Filosofia
f,'eb Faculdade de Letras de Lisboa
;;.73
.O Coliseu, Roma,
c. 80 d.e.
Um antircarro romano
74
Arco triunfal de Tibério,
Orall~~e,sul da Tranço,
c. 14-37 a.c.
",
aberturas mais estreitas. Era um arranjo que podia ser usado, para fins de
composição arquitetural, como uma corda é usada para fins de composição
musical.
A mais importante característica da arquitetura romana é, porém, o uso
de arcos. Essa invenção teve reduzida ou nenhuma importància nas
editicaçôes gregas, embora possivelmente não tosse desconhecida dos
arquitetos gregos. Construir um arco com pedras separadas em t0l111Jde
cunha é uma dificilirna façanha de engenharia. Uma vez dominada essa
arte. o construtor pode utilizá-Ia para projetos cada vez mais ousados. Pode
lllultiplicar 05 pilares de uma ponte ou de um aqueduto, ou até Dlzer uso
desse recurso para construir um teto abobadado. Os romanos tornaram-se
75
lntcnor do Pi1I1fCtll,
Roma. c. [30 d.C.
PmWfJ ,k(i P. PJ!lll:;l1.
:.I;:~·II;;h15<'tllll ror 1(:_HJ;l.
C',pçld1J!!llC
grandes especialistas na arte da construção ,de >(:§
abóbadas, gracas a diversos expedientes de .::!?
natureza técnica. O mais maravilhoso dos seus
edificios é o Panteão, U111. templo dedicado a
todos os deuses. E o único templo da
antiguidade clássica que sempre se conservou
como local de culto - sendo convertido em
igreja no início da era cristã. Por essa razão,
nunca se permitiu que se destizesse em ruínas.
Seu interior (Fig. 75) é uma gigantesca
rotunda com. teto em abóbada e uma abertura
circular no topo, através da qual se vê o céu
aberto. Não tem janelas, mas do alto todo o
recinto recebe luz abundante e uniforme.
Conheço poucos edifícios que transmitam
uma impressão de tão serena harmonia. Não
existe a menor sensação de peso opressivo. O
enorme zimbório parece pairar livremente
sobre nós como uma segunda abóbada celeste.
Era típico d,os romanos aproveitarem da~' .
arquitetura grega tudo que lhes agradava, .
aplicando-o às suas próprias necessidades.
Fizeram o mesmo em todos os campos . .1L!.ll:!
de suas rinci ais necessidades era a de bons
retratos gue representassem le luente os
modelos. Na religião primitiva dos romanos, Ie.:;sesretratos haviam desempenhado um importante papeL Um dos seus •
costumes <;ratransportar imagens em cera dos ancestrais nas proc,ssoef
tunebres. E q:.lase certo que tal costume se relacionava COI~la cren
7
a de CJl!.e
a represenraçao em lI]lagem preserva a alma, uma convlcçao que Ia ':::-J'-~
conhecemos do antigo Egito. Mais adiante, quando Roma já se convertera ~,~,
num império, o busto de um imperador ainda era visto com religioso ~::"1temor e reverencia. Sabemos que todos os romanos deviam queimar ~~,..
incenso diante desse ,busto, como símbolo de sua lealdade e yassalagem ~ ~~ f
que a perseguição aos cristãos ocorreu justamente porque eles se recusavamV
;1 cumprir tal exigência. O fato curioso é que, apesar da significado solene
dos retratos, os romanos permitiram Que seus artistas os COlllp!!sessem Illais
r~istas e menos lisonjeiros do que os gre.gos jamais tentaram fazer. Talvez
tenham usado, algumas vezes, máscaras mortuárias, assim adguÜindo Ulll
profundo conhecimento da estrutura e caracteListicas da cabeça humana. De ~
qualquer modo, conhecemos Pompeu, Augusto, Tito ou Nem, quase como ,rr-
Sê estivéssemos vendo seus rostos na tela. Não existe a menor sombra ele •...•., ",;)(
'ldulação no busto de Vespasiano (Fig. 76) - nada ue udesse marcá-lo ;::;:~
co ,. ena ser um ros ero an uelro ou um a 1· ~ >
~uer. Não o srante, nada existe de mesguinho nesses retratos roruauos.
ç-2,s,lItistas conseguiram, de algum modo, ser naturais S('1llpir na njvja!jchd" ~
IA .ut 1'11 JI)
76
Imperador VC..'ijJd:,idIl0.
r. 7U d.C.
Mirmorc. J!wr;t IJ:i em;
Musco Ardl<.'ol,,~co
Naztonalc, N,ipoic,"
lÁ ,HI 01
Uma outra tarefa nova que o artista recebeu dos romanos reviveu um:
costume que conhecemos do antigo Oriente (p. 72, Fig. 45). Também eles
quiseram proclamar suas vitórias e contar a história de suas campanhas
militares. Trajano, por exemplo, erigiu uma coluna gigantesca para mostrar
roda a crônica ilustrada de suas guerras e vitórias na Dácia (a moderna
Rornênia). Nessa coluna vemos legionários romanos pilhando, combatendo
é conquistando (Fig. 78). Todo o engenho e as realizações de séculos de
.irtc gn:g:1 Coram usados nessas autenticas tãçanhas de reportagem bélica.
M.IS ;1 unportáncia que os romanos atribuíam a lima reprodução exata dos
dCl:III,,:s c' :I u nt.i C1.1r.l l};llT;U:;V.1 que gravasse as (l<;anhas de lima campanha,
;lI'I"("S;,,".II,dl) '1''''111 lil::lr:l ('lIl elsa. modificou o car.itcr da arte. O
1"11'1'1,.11()hl"ll',) ,kl.()1I d,· {., .1 II.II'IUOII;:I .. , beloa,:I ,:xl'rcss:'o
77
Coluna de Tmjono,
RI""a, c. 114 d.e.
78
Detalhe da Fig. 77: cenas
mostrando l qUeda de uma
cidade (em cima), urna
baralha ccucra os bócios
(centro) e soldados cercando
trigo do lado de fora de uma
tort.llcla (embaixo]
4.,
dramática. 0, romanos erarn um o _._ ~?i.ieovo prosaico e pouco, se '{J-.V'- . . •
importavani com deuses fantasiosos. ~ ..t:""h ' .:
Contudo, seus mêtodos picroricos ae s: ~
narrar as façanhas de um herói
provaram ser de grande valor para as
religiões que entraram em contato
com seu vasto império.
Durante os primeiros séculos
depois de Cristo, a arte helenística e
mmana desalojou drasticamente as
artes dos reinos orientais, até mesmo
em seus anteriores baluartes. Os
egípcios ainda sepultavam se~
mortos como múmias, mas, em vez
de adicionarem as representacões do
rosto no'esl:.jio egípcio, agora
mandavam 'pintá-Io por artistas que
conhecessem os estratagemas da al'te
grega de retratar (Eig 79) Esses
retratos, que certamente eram
executados por humildes artífices a
um baixo preço, ainda hoje nos
espantam por seu vigor e realismo.
Poucas obras de arte antigas se conservaram tão "modernas" quanto essas.
Os eaí cios não foram os únicos a ada tar os novos métodos de arte às
suas necessidades religiosas. Mesmo na distante [ndia, o modo romano e
contar uma história e glorificar um herói foi adotado por artistas que se
propuseram a tarefa e i ustrar a saga de Llllla conqUIsta paCl ica: a 11storia Enccmrado 1.:111 Lonv.n,
'V- - T Jng:li. P.I<1Ui'l.io (.I,'ltit::1
do l3uda. (;JIlJh:lrJ); :1.'[(1 preto.
A arte da escultura florescera na Índia ll1UÍtO antes de essa influência ---'"ÍJ~~I~~~1;1Il: Mus,'u Indiano,
helenística ter chegado ao país; mas foi na região fronreiriça de Garldhara
que a figura do Buda surgiu pela primeira vez nos relevos que passaram a
constituir o modelo para a arte budista posterior. A figo 80 representa o
episódio da lenda do Buda designado como A Grande Renúncia. O jovem
príncipe Gautama está deixando o palácio dos pais a 6111 de se fazer eremita
na t1oresta. Dirige-se nos seguintes termos ao seu cavalo favorito, Kanthaka:
"Meu querido Kanthaka, carrega-me uma vez mais somente por esta noite.
Quando me tiver tornado o Buda com a tua ajuda, trarei a salvação ao
mundo de deuses e homens." Se Kanthaka tivesse apenas relinchado ou
feito algum ruído com os cascos, a cidade teria acordado e a partida do
príncipe seria descoberta. Por isso os deuses lhe abalavam a voz e
colocavam as mãos sob os cascos do animal sempre que este dava um passo.
A arte grega e romana, que tinha ensinado o homem a vi~ualizar deuses
e heróis com belas torrnas, também ajudou os indianos a criar uma imagem
79
Retrato de U/Il homem,
c. 100 d.e.
11 II
1M ), lIN ,J IN IH N,
("
81
Cabcçç do Buda,
séculos IV-V d.e.
Encontrada em Hadda.
AfeganÍ>r.io (ami!}1
Gandhara). estuque com
traços de prgmenrc, altura
29 em; Vicroria and Alberc
Museum, Londres
82
At/Ji~·és tirando água da
pedra, 245-S6.d.e.
Mural: >inag,og-:J de
Duru-Europoc, Sina
, I
IJlIIllH1 'OIIS! 1'I,IÇ , análogas começaram a influenciar a arte quando a
I 'I/fll: () l'isc: SI!propagou do Oriente Médio e também colocou a arte a
S 'U s irviço.
uando artistas cristãos foram pela primeira vez solicitados a representar
O alvador e Seus apóstolos, mais uma vez a tradição grega os ajudou. A
Fig. 83 mostra-nos uma das primeiras representações do Cristo, datando do
século IV. Em vez da figura barbada a que nos habituamos através de
ilustrações posteriores, vemos um Cristo em plena beleza juvenil,
entronizado entre São Pedro e São Paulo, ambos exibindo a digna
aparência de filósofos gregos. Há um detalhe, em especial, que nos lembra
até que ponto essa representação ainda está intimamente ligada aos métodos
da arte helcnistica pagã: para indicar que o Cristo está entronizado nas
alturas, o escultor fez Seus pés descansarem no dossel do finnamento,
sustentado pelo antigo deus do céu.
As origens da arte cristã remontam ainda mais longe do que esse
exemplo, mas os monumentos mais primitivos. nunca mostram o Cristo em
pessoa. Os judeus de Dura tinham pintado cenas do Antigo Testamento em
sua sinagoga. menos para adorná-Ia do que paractarrar a história sagrada em
forma visível. Os primeiros artistas chamados a pintar imagens para lugares
cristãos de sepultamento - as catacumbas romanas - agiram segundo um
83
O}, Ire." lwrncns n/I
/<1rIIdllta 'ardente.
',éculo 111 u.c,
Cristo (01/1 Sâl! Pcdro c
S"tl Paulo, c. .189 d.e.
Relevo em m.irmore Jo
;,4rnir:I!>1.l J~.Junius UJSSU,;;
Cript,1 ,Il' S.io PL·.;!W. Roma
MurJI: C,H.I(umba Pri~(il!,I.
Ron1.l
espírito análogo. Pinturas como as dos. "Três homens na fornalha ardente"
(Fig. 84), provavelmente do século Hl, mostram que esses artistas estavam
familiarizados.com os métodos de pintura helenística usados em Pornpéia.
Eles eram perteitamente capazes de evocar mentalmente a idéia de uma
figura humana Com meia dúzia de pinceladas mais ou menos irregulares.
Mas também sentimos que. esses efeitos e estratagemas não lhes
interessavam muito. A representação pictórica deixara de existir como uma
coisa bela por si mesma. Seu principal intuito era recordar agora aos fiéis
um dos exemplos do poder e da misericórdia de Deus. Lemos na Bíblia
(Daniel, I!l) a respeito de três altos funcionários judeus. no reinado de
Nabucodonosor, que se recusaram a prostrar-se e a adorar uma gigantesca
estátua de ouro do rei. erguida na planície de Dura, província de Babilônia.
Como tantos cristãos do período em que essas pinturas foram feiras. eles
tiveram que soti-er durocasti~o.por SUa recusa. Os três judeus foram
jogados numa fornalha ardente "com seus mantos. túnicas, turbantes e
vestes". Mas eis que o fogo não teve poder sobre seus corpos, "nem um só
cabelo de suas cabeças queimou. nem qualquer sinal aparecia em seus
mantos". O Senhor" en viou Seu anjo e libertou Seus servos".
Só precisamos imaginar o que o mestre de Laocoonte (p. 110, Fig. 69)
teria feito de semelhante tema' para nos darmos conta da diferente direção
que a arte estava tomando. O pintor nas catacumbas não queria representar
uma cena dramática apenas para agradar a si mesmo. Para apresentar o
exemplo consolador de fortaleza de ânimo e de salvação. era mais do que
suficiente que tossem reconhecíveis os três homens em seus trajes persas. as
chamas e a pomba - um símbolo da ajuda Divina. Tudo o que nào t()"SC
estritamente relevante era melhor deixar de fora. Uma vez mais. ,5 idci.rs de
clareza e simplicidade começavam a superar os ideais de fiel imitaçâo.
Eutrctanro, existe algo de coruovcnte no próprio esforço que o artista t~z ,,
85
Rctrdro de um
limeiOlllírio de
~Afr(ldis/adt',
(. 400 d.e.
,tl,innorc, JJeur,l !76 CllI;
Museu Arju.;ológicl),
rst.llllbul
U1I1 pintor de ·'(('f/"(1ft'_'
tiílldm:~'" {'1/1.,'lW
'(lfirilld, sentado ;/lutI1 ,1(1
~-,r(~itlde rima L:t"/11'.dcrc.
c. 11)0 d.C.
DI.' lUH.;:.r(ilr~o pi!ludo
~·ll':()lltr.ldn:1,.1 Cnllll:u
para contar sua história COI11 o máximo de nicidc:G ' obJctlv di/di, I __, 11.
colocados vistos de frente, olhando para o especrad I", as Jt, W (111111tI,1 I 111
oração, parecem mostrar que a humanidade tinha co.ucç, do 11 /lI 111I 1'1 '111 _I
com outros valores além da beleza terrena.
Não é apenas nas obras religiosas do período de declínio e C]U -(/11 d )
lmpélio Romano que podemos observar algo dessa mudança de inceI' S~
Parecia serem poucos os artistas que se importavam com o que fora a glórin
da arte grega, seu refinamento e hamlOnia. Os escultores já não tinham
paciência para trabalhar o mármore com o cinzel e para tratá-Io com a
delicadeza e o gosto que foram o orgulho dos artífices gregos. Tal como o
pintor do mural da catacumba, eles usavam métodos rudimentares como.
por exemplo. uma broca mecânica para marcar as características principais
de um rosto ou corpo. Tem-se afirmado com freqüência que a arte antiga
declinou nesses anos, e é certamente verdade que muitos segredos do
melhor período perderam-se no torvelinho geral de guerras, invasões e
revoltas. Mas vimos que essa perda de habilidade não constitui a história
toda. O ponto fundamental é que os artistas desse período já não estavam
satisfeitos C0111o mero virtuosisl1lo dç período helenístico e tentavam agora
obter novos efeitos. Alguns dos [etra-tos da época, sobretudo os dos séculos
IV e V, talvez revelem com superlativa clareza o que esses artistas se
propunham realizar (Fig. 85). Para um grego do tempo de PraxÍteles, tais
obras teriam parecido toscas e bárbaras. De fato, as cabeças não são belas, se
as aferirmos por padrões comuns. Um romano, acostumado à extraordinária
semelhança dos retratos, como o de Vespasiano (p. 121, Fig. 76), poderia ter
repudiado essas obras como realizações medíocres. No entanto, para nós,
essas figuras parecem dotadas devida própria e de uma expressão muito
intensa que se deve à tll111eacentuação das feições e ao cuidado que os artistas
dedicaram a traços como a pele em redor dos olhos e as rugas da testa. Essas
tIl:,'1.1raSretratam pessoas que testemunharam e tInalmente aceitaram a ascensão
o cristianismo. o que signitIcou o fim do mundo antigo.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Arte Grega e Romana

Momigliano limites helenização
Momigliano   limites helenizaçãoMomigliano   limites helenização
Momigliano limites helenizaçãoGabriel Cantieri
 
Renascimento shakespeare e o teatro elisabetano
Renascimento shakespeare e o teatro elisabetanoRenascimento shakespeare e o teatro elisabetano
Renascimento shakespeare e o teatro elisabetanoIsabella Silva
 
A epopeia de gilgamesh martins fontes
A epopeia de gilgamesh   martins fontesA epopeia de gilgamesh   martins fontes
A epopeia de gilgamesh martins fontesOvadYah Beny B'rit
 
Revisão - Arte Medieval, Antiguidade clássica e Idade Média
Revisão - Arte Medieval, Antiguidade clássica e Idade MédiaRevisão - Arte Medieval, Antiguidade clássica e Idade Média
Revisão - Arte Medieval, Antiguidade clássica e Idade MédiaMaiara Giordani
 
Arte Grega: princípio, a pintura em cerâmica
Arte Grega: princípio, a pintura em cerâmicaArte Grega: princípio, a pintura em cerâmica
Arte Grega: princípio, a pintura em cerâmicaProfessor Gilson Nunes
 
Janson iniciação à história da arte
Janson   iniciação à história da arteJanson   iniciação à história da arte
Janson iniciação à história da arteLiliane Medeiros
 
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev)   anonimoA epopéia de gilgamesh (rev)   anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimoProfadriano01
 
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev)   anonimoA epopéia de gilgamesh (rev)   anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimoProfadriano01
 
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev)   anonimoA epopéia de gilgamesh (rev)   anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimoProfadriano01
 
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev)   anonimoA epopéia de gilgamesh (rev)   anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimoProfadriano01
 
A EpopéIa De Gilgamesh (Rev) Anonimo
A EpopéIa De Gilgamesh (Rev)   AnonimoA EpopéIa De Gilgamesh (Rev)   Anonimo
A EpopéIa De Gilgamesh (Rev) AnonimoWillian Papp
 
3ª geração do romantismo no brasil
3ª geração do romantismo no brasil3ª geração do romantismo no brasil
3ª geração do romantismo no brasilGabrielaLimaPereira
 
Aristóteles retórica das paixões
Aristóteles   retórica das paixõesAristóteles   retórica das paixões
Aristóteles retórica das paixõesProf Paim
 

Semelhante a Arte Grega e Romana (20)

Momigliano limites helenização
Momigliano   limites helenizaçãoMomigliano   limites helenização
Momigliano limites helenização
 
Renascimento shakespeare e o teatro elisabetano
Renascimento shakespeare e o teatro elisabetanoRenascimento shakespeare e o teatro elisabetano
Renascimento shakespeare e o teatro elisabetano
 
A epopeia de gilgamesh martins fontes
A epopeia de gilgamesh   martins fontesA epopeia de gilgamesh   martins fontes
A epopeia de gilgamesh martins fontes
 
Revisão - Arte Medieval, Antiguidade clássica e Idade Média
Revisão - Arte Medieval, Antiguidade clássica e Idade MédiaRevisão - Arte Medieval, Antiguidade clássica e Idade Média
Revisão - Arte Medieval, Antiguidade clássica e Idade Média
 
Arte grega: história da pintura.
Arte grega: história da pintura.Arte grega: história da pintura.
Arte grega: história da pintura.
 
Powwer pont
Powwer pontPowwer pont
Powwer pont
 
Powwer pont
Powwer pontPowwer pont
Powwer pont
 
A Invenção do Alfabeto e da Escrita
A Invenção do Alfabeto e da EscritaA Invenção do Alfabeto e da Escrita
A Invenção do Alfabeto e da Escrita
 
A Arte na Grécia
A Arte na GréciaA Arte na Grécia
A Arte na Grécia
 
Arte Grega
Arte GregaArte Grega
Arte Grega
 
Arte Grega: princípio, a pintura em cerâmica
Arte Grega: princípio, a pintura em cerâmicaArte Grega: princípio, a pintura em cerâmica
Arte Grega: princípio, a pintura em cerâmica
 
Janson iniciação à história da arte
Janson   iniciação à história da arteJanson   iniciação à história da arte
Janson iniciação à história da arte
 
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev)   anonimoA epopéia de gilgamesh (rev)   anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
 
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev)   anonimoA epopéia de gilgamesh (rev)   anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
 
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev)   anonimoA epopéia de gilgamesh (rev)   anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
 
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev)   anonimoA epopéia de gilgamesh (rev)   anonimo
A epopéia de gilgamesh (rev) anonimo
 
A EpopéIa De Gilgamesh (Rev) Anonimo
A EpopéIa De Gilgamesh (Rev)   AnonimoA EpopéIa De Gilgamesh (Rev)   Anonimo
A EpopéIa De Gilgamesh (Rev) Anonimo
 
3ª geração do romantismo no brasil
3ª geração do romantismo no brasil3ª geração do romantismo no brasil
3ª geração do romantismo no brasil
 
Aristóteles retórica das paixões
Aristóteles   retórica das paixõesAristóteles   retórica das paixões
Aristóteles retórica das paixões
 
GréCia Antiga Arte
GréCia  Antiga ArteGréCia  Antiga Arte
GréCia Antiga Arte
 

Arte Grega e Romana

  • 1. A HISTÓrU A 1 A ARTl:~' E LI (' L ' •• . r:. Jomorich cO,j/i 16.a edição Tradução Álvaro Cabra] Licenciado em /-1' , .istona e Fl· J' pela Faculda i, '1, L . t oso Ia , l l te etras de Lisboa ~ILTC
  • 2. G.. ~t,9 ~~ t~o# ~~ o GRANDE DESPERTAR Crhia, -,écll/O-' 1/]] iT V 11. C. 'Foi nos oásis dos grandes desertos, onde o sol queima implncnv '1111'1111',I' OJlLk somente o solo irrigado pelos rios fonlt'ce ,11i111c 11to , qll 'SlI'~,il'oIill lK mais antigos estilos de arte, sob o domínio de Lit-SP()(;)S, ricnrnis, " ('l'~ estilos permaneceram quase inalterados por milhares de :l11lS.!I.~1'011dl,1 I'~ eram muito diferentes nos climas mais temperados do mnr COIII 11'" '~SI'M impérios confinavam, nas múltiplas ilhas, grandes e pequcnns, ti ) Mediterrâneo oriental e nas costas recortadas por inúmeras ~1's,'a(I,IS dll peninsulas da Grécia e da Ásia Menor. ESS:1Sregiões não CSl.nV~Il submetidas a um único senhor. Eram os esconderijos de US:lI ~ marinheiros, de reis-piratas que cruzavam os mares lés :1lés a jOIII',l tlo~ seus limites conhecidos, e acumulavam sr:r:llldes riquezas em S~II. 'I~I'lm I' portOS de abrigo, produtos do comércio e de pilhagem maritirnn. ) principal centro dessas áreas foi origin~llmente a ilha de Crera. 'lI';O' I'I'I~ eram, algumas vezes, suficientemente ricos e poderosos para cnvi.u' embaixadas ao Egito, e cuja arte cansou profunda impressào :II~ 11,1('(lIli' '1raônica (p. 68). lJ,.'llOra-Se gual er'l eX,llamente o ROVOgUl' "'ill<l'y"'Ll' , ','1:1, ' (l111111li' t~iada no continente grego, sobretudo em Mict'nas. 1 l'sc,lb:IIII~ recentes levam a aceitar a probabilidade de que os cretcnscs lid:IV:lIll 11111I1 forma primitiva de grego. MaIS tarde, cerca de 11100 a.~ novu 1II1I,1 de tribos guerreiras provenientes da Europ-a penetrou na mOllC~I1IH1~iI península da Grécia, avançou até o litoral da Ásia Menor, COJ11b:1'li I' e errorou os antIgos habitantes. Somente nas canções que na 1'1':111I I'SNIIN b-;t;lhas sobrevive algo do esplendor e beleza da arte que f i ti 'S~III .ln nessas guerras prolongadas, pois essas canções ou rapsódias consthu '111II~ Roemas homéricos; e entre os recém-chegados estavam as Iril t)~ ~,II'I"N1111' conhecemos da história. Nos primeiros séculos do seu domínio sobre a Crécia, a :11'1(,'dl'HNIINIII11II~ era bastante rude, desgraciosa e primitiva. Nada existe nessas .dl1·,I~Ijlll' lembre, mesmo de longe, o alegre !11ovim~nto do estilo crl'IC'II"" 1,111'11,1111 mais superar até os egípcios em rigidez. Sua cerâmica er:l dc·('(ll.l1.1 11111 paaroes gt'OIfl'ttricos SImples, e, quando C]ueri:llll í'êj:)!-CSl',ll:,1'1111.1 1'11,11'11I íÚla parte do dest'nJ1'()ã'ültero t'l'lgorcl.-o.pc)r-;,;:.;z-';inplc). :1I~il'.. ](, i'eprescllla a lamentaçáo por um morro. 'Este jaz em seu (':''111;11',1'11'11,1111' as carpideiras:i direita e ~ esquerdalevJJ1l aS'Jl1Jos ~ Obl'::1 "" 1,,·11" 11'1,,] que é u;;-;:-(;-:;~;le cle--gLl;1Setoebs as socie-oãdes pl:i111il~V"S -_.---------._--- ._-- -- -_._--_ ... ---- -~_._--.
  • 3. Algo dessa simplicidade e desse arranjo claro e esquernático parece ter contribuído para o estilo de construção que os gregos introduziram nesses primeiros tempos e que, por estranho que pareça, ainda perdura em nossas cidades e aldeias, A Fig, 50 mostra um templo grego do antigo estilo, o qual recebeu a desi,:nacão de dórico em atenção à tribo do mesmo nome. Era esta a tribo a que pertenciam os espartanos, célebres por sua austeridade. Com efeito, nada existe de desnecessário nesses edifícios, nada, pelo menos, de que não vejamos ou pensemos ver a hnahdade. Provavelmente, os mais antigos desses templos foram construidos de madeira e consistiam em pouco mais do que um cubículo murado para guardar a imagem do deus, e tendo ao redor sólidos esteios que sustentavam o peso do telhado. Por volta do ano 600 a.Ci, os gregos começaram a imitar em pedra essas estruturas simples. Aos esteios de madeira que escoravam os telhados sucederam as colunas que sustentavam robustas vigas transversais de pedra. Estas vigas transversais eram chamadas arquitraves, e toda a unidade assente nas colunas recebeu o nome de . entabJamento. Podemos observar reminiscenclas da construçao de mad"eira na parte superior, como se estivessem expostas as extremidades das vigas. Estas extremidades eram usualmente marcadas com três sulcos, e foram, por isso, designadas pela palavra greg~ "tnghto ,que slgIllbc~ 'tres sulêõS~ e2]?aço do fi-iso entre esses orn~tos chama-se amétopa. O aspecto surpreendente nesses primeiros templos, que imitam de um modo tão claro as ontigas construçÕes de madeira, é a sill1p-Jicidade e a harmonia do conjunto. Se os construtores tivessem usado sim!2kLpilares quadrados ou cilíndricos os templos poderiam eventualmente jJa -e el" e ado e os. Entretanto, pelo contrário, eles preferiram modelar as colunas de modo que houvesse uma leve protuberância na parte central e um afuselamento em diredo ao topo. O resultado é que as colunas dóricas ganham uma aparência quase elástica, como se o peso do telhado as estivesse comprimindo ligeiramente sem, no entanto, chegar a deformá-Ias. ~ Transmitem remotamente a idéia de criaturas viventes sustentando suas y cargas sem esforço. Embora ~lguns desses templos sejam vastos e ~ ~~.;JfJ imponentes, não atingem as colossais dimensôes das construçoesegípcias. .'V,r ~el.l~ue for~m editicados por sereshumanos, e jJài':lseres 1llmanos. De 0 , fato, não existia um governante divino Imperando sobre os gregos que "(:JY.JS' pudesse forçar - ou tivesse forçado - todo um povo J trabalhar como ~ _,. escravo para ele. As tribos gregas tinham-se instalado em várias cidades V pequenas e em portos de abrigo ao longo da costa. Havia muita rivalidade e atritos entre essas comunidades, mas nenhuma delas consegLliu dominar 'x Q todas as outras. /'..]-" Dentre essas cidades-estado gregas, Atenas, na Ática, tornou-se de longe • ~ ~ ,3 mais famosa e a mais importante nJ!listóna da arte: F,01 '11, sobretudo, que .~,.;- a maIor c maIs sqrpreendente wyolu_ça.CLe.lll...todo:J JlJi;,to.l.'-la...da-'J-J:W..pJ:~l- r~ rseus ti·utos. É dificil dizer quando e onde essa revolucão comeccm - ulvcz _cY':5 ,;-- J por volta da época em que os primeiros templos de pedra estavam sendo ", y p~;..éY ,-.9-'~ .", u,/ ~ .er-: ,"- -/ l 'J 1."",':'- -y.r Y / -',J ", Il /o1I1U'llTdfjj(l pelo 1/1t1rfl1, r. 7UO a.C. V;I,n !!f"!.!.I) no csulo (;~·)ll~·(ri•.'o: ;llIlIr:l 155 ou: /I.·111~·LI Arqucológico N;I,ioJ}.11. Art'IlJ~
  • 4. COJlStrtlídos Ila GréoJ, no século VJ a.C:. Sabemos que antes desse período os artistas dos antigos impérios orientais tinham-se empenhado em obter um tipo peculiar de perfeição. Procuravam emular a arte dos seus antepassados tão fielmente quanto possível e aderir estritamente às regras sagr;ldas que haviam aprendido. Quando os 'lrtis·tas gregos começaram a 1;12<:,rest;Ítuas de pedra, partiram do ponto em que egípcios e assírios tinham parado. A Fig. 47 mostra-nos que eles estudaram e imitaram modelos :'gípcios, dos qlJalS aprenderam como reproduza a hgura de um Jovem de pé, COIllO marcar as divisões do corpo e os mÚsculos que o mantem ullldo. Mas também nos mostra que o artista que fez essas estátuas não se limitou a obedecer a formulas fixas por melhor que elas fossem, e começou na prática suas próprias experiências. Estava obviamente in teressado em descobrir que aspecto os joelhos realmente têm. Talvez não lograsse um êxito completo; talvez os joelhos de suas estátuas sejam até menos convincentes do que os dos exemplos egípcios; mas o ponto importante é que ele se decidira a investigar por conta própria, em vez de seguir a velha prescrição. Já não se tratava de uma questão de aprender uma fórmula consagrada para representar o corpo humano. Todos os escultores gregos quiseram saber como iriam representar um determinado corpo. Ds egípcios tinham baseado sua arte no conhecimento. Os gregos começaram a usar os Polimcdes de Argos ró rios olhos. Un1a vez iniciada essa revolução, nada 111ais a sustaria. Os 0.( íl'll/t1tls Clcábi.( e Bito/I, escultores em suas oficinas ensaiaram novas idéia.s e novos mo os e ( 15 -"() c r.).-~7;1... ~' r~>preselJtacào da tlgura hl1l11ana, e Cadê.l inovação era avidanlente adotada Míml)r.;',alnll~12!H'.?Jh(lIl; i ,., d ·· , . d 1 U d .::D-M""'''A'~I''''''I,,",<'O.))'li''. . 1. 11 ~ por outros, que J lClonavam as suas propnas esco )ertas. m apren eu . como cinzelar o tronco, outro concluiu que uma estátua vai parecer muito mais viva se ambos os és não estiverem firmemente plantados no chão. J:1ro ainda descobriria ser possível animar um rosto recurvan o r.".À.f..r-. Ct- ;[~ E s!mlplesment~ a dboca p<lra cima, dbe1110. o a cnar uma ll:lpressao dA sorriso. . t5- ~C' '--íõ.'1 V - c aro, () meto o eglpclo era, so muitos aspectos, mais seguro. s 0""" experiências dos artistas gregos falharam algumas vezes. O sorriso poderia """"-.$ I resultar num esgar embaraçado, ou a postura menos rígida era passível de ~ - "I criar a impressão de falsidade. Mas os artistas gregos não se atemorizavam I facilmente diante dessas dificuldades. Eles tinham enveredado por um O --t' n r A < caminho sem retorno. _.-f:'..... .:~- ~j..fl. -t" ~~. Os.pwt.o'LeS segJJiGlJu eUl sua estejra Saheu1QS pouco a respeito do ==--v DJJ..-..aJV-,;.1~ trabalho deles, exceto o que os autores gregos nos contam, mas é ~ ,1 iJ'iij)ortante compreender que muitos pintores gregos eram até mais famosos w- O~ U~>Ii' ru--J- na uele tempo do que seus colegas escultores. A única maneira qtle temos V "nra fOl'lllar uma vaga idéia sobre a pintura grega antIga e o servan o as dCCOL1'ÕCSem cerâmica. Esses recipientes pinta os, con leCl os pc o nOllle 1 genérico ete vasos, destinav,1111 se mais amiúde a conter vinho ou azeite do ~ , i., If 1'- '111<: flores. A pintllr: desses vasos tornou-se uma importante indústria em , ~'-" Àrl·ILls. <: os llUlIlddcs :mítices empregados nessas oficil1JS estavam tâo !)./1J:-..J~ , :'i'V771"s'111:1111"os ,k-I11:lis :lrtist:ls por introduzir as mais recentes descobect& ,;~ S,'IIS Ir.d;llllus. N0S prill1L:irüs_lLasüs,-pÍ.ind-dG5-11.O,~é.::.:I1~L1.:_Ç-,-,~l.'i;L_ 47
  • 5. .-"lql/ilt'S (' .!UIIX.iI~l!mldll damas, r. 540 a.C, l~r':::~:1:~:):I~:;:::I)d~l'I~;::.g~~::.ski:ts; :dtur:1 (,J em: MII~.·u Errusro, Vaucuno encontramos vestígios dos métodos egípcios (Fig. 48). Vemos os dois heróis de Hornero. AquiJes e Ajax, jogando dam'ls em sua renda. Ambas as figuras ainda sào rigorosamente mostradas de perfil. Seus olhos ainda parecem ser vistos de fi-ente. Mas os corpos já não são desenhados à m'1I1eiraegípcia, nem os braços I e màos estao dlSpostos com a mesma clareza e~ i rigidez antigas. O pintor tinha tentado, /, tll~~ o,bviamenre, imagil1Jr qual seria, na realidade, ~~~~~/, J','1,,_,1 1 o aspecto de duas pessoas colocadas fi"ente a I •r fi-ente. debrucadas sobre esse jogo. Já não JP() 'j: receava mOstria- apenas uma pequena pane da t mão esquerda de Aquiles, deixando o i'esto :1 escondido atrás do 0l1l ro. a nao ensava " que tudo o que ele sabia estar ;di tinha forçosamente que ser mostrado. Uma vez quebrada essa alltJga regra, um.! vez que o artista começou a apreender o que seus olhos realmente viam, desencadeou-se uma verdadeira avalancha. Os pintores fizeram a maior de todas as descobertas -- a descoberta do escorço. Foi um momento assombroso na história da arte quando, talvez um pouco antes de 500 a.C., os artistas se atreveram ReJa primeira vez na história a pilltar unL]1L tal como é visto de fi-ente. Nas milhares de obras egípcias e assírias que chegaram até nós, jamais acontecera algo assim. Um vaso grego (Fig. 49) mostra com que orgulho essa descoberta foi adotada. Vemos um jovem guerreiro vestindo uma armadura para a batalha_ Seus pais gue em cada um dos lados, o ajudam e provavelmente lhe dão bons conselhos, ainda são representados em rígido perfil. A cabeça do jovem 1]0 c~ntro também se mostra de perfil, e podemos observar que o pintor tevl-' algulJla d~e em ajustar a cabeça ao corpo, que é visto de fi'ente Também o pé direito aJl1da foi desenhado da maneira "radronizada" mas o e~uerdo Ja esta "escorçado"; vemos os cinco dedos disRQS.t.9s_comp~ullla f!.leira de cinco pequenos círculos. Poderá I'arecer exagerado nos alongarmos tanto nesse pequeno detalhe, mas ele realmente significou que a velha arte estava morta e sendo enterrada_ Significou glleoJfiTsta d'elxara de ter a pretensão de juntar tudo na pintura ~a forma mais ~1rajl]ente exphclta, passando a levar em conta o ângulo de onde ele via o objeto. 13emao lado do pé, demOjlstrou o que pretendia. Desenhou o escudo do Jovem, não na forma como poderíamosvê-loen-ln()~.s-,1._. imaginação, ou st-:j;-:-mJj-übJetoredondo, ~)as ~-i~t~d~lado", encostado -nlllTIJ parede. -'-'~"~-----_._"-:---'~-_.----7~--------'- "-_.__._-- -- ----{>-G'-["~~~r-o: ~y~-~ '---~ 49 A dC.'.I)Jedida di) .1.!/II'rrcin1, r. S IO-SnO ;l.C. V,1S0 no estilo J~,"figur:ts vermelhas", ;J~sill:.do ror Eurimidcs: altura hO em; Sta:lIlit:)w Anrik~'lls~JlllnJllng~'1I uüd Clyptutlwk. Munique
  • 6. Mas, ao observar essa pintura, e também a anterior, nos apercebemos de que as lições de arte egípcia não tinham sido simplesmente descartadas, de uma vez. Os artistas gregos ainda procuravam fazer suas figuras COI11 os mais nítidos contornos e incluir tantos conhecimentos sobre o corpo humano quantos coubessem na pintura sem violentar a sua aparência. Ainda eram amantes das linhas firmes e do plano equilibrado. Ainda não se dispunham a todos os relances fortuitos da natureza, tal como os viam. A velha fórmula, o tipo de formas humanas que se desenvolvera ao longo de tantos séculos, continuava sendo o seu ponto de partida. Só que já não as consideravam tão sagradas como antes em cada detalhe. A grande revolução da arte grega, a descoberta de formas naturais e do escorço, ocorreu numa ~poca que é, certamente, o mais assombroso r.eríodo da história humana. É a época em que o povo das cidades gregas começou a contestar as antigas tradições e lendas sobre os deuses, e a investigar sem preconceitos a natureza das coisas. É o período em que a ciência, tal C0l110 hoje entendemos o termo, e a filosofia despertam pela primeira vez entre os homens, e desenvolvendo-se o teatro a partir das cerimônias em honra a Dioniso. Não devemos imaginar, porém, que os artistas dessa época estavam entre as classes intelectuais. Os gregos ncos que administravam os negócios da sua cidade, gastando seu tempo em intermináveis discussões na praça do mercado, e talvez até mesmo os poetas e filôsofos, olhavam com sobranceria para os escultores e pintores, a quem consideravam. pessoas de classe inferior. Os artistas trabalhavam com as próprias mãos - e trabalhavam para viver. Passavam os dias labutando em suas forjas, cobertos de suor e fuligem, ou como operários comuns em pedreiras e canteiros, e por isso não eram considerados membros da classe refinada. Contudo, sua participação na vida da cidade era infinitamente superior à de um artífice egípcio ou assírio, porque a maioria das cidades gregas, Atenas em particular, era de democracias em que a esses humildes obreiros, alvos do desdém dos esnobes abastados, era consentido, no entanto, participarem em certa medida dos assuntos de governo. Foi no período em que a democracia ateniense atingiu o seu mais elevado nível que a arte grega chegou ao apogeu. Depois de Atenas frustrar a invasão persa, o povo, sob a liderança de Péricles, começou a reconstruir o que os persas haviam destruído. Em 480 a.C., os templos situados no rochedo sagrado de Atenas, a Acrópole, tinham sido incendiados e saqueados pelos persas. Seriam agora construídos em mármore e com um esplendor e nobreza jamais vistos (Fig. 50). Péricles não era esnobe. Os autores antigos deixam entrever que ele tratou os artistas do seu tempo como iguais. O homem a quem ele confiou o planejamento e o traçado d~los foi o arquiteto retino, e o escultor gue iria modelar as fi~ dos deuses e supervisionar a decoração dos templos foi Fídias. A fama de Fídias baseava-se em obras qll~jánão existem m;lis..J'v1as-.ê importante, porém, tentar imaginar como elª-~s·eri.ª-!1!d)oisesquecemos cpm excessiva fàcilidade a qual objetivo, nessa época, servia a arte grega. Lemos na Bíblia como os profetas investiam contra a adoração de ídolos,
  • 7. o que ]erenljas descrevia eram os ídolos da Mesopotâmia, feitos de {. madeira e metais preciosos. Mas suas palavras aplicar-se-iam quase ! exatamente às obras de Fídias, produzidas apenas alguns séculos após a vida l' {'j) do profeta. Quando visitamos as filas de estátuas de mármore branco da • , r»: _ ~j'J5 antiguidade clássica nos grandes IllUSCUS, esquecemos muitas vezes que entre elas se encontram os ídolos de que a Bíblia tala: que ,]S pesso,ls oravam ~ ~ diante delas, que sacrifícios lhes eram oferecidos em meio a encantamentos, /, _,c)-, e que milhares e dezenas de milhares de adoradores delas se aproximavam ---."-.' ~;;;~ r- ~ C0111 esperança e medo em seus corações - interrogando-se, como diz o ~I ~-~ profeta, sobre se aquelas est,íruas e ídolos n3'a seriam realmente os prQ]2liPs C/' ' .f deuses. De tno, a razão pela qual Quase todas as estátuas Clmos'JS do unindo antigo desapareceram foi que. <lpÓSa vitória do cristianismo, considerava-se piedoso dever dcstmjr est<Ítqasdos denses.pagâcs As eSÇ.UJ.w.ra~os museus são, na sua maioria, reproducões feitas no período romalliLp-aL'L.. . viajantes e colecionadores, levadas como SO/ll)enirs e decoracões para jardins Cru banhos pÚblicos. Devemos ser muito gratos por essas réplicas, porque pelo menos nos proporclOnam unD páhda ldela das famosas obras-pnm,ls da arte grega; entretanto, se não usarmos a imaginação, essas fracas imitações também podem causar muito dano. Elas sao responsavelS, em grande parte, pela idéia generalizada de que a arte grega era inanimada, fiia, insípida, e de que as estátuas gregas tinham aquela aparência pálida e o olhar vazio que nos lembram obsoletas aulas de desenho.,A cópia romana do grande ídolo de Palas Atena, por exemplo, que Fi(lias realizara ara o seu santuário no artenon -Ig.. ,dificilmente causará forte impressão. Devemos recorrer a antigas descrições e tentar imaginar como realmente s~ria: uma gIgantesca Imagem de madeira, com uns 1] metros de altura, tão alta quanto uma árvore, toda coberta de materiais preciosos ;]armadura e as vestes de ouro, a pele de marfim. Havia também grande profusão de cores fortes e brilhantes no escudo e em outras partes da armadura, sem esquecer os olhos. que eram feitos de Redras colondas. O elmo dourado aa deusa era cncirnado por gritos, e os olhos de uma enorme serpente enrascada dentro do escudo também eram destacados, sem dúvida, por refulgentes gemas. Devia ser uma visão fantástica, inspiradora de profundo temor e reverência, quando alguém entrava no templo e, de súbito, via-se diante dessa estátua enorme. Havia, por certo, um tom meio primitivo e selvagem em algumas de suas características, algo que ainda ligava um ídolo dessa espécie às amigas superstições contra as quais o profeta Jeremias Ianra v.i SU<lS invectivas. Mas essas idéias primitivas sobre os deuses como 111:IS '111 geral 1.10 relacionamos ess.is palavras ;) I;)[os concretos. Existem muitas passagens COIllOa seguinte, de jeremias (X. 3-5): Os (OSfIIl//('.' dos ])(ll't'5 ,ia,) vaidadcs; 11 IIlall dl" anist« ((lrf,7 UIII IIlt1d/'il'tl do bo.q/lc, ((lJlJ {l IIItlchado, Ad(lrJ/(l~.'(' coni pra:« {' O/t/'{l;.!lxa-o (011/ J)/"((!tli c Jlld/UI,l.-. Jh1r1111110.'(' drstonjunta«. ()s [dolos são ferOS (11110 as polmci/'as, mas lIt1oJalt1lJJ; é PI'CrJSI) (r11T(~lí~/,1.i, pMquC 11110 atuimn, Nào os tcnutis, pois "ao podcn. )~12:cr 11111/., c 111IlIjJtlllú) 1'0(/('1/1 .111':: tT bem, 51 Atl!('llIl Partlicnos, c. 447-43" a.C. CÓpi:l H)1ll:IlJ em m:irlll<Ht' do oriuinul .1.' modciru. 1)11'11 .',!. v m;lrli;n (I'ÍI;l l'nr Fídi;lS, ~:~~:::':);:'~~~l~:::~~:~;I~:~~;d, '~ Atenas 'I;'
  • 8. 52 Hévcules carregando os ril/S, c. 470-460 a.C. Eragrncnro de mármore do T cmplo de Zcus em Oltmpia. altura 15h em; Museu Arqueológico, Olimpia dum nius L 'I'I'!WIS lJue hilllllllVilll1 1111 ('Nlllllil 1111111111111 1 ,"1" di _11 01 cara rcristica prin 11"1. Pnlns At.eIHI, I~d rOlllll ·111111" 11 111111111111 I' 11101111 11111, era mais do que a mera iJ1HlCIIl 11.:uni d 'l!1l nlo, [l('I~H li' 11i~ • qUI' conhecemos, a estátua tinha L1J1la lignidade <]11C tl':lIlmtilia 110 povo uiuu idéia especial sobre o caráter e o significado d seu teus .s. A /.('111 dl' Fídias era como um grande ser humano. Seu poder residia 111<.:11 S 'JJl poderes mágicos do que na sua beleza. As pessoas por certo compreenderam, na época, que a arte de Fidias outorgara ao pov da Grécia uma nova concepção do divino. As duas grandes obras de Fidias, a Palas Arena e a sua famosa estátua de Zeus em Olímpia, perderam-se irremediavelmente, mas os templos onde estavam ainda existem, e, neles, algumas das decorações feitas na época de Fidias. O templo em Olímpia é o mais antigo; foi iniciado, supõe-se, por volta de 470 a.C. e concluído antes de 457 a.C. Nos intervalos quadrados (métopas) sobre a arquitrave estavam representadas as façanhas de Hércules. A Fig. 52 mostra o episódio em que ele foi enviado a colher os frutos das Hespéridas. Era uma tarefa que nem mesmo Hêrcules podia executar. Por isso rogou a Atlas, que sustentava os céus em seus ombros, para realizá-Ia por ele, e Atlas concordou, sob a condição de que, nesse meio tempo, Hércules carregasse o seu fardo. Neste relevo, Atlas regressou com as maçãs douradas e as entrega a Hércules, a quem vemos retesado sob sua carga gigantesca. Atena, a ardilosa assistente de Hércules em todos os seus trabalhos, coloca uma almofada no ombro dele para suavizar a penosa tarefa. Em sua mão direita, ela manteve outrora uma lança de metal. A história é contada com maravilhosa simplicidade e clareza. Sentimos que o artista ainda preferia mostrar as figuras em atitudes sóbrias, de frente ou de lado. Atena está olhando diretamente para nós, embora sua cabeça esteja voltada para Hércules. Não é dificil pressentir nessas figuras a longa influência das regras que regeram a arte egípcia. Mas sentimos que a grandeza, a calma e a força majestosa da escultura grega também se devern.à observância de antigas regras, embora elas então tivessem deixado de constituir tão grande obstáculo, cerceando a liberdade do artista. A velha idéia de que era importante mostrar toda a estrutura do corpo - suas principais articulações, por assim dizer, para fazer entender como o conjunto se mantinha unido e coeso - instigou o artista a continuar explorando a anatomia dos ossos e músculos, e a formar uma imagem convincente da figura humana, a qual permanece visível mesmo sob o ondulado das roupagens. 125_fato, a maneira como os artistas gregos usar~m as roupagens para marcar as principais divisões da anatomia do corpo depuncla a importanCla que eles atribliíãi11:lo CoI11;'ecIm-énto a rãriTi:ã."É~ esse equilíbrio entre a adesão às regras e a liberdade' de criação apesar delas qye faz com que a arte ~iccínt;nl~; ~ãõ-adiniracTã elllsecu]os _subsegüentes. E é essa a razão_~1~9ualos artistas retomam sistematicamente às obras::.p!:0:as da arte greg~_~:~~~JSca.!~~~ientaçãoe mspiração. I i I
  • 9. (- ,/' 53 AtIr~l?tI, c. 475 a.C. Encomr;ld() c ru DdlilS; bronz(', :llwra lHO em: Museu AriJlll'~Jróg:iri), J)d(o.1 l2..Jipo dI: Ji'lIlwlJw ~JIJ..:W uu lU gregos 10'1', m Ij'L'lI Lkl1C '1l1L'IJl~ soli 'iw lo~ 11 re;iliZ'll'pode tr-Ios ~.u.cL.1.d ' 'p.L!tt" 'iço:1l' seus conhecimentos do corpo hurnnllo eIII m oviIII ento lJ!lJ t('1lJ pkw:.0J.llD-'l..d e Olímpia estava sempn' cercad.o-d.e- est<Ítuasde atletas vitoriosos dedicadas.aos deuses. Para nós, isso talvez pareça Ulll estranho costume, pois não esp-eramos por mais populares que sejam os nossos campeões, ver ,1S suas imagens oferecidas a uma igreja C0l110agradecimento por lima vitória obtida. Mas as grandes reuniões esportivas dos gregos, das quais osJogos Olímpicos eram, evidentemente, os mais célebres, tinham características muito diferentes das nossas modernas competições. Estavam muito mais intimamente ligadas às crenças religiosas e '105 ritos do povo. Os que pa11icipavam de taisjogos não eram simples esportistas - amadores ou pmfissionais -, mas membros das principais famílias da Grécia, e os vencedores eram olhados com reverência, como homens a ri quem os deuses tinham favor.ecido com o dom da invencibilidade. Era para ,~ descobrir sobre quem essa bênção da vitória recaíra que se celebravam ~. originalmente os jogos, e era para comemorar e talvez perpetuar esses sinais '~-ye graça divina que os vencedores encomendavam suas estátuas aos mais J [11110S0Sartistas do seu tempo. ~ Escavações em Olímpia puseram a descoberto um grande número de pedestais em que elas deviam estar assentadas, mas as estátuas ~~vdesap,..a.l..eceram se.nd.o em su.J. n.1aioria fe.l·tasd..e bronze, o mais provável é r . que fQs~em derretidas quando esse metal se tornou escasso na Idade Média. Somente e;11Delfos foi encontrada u;l1a dessas estátuas, a figura de um - auriga (Fig. 53), cuja cabeça mostramos na Fig. 54. Surpreende como ela é Y diferente da idéia que em geral logo fom1al1los ao observar as cópias de que . dispomos. Os olhos, que com tanta freqüência parecem vazios e inexpressivos nas estátuas de mármore ou são cegos nas cabeças de bronze, são destacados com pedras colorida; - como sempre eram naquela época. Os cabelos, olhos e lábios são levemente dourados, o que transmite a todo o rosto vivacidade e calor. E, no entanto, tal cabeça nunca parecia rebuscada ou vulgar. Podemos concluir que o artista tinha a intenção de imitar um rosto real, com todas as suas imperfeiçôes, mas a modelava a partir dos seus conhecimentos sobre a forma humana. Ignoramos se o auriga constitui um bom retrato - talvez não "pareça" realmente um auriga real, no sentido em que entendemos hoje a palavra "parccenca". 54
  • 10. MIIS • ,11111,('111 t'l IIVjl1 ~llL' dê um S~I' human , Ic maravilhosa silllplidducl' • beleza. I I'~S como essa, que nâo são sequer mencionadas pelos autores gregos clás: j os, lembram-nos o que devemos ter perdido na mais famosa dessas estátuas de atletas, como o "Discóbolo", do escultor ateniense Myron, que provavelmente pertenceu à mesma geração de Fidias, Foram encontradas várias cópias dessa obra, o que nos permite, pelo menos, formar uma idéia geral de 'como ela seria (Fig. 53). O jovem atleta é representado no instante em que está prestes a lançar o pesado disco. Ele dobra o corpo para adiante e projeta o braço para trás de modo a poder lançá-lo com mais força, No momento seguinte, vai girar e soltar o disco, sustentando o lançamento com uma rotação do corpo. A atitude é tão convincente que os atletas modernos a adotaram C0l110 modelo e com ela procuram aprender o exato estilo grego de lançamento do disco. Mas isso se torna menos tãcil do que seria.de esperar Eles se esquecem de que a estátua de Myron nªo é 0_ congelamento de uma cena de documentário cinematográfico de esportes, mas uma obra de arte grega. De fato, se a observarmos mais CJlicladosanwnre descobriremos que Myron logrou esse extraordinário eleito de movimento através, sobretudo, de uma nova adaptação de métodos artísticos multo antIgos. Se nos colocarmos dIante da 'estatua e nos 55 C ) 1 entrarmos a enas em seus C0l1tOI·110S.subitamente nos are os co Dístóbolo, r. 450,.C. o a. < relacào (On1 a tradjcão da 3Jte e i cia. A sen1elhan a dos intores ~';lóE:.t!!~~:IJt::~;11~~ll~lnl;:.iI~;J(1rl' caí cio M 'ron deu-n .as ::> • M'I'O';. ;llmril1:;5 çrn;! " ". MI~I'o Nanonale Rlllll;UlO. ':, iel Ista lateral; tal como aqueles, tambem compos ;1 Imagem do corpo de Ito"", ,:."1 1111homem segundo os planos vIsuaIs malS caractenstlcos e suas partes. ~ ..:i Mas, em suas mãos, essa velha e gasta fórmula tornou-se algo inte~rame'nte ~ ..••...l..JJy-c-tC~.' .•'.'.;' dlferente. Em vez de combll1ar esses planos VlsualS na representaç;lO ~>.i 'i vincente de uma ose rígida, pediu a um mo e o rea que posasse ~ .~'i n.aQueJa atitude e adaptou o de tal mo o gue nos C/aa 11l1pressJo drs-e-r a (j.Y.'p ;1:: representado exata de um corpo em movimento. Se isso correspom!e OlL K ,c'. nfio ao movimento perfeito, mais adeguado e eficaz para lançar o disc<,?. -r; pouca importância tem. O que importa é que Myron conquistou o !).Pb ",. movimento, tal como os pintores do seu tempo conquistaram o espaço. 'i,>,c',i,' ..I.I.•,' De todos os originais gregos que chegaram até nós, as esculturas do .. Partenon talvez reflitam essa nova liberdade da maneira mais digna de admiração. O Parrenon (Fig. 50) foi completado uns vinte anos depois do templo de Olímpia, e, nesse breve espaço de tempo, os artistas tinham adquirido desenvoltura e fâcilidade cada vez maiores na resolução de problemas de representação convincente. Ignoramos quem foram os autores das decorações do templo, mas, como Fidias foi o autor da estátua de Atena no santuário, parece provável que a sua oficina também tenha fornecido as outras esculturas. As Figs, 56 e 57 mostram fragmentos do extenso friso que corria em toda a volta da parte superior interna do edificio e representava o desfile anual durante a festa solene da deusa. Havia sempre jogos e exibições esportivas no curso dessas festividades; uma das provas consistia na perigosa
  • 11. 51> AIIf~I!I1, {. 440 a.C. !}"(JJJll' do frise d,- mármore do Pancnon: Ilrinsh Muscum. Londres proeza de conduzir um carro e saltar para fora e para dentro dele com os quatro cavalos a pleno galope. Essa é a prova que se mostra na Fig. 56. No começo, o observador poderá ter dificuldade em orientar-se nesse primeiro fragmento, pois o relevo está seriamente danificado. Não só uma parte da superfície está quebrada, mas desapareceu toda a cor, o que provavelmente fazia as figuras se destacarem de forma brilhante contra um fundo intensamente colorido. Para nós, a cor e a textura do mármore fino são algo tão maravilhoso que jamais desejaríamos cobri-lo de tinta, mas os gregos pintavam até seus templos com fortes cores contrastantes, como vermelho e azul. Mas, por muito pouco que tenha restado do trabalho original, vale sempre a pena, no caso de esculturas gregas, esquecer o que desapareceu em troca da pura alegria de descobrir o que sobrou. A primeira coisa que vemos em nosso fragmento são os cavalos, em número de quatro, todos emparelhados. As cabeças e patas estão suficientemente bem preservadas para nos darem uma idéia da mestria com que o artista logrou mostrar a estrutura de ossos e músculos sem que o conjunto parecesse rígido ou árido. Logo percebemos que deve ser também esse o caso das figuras humanas. Podemos imaginar, pelos vestígios que restaram, com que liberdade elas se movimentavam e com que clareza se destacavam os músculos de seus corpos. O escorço já OJO apresentava grandes problemas 57 (:mlalo c (aJ!t1lâro, (.440,.C. Dt'!allw do friso dt' mármnrc do Parrcnou: Bricish MlIs~·urn.LtI!I!r~'~
  • 12. I :WI o artista. braç com o escudo é desenhado com perfeita desenvoltura, assim como o penacho esvoaçante do elmo e a capa enfunada pelo vento. Mas todas essas novas descobertas não "descontrolaram" o artista. Por mais que o entusiasmasse essa conquista do espaço e do movimento, não sentimos que ele estivesse ansioso por exibir tudo o que era capaz de fazer. Ainda que os grupos tivessem adquirido vida e animação, nem por isso deixaram de ajustar-se bem ao arranjo de um desfile solene que marcha ao longo da parede do edifício. O artista ainda reteve algo da sabedoria do arranjo que a arte grega derivou dos egípcios e do treinamento em padrões geométricos que tinha precedido o Grande Despe.rta.r. É essa segurança manual que torna tão lúcido e "certo" cada ~~ detalhe do friso do Partenon. odas as obras re as desse 'ande eriodo mostram essa sabedoria e qV .habilidade na distribuição dasfiguras, mas os ~os de então valorizavan}.~ I ainda mais o L1to de que a recém-adquirida liberdade para representar o corpo humano em qualquer pOS1caoou mOVlJllento podiaserü5TiZaãã para iZ?' 'efletir a vida interior das figuras representadas. Sabemos por um dos seus iscí ulos ser isso o ue o ran e I 'aso o ocrates, que ora e e mesnio treinado como escultor, exortava os artistas a L1zer.Deviam representar a "atividade da alma", observando minuciosamente o moa'o como "os , sentimentos afetam o corpo em ação". . Uma vez mais, os artífices que pintavam vasos tentaram manter-se a par dessas descobertas dos grandes mestres cujas obras se perderam. A Fig. 58 representa um comovente episódio da história de Ulisses: o herói volta para casa após dezenove anos de ausência, disfarçado de mendigo, com um bordão, alforje e tigela, e é reconhecido por sua velha ama, que descobre na perna dele a cicatriz de um velho ferimento quando lhe lavava os pés. O artista deve ter ilustrado uma versão algo diversa da de Hornero (onde a ama tem um nome diferente do inscrito no vaso e Eurnaios, o guardador de porcos, não está presente); talvez ele tivesse visto uma representação teatral em que essa cena era interpretada, pois lembramos ter sido também nesse século que os dramaturgos gregos criaram a arte do Teatro. Mas não precisamos do texto exato para sentir que algo dramático e comovente está acontecendo, pois a troca de olhares entre a ama e o herói quase nos diz mais do que as palavras poderiam dizer. De fato, os artistas gregos tinham dominado os meios de transmitir um pouco dos sentimentos mudos existentes entre as pessoas. t essa capacidade de nos revelar "a atividade da alma" na P,<:lstura.,do corpo que converte uma simples lápide como a da Fig~..2..Jl1!..I.lliLgJ:aUde _ obra de arte. O relevo mostra Hegeso, que está sepultada sob a lápide, tal c era em vida. Uma 'ovem serva, em pé, diante dela, oferece-lhe um estojo do qual Heg~_J>irece escolher llllla..I01a. ' uma cena tranqui a que poderíamos comparar com a representação egípcia de Tutankhamon em seu trono, com a esposa ajustan(h;:The';gos-(p~69:Fíg~-42 . Tamoérna--- obra egípcia é maravilhosamente clara em seus contornos, mas, apesar do__ o . ._.,... ~ 58 Uíisses reconhecido pM sua vcllia 11I/M, século V a.C. Vaso no csrilo de "{jgllr;ls vermelhas": nltura 205 em; Musco A1Cblo olog-il'o Nnzionnlc, Cluu,j
  • 13. S9 Pcdrll /li/I/111m' de Hcycso, r. 4()O o.C. M;;I"JI1H('. nltum J'17 em: MlI~(·lI Arqu('olúgirl) N:n:I!!I.11. Atenas Oficina de um escultor g;,go, c. 480 ..c. Cena do lado inferior de U!Jl;1 laça no estilo de "fi~lras vermelhas"; ànqllrrd'I::t fundição de bronze com C~bOÇ05 na parede; ,i direi/a: homem trabalhando numa csrárua sem c;lbC'Çl. estando esta no chão: diámcrro 30,S em; Anrikcnsarumlung. Sraarliche Musccn. Bcrlim fato de datar de um período excepcional da arte egípcia, é bastante rígida e afetada. O relevo grego desfez-se das embaraçosas limitações mas reteve a lucidez e a beleza do arranjo, o qual deixou de ser geométrico e angular para se tornar livre e descontraído. O modo como a metade superior é emoldurada pela curva dos braços das duas mulheres, a maneira como essas linhas são replicadas pelas curvas do escabelo, o método simples pela qual a bela mão de Hegeso converte-se no centro de atenção, o ondear das vestes que envolvem as formas do corpo, tão expressivas de um momento de calma - tudo se combina, enfim, para produzir aquela harmonia simples que só veio ao mundo com a arte grega .do século V.
  • 14. • o IMPÉRIO DO BELO /:I Grécia e " inundo <~reg.o:séculos 1V a. C. a 1 d. C. o grande despert,)r da arte para a libel'd;ide tinha ocorrido nos cem anos entre, aproximadamente, 5')0 e 420 a.c. Em tlna{s do séc-uiüYJ.c.:Os artistas já haviam adquirido plena consciência de seu poder e mestria, e o mesmo se passava com o público. Embora os artistas ainda fosse;l olhados .como meros artlÍlces e, talvez, desprezados pelos esnobes, um número -- crescente de pessoas começou a se interessar pelo trabalho deles como obras de arte, e não apenas por suas funções religiosas ou políticas. As pessoas compararam os méritos das várias" escolas" de arte; quer dizer, dos vários métodos, estilos e tradições que distinguiam os mestres em diferentes cidades. Não há dúvida de que a comparação e a competição entre essas escolas estimularam o artista para esforços sempre maiores e ajudaram a criar aquela variedade que admiramos na arte grega. Em arquitetura, vários estilos começaram a ser usados simultaneamente. O Partenoll fora edificado DO estilo dórico (p. 83 Fig. 50), mas, nos edificios ulteriores da Acrópole, , foram introduzidas as formas do chamado estilo jônico. 9~ípio que presidiu à construção desses templos foi o mesmo dos dÓlicos, -mas, emseu todo, a aparência e o caráter acabam sendo diferentes. O edificio que mostra isso com o máximo de perfeição é o templo chamado Erecteion (Fig. 60). As colunas do templo jónico são muito menos maciças e fortes. São como hastes mais esguias, e o capitel ou remate da coluna deiX;i""ãe"Ser mJJa simples almofada sem ornatos para tornar se ncamente decorada, com volutas laterais; estas outra vez parecem expressar a função da parte que sustentaa vig;! tpnsversal onde o telhado a~~çnta. A impressão global desses edifkios, com seus detalhes hnam~nte lavrados, e de mÍlmta graclOsldade e leveza. A mesma característica de graça e leveza marca a escultura e a pintura desse período, que começa com a geração seguinte à de Fidias. Atenas, durante essa época, esteve envolvida numa cruenta guerra com Esparta, a qual pôs fim à sua prosperidade - e à da Grécia. Em 408 a.c., durante um breve intervalo de paz, uma balaustrada entalhada foi acrescentada ao pequeno templo consagrado à deusa da vitória na Acrópole, e suas esculturas e ornamentos mostram a mudança de gosto, no sentido da delicadeza e do refinamento, que também se refletem no estilo jônico. As tlguras foram deploravelmente mutiladas, mas eu gostaria, não obstante , de ilustrar uma delas (Fig. 61), a fim de mostrar como ainda é bela essa tlgura destroçada, mesmo sem cabeça e sem as mâos. É a figura de uma jovem,
  • 15. uma das deusas da vitória, inclinando-se para atar uma sandália que se lhe afrouxou enquanto caminhava. Com que supremo encanto essa parada súbita é retratada, e com que suavidade e opulência a túnica diáfana cai sobre o belo corpo! Podemos ver, nessas obras, que o artista será capaz de fazer tudo o que quiser. Já não tinha a menor dificuldade em representar o movimento ou a perspectiva. Sua própria mestria, seu virtuosismo, talvez o tornassem algo presunçoso. O artista do friso do Partenon (pp, 92-3, Figs. 56-7) não parecia levar em grande conta a sua arte ou o trabalho que estava realizando. Cumpria-lhe a tarefa de representarum desfile, e ele se esforçou laboriosamente por representá-lo tão nitidamente quanto podia. Não creio que estivesse muito consciente do fato de ser um grande mestre, de quem velhos e moços, indistintamente, ainda estariam falando milhares de anos depois. O friso do templo da Vitória mostra-nos, talvez, o início de uma mudança de atitude. O artista revelava-se agora orgulhoso do seu imenso p,oder, e era perfeitamente justo que assim estivesse. E assim, gradualmente, iJurante o século IV o enfo ue da arte sofi-eu uma rnudança. 7'i:sestatuas ele deuses de Fidias tinham ficado famosas em toda a Grécia como J~epresentações dos deuses. As estátuas dos grandes templos do século IV 'anjearam reputação mais em virtude da sua beleza como obras de arte. Os grq,'os educados ISClltJamagora pmturas e estatuas como uiscunam poemas e teatro; elogiavam sua e eza ou cntICavam sua arma e .concepção. 4 4. 60 61 Deusa da vitória, 408 a.c. De urna balaunrada cru torno do Templo da Vuória '111 A[l'Jla~: mánnore , almra 106 em; Museu (.1.1Acrópolc, At~nas
  • 16. .2 Praxitclcs Hcnncs (011I (I jCJP/'/Il Dioniso, r. .34'0 a.C. Mármore, ahurn 21.1 em: 11l1s'1I Arqtlt'ológI(ll, Olirnpia IlHlln 111[ ti t11.M ~ 11111. Pl'IIXIlC] '. '1' ~ li '~Id) '1 I11 • 1' li. fascínio de su: 1'0. 1 do~ 1I1'U I' I) caráter insinuante de SUfl,1 C!ill' • Seu trabalho mais f:. rn s , IIj() louvor foi cantado em muitos poemas, representava a deusa do Amor, a jovem Afrodire entrand n seu banho. Contudo, essa obra desapareceu. Supõe-se que urna estátua descoberta em Olimpia no século XIX seja um original saído de suas mãos (Figs. 62-3). Mas não podemos ter a certeza. Pode ser apenas uma cópia fiel, em mármore, de uma estátua de bronze. Representa o deus Herrnes segurando o jovem Dioniso em seu braço e brincando com ele. Se olharmos de novo, na p. 79, para a Fig. 47, veremos que enorme distância a arte grega percorreu em duzentos anos. Na obra de Praxíteles, todos os vestígios de rigidez desapareceram. O deus ergue-se diante de nós numa postura descontraída que, contudo, não prejudica a sua dignidade. Mas se meditarmos um pouco sobre o modo como Praxíteles obteve esse efeito, começaremos a entender que nem mesmo então fora esquecida a lição da arte antiga. Praxiteles também se preocupa em mostrar as articulações mais importantes do corpo para nos fazer entender o seu funcionamento com a maior clareza possível. Mas agora pode fazer tudo isso sem manter sua estátua como uma figura hirta e inanimada. Pode mostrar os músculos e ossos que se distendem e se movem sob a pele maciav.e dar a}P'lpressão de un}Ç.Qrpoestll'lme de vitalidade, em plena graça é beleza. Ent!'etaqto cumpreentêÔde'r quI" Praxíteles e os antros artistas gregos alcancaram esse grau de beleza através do conhecjmento I;São existe COll'0 humano que seja tão simétrico, tão bem-construído e belo quanto o das estátuas gregas. As pessoas pensam fregÜentemente que o ipétodo empregado pelos artistas consistia em observarem muitos corpos e deixarem de fora qualquer característica que não lhes agradasse; que ,..cGmeçavam cop1al1do meticulosamente a aparência de um homelTl-;:;;l e depois o embelezavam, omitindo qualquer irre ularidade ou tra o ue mo se 1armOIllzasse com a idéiade um COlpOperfeito Mujt~ artistas gregos "idealizaram" a natureza e gue a conceberam em termos de um fotógrafo que retoca um retrato eliminando pequenos defeitos. Ocorre, 'n? entanto, que uma totograba retocaaa e uma estátua idealizada carecem usualmente de caráter e vi or. Tanta coisa fica de fora e tanta é 1'1'1 a 63 -
  • 17. que pouco restará além de um pálido e insípido espectro do modelo. O enfoque grego era, na realidade, exatamente o oposto. Durante todos esses séculos, os artistas que estivemos analisando se empenhavam em insuflar cada vez mais vida nos corpulentos modelos antigos. Na época de Praxireles, esse método produziu seus Iruros mais maduros. Os velhos tipos começaram a se mover e a respirar sob as mãos do hábil escultor, e erguem-se diante de nós como seres humanos de verdade, mas, ao mesmo tempo, como seres de um mundo diferente e melhor. São, de fato, seres de um mundo diferente, não porque os gregos fossem mais sadios ou mais belos do que outros homens - não há qualquer razão para pensar que fossem -. mas porque a arte, nesse momento, atingira um ponto em que o típico e o individual eram colocados num novo e delicado equilíbrio. 6. Apolo do Bclvcderc. r. 350 a.c. Cópi:l romana 1.'111Ill:irlllort'. segundo uma <:~{átu;l gr"~J original. alcura 2:24 em: Mnsco Pio Cl<'!lKmiIlO, Vaticnno 65 VêlJlJS de Ali/o, c. 200 a.c. Mármore, Jhura202: em; Louvre, Pari} MlllrlN dll! (11 IIOHIIHIIIIIU tlilllllll CJ. S ,j a jll I1.ll'llllldllJiIIIt!i1 ('111 épo 'as r' 'IU'S CUIII "I""" ('IIIIIIVIl! de criaturas humanas pc!'l"itoN SI 11 cópias ou variantes de estámas produzidas em mead s do sé ul ) IV a.c. O Apelo do Belvcdere (Fig. l4) mostra o modelo ideal do corpo de UI1I homem. Quando o temos diante dos olhos, em sua impressionante pose, segurando o arco no braço estendido e com a cabeça de lado, como se estivesse seguindo com a vista a trajetória da flecha, nào temos dificuldade em reconhecer o tênue eco do antigo esquema em que a cada parte do corpo el-a dado o seu mais característico plano visual. Entre as famosas estátuas clássicas de Vênus, a Vênus de Milo (assim chamada porque a encontraram na ilha de MeIos) talvez seja a mais conhecida (Fig. 65). Pertenceu provavelmente a um conjunto de Vênus e Cupido realizado num período algo mais recente, mas que usou as inovações e os métodos de Praxíteles.Foi idealizada para ser vista de lado (Vênus estendia os braços para Cupido), e podemos, uma vez mais, observar a clareza e a simplicidade com que o artista modelou o belo corpo, o modo como assinalou as suas principais divisões, sem se tornar jamais desarrnonioso ou indefinido. É claro que esse método de criar beleza realizando uma figura geral e esquernática que se torna cada vez mais real, até a superfície do mármore parecer animar-se de vida e respirar, tem um inconveniente. Era possível criar tipos humanos convincentes por esse meio - mas tal método levaria alguma vez à representação de seres humanos, em sua individualidade e permanência? Por estranho que nos pareça, a idéia de um retrato, na
  • 18. ;I('~p,::i() eru 'JllL' se 1l~;1 hoje' :1 palavra, SÓ viria a ocorrer aos gregos já em fins do século IV.. É cerro 11:1'er notícia de retratos feitos em épocas anteriores (pp. 1-;9-90, Fig. 54). mas essas estátuas não eram provavelmente reprcsenraçóes muito íié'is. O retrato de um general pouco mais era do que a imagem de qualquer soldado de boa aparência, com um elmo e um bastão de comando. O artista nunca reproduzia o formato do nariz, as rugas da testa ou a expressão específica do retratado. É um fato estranho, que ainda não examinamos o bastante, terem os artistas gregos, nas obras que vimos, evitado dar às cabeças uma expressão particular. Isso é ainda mais surpreendente, na verdade, do que parece à primeira vista, pois é quase impossível rabiscarmos o mais simples rosto numa folha de papel sem lhe imprimir alguma expressão especial (usualmente, uma expressão divertida). As cabeças de estátuas ou de pinturas gregas do século V não são inexpressivas, é claro, no sentido de parecerem opacas ou vazias, mas suas feições nunca parecem demonstrar qualquer emoção forte. Era o corpo e seus movimentos que esses mestres usavam para expressar o que Sócrates chamou "a atividade da alma" (pp. 94-5, Fig. 58), porquanto pressentiam que o jogo fisionómico iria distorcer e destruir a simples regularidade da cabeça. Na geração que se seguiu à de Praxíreles, em fins do século IV, essa limitação desfez-se gradualmente, e os artistas descobriram meios para animar as feições sem lhes destruir a beleza. Mais do que isso: aprenderam como captar a atividade da alma de um indivíduo ou o caráter peculiar de uma fisionomia, e como fazer retratos na acepção atual da palavra. Foi na época de Alexandre que as pessoas começaram a discutir essa nova arte do retrato. Um autor desse período, satirizando os hábitos irritantes dos aduladores e subservientes, menciona que eles sempre explodem em sonoros elogios à impressionante parecença dos retratos de seus benfeitores. O próprio Alexandre preferia ser retratado por seu escultor palaciano, Lisipo, o mais celebrado artista da época, cuja fidelidade ao natural espantava os seus contemporâneos. Pensa-se que o seu retrato de Alexandre está refletido numa cópia livre (Fig. 66) que nos mostra até que ponto a arte tinha mudado desde o tempo do auriga délfico, ou mesmo desde o tempo de Praxireles, que era apenas uma geração mais velho do que Lisipo. É claro, o 'problema com todos os retratos antigos é que realmente não podemos nos pronunciar sobre a sua parecença com os retratados - muito menos, de fato, do que o adulador na história. Talvez se pudéssemos ver uma foto de Alexandre descobríssemos que ele era muito diferente do busto. Possivelmente, as estátuas de Lisipo assemelhavam-se muito mais a um deus do que ao conquistador da Ásia. Mas podemos afirmar sem o menor constrangimento: um homem como Alexandre, espírito inquieto, imensamente talentoso mas algo pervertido pelo sucesso, poderia parecer-se com esse busto, com seu supercílio altivamente erguido e sua expressão vigorosa. A fi.mdação de um império por Alexandre foi um evento sobremodo importante para a arte grega, que depois de ser divulga da em meia dúzia de 6(, Cabeça. di' AI.:x(1fuirr (l Crondc, c. 325-300 '.C. Cópia (1(, mármore segundo origina] de Lisipo. alwr:l ,,! em; MU.C'll An]u{"()16(ricu, Isrambul 4,
  • 19. pequenas cidades se Converteu na linguagem pictórica de quase meio mundo. Essa mudança estava fatalmente destinada a afetar o seu caráter. Referimo-nos usualmente a essa arte do período subseqüente não como arte grega, DIas como arte helenística, por ser esse o nome comumente dado aos impélios fundados pejos sucessores de Alexandre em solo oriental. As cidades mais importantes desses impérios, AJexandria no Egito, Antioquia na Síria e Pérgarno na Ásia Menor, fizeram aos artistas exigências diferentes daquelas a que estavam habituados na Grécia. Mesmo na arquitetura, as formas simples e robustas do estilo dórico e a graça natural do estilo jônico não eram bast<ll1tes.Deu- se preferência a uma nova forma de coluna, a lIal tinha sido inventada no J ' V e denominada em home O'.m à lica cida e e em no e Corinto Fi . 67 . No estilo codntio, foi adicionada folhagem às volutas es iraladas 'ônicas ara decorar o ca itel, e havia em geral Çlmamentos mais numerosos e mais ricos em todo o edificio. Esse modo ll!xuoso ham10nizava-se com as suntuosas construçoes que oram ~seminadas em vasta esca a pe as recem- undadas cIdades d eM/lte Próximo. Poucas entre elas foram reservadas, mas o que resta de períodos subseqüentes dá-nos uma impressão de grande magnificencia e esp en oro Os estilos e invenções da arte grega foram aplica os a esca a gran iosa os reinos orientais, de acordo com as suas tradições. Afirmei que a arte grega estava fadada, como um todo, a sofrer unia profunda mudança no período helenístico. Essa J11udança pode Ser observada em algumas das mais famosas esculturas dessa era. Uma delas é um altar proveniente da cidade de Pérgamo, erigido cerca de 160 a.c. (Fig. 68). O grupo representa a luta entre os deuses e os gigantes. É um trabalho SUntuoso, mas procura-se debalde a harmonia e o refinamento da anterior escultura grega. O artista pretendeu, obviamente, obter fortes efeitos teatrais. A batalha desenrola-se com terrível violência. Os desajeitados gigantes são esmagados pelos deuses triunfante] e olham para o alto num frenesi de agonia. Tudo está repleto de movimento desordenado e vestes esvoaçantes. Para tornar o efeito ainda mais impressionante, o relevo deixou de ser achatado Contra o plano de fundo para se compor de figuras quase soltas, as quais, em sua luta, parecem transbordar para os degraus do altar como se pouco lhes importasse saber a que lado pertenciam. A arte helcnística adorava tais obras tumultuosas e veementes; desejava ser impressionante ... c impressiollallte por certo era. 4 4, 6Z_ C,lpircl "ror/mio", c. 300 a.c. Ml1~I'(l Ar-Jlll'n]úg-i"ü. Epi,burtl 68 O 11"111' de ZI'/(. di' Pét/;!,JI/JO, (. J 6,-1 56 a.C. M;irlllor~'; POf;~m()IlIllU~I·lIIJ1. Sr;l;lrljç]ll' [Vlll~t't·ll. 13,'r1iJll
  • 20. 69 Hagcsandro, Atcnodoro e Polidoro de Rodes LUlCOOllfC l' seusfiíhos, c. 175-50 a.c. Minnorc. ahurn 242 em: MUSl:o Pio Clcmcnono. V:UiC~110 Algumas da, obras da escultura IÃssicn que ri 'slhlLíI 1'11111dt, illilJ(l1111111>1 em épocas ulteriores for:1111criadas durante perlod iJL'1'n li ),( 1111111111 o grupo de Laocoonre (Fig. 69) foi descoberto em 1506, S 'li t:li'ito td1l-dt'O causou profundo impacto emocional nos artistas e amantes Ia art , grupo representa a terrível cena que é também descrita na Eucida, de Virgílio: o sacerdote troiano Laocoo nre advertiu seus compatriotas 1':11"<1n}iu aceitarem- o cavalo de madeira onde se escondiam os soldados gregos. s . deuses, vendo contrariados os seus planos de destruição de Tróia, enviaram duas gigantescas serpentes-da-mar que envolveram o sacerdote e seus dois infelizes filhos em seus anéis e os estrangularam. É uma das histórias de absurd; crueldade perpetrada pelos deuses olímpicos contra pobres mortais, muito freqüentes nas mitologias gr.ega e latina. Gostaríamos de saber CCHno a história impressionou o artista grego que concebeu esse comovente grupo. 'Desejaria ele que sentíssemos 'O horror de limá cena em qlié' uma vítima inocente sofreu por ter falado a verdade? Ou pretenderia, , principalrnenre, exibir o seu próprio poder de representar uma luta aterradora e mesmo sensacional entre o homem e a besta? Ele tinha todas as razões para se orgulhar da sua habilidade. A maneira como os músculos do tronco e dos braços transmitem a idéia de esforço e sofrimento na luta desesperada, a expressão de-dor no rosto do sacerdote, as contorções , impotentes dos dois rapazes, e o modo como todo esse movimento e agitação foram imobilizados num grupo permanente, tudo isso contribuiu para a admiração contínua que a obra suscita desde então. Mas não posso deixar de suspeitar, algumas vezes, de que essa era uma arte cuja intenção consistia em atrair um público que também se deleitava no horrível espetáculo das lutas de gladiadores. Talvez seja errôneo recriminar o artista por isso. O fato é que provavelmente nessa época, o período do helenismo, a arte já perdera em grande parte suas antigas vinculações com a magia e a religião. Os artistas passaram a interessar-se pelos problemas do seu oficio em termos de arte pela arte, e a dificuldade de como representar tão dramática luta com todo o seu movimento, fulgor e tensão era justamente o gênero de ral'efáque testari? a habilidadede um artista. Os acertos ou erros do destino de Laocoonte podem não ter sequer ocorrido ao espírito do escultor. Foi nessa época, e nessa atmosfera, que as pessoas ricas começaram a colecionar obras de arte, mandando fazer cópias das mais famosas se não pudessem obter as originais, e pagando preços fabulosos pelos originais que pudessem adquirir. Os escritores começaram a interessar-se por arte e a escrever sobre as vidas dos artistas, colecionaram anedotas sobre suas excentricidades e compuseram guias para visitantes. Muitos dos mestres mais famosos entre os antigos eram pintores e não escultores, e nada sabemos a respeito de suas obras, salvo o que encontramos nos excertos de livros de arte clássica que chegaram até nós. Também sabemos que esses pintores estavam mais interessados nos problemas especiais de seu oficio do que em pôr sua arte a serviço de uma finalidade religiosa. Ouvimos de
  • 21. mestres que se espc ializararn em temas iJlSp.il'~d)S lal vidn .oudlaun, qUI' pintaram barbearias ou cenas de peças teatrais, 111~St das essas pintums H' perderam. A única maneira pela qual podemos formar alguma idéia sobr caráter da pintura antiga é observando os trabalhos murais e os mosaicos descobertos em Pompéiae em outros lugares. Pornpéia, uma cidade de veraneio habitada por famílias abastadas, foi sepultada sob as cinzas do Monte Vesúvio quando se deu a erupção em 79 d.e. Quase todas as casas e uillas nessa cidade tinham pinturas murais, colunatas e galerias ilustradas, imitações de quadros emoldurados e de cenários para palcos teatrais. Nem todas, essas pinturas são, obviamente, obras-primas, embora surpreenda ver o gral;de número de bons trabalhos numa cidade pequena e de importância relativamente pequena. Dificilmente faríamos tão boa figura se uma das nossas estâncias de veraneio de qualquer litoral viesse a ser escavada pela posterioridade. Os decoradores de interiores de Pornpéia e cidades vizinhas como Herculaneum e Stabiae desenhavam livremente, apoiando-se, é claro, no acervo de invenções dos grandes artistas helênicos. Entre muita coisa trivial, descobrimos às vezes uma figura de requintada beleza e elegância, como a Fig. 70, que representa uma das Horas colhendo uma flor como se executasse uma dança. Ou surpreendemos detalhes como a cabeça de um fàuno (Fig. 71), proveniente de outra pintura, que nos propiciam uma idéia da mestria e da liberdade que esses artistas haviam adquirido ao manipular a expressão. Quase todas as espécies de elementos suscetíveis de participarem de pintura serão encontradas nesses murais decorativos: bonitas naturezas- mortas, por exemplo, como dois limões num copo de água, e cenas mostrando animais, Até pinturas de paisagem existiam ali. Talvez tenha sido, essa a maior inovação do período helenisrico. A antiga arte oriental não tinha uso algum para as paisagens, exceto como moldura para as cenas de vida humana ou de campanhas militares. Quanto à arte grega, ao tempo de Fídias ou de Praxiteles, o homem continuou sendo o tema principal do interesse do artista, No período helenístico, a época em que poetas como Teócrito descobriranl o encanto da vida simples entre pastores, os artistas tentaram também evocar os prazeres da existência campestre pJLl 70 DC1Ilz('/il(c11lIt'lufojl0f('s, sé-culo I d.e. Decilhc di' pinmra mural de St;loi;l~': Museu A,.,hl'o]o!-:i,'l N;lzinll;lk, N;il'.lk~ . 7J Cilbc(a de rUII}lIH/O, século II s.c. Dcralhc dcurn mural proveniente til, H('rcu!ant'Ulll: Mus •.-o Arcbcologic c N:IZioll;,IC'. Nápoles '2'
  • 22. os refinados habitantes das cidades. Essas pinturas não são vistas reais desta ou daquela casa de campo ou de bonitas paisagens. São, antes, coleções de tudo o que constitui uma cena idílica, pastores e rebanho, rústicas ermidas, palacetes e mon tanhas distantes (Fig. 72). Tudo estava encantadoramente disposto nesses quadros, e todas as peças componentes se apresentavam em seus melhores e mais favoráveis aspectos. Sentimos realmente estar olhando para uma cena de profunda serenidade. Não obstante, mesmo essas obras são muito menos realistas do que poderíamos pensar à primeira vista. Se começássemos a fazer perguntas embaraçosas ou tentássemos desenhar um mapa da localidade, não tardaríamos em descobrir que isso era impossível de fazer. Ignoramos que distância existirá entre o pequeno santuário e o palacete, e se a ponte está perto ou longe do santuário. O fato é que mesmo os artistas do período helenístico desconheciam o que chamamos de leis da perspectiva. A famosa avenida de choupos, que se afasta até um ponto de fuga e que muitos de nós desenhamos na escola, não constituía então lima tarefa rotineira. Os artistas desenhavam mais pequenas as coisas distantes te maiores as coisas mais próximas ou importantes, mas a lei da rec!uç3o regubr de objetos ~ medida que se distanciam, o enquadramento lixo ClIl qll" I'"d,''')o, representar uma paisagem, não eram adorados pela 72 Paisagem, século I d.e. Pintura mural; Villa Albani. Roma ESCIIlror gn:~o lraúalhalldo, século I <t.C. GI~I,;'Ição de H11;'l gClIl: hcleuisrica: 1,3 X 1.2 em: Merropotiran MU.'CUlll of An, Nova York antiguidade clássica. Com efeito, mais de mil anos transcorreriam antes que a lei passasse a ser aplicada.iAssim, mesmo as obras mais recentes, inovadoras e presunçosas da arte antiga preservam ainda, pelo menos,.um remanescente do princípio que discutimos em nossa descrição da pintura egípcia. Mesmo aqui, o conhecimento do contorno característico de cada' objeto ainda contava tanto quanto a .impressâo real recebida pelos olhos. Reconhecemos há muito tempo que essa qualidade em obrasde arte nàó constitui um defeito a ser lamentado e olhado com desdém, mas que é possível ~ltingir a perfeição artística dentro de qualquer estilo. Os gregos romperam os rígidos tabus do primitivo estilo oriental e empreenderam uma viagem de descoberta a fim de acrescentarem às imagens tradicionais .. cio mundo uma quantidade cada vez maior de características obtidas através da observação. Mas suas obras nunca se parecem com espelhos onde se refletem todos os recantos, ainda os mais insólitos, da natureza. Elas ostentam sempre o cunho do intelecto que as criou.
  • 23. - - -------_.~~ ~~~~---""'--"===----"-""===-""'--""===~----"-""===~~-----===----=-===--~~----=~~-----==-=---=--===-=-~- -~--~--~ A HISTÓRIA DA ARTE E, H, Gombrich 5 CONQUIstAt)OIUS DO 'MUND Romanos, budistas, judeus e cristãos, séculos 111 I V d. C, 16." edição r;fC Vimos gúe POI1lPéia, uma peQuena cidade romana c()ntjIlha numerosos .reflexos da atte heleqís.ticl Com efeito, a arte permaneceu mais ou menos inalterada enquantoos romanos conquistavam O mundo e fundavam Seu próprio império sobre as ruínas dos reinos helênicos. A maioria dos artistas que trabalhavam em R,olíla era greg:I, e à maioria dos colecionadores romanos adquiria obras dos ~randes mestres gregos ou cÓpias dessas obras, Não obstante, em certa medida, a arte mudou, quando Roma se tornou .>( .•....• senhora do mundo', Aos artistas fórarn confiadas diferentes tarefas, c eles ~r ., tiveram, por conseguinte, que se adaptar .I0S novos métodos, A maIs! 'rJ e- notável realizaç;10 dos romanos ocorreu, provavelmente, na área ela ~~ V engenharia civil. Conhecemos tudo sobre as suas estradas, os seus ~''l, .-J!9}ledutos, os seus b~nhos públicos. Mesmo as ruínas dessas construções V.. conserval,H ainda hoje urn aspecto sobremaneira impr~ssiollante, Sentimo- ()- ~ nos formIgas quando call11l1hamosentre os enormes pIlares romanos, De .~ .: fato, foram essas ruínas que tornaranl impossível às gerações seguintes ~ 'O , .iP esq,llecer "') gr'J1Jfieza de ROI11a". V ! O mais famoso desses cd5ficios é. talvez. a giljalitesca àrena conhecida ,t:, _vl' como o Coliscu (fig, 73), E uma característica construção romana, a qual -...sS)Y .•.. : suscitou muito admiração em épocas subseqüentes, Em seu todo, constitui uma estrutura utilitária, com três ordens de arcos sobrepostos, destinados a sustentarem os assentos do vasto anfiteatro i,nterior.,.M'IS, na frente desses arcos. o arquiteto romano coloco%ullla espécie de cortina de tornm q.~ gregas, Na verdade, ele ilplicou to os o~ trÇj "sei 1m dI' constrllç~o usados ., p9 para ostemplos gregos, O andar térreo ç uma variaçào elo I;:stilodórico, V sendo conservados inclusive as méropas e os triglifos; O segundo andar é ~ .! jõ..!!i.co,e o terceiro e o quarto são meias colunas córíntias, Essa combinaç:lo;~ de cstrutllras romanas com tormas ou "ordens" ' ~ zia enorme so re os arquitetos posteriores, Se passarmos os olhos pelas nossas próprias cidades, poderemos t:Jcilmente encontrar exemplos de tal influência, Talvez nenhuma dessas criações arquitetõnicas reli/Ia cauâac!o ir. Ipressolo !113isduradoura do ljue os jlJ'('()uri.uUÚjS_qLl.e..()$_1;~)J,1,1a.1;10~_(;'I,i,gÜ:;!!11em todo o seu império na lc,ília, França (rir 74) Áti'(ca do Norte e Ásia. A arquitetura grega era composta geralmeure de unidades idênticas, que foram empregadas até, para o Coliseu: mas os arcos triunfais US:lIlImctodos que emolduram e acentuam a grande portada central, que é tlanqueada por Álvaro Cabral -=.t Lucnriudo l'IlI llist ória e Filosofia f,'eb Faculdade de Letras de Lisboa
  • 24. ;;.73 .O Coliseu, Roma, c. 80 d.e. Um antircarro romano 74 Arco triunfal de Tibério, Orall~~e,sul da Tranço, c. 14-37 a.c. ", aberturas mais estreitas. Era um arranjo que podia ser usado, para fins de composição arquitetural, como uma corda é usada para fins de composição musical. A mais importante característica da arquitetura romana é, porém, o uso de arcos. Essa invenção teve reduzida ou nenhuma importància nas editicaçôes gregas, embora possivelmente não tosse desconhecida dos arquitetos gregos. Construir um arco com pedras separadas em t0l111Jde cunha é uma dificilirna façanha de engenharia. Uma vez dominada essa arte. o construtor pode utilizá-Ia para projetos cada vez mais ousados. Pode lllultiplicar 05 pilares de uma ponte ou de um aqueduto, ou até Dlzer uso desse recurso para construir um teto abobadado. Os romanos tornaram-se
  • 25. 75 lntcnor do Pi1I1fCtll, Roma. c. [30 d.C. PmWfJ ,k(i P. PJ!lll:;l1. :.I;:~·II;;h15<'tllll ror 1(:_HJ;l. C',pçld1J!!llC grandes especialistas na arte da construção ,de >(:§ abóbadas, gracas a diversos expedientes de .::!? natureza técnica. O mais maravilhoso dos seus edificios é o Panteão, U111. templo dedicado a todos os deuses. E o único templo da antiguidade clássica que sempre se conservou como local de culto - sendo convertido em igreja no início da era cristã. Por essa razão, nunca se permitiu que se destizesse em ruínas. Seu interior (Fig. 75) é uma gigantesca rotunda com. teto em abóbada e uma abertura circular no topo, através da qual se vê o céu aberto. Não tem janelas, mas do alto todo o recinto recebe luz abundante e uniforme. Conheço poucos edifícios que transmitam uma impressão de tão serena harmonia. Não existe a menor sensação de peso opressivo. O enorme zimbório parece pairar livremente sobre nós como uma segunda abóbada celeste. Era típico d,os romanos aproveitarem da~' . arquitetura grega tudo que lhes agradava, . aplicando-o às suas próprias necessidades. Fizeram o mesmo em todos os campos . .1L!.ll:! de suas rinci ais necessidades era a de bons retratos gue representassem le luente os modelos. Na religião primitiva dos romanos, Ie.:;sesretratos haviam desempenhado um importante papeL Um dos seus • costumes <;ratransportar imagens em cera dos ancestrais nas proc,ssoef tunebres. E q:.lase certo que tal costume se relacionava COI~la cren 7 a de CJl!.e a represenraçao em lI]lagem preserva a alma, uma convlcçao que Ia ':::-J'-~ conhecemos do antigo Egito. Mais adiante, quando Roma já se convertera ~,~, num império, o busto de um imperador ainda era visto com religioso ~::"1temor e reverencia. Sabemos que todos os romanos deviam queimar ~~,.. incenso diante desse ,busto, como símbolo de sua lealdade e yassalagem ~ ~~ f que a perseguição aos cristãos ocorreu justamente porque eles se recusavamV ;1 cumprir tal exigência. O fato curioso é que, apesar da significado solene dos retratos, os romanos permitiram Que seus artistas os COlllp!!sessem Illais r~istas e menos lisonjeiros do que os gre.gos jamais tentaram fazer. Talvez tenham usado, algumas vezes, máscaras mortuárias, assim adguÜindo Ulll profundo conhecimento da estrutura e caracteListicas da cabeça humana. De ~ qualquer modo, conhecemos Pompeu, Augusto, Tito ou Nem, quase como ,rr- Sê estivéssemos vendo seus rostos na tela. Não existe a menor sombra ele •...•., ",;)( 'ldulação no busto de Vespasiano (Fig. 76) - nada ue udesse marcá-lo ;::;:~ co ,. ena ser um ros ero an uelro ou um a 1· ~ > ~uer. Não o srante, nada existe de mesguinho nesses retratos roruauos. ç-2,s,lItistas conseguiram, de algum modo, ser naturais S('1llpir na njvja!jchd" ~ IA .ut 1'11 JI) 76 Imperador VC..'ijJd:,idIl0. r. 7U d.C. Mirmorc. J!wr;t IJ:i em; Musco Ardl<.'ol,,~co Naztonalc, N,ipoic," lÁ ,HI 01
  • 26. Uma outra tarefa nova que o artista recebeu dos romanos reviveu um: costume que conhecemos do antigo Oriente (p. 72, Fig. 45). Também eles quiseram proclamar suas vitórias e contar a história de suas campanhas militares. Trajano, por exemplo, erigiu uma coluna gigantesca para mostrar roda a crônica ilustrada de suas guerras e vitórias na Dácia (a moderna Rornênia). Nessa coluna vemos legionários romanos pilhando, combatendo é conquistando (Fig. 78). Todo o engenho e as realizações de séculos de .irtc gn:g:1 Coram usados nessas autenticas tãçanhas de reportagem bélica. M.IS ;1 unportáncia que os romanos atribuíam a lima reprodução exata dos dCl:III,,:s c' :I u nt.i C1.1r.l l};llT;U:;V.1 que gravasse as (l<;anhas de lima campanha, ;lI'I"("S;,,".II,dl) '1''''111 lil::lr:l ('lIl elsa. modificou o car.itcr da arte. O 1"11'1'1,.11()hl"ll',) ,kl.()1I d,· {., .1 II.II'IUOII;:I .. , beloa,:I ,:xl'rcss:'o 77 Coluna de Tmjono, RI""a, c. 114 d.e. 78 Detalhe da Fig. 77: cenas mostrando l qUeda de uma cidade (em cima), urna baralha ccucra os bócios (centro) e soldados cercando trigo do lado de fora de uma tort.llcla (embaixo] 4.,
  • 27. dramática. 0, romanos erarn um o _._ ~?i.ieovo prosaico e pouco, se '{J-.V'- . . • importavani com deuses fantasiosos. ~ ..t:""h ' .: Contudo, seus mêtodos picroricos ae s: ~ narrar as façanhas de um herói provaram ser de grande valor para as religiões que entraram em contato com seu vasto império. Durante os primeiros séculos depois de Cristo, a arte helenística e mmana desalojou drasticamente as artes dos reinos orientais, até mesmo em seus anteriores baluartes. Os egípcios ainda sepultavam se~ mortos como múmias, mas, em vez de adicionarem as representacões do rosto no'esl:.jio egípcio, agora mandavam 'pintá-Io por artistas que conhecessem os estratagemas da al'te grega de retratar (Eig 79) Esses retratos, que certamente eram executados por humildes artífices a um baixo preço, ainda hoje nos espantam por seu vigor e realismo. Poucas obras de arte antigas se conservaram tão "modernas" quanto essas. Os eaí cios não foram os únicos a ada tar os novos métodos de arte às suas necessidades religiosas. Mesmo na distante [ndia, o modo romano e contar uma história e glorificar um herói foi adotado por artistas que se propuseram a tarefa e i ustrar a saga de Llllla conqUIsta paCl ica: a 11storia Enccmrado 1.:111 Lonv.n, 'V- - T Jng:li. P.I<1Ui'l.io (.I,'ltit::1 do l3uda. (;JIlJh:lrJ); :1.'[(1 preto. A arte da escultura florescera na Índia ll1UÍtO antes de essa influência ---'"ÍJ~~I~~~1;1Il: Mus,'u Indiano, helenística ter chegado ao país; mas foi na região fronreiriça de Garldhara que a figura do Buda surgiu pela primeira vez nos relevos que passaram a constituir o modelo para a arte budista posterior. A figo 80 representa o episódio da lenda do Buda designado como A Grande Renúncia. O jovem príncipe Gautama está deixando o palácio dos pais a 6111 de se fazer eremita na t1oresta. Dirige-se nos seguintes termos ao seu cavalo favorito, Kanthaka: "Meu querido Kanthaka, carrega-me uma vez mais somente por esta noite. Quando me tiver tornado o Buda com a tua ajuda, trarei a salvação ao mundo de deuses e homens." Se Kanthaka tivesse apenas relinchado ou feito algum ruído com os cascos, a cidade teria acordado e a partida do príncipe seria descoberta. Por isso os deuses lhe abalavam a voz e colocavam as mãos sob os cascos do animal sempre que este dava um passo. A arte grega e romana, que tinha ensinado o homem a vi~ualizar deuses e heróis com belas torrnas, também ajudou os indianos a criar uma imagem 79 Retrato de U/Il homem, c. 100 d.e. 11 II
  • 28. 1M ), lIN ,J IN IH N, (" 81 Cabcçç do Buda, séculos IV-V d.e. Encontrada em Hadda. AfeganÍ>r.io (ami!}1 Gandhara). estuque com traços de prgmenrc, altura 29 em; Vicroria and Alberc Museum, Londres 82 At/Ji~·és tirando água da pedra, 245-S6.d.e. Mural: >inag,og-:J de Duru-Europoc, Sina
  • 29. , I IJlIIllH1 'OIIS! 1'I,IÇ , análogas começaram a influenciar a arte quando a I 'I/fll: () l'isc: SI!propagou do Oriente Médio e também colocou a arte a S 'U s irviço. uando artistas cristãos foram pela primeira vez solicitados a representar O alvador e Seus apóstolos, mais uma vez a tradição grega os ajudou. A Fig. 83 mostra-nos uma das primeiras representações do Cristo, datando do século IV. Em vez da figura barbada a que nos habituamos através de ilustrações posteriores, vemos um Cristo em plena beleza juvenil, entronizado entre São Pedro e São Paulo, ambos exibindo a digna aparência de filósofos gregos. Há um detalhe, em especial, que nos lembra até que ponto essa representação ainda está intimamente ligada aos métodos da arte helcnistica pagã: para indicar que o Cristo está entronizado nas alturas, o escultor fez Seus pés descansarem no dossel do finnamento, sustentado pelo antigo deus do céu. As origens da arte cristã remontam ainda mais longe do que esse exemplo, mas os monumentos mais primitivos. nunca mostram o Cristo em pessoa. Os judeus de Dura tinham pintado cenas do Antigo Testamento em sua sinagoga. menos para adorná-Ia do que paractarrar a história sagrada em forma visível. Os primeiros artistas chamados a pintar imagens para lugares cristãos de sepultamento - as catacumbas romanas - agiram segundo um 83 O}, Ire." lwrncns n/I /<1rIIdllta 'ardente. ',éculo 111 u.c, Cristo (01/1 Sâl! Pcdro c S"tl Paulo, c. .189 d.e. Relevo em m.irmore Jo ;,4rnir:I!>1.l J~.Junius UJSSU,;; Cript,1 ,Il' S.io PL·.;!W. Roma MurJI: C,H.I(umba Pri~(il!,I. Ron1.l espírito análogo. Pinturas como as dos. "Três homens na fornalha ardente" (Fig. 84), provavelmente do século Hl, mostram que esses artistas estavam familiarizados.com os métodos de pintura helenística usados em Pornpéia. Eles eram perteitamente capazes de evocar mentalmente a idéia de uma figura humana Com meia dúzia de pinceladas mais ou menos irregulares. Mas também sentimos que. esses efeitos e estratagemas não lhes interessavam muito. A representação pictórica deixara de existir como uma coisa bela por si mesma. Seu principal intuito era recordar agora aos fiéis um dos exemplos do poder e da misericórdia de Deus. Lemos na Bíblia (Daniel, I!l) a respeito de três altos funcionários judeus. no reinado de Nabucodonosor, que se recusaram a prostrar-se e a adorar uma gigantesca estátua de ouro do rei. erguida na planície de Dura, província de Babilônia. Como tantos cristãos do período em que essas pinturas foram feiras. eles tiveram que soti-er durocasti~o.por SUa recusa. Os três judeus foram jogados numa fornalha ardente "com seus mantos. túnicas, turbantes e vestes". Mas eis que o fogo não teve poder sobre seus corpos, "nem um só cabelo de suas cabeças queimou. nem qualquer sinal aparecia em seus mantos". O Senhor" en viou Seu anjo e libertou Seus servos". Só precisamos imaginar o que o mestre de Laocoonte (p. 110, Fig. 69) teria feito de semelhante tema' para nos darmos conta da diferente direção que a arte estava tomando. O pintor nas catacumbas não queria representar uma cena dramática apenas para agradar a si mesmo. Para apresentar o exemplo consolador de fortaleza de ânimo e de salvação. era mais do que suficiente que tossem reconhecíveis os três homens em seus trajes persas. as chamas e a pomba - um símbolo da ajuda Divina. Tudo o que nào t()"SC estritamente relevante era melhor deixar de fora. Uma vez mais. ,5 idci.rs de clareza e simplicidade começavam a superar os ideais de fiel imitaçâo. Eutrctanro, existe algo de coruovcnte no próprio esforço que o artista t~z ,,
  • 30. 85 Rctrdro de um limeiOlllírio de ~Afr(ldis/adt', (. 400 d.e. ,tl,innorc, JJeur,l !76 CllI; Museu Arju.;ológicl), rst.llllbul U1I1 pintor de ·'(('f/"(1ft'_' tiílldm:~'" {'1/1.,'lW '(lfirilld, sentado ;/lutI1 ,1(1 ~-,r(~itlde rima L:t"/11'.dcrc. c. 11)0 d.C. DI.' lUH.;:.r(ilr~o pi!ludo ~·ll':()lltr.ldn:1,.1 Cnllll:u para contar sua história COI11 o máximo de nicidc:G ' obJctlv di/di, I __, 11. colocados vistos de frente, olhando para o especrad I", as Jt, W (111111tI,1 I 111 oração, parecem mostrar que a humanidade tinha co.ucç, do 11 /lI 111I 1'1 '111 _I com outros valores além da beleza terrena. Não é apenas nas obras religiosas do período de declínio e C]U -(/11 d ) lmpélio Romano que podemos observar algo dessa mudança de inceI' S~ Parecia serem poucos os artistas que se importavam com o que fora a glórin da arte grega, seu refinamento e hamlOnia. Os escultores já não tinham paciência para trabalhar o mármore com o cinzel e para tratá-Io com a delicadeza e o gosto que foram o orgulho dos artífices gregos. Tal como o pintor do mural da catacumba, eles usavam métodos rudimentares como. por exemplo. uma broca mecânica para marcar as características principais de um rosto ou corpo. Tem-se afirmado com freqüência que a arte antiga declinou nesses anos, e é certamente verdade que muitos segredos do melhor período perderam-se no torvelinho geral de guerras, invasões e revoltas. Mas vimos que essa perda de habilidade não constitui a história toda. O ponto fundamental é que os artistas desse período já não estavam satisfeitos C0111o mero virtuosisl1lo dç período helenístico e tentavam agora obter novos efeitos. Alguns dos [etra-tos da época, sobretudo os dos séculos IV e V, talvez revelem com superlativa clareza o que esses artistas se propunham realizar (Fig. 85). Para um grego do tempo de PraxÍteles, tais obras teriam parecido toscas e bárbaras. De fato, as cabeças não são belas, se as aferirmos por padrões comuns. Um romano, acostumado à extraordinária semelhança dos retratos, como o de Vespasiano (p. 121, Fig. 76), poderia ter repudiado essas obras como realizações medíocres. No entanto, para nós, essas figuras parecem dotadas devida própria e de uma expressão muito intensa que se deve à tll111eacentuação das feições e ao cuidado que os artistas dedicaram a traços como a pele em redor dos olhos e as rugas da testa. Essas tIl:,'1.1raSretratam pessoas que testemunharam e tInalmente aceitaram a ascensão o cristianismo. o que signitIcou o fim do mundo antigo.