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O leitor encontrará nessas
Lições sobre Sartre, uma
introdução à vários conceitos e
temas da obra desse eminente
filósofo francês, que influenciou
geraçõesentre os anos quarentae
sessenta, do século vinte. O livro
concentra-se nas abordagens de
Sartre no âmbito da Crítica da
Razão Dialética, retomando
questões como práxis, liberdade
e a relação entre singularidade e
coletividade. Para um autor,
como Sartre, que trilhou vários
caminhos da arte, como teatro,
cinema, jornalismo, livros de
filosofia, biografias e fez da
palavra uma arma de libertação,
o leitor encontrará, também, um
panorama sucinto, mas bem
construído e que desperta para
aspectos da obra sartriana pouco
investigada na no Brasil e, como
lições, são o ponto de partida
para o mergulho na obra
provocadora, crítica e ambígua
que foi a escritura de Jean-Paul
Sartre.
WALTER MATIAS LIMA
I UFALMaceió/AL
2009
lllIVERSIDADE fEDERALDEALAGOAS
Reitora
Ana Dayse Rczcndc Dorca
Vice-1·citor
Eurico de Barros Lf>bo Filho
Dirttora da Edufal
Sheila Diab Maluf
Conselho Editorial
Sheila Diab Maluf(Presidente)
Cícero Péricles de Oliveira Carvalho
Elton Casado Fireman
Roberto Sarmento Lima
lracilda Maria de Moura Lima
Lindembcrg Medeiros deAraújo
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Eurico Eduardo Pinto de Lemos
Antoniode Pádua Cavalcame
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Capa: Edmilson Vasconcelos
Diagramação: Emanuelly Batistada Silva
Supervisão gráfica: Márcio Roberto Vieirade Melo
Catalogaç.ãona fonte
UniversidadeFederal deAlagoas
BibliotecaCentral-Divisãode Tratamento Técnico
Bibliotecaria Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
L7321 Lima, Walter Matias.
Lições sobre Sartre í Walter Matias Lima. - Maceió : EDUFAL, 2009.
131 p.
Bibliografia: p. [123)-131.
l. Sartre, Jean-Paul, J905-1980 - Crítica e interpretação. 2. Filosofia.
3. Materialismo histórico. 1. Titulo
ISBN 978-85-7177-485-8
Direitos desta edição reservados à
Edufal - Editora da Universidade Federal de Alagoas
Campus A. C. Simões, BR 104, Km, 97,6 - Fone/Fax: (82) 3214.1111
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SUMÁRIO
Prefácio ......................................................................................... 07
Apresentação ................................................................................ 13
1. Apresentando Jean-Paul Sartre ................................................ 15
2. O conceito de liberdade sartriana
e a fundamentação de sua dialética .............................................. 23
3. Inovações temáticas na abordagem do tema da liberdade ...... 37
4. A dialética Crítica ..................................................................... 43
5. A racionalidade dialética ........................................................... 51
6. Desconstruindo a noção de Fundamento ................................ 63
7. O conceito sartriano de práxis ................................................. 67
8. A experiência crítica ................................................................. 87
9. A historicidade do homem como instância da liberdade ....... 107
LO. Referências ........................................................................... 123
PREFÁCIO
O Prof Walter Matias exerce funções diversificadas e
importantíssimas na vida acadêmica de nossa Universidade.
Professor atuante e dedicado aos seus estudantes e orientandos,
pesquisador ativo no complexo campo do filosofar, é também
Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa e Bioética da
Universidade Federal de Alagoas. Ademais, é ator influente na
definição das Políticas de nossa Universidade em todas as instâncias
nas quais atua, sejam elas no âmbito do Conselho Universitário da
UFAL do qual é membro, sejam no que concerne à Coordenação
do Curso de Filosofia. Walter Matias apresenta aos seus leitores o
livro intitulado Lições sobre Sartre. Trata-se de um livro sobre a
Liberdade e escrever um livro sobre tão importante tema é uma
glória! O Prof. Walter Matias envereda por um caminho
independente e sem esquematismos ideológicos quer sejam de
esquerda, quer sejam de direta, pois a Liberdade está muito além
tanto de esquerdismos quanto de direitismos infantis e dogmáticos.
A Liberdade genuína exige de si própria a liberdade de pensar e de
agir com responsabilidade. Sabemos o quanto de sangue já foi
derramado em nome da Liberdade. Logo, devemos desconfiar
seriamente de toda inflamação dogmática por parte de arautos que
muito gritam, pouco pensam e que muito menos ainda seguem,
eles próprios, o que prescrevem para os outros seguirem.A Liberdade
genuína não precisa de messiânicos de quaisquer lavras ideológicas
e fundamentalistas. Por isso Walter Matias, ao se referir aJean Paul
Sartre, já afirma na Introdução de seu livro: "Nem marxista, nem
anti-marxistafoi, antes de tudo, um.filósefo da liberdade, para quem aprópria
liberdade é muito mais importante do que todas as ideologias que pretendem
defendê-la". E isso porque tanto Sartre quanto Matias sabem
perfeitamente que todas as defesas fundamentalistas da Liberdade
implicam, quase inevitavelmente, em sua morte trágica e infeliz.
O livro é dirigido a leitores que queiram fazer as suas próprias
reflexões sobre o pensamento de Sartre. Walter Matias sugere uma
organização de idéias, mas não impõe tal organização. Cada leitor é
convidado a enveredar pela sua própria ordem, inclusive quanto à
leitura do livro. lsso é mais uma vez alvissareiro. Que despropósito
seria alguém refletir sobre a Liberdade e ao mesmo tempo impor ao
outro uma camisa-de-força para pensar a própria Liberdade!
Um dos esforços envidados por Walter Matias é o de
argumentar em prol da coerência do pensamento de Sartre que aos
olhos de muitos pareceestareivado de contradições. Por isso ele afirma,
referindo-se a Sartre, que "apesar das diversas irifluênâas recebidas, a s11a
filoscifia mantém uma unidadecoerenteapoiada num núcleo de intuifõesoriginais
expressas n11m estilo, por vezes denso, simultaneame11te analítico e dialético".
Walter Matias desenvolve com perspicácia e didaticamente
várias teses sartrianas especialmente provocativas como, por
exemplo, aquela segundo a qual 'não existe natureza humana, pois
somos o que por exercício da liberdade nos tornamos'. O leitor tem
condições de questionar uma série de coisas, como por exemplo:
Seria o exercício da liberdade o que nos permitiria transcender o
mero estatuto de seres naturais?
Outras tantas teses sartrianas, são expostas com grande
elegância e clareza como aquela segundo a qual 'no contexto da
escassez, o inferno é o outro'. Trata-se de um excelente momento
para se discutir temas como alteridade, pr~íxis e consciência.
Há no livro de Walter Matias frases bastante esclarecedoras
do pensamento de Sartre como, por exemplo, "o home1fl livre é
radicalmente continge1Tte; mas, atra11és do pr<!_jeto, ohometn espera odadoem
direção a 11m firn; o 111undo deixa de ser conti11ge11te para se com1erter em
necessário. O oposto do projeto é a recusa; o projeto apresenta ofim como
concreto!}. Podemos legitimamente interpretar que em estado de
8 WALTER MATIAS LIMA
liberdade somos seres radicalmente contingentes, tal como a nossa
vinda ao mundo o é: se não fosse aquele espermatozóide que me
corresponde e fosse outro a atingir o óvulo de minha mãe, seria
meu irmãozinho ou minha irmãzinha e não eu. Eu sou uma mera
contingência assim como seriam se fossem atualizados os meus
irmãozinhos. Deste modo o homem livre é mera contingência. No
entanto, segundo Sartre, é pelo projeto que visa uma finalidade (ou
seja, algo que presumimos como similar a uma causa final
aristotélica), é que nos tomamos necessários. E esse projeto, essa
finalidade que nos torna necessários é antes de tudo uma
"condenação", o que nos permite entender a frase algo enigmática
que envolve um pesado jogo de categorias antitéticas como a que
encerra a idéia segundo a qual 'somos condenados a sermos livres'.
DaíWalter Matias, interpretando Sartre escreve que "a liberdade, mais
do queuma libertação, éuma verdadeira "condenação", urna vez queo fwniem
anseia alcançarasuprema síntesedivina "em-si-para-si", síntese semconflito,
quejamais alcançará. Este projeto de ser Deus lança o homem no mundo,
abandonado à neantizafàO permanente da consciência, que oprovoca a uma
práxis realizadora". Em outras palavras, como somos seres
eternamente incompletos, imperfeitos e recorrentes, assim também
será o nosso projeto. É evidente que qualquer projeto que visa à
perfeição será fadado inevitavelmente ao fracasso, daí a nossa
angústia e ncantização.
Não podemos resistir nesta altura de nosso raciocínio a fazer
um contraponto com um autor muito diferente de Sartre, talvez
mesmo incomensurável em relação a Sartre, mas nem por isso
julgamos que o contraponto seja deslocado e fora de propósito. Ora,
Walter Matias não se propõe a escrever um livro que suscite discussão,
polêmica e que seja suficientemente didático a estudantes, professores
e a quem mais se interessar pelo assunto? Ademais, acham~s que
Liberdade seja um tema tão eternamente recorrente que quaisquer
limitações e camisas de forças seriam desaconselháveis parase dizer o
mínimo. Em suma, não é o diálogo que se pretende com o livro de
LIÇÕES SOBRE SARTRE 9
Walter Matias? Antes porém, faz-se necessário que afirmemos que
por Liberdade podemos pretender diferentes coisas e nós estamos
atentos a isso. O contraponto que estamos pensando é aquele entre
Sartre e Amartya Sen. Ora, se Sartre sustentaque somos condenados
àliberdadee que o nosso projetode sermos Deusesestá inevitavelmente
fadado ao insucesso, Amartya Sem sustenta que o único
desenvolvimento Humano genuíno é aquele que constitui no próprio
Exercíciodas Liberdades. Assim, fome, faltade emprego, totalitarismos
de quaisquer lavras, falta de livros para ler, analfabetismo, falta de
tratamento de saúde e quaisquer outras privações das potencialidades
humanas são, todas elas, igualmente privações de liberdade.
Pensara Liberdade também inclui não ter medo de virtuais ou
reais incomensurabilidades entre teorias. Pensara Liberdade é não ter
medo de serautônomo, não termedo de serfeliz e não recear patrulhas
acadêmicas sempre prontas a delimitar fronteiras estanques do
conhecimento e categorias conceituais antitéticas e irreconciliáveis,
não raro pelaprópria ignorânciadesses guardas de fronteiras. Por isso,
pensamos que seja de bom alvitre confrontar pensamentos e assim
acreditamos que seja pertinente confrontar, a respeito da liberdade, o
pensamento de Amartya Sen com o pensamento de Sartre. Para
Arnartya Sen, liberdade não é apenas uma causa final, ou seja, uma
mera finalidade a ser alcançada. Ela é também, necessariamente um
Meio. Quaisquerque sejam as finalidades de liberdade, que nãosejam
elas próprias, exercícios de liberdade, serão necessariamente falsas. Em
outras palavras, a finalidade da Liberdade somente é possível se os.
meios para alcançá-la sejam eles próprios, exercícios genuínos de
liberdades. Isso condena quaisquer ditaduras e quaisquer promessas
de deixar o bolo crescer para depois distribuí-lo ao estatuto de meras
enganações e, portanto, como definitivamente contrárias à liberdade.
Nesta altura, proferimos as nossas palavras finais. O livro de
Walter Matias não é somente oportuno, didático e provedor de
reflexões aos seus leitores de amplo espectro. É um livro que exercita
a Liberdade, não impõe ordem, embora se atenha a uma disciplina
10 WALTER MATIAS LIMA
sem a qual a sistematização de um pensamento coerente não seria
possível. Consideramos que este livro deWalter Matias sejaaltamente
recomendável e muito mais que isso seja um presente que a nossa
Editora terá o orgulho de publicar e oferecer aos seus leitores.
Jenner Barretto Bastos Filho
Professor Associado da UFAL, Membro do Comitê de Ética
cm Pesquisa e do Conselho Universitário da UFAL, tem interesses de
pesquisa em Filosofia da Ciência, Fundamento das Ciências Físicas,
Aspectos Éticos da Educação e do Desenvolvimento.
LIÇÕES SOBRE SARTRE 11
APRESENTAÇÃO
As lições a seguir poderão ser lidas na ordem que o leitor, ou
lt•itora, preferir. No entanto, o conjunto do texto possui uma
nrg,mização que tende a uma apresentação de característicasda filosofia
dofrancêsJean-Paul Sartre, destacando sua obra publicada no ano de
1960, Crítica da Razão Dialética. Essas lições tratam, num primeiro
momento, de aspectos gerais da obra do autor e, em um segundo
momento, de aspectos específicos no contexto dessa mesma obra,
comoos temas: liberdade, racionalidade e práxis.Esperamos que essas
lições ajudem leitores e leitoras a terem uma experiência com tópicos
da obra de Sartre ainda pouco explorados em nosso continente.
A Crítica da Razão Dialética vai ampliar a concepção sartriana
da liberdade, levando às últimas consequências a interação entre os
sujeitos. Nesta obra há uma mudança de perspectiva na abordagem
do tema da liberdade, uma vez que Sartre busca fundar esta temática
na questão da intersubjetividade e na práxis, que encontram na razão
dialética e na inteligibilidade o locusde sua realização. A razão dialética
é a lógica da ação que busca realizar a liberdade dos sujeitos
historicamente situados e que encontra nos grupos o espaçoe o tempo
da realização ontológica de si, isto é, a liberdade é o encontro das
liberdades situadas que ensejam o processo da história.
Sa1tre foi considerado o filósofo francês mais importante, entre os
.111os quarenta e setenta, do século XX. E sua trajetória como intelectual
conheceu as mais diversas conquistas e contradições. Construiu uma usina
deco11ceitos eseudiálogocomseuscontemporâneosprcxiuziunovosconceitos.
Um filósofo inclassificável, é o que podemos dizer de Jean-
Paul Sartre. Nem marxista, nem anti-marxista foi, antes de tudo,
um filósofo da liberdade, para quem a própria liberdade é muito
mais importante do que todas as ideologias que pretendem defendê-
la.Sabemos também que os textos e a práxis sartrianos perturbaram,
e ainda perturbam, tanto a esquerda como adireita e também aqueles
que ainda pensam que o mundo vai bem tal como está.
Pois, enquanto membro de uma organização coletiva, o
sujeito constrói uma comunidade histórica, onde as relações
intersubjetivas são radicalizadas com o objetivo de sair do reino da
escassez por caminhos que necessitam da crítica advinda da razão
dialética, crítica essa que abre, através da linguagem e da interação
entre os sujeitos, apossibilidade da constituiçãode grupos autocríticos
e de uma sociedade onde o exercício da liberdade é pressuposto para
a transparência da própria sociedade.
14 WALTER MATIAS LIMA
CAPÍTUL01
Apresentando Jean-Paul Sartre
Filósofo francês (1905-1980) estudou na Escola Normal
"11pcrior de Paris, onde teve como amigos, entre outros, Paul Nizan,
lt1ymond Aron, Georges Canguilhem, Jean Hyppolite, Maurice
Mcrleau-Ponty; aí se formou em filosofia, em 1929; foi professor,
r11lrc 1931-1933, no Liceu de Le Havre; em 1933-1934 esteve em
lh.·1lim, como bolsista do Instituto Francês, onde estudou
r~·11omenologia. Durante a Segunda Guerra Mundial, nos anos de
l'J40a 1941, foi prisioneiro em campode concentração na Alemanha.
Após esse período conseguiu se libertar e retoma as atividades de
professor no Liceu de Neuillye no Liceu Condorcet, de Paris. Exerceu
o magistério até 1945, data em que fundou a revista Les Tempes
Modernes e já tinha publicado sua obra capital; L:Être et le Néant (O
Ser e o Nada, 1943).
Jean-Paul Sartre é um dos principais fenomenólogos e
existencialistas franceses; o seu pensamento fortemente influenciado
por Hegel, Husserl, Heidegger, Kierkegaard, Nietzsche e Marx, situa-
'iC na linha do existencialismo ateu, para cujo desenvolvimento
rnntribuiu através de uma obra monumental, não só de caráter
filosófico, mas também de tipo narrativo e teatral; apesar das diversas
influências recebidas, a sua filosofia mantém uma unidade coerente
.1poiada num núcleo de intuições originais expressas num estilo, por
vezes denso, simultaneamente analítico e dialético.
De início, o pensamento de Sartre foi profundo e
decisivamente marcado por uma reflexão em torno da fenomenologia
ô
husserliana; mas também, desde o começo, estiveram presentes
Hegel, Kierkegaard e Heidegger, bem como o racionalismo e o
voluntarismo cartesianos; mais tarde, o marxismo.
Os primeiros trabalhos de Sartreversaram sobre a psicologia
fenomenológica; em I.:Imagination (1936) rejeita as teorias clássicas
da imagem; esta era entendida como uma percepção sem objeto;
Sartre, na esteira fenomenológica, concebe a imagem como uma
forma organizada da consciência; esta é, estruturalmente,
intencional; a consciência imaginante envolve uma consciência não-
tética de si mesma, istoé, dá-se a si mesma como puraespontaneidade
que produz e conserva o objeto em imagem; visa aquilo que não é;
as características fundamentais deste tipo de consciência são a
espontaneidade, a liberdade e a negação: a imaginação é, por isso,
uma atividade da consciência totalmente diferenciada da percepção.
Em I.:Imaginaire (1940), Sartre passa da fenomenologia da imagem,
considerada em si mesma, a uma análise de vários fenômenos que
se revestem de uma estrutura semelhante; nesta obra salienta-se
sobremaneira a produção da imagem como revelação fundamental
de uma absoluta liberdade; a consciência imaginante comporta uma
dimensão constitutiva de irrealidade; a liberdade da consciência
imaginante é a condição básica para que ponha o mundo como
mundo; mas, quando o põe, nega-o, a imagem constitui-se sobre
este mundo assim negado. As condições que tornam possível a
imaginação constituem a própria estrutura da consciência. Daí o
interesse que Sartre dedicou à problemática da imaginação e do
imaginário, concluindo que a consciência não está no meio do
mundo como um objeto; é um ser-no-mundo que, por um lado,
está em situação e, por outro, distancia-se dele, transcendendo-o.
As noções basilares da filosofia de Sartre, explanadas, sobretudo a
partirde I.:Être et le Neant (1943), nascem nesta reflexão em torno do
imaginário; foi a partir da análise da imagem que Sartre apreendeu
a consciência como nadificadora do mundo. A imaginação é o modo
que a consciência tem de transcender o mundo em que se situa; por
16 WALTER MATIAS LIMA
MO, em rigor, não há imaginação, mas uma consciência que visa o
H·.1l; não há imagens, mas um mundo imaginário; a contemplação
t"..tética é, para Sartre, um momento privilegiado em que a liberdade
l dá como negação do mundo existente; para Sartre, só face ao
111t:iginário e a negação do mundo existente que ele implica é que a
t ontemplação tem sentido.
Consciência é uma das noções capitais do corpus teorético
i,,trtriano. A indagação sartriana do ser da consciência inicia-se com a
.tssunção do caráter intencional da mesma consciência; toda a
consciência é consciência de, a consciência é sempre consciência
posicional; mas aquilo de que se tem consciência não está na
c.:onsciência. Na relação de transcendência entre a consciência e o
mundo não intervém, contudo, qualquer tipo de causalidade. A
consciência é o poder de se distanciar daquilo que é: é a essência de
todo o projeto; é aquilo que «é o que não é» e «não é o que é»; uma
recíproca, simultânea, unitária e perpétua remissão. A negatividade
está instalada no coração da consciência, constituindo o seu
fundamento e o seu ser: é uma perpétua nadificação (neantização),
uma dimensão de fuga, através da qual as coisas, em si massivas e
opacas, vêm asi mesmas segundo o modo de não ser; o cogito, enquanto
núcleo central da consciência, conduz ao ser-em-si, como objeto da
mesma consciência, enquanto para-si. Existe uma oposição radical
i.:ntre o em-si e o para-si; o em-si é massivo, opaco, plenamente ser, é
o que é; o para-si é descompressão de ser, neantização, não-ser; é
totalmente relação, surgindo como resultado da negatização do em-
si; está orientado para o em-si; surgindo como evasão relativamente
:tquilo que é, o para-si é nada; a consciência comporta, assim, uma
dimensão constitutiva de realidade e, por conseguinte, de liberdade.
O aparecimento do para-si é um acontecimento absoluto que procura
o cm-si para se fundar a si mesmo, por forma a superar a sua
contingência original. Em ordem a esta superação, a consciência é
essencialmente negadora do em-si, na medida em que se encontra
revestida da característica ontológica de ser o seu próprio nada,
LIÇÕES SOBRE SARTRE 17
conseguindo, com a sua presença, transcender o sem-sentido da
massividade do em-si. A consciência, para ser aquilo que é, tem
necessariamente de ser outra coisa distinta dela; mas, não existe uma
dualidade entreaconsciência eo objeto, no sentidode que aconsciência
seja uma entidade que se dirige para outra entidade; pelo contrário, a
consciência não é e só é algo, na medida em que se toma no objeto.
Porque a consciência não coincide consigo mesma, numa adequação
plena, constitui infração do princípio de identidade.A consciência não
é um absoluto substancial. Em La transcetidence de l'Ego (1936-1937),
Sartre demonstra, inclusive, que o papel de um Eu, como pólo
unificador das vivências e constitutivo de um campo transcendental,
é não só desnecessário mas até nocivo. O centro de todo o processo
filosófico sartriano reside naquilo aque Sartre chamaa prova ontológica:
a consciência nasce trazida por um ser que não é ela. A consciência
não pode fazer com que haja ser, mas, porque há ser, a consciência
funda-se, enquanto consciência de si e do ser. É a consciência, como
ser livre, que, através do seu poder de neantização (nadificação),
permite, mediante a introdução da separação, pelo nada, na massa
amorfa do em-si, conferir um sentido às coisas, fazendo delas um
mundo; o nada é um fruto condensado da negação ativa. Longe de
nos fazer duvidar das coisas, a consciência assegura-nos da sua
existência, uma vez que ela se constitui através da negação delas. A
liberdade é, para Sartre, uma perpétua fuga ao ser, uma nadificação
do ser, um pôr-se à distância dele mesmo; a liberdade não é uma
característica acrescentada ao ser, mas é o próprio ser do para-si.
A liberdade é, assim, uma noção basilar no percurso filosófico
de Sartre; todo o seu projeto foi orientado pela construção de uma
filosofia da liberdade; da ontologiaàética, da ética àpolítica, perpassa
um motivo contínuo: somos livres, devemos fazer-nos livres. A
liberdade é, desde o início, reivindicada por Sartre contra a natureza:
não existe natureza humana; nós somos aquilo em que, pelo
exercício da liberdade, nos tornamos. A nossa definição como
indivíduos situa-se no futuro. A liberdade, como a sua abertura
18 WALTER MATIAS LIMA
simultânea sobre futuro, é o aspecto mais otimista do pensamento
sartriano; a liberdade é um dado insondável, uma possibilidade
projetada na produtividade. O homem livre é radicalmente
contingente; mas, através do projeto, o homem espera o dado em
direção a um fim; o mundo deixa de sercontingente parase converter
cm necessário. O oposto do projeto é a recusa; o projeto apresenta o
fim como concreto; a recusa apresenta-o como impraticável; a recusa
passiva pode desembocar na arte; a recusa ativa na violência. A
liberdade interioriza o exterior e exterioriza o interior; como
negatividade produtiva, a liberdade aniquila o seu passado e a sua
circunstância mundana para se projetar no futuro. Porque a liberdade
é um abismo de possibilidades e de angústia, o homem está
condenado a definir-se através de uma relação à contingência das
coisas e à sua própria facticidade: o homem faz-se mergulhando
continuamente num projeto de ser para se encontrar para além do
em-si, através de um compromisso perante si e perante os outros;
faz-se o que projeta ser; entre os outros homens, num mundo onde
'não há lugar para Deus; só o homem existe. A escolha inscreve-se o
acontecimento arquetípico a partir do qual o homem se torna práxis.
Mas a apreensão reflexiva da liberdade angustia-o; todavia, só assim
assume a sua condição humana. O homem de má-fé oculta a sua
liberdade, renuncia aexistircomo consciência; pretende fugir daquilo
de que não se pode fugir. Existir é escolher, em cada instante, sem
poder inventar escusas; a liquidação total da má-fé deriva de uma
permanente luta a partir da angústia. Neste contexto, a ética fica
configurada a uma ética da arbitrariedade e da ambigüidade,
desprovida de base de fundamentação, na dependência da
ambigüidade da ontologia, ainda que Sartre repita que <mão há
liberdade senão em situação>} e que «não há situação senão pela
liberdade», pois «a liberdade não poderia ser verdadeiramente livre
senão constituindo a facticidade como sua própria restrição». A
liberdade é, assim, «total e finita, o que não significa que não tenfui
limites, mas que nunca os encontra». A liberdade, mais do que uma
LIÇÕES SOBRE SARTRE 19
libertação, é uma verdadeira «condenação», uma vez que o homem
anseia alcançar a suprema síntese divina «em-si - para-si», síntese
sem conflito, quejamais alcançará. Este projeto de ser Deus lança o
homem no mundo, abandonado à neantização permanente da
consciência, que o provoca a uma práxis realizadora. O homem é,
assim, definido como <mma paixão inútil», ficando salva, contudo, a
responsabilidade individual, podendo até dizer-se que esta é
inclusivamente maior, perante a negação de Deus.
A teoria da negatividade da consciência não é senão uma das
perspectivas do pensamento de Sartre. A consciência é também
corporal; se é verdade que o homem é matéria pelo seu corpo, não é
menos verdade que este corpo não é senão afirmação da consciência
ou modo de ser da consciência. O para-si, não tendo ser em si
mesmo, não pode existir senão como negatividade de uma
facticidade; esta facticidade, inseparável de um projeto que define a
situação, é o corpo próprio; poroutro lado,o para-sié temporalidade,
a temporalidade é o modo de ser unitário de um ser que está
perpetuamente à distância de si: é uma intra-estrutura do ser que é
a sua própria neantização; o para-si é o ser que se constitui sob a
forma diaspórica da temporalidade. Mas o ser-para-si é também
estruturalmente ser-para-outro, outro é o «mediador indispensável
entre mim e mim mesmo»; precisamos do outro para penetrar
plenamente em todas as estruturas do nosso ser; o outro é a minha
transcendência transcendida. A realidade humana é simultaneamente
ser-para-si e ser-para-outro; a alteridade apresenta-se, assim, como
determinação ontológica da existência enquanto totalidade.
O encontro com o outroé um acontecimento fundamental para
a consciência; esse encontro remete-me àrelação original entre a minha
consciênciae ado outro; no mundo percebido, que constituio campode
ação da consciência, surge um não-eu-não-objeto que me olha. A partirdaí
não possoconsiderar-me um soberano absoluto; o olhardo outro me vê
como cu nunca me posso ver: como objeto. O olhar de outrem me
escraviza ao retirar-me da minha transcendência. O olhar exerce uma
20 WALTER MATIAS LIMA
íunção coisificadora, faz do para-si um em-si. A existência do outro é,
l'Ssencialmente, a perda de posse de meu mundo: passo pelo outro para
l hegar à plenitude do ser, significando esta mesma plenitude a perda do
meu mundo. A minha reação espontânea será querer recuperar aquilo
llue perdi, procurandoo desaparecimento do outro, tenderei igualmente
<l conservá-lo. Por isso, "oconflitoé o sentidooriginaldo ser-para-outro".
O conflito, como resposta ao fracasso das relações
intersubjetivas, manifesta-se primordialmente na práxishumana; esta
é definida pelo trabalho; o trabalho não pode existir senão como
totalização e contradição superada; através do trabalho, o homem é
subsumido num movimento dialético através do qual a interioridade
do sujeito entra em contato com o mundo externo. A práxis, ao atuar
sobre a matéria, objetiva-se, constituindo um objeto humano, que,
porsuavez, se torna matéria trabalhada; o trabalho é um fator interno
à História, exigindo que o homem se faça quase-objeto, inércia. A
relação com a matéria funda, assim, as relações intersubjetivas. Na
Crítica da Razão Dialética (tomo I, 1960; tomo II, 1985), Sartre
procura a determinação das condições e das estruturas invariáveis
da dialética histórica. Esta dialética configura-se como uma atividade
totalizadora a partir do prático-inerte. Pretendendo reconstruir o
movimento concreto da História, Sartre faz inteiramente sua a
interpretação do materialismo histórico. A razão dialética traça uma
racionalidade própria, permitindo integrar o real na sua totalidade; a
realização deste objetivo mostra a inteligibilidade da História
enquanto dialética histórica fundada na livre práxis humana. A
experiência crítica visa àinteligibilidade do movimento histórico no
interior do qual os diferentes conjuntos se definem pelos seus
conflitos; a partir das estruturas sincrônicas e das suas contradições,
procura a inteligibilidade diacrônica das formações históricas, a
ordem dos seus condicionamentos, a razão da sua irreversibilidade;
embora as totalizações sejam sincrônicas, a temporalidade envolve,
como determinação essencial, a práxis-processo; a História apela à
temporalidade como a consciência à facticidade.
LIÇÕES SOBRE SARTRE 21
Sartre esforça-se por descobrir métodos relacionados
simultaneamente com a Sociologia, com a Psicanáli~e e com a
Antropologia, que lhe fornecerão os instrumentos necessários para
melhor abordar os problemas do ser humano; entre eles, adere ao
método progressivo-regressivo e analítico-sintético.
A razão dialética permite compreender a vida humana, mas
se depara com dois limites da inteligibilidade: a fato da escassez e a
inevitabilidade da inércia. Todaa inteligibilidade, no meio da escassez,
vem ao homem, segundo Sartre, através da «inelutável mediação da
matéria». A escassez é a noção fundamental sobre a qual Sartre
constitui as relações humanas de reciprocidade na práxis dialética;
na escassez, cada homem é ameaça para o outro: a alienação, a
violência e a ética surgem, num primeiro momento, associadas ao
fato contingente da escassez e da dialética antagonista por ela
provocada: o primeiro movimento da ética é a constituição do mal
radical; o mal é o outro, no contexto da escassez.
Àprimeira vista, afilosofia de Sartre apresenta uma variedade
de imagens e de contradições. O Sartre fenomenólogo aparece sob
os traços do existencialismo; no mesmo movimento de pensamento,
o realismo e o idealismo se transformam em luta, como a
fenomenologia e o construtivismo lógico, ou, ainda, o individualismo
e o coletivismo. No entanto, a obra de Sartre segue uma trajetória
teórico-conceituai que sugere uma coerência de pensamento no
transcurso de seu desenvolvimento.
Um percurso poralgumas obras desse eminente autor poderá
ajudar a compreender a longa gênese do pensamento sartriano, o
que revelará a influência de várias correntes filosóficas.
22 WALTER MATIAS LIMA
CAPÍTUL02
O conceito de liberdade sartriana
e a fundamentação da dialética
Anossa liberdade, hoje, reduz-se à livre escolha de
lutar para nos tornarmos livres. E o aspecto
paradoxal desta fórmula exprime apenas o paradoxo
da nossacondição histórica. Nãosetratadeengaiolar
os meus contemporâneos: eles já estão na gaiola;
trata-se, pelo contrário, de nos uniimos a eles para
quebrarmos as grades. (Sartre)
Aefetivação da filosofia de uma época é a época apropriada por
11,1 l1lmofia. Hoje, quandojá sefala na crise da modernidade ou na sua
11111:1 ação, alguns temas exigem o rigor e a sistematização do filosofar.
1•1,1 é uma exigência que vem sendo praticada por toda a história do
1w11s.1111cnto e prática filosófica, porém, quando a atividade filosófica
11111 <l' não encontrar ecos imediatos na apreensão da universalidade do
1 111 H nto pelo particular ou singular, torna-se urgente que se radicalize
• 11 .1 b.1Iho do conceito, que caracterizaaatividade filosófica, paraque se
l'll""·1construir uma abordagem mais esclarecida do real.
O pensamento ocidental construiu uma história da liberdade
q11c t~m em Aristóteles sua primeira elaboração sistemática a partir
il,1 Ft1rn nNicômaco e, mesmo sofrendo modificações, essa elaboração
pr1durará até o século XX, onde a obra deJean-Paul Sartre vai levar
.1 lt•sr aristotélica às últimas conseqüências.
p
Seguindo o itinerário aberto por Aristóteles, a liberdade é
concebida como o que se opõe ao que é condicionado externamente
e ao que acon,tece sem deliberação.
. Segundo o autor da Ética aNicômaco, livre é aquele que possui
em s1 mesmo o fundamento do seu agir ou não agir, sendo causa
interna de sua decisão ou não decisão da ação. A vontade tem poder
para determinar, isto é, para ser autodeterminada, e isso caracteriza o
agir livre. Traduzindo-se como ato voluntário e decisão, a liberdade
decide entre alternativas possíveis, lançando o agente numa dimensão
de possibilidade, onde a escolha, ou o poder de escolhersempre entre
alternativas, fundamenta a realização do ser humano como tal.
Radicalizando essas concepções, Sartre fará da liberdade o
poderque o homem tem de escolher, sem determinações, seu próprio
ser e seu mundo.
Porém, antes de analisar a postura de Sartre, principalmente
em O Ser e o Nada, para chegar à Crítica da Razão Dialética, é
necessário que se aponte os precedentes da filosofia sartriana na
construção de sua concepção da liberdade.
A história da antropologia filosófica realizada na modernidade
elegeu o conceito de autonomia do sujeito como pressuposto
antropológico para a interpretação do homem. Autonomia do sujeito
tornou-se paradigma da modernidade, encontrando na obra de
Descartes sua primeira elaboração e defesa filosófica.
A filosofia do sujeito encontra na obra cartesiana sua elaboração
primeira, a partir do momento em que o cogito passa a ser estatuto
ontológico e, conseqüentemente, fundamento da noção de
autonomia do sujeito.
É a obra de Descartes que proporciona o fundamento
metafísico do conceito moderno de liberdade, dando-lhe conotação
de liberdade compreendida como autodeterminação de si mesma, o que
só foi possível com o deslocamento da fundamentação da metafísica
24 WALTER MATIAS LIMA
1111t·1,1tla pela filosofia cartesiana, quando elege o cogito como princípio
d1 111tt•1 prctação da realidade.
1:ilosofia revolucionária, a obra cartesiana vai proporcionar
11111tl.111ç:is radicais na atitude metafísica, quando desloca a busca de
l1111tl.1mcnto ontológico e epistemológico em um ser absoluto para
1 ..11h1dividade do sujeito, subjetividade essa que é uma experiência
111•,111ul,1, não do absoluto, podendo ser traduzida pelo cogito ergo sum,
" que c.lará à noção de autonomia do sujeito sua fundamentação
1111tc>l6gica, justificando assim, uma das concepções mais fortes de
liht·1dade construída na modernidade.
Aliberdade passaráa serentendida não como uma característica
de 1homem que tem sua fundamentação exclusiva num ser absoluto,
1111 11 uma explicação essencialista que transcenda necessariamente o
·,tt1l·1to, mas será entendida a partir do eupenso, o que tornará possível
1tul.l l' qualquer interpretação da realidade, mesmo que para o autor
tl1• () Discurso do Método, essa dimensão humana, a res cogitans,
111.111tcnha-se numa perspectiva metafísica. A metafísica agora não
p.11 tc de uma perspectiva em que a realidade é pensada tendo um
1111i1 n fundamento, onde esse fundamento possa ser o Ser eterno,
111.1111ovível, absoluto, pura essência, essência pura, mas a metafísica
 111 umra sua fundamentação ontológica na subjetividade do sujeito,
1111 • <nnhece e que constrói idéias distintas e claras.
Com Descartes, a modernidade encontra no cogito as primeiras
1.11 .I< tcrizações da antropologia moderna, isto é, o nascimento da
111t1111omia do sujeito e de um conceito de liberdade que tem nessa
u1111111omia suafundamentação, ou seja, a liberdade entendida como
,111tndctcrminação de si mesma, o que aproximará o conceito de
l1hl'1 d.ide da interpretação moderna de existência, sendo esta uma
1 ,11,wtcrística puramente humana, e que vai encontrar nas filosofias
d11 ...11jcito um correlato do conceito de liberdade.
Todo discurso filosófico da modernidade que se fundamenta
11.1 l1losofoi do sujeito iniciada pelodiscurso cartesiano, mutatismutandis,
1 ll, OllS SOBRE SARTRE 25
t)
admitirá a noção da liberdade como autodeterminação de si mesma.
A premência dessa interpretação estará presente na antropologia
iluminista, principalmente nas obras de Kant e Hegel; no primeiro, a
partir das atribuições do sujeito transcendental que atinge sua
autonomia pela razão e pela vigilância dos imperativos categóricos, e
no segundo, pela interpretação da passagem da consciência em si para
a consciência de si, seguida da consciência para si, através da dialética
do senhor e do escravo como abordagem da cultura, onde o homem
cria seu itinerário ontológico, antropológico e ético.
Sendo o cogito entendido como fundamento da liberdade que
se quer certeza de si mesma, e mesmo tendo o cogito primazia
metafísica, a trajetória dessa abordagem da liberdade, que perpassa
toda a modernidade, insere a historicidade como traço essencial do
homem, pois a realização ôntico-ontológica do homem passa a ter
dimensão histórica, o que não quer dizer que a compreensão da
história como âmbito de realização humana seja uma concepção
homogênea para toda a modernidade pois, já em Descartes, a
realização da liberdade se dá numa perspectiva meta-histórica.
Dentro dessa perspectiva, insere-se a obra de Jean-Paul
Sartre, que pode ser caracterizada como uma busca da liberdade.
Sartre leva às últimas conseqüências o cogito cartesiano,
tomando como verdade incondicional, pelo menos na época de O
Ser eoNada, a subjetividade:
26
Não pode haver outra verdade, no ponto de
partida, senão esta: penso, logo existo; é aí que
se atinge a si própria a verdade absoluta da
consciência. Toda teoria que considera o
homem fora deste momento é antes de mais
uma teoria que suprime a verdade, porque,
fora deste cogito cartesiano, todos os objetos
são apenas prováveis e uma doutrina de
possibilidades que não está ligada a uma
verdade desfaz-se no nada; para definir o
WALTER MATIAS LIMA
J
)
j
j
provável, temos de possuir o verdadeiro.
Portanto, para que haja uma verdade qualquer,
é necessário uma verdade ab'.>oluta; e esta é
simples, fácil de atingir, está ao alcance de toda
gente; consiste em nos apreendermos sem
intermediário. (Sartre, 1978:15).
O conceito de liberdade que está construído em "O Ser e o
N111/,111
, tem todas as atribuições da citação supra. Pode-se dizer que
ll p1t·11snpostos históricos e metafísicos do pensamento de Sartre
'' '•li h·m na dicotomia cartesiana de sujeito e objeto, onde a primazia
1l.1d.1 ao sujeito, ou, o que dá no mesmo, à subjetividade do sujeito,
q111 t'llCOntra no cogito seu fundamento, e, por conseguinte, à
l11111l.1mcntação do conceito de liberdade.
Porém, ver-se-á adiante que o conceito de liberdade, tanto
1111 <>Sa eoNada quanto em Crítica da Razão Dialética, adquirirá, a
I'•" 'i1 d,1 ontologia fenomenológica, uma caracterização que vai além
111 ;w1·11lnde do cogito» formulado na passagem de Sartre citada acima.
Su 1 l ompreensão da subjetividade está permeada pela leitura da
1llll .111'.111cia como intencionalidade que lança o sujeito ao futuro.
A intencionalidade da consciência adquire caracterização
tl11t1111111.ica, uma vez que o interior da consciência apresenta uma
d11111 11~.10 paradoxal, isto é, é de natureza do cogito sair de si mesmo,
p• 11•. •'l> ser da consciência não coincide consigo mesmo em uma
11h·q11.1ç~o plena» (Sartre, 1949:116). O para-si, a consciência, o
h11111t·111, o oposto do em-si, não surge como algo determinado em
tfl 11u·Mno. A consciência é consciência de alguma coisa, ou seja,
111H•t11 1nnnlidadeque se preenche, que se lança ao futuro, ao devir, e
1 p.11l1r desse lançar-se, a consciência adquire alimento, torna-se o
'I'"' 11.10 6, não um em-si (que é plenitude total, pura identidade),
111.1~ 11111 para-si, «O nada pelo qual o servem ao mundo». A consciência
hrn~,1-t' para algo que não é ela sem, contudo, transformar-se nesse
1u11111, 1.111ça-se comoexistênciaque adquire essência, isto é, constrói
11(,;(ll'S SOURE SARTRE 27
liberdade. Nesse caso, 'o homem é liberdade em seu próprio ser'.
Liberdade e consciência formam uma mesma esfera constituída pela
intencionalidade, intencionalidade esta que focaliza o em-si
preenchendo o nada que é a consciência, o que, para Sartre, é
pressuposto para não haver qualquer possibilidade de determinação
nas ações humanas. Aliberdade torna-se pois o princípio de todas as
essências vivenciadas pelo para-si, a revelação do homem (para-:si)
como contingente que se realiza pela ação.
A concepção de liberdade teorizada por Sartre em O Ser e o
Nada está adstrita àindeterminação total, o que colocaessa teorização
numa perspectiva meta-histórica. Aqui encontram-se algumas
antinomias dessa teoria que precisam ser delimitadas:
Sou necessariamente consciência (de)
liberdade, posto que nada existe na consciência
senão enquanto consciência não tética de
existir. Assim , minha liberdade está
perpetuamente em questão no meu ser; ela
não é uma qualidade justaposta ou uma
propriedade de minha natureza; ela é
exatamente a textura de meu ser; e, visto que
o meu ser está em questão no meu ser, devo
necessariamente possuir uma certa
compreensão da liberdade. (Sartre, 1949:514).
O para-si é livre e contingente. Comoconciliaressaafirmação
antinômicajá que Sartre quer livrara liberdade de todo determinismo?
Sou «necessariamente consciência (de) liberdade», e essa
liberdade realiza-se pela escolha de um «projeto original». Temos
projetos particulares que visam a realização do mundo e que estão
inseridos no projeto global que somos.
O conceito de projeto está fundamentado, em O SereoNada,
a partir de uma das caracterizações da liberdade por Sartre: liberdade
é fundamento da existência e esta se traduz pela necessidade do para
28 WALTER MATIAS LIMA
hl c1 11111stantemente escolha, onde não há uma distância abissal
'1111 lil>l•rdade e escolha. O conceito de escolha aparece como a
l 11111.1 dJ subjetividade, pois o sujeito escolhe a si mesmo,
)llh 11do-se como subjetividade que se quer livre, colocando,
1 ma, .1 liberdade como que circunscrita à esfera da escolha de ser,
11111 11111 .1so do para-si, ser por aquilo que não se é, ou seja, «ser para
11 p.11 .1'>• é niilizar o em-si que ele é». E as escolhas estão como que
1 e111.1., lk' determinação.
Mas, como levar para o âmbito da liberdade situada
lt111it1._11 H .nnente essa concepção de liberdade que se perde na
111d1•1nltlinação? Como conciliar liberdade e facticidade?
Sendo inteiramente liberdade, então os elementos singulares
ilr 11111.1 ciituação não podem levar a uma determinação, a qual iria
1111111.1d1zcr diretamente a «liberdade absoluta», mas somente em
11111.1 't 11 cunstância' em que a liberdade deve determinar-se
liv11•111c11lc. Sartre quis manter a relação híbrida entre liberdade e
l 1C1111d.1dc (relação antinômica), sem eliminar qualquer lado em
l1r111·l11·io dooutro, paraque houvesse uma relação entre liberdade e
p11111 t11 quc não fosse solapada por qualquer perspectiva de
Jc1111111nação, uma vez que escolher é projetar-se, e o projeto é
f1111tl 1111t·ntalmente livre, o que caracteriza o ser do para-si, sem
de r.111boc.1r num caráter, numa natureza ou numa determinação
1t 1111i11.111tc. Cada uma das escolhas insere-se livremente num
ltq111 1 ,1d.1 vez maior de escolhas possíveis que, conseqüentemente,
k v1111 .adquirir dimensão injustificável, pois justificá-las significa
l1111"a l.1-1110 âmbito das determinações, o que para Sartre seria lançar
11a11111t1111uma dimensão da moral que não encontra fundamentação.
1'011.111111, o pré-requisito para que o projeto inicial, fundamental,
t 1.1li•1;11dicativo, é que esse projeto original tenha efeito significativo
11htt ·'" t•scolhas específicas, sem, entretanto, determiná-las.
Assun sendo, a situação não deve ser interpretada como um
t111.1lf,.1111.1 de condições objetivas que especifiquem o projeto, mas
11111111 ,1 1 oncretização do projeto (realização da escolha e efetivação
l lc.;t*ll til N( mn.BSARTRE 29
da liberdade), como algo elaborado pelo sujeito em 'circunstâncias'
e perante a relação com determinados elementos surgidos da
contingência do sujeito.
Para Sartre a liberdade tem validade absoluta. Assim sendo,
não pode ser limitada por algo externo a ela. Porém, a liberdade
concretiza-se mediante condições que entram em confluência
com a contingência.
O homem cm situação, homem cm liberdade, é o que Sartre
vai traduzir por engajamento, o que não é algo arbitrário ou
voluntarista, mas componente da estrutura ontológica do ser,
justificando que Sartre parta das determinações existenciais
individuais, das situações de vida concretas e seus projetos
consequentes, em busca de uma síntese global; tendo como pano de
fundo as implicações ontológicas dos existentes no que diz respeito
àefetivação da liberdade.
A obra de Sartre pretende descrever a experiência da
intersubjetividade e o projeto fundamental que a define, a liberdade
como autodeterminação diante do seracabado (ser-em-si); a vontade
de chegar a ser e o compromisso com as ações concretas em nome de
um absoluto (liberdade), como característica do projeto fundamental
de determinar a existência a partir do devir. Porém, e a partir da
dicotomia supra-colocada, a conciliaçãoentre liberdade e situação não
é resolvida em O SereoNada, pois este texto dá premência ao homem
como liberdadeondea dimensão psicológica é realçada transformando
a ontologia fenomenológica numa psicologia fenomenológica que
busca libertar o homem de todo Eu e de toda subjetividade de caráter
substancialista, a partir da abordagem da consciência, o que fez com
que Sartre desloque sua análise de uma perspectiva ontológica para
perquirições de ordem psicológica.
A situação, que pode ser interpretada na dimensão da
facticidade, é apresentada em termos abstratos, isto é, enquanto
estrutura de todo homem enquanto homem, o que cria uma
30 WALTER MATIAS LIMA
contradição, uma vez que uma das questões principais de O Ser eo
Nada é a liberdade como essência do homem.
O para-si é o lugar de toda a teoria da liberdade.
Desembocando na p~icologia fenomenológica e fazendo uso da
redução fenomenológica, o para-si (que aparece como consciência)
torna-se o ponto nodal da análise da liberdade.
Na consciência não se encontra nenhum sujeito, nem o
psicológico, que é um transcendente para a consciência; nem o sujeito
transcendental, que é uma construção elaborada pelosujeito psíquico.
f~ a partir de si mesma que a consciência se determina, recusando,
desta forma, toda perspectiva de definição a partir de uma realidade
<)u de uma substância. Ela é um nada, pura existência. Não é o
mundo que entra na consciência, não é um processo de assimilação
de uma exterioridade por uma interioridade, mas, no processo de
ronhecimento, a consciência é presença no mundo e se define por
negar-se a ser substância.
Como inten~o até o mundo, a consciência é existência, e
t:xistir, para Sartre, é projetar-se na possibilidade de adquirir ser, na
realização de um projeto a partirdo qual se construa o mundo como
objeto de todas as intenções e significações.
Esta existência equivale à liberdade pura, ou seja, ao poderde
.1utodeterminação. A liberdade não é qualidade da consciência, mas
l a existência anterior a toda determinação.
Contudo, a liberdadesóse exerce no mundo. Por conseguinte,
( liberdade situada e só assim a consciência abre ao mundo
possibilidades e significados que este não possuiria por si mesmo: a
.1ção livre é ação sobre o mundo conferindo-lhe sentido.
A consciência é consciência de alguma coisa, "isto significa
que a transcendência é estruturaconstitutivada consciência" (Sartre,
1949:15) e esta estrutura faz referência às ações fundamentais do
'>1ijeito no mundo. É neste momento que Sartre, para uma análise
d,1 consciência, da liberdade, permanece na perspectiva tanto da
1IÇÕES SOBRE SARTRE 31
psicologia fenomenológica quanto da ontologia fenomenológica: a
dualidade do ser apresentada em O Ser e o Nada, isto é, ser-em-si e
ser-para-si, é a caracterização do ser de uma presença (consciência,
para-si) que não pode ser o em-si e do ser do em-si (mundo) que
apenas aparece para a consciência.
Essa ontologia procura esclarecer a ambigüidadc da
consciência que se descobre oposta ao mundo e que ao apreendê-lo
faz-se o que não é, e, des-velando o mundo como correlato de si
própria, descobre a impossibilidade de sero que ele é: "Serconsciência
de alguma coisa é estar diante de uma presenç::l concret::i e plena que
não é a consciência". (Sartre, 1949:28).
Se existir é estar aí simplesmente, é a presença de algo
absoluto, a liberdade, como diz o personagem Roquentin em A
Náusea: é a exigência da consciência de enfrentar a facticidade, e esta
pode ser vivida como a instância da ''présence concrete etpleine" de que
fala Sartre. A instânciado mundo, que é correlação com a consciência
e a liberdade, surge como a realidade da consciência que se realiza
num lequede possibilidades, autodeterminação da própria consciência
no seu lançar-se ao mundo, tornando-se consciência do mundo.
Em O Ser e o Nada a situação não é causa do ato, nem o
influencia à maneira de determiná-lo. O homem está condenado a
ser livre, tem que atuar, e atuar é modificar a situação a partir do
projeto de ser, e isto é o que é grandioso na obra de Sartre: a exigência
de que uma liberdade autêntica só se manifeste quando se sabe
comprometida com a situação que quer transformar, isto para fazer-
se realmente liberdade. Porém, a concepção da liberdade situada
elaborada em "O Ser e o Nada" está adstrita a uma abstração do
sujeito e da situação, onde pode-se falar até de uma hipóstase desses
conceitos (liberdade, sujeito, situação), pois há a intenção da
construçfo de uma ontologia concreta, (o que não acontece por
exemplo, com o 'ser-aí' em Heidegger, que é neutro, abstrato),
enquanto que Sartre busca tirar as conseqüências ontológicas para a
vivência existencial do sujeito a partir da compreensão ontológica
32 WALTER MATIAS LIMA
.11', l'c>rtanto, e apesar disso, há a elevação da liberdade e da
ltU!t~ t• lll nível de descrições abstratas que não procuram retirar
li lhI .11 .ts manifestações históricas das ações do para-si. A
Ili" t'<l.1dc.1p.11ccc como o poderda consciência de negar o ser e negar-
11 111u•s111a, o que significa o poder de determinar-se e de criar-se
llllh f11111l.11rn.•ntc. Mas, se «estou condenado a ser livre, isto significa
11m li 11 t· pode encontrar limites para minha liberdade a não ser ela
lllC" 111.1, 011, se se prefere, que não temos liberdade para deixarmos
til r1 llVI c•s)) (Sartre, 1949:515). Isto significa também que o homem
tll 11l11.1 cm situação está-se elegendo livremente num mundo sem
1 I~ m11 1itriios absolutos que possam constrangê-lo em um sentido
Ili ltt1l 111 e que, ao mesmo tempo, esse atuar assegure o êxito do
111>fCl11 At'1nica Jei que rege o homem é a liberdade, sua liberdade, o
ll11 c1 1111·1 gulha no âmbito de suas próprias criações, onde ele cria,
11111 H11ll1.1tlo na facticidade, sua própria moral, seu próprio destino,
101111, S.11 Lre não radicaliza a postura dicotômica elaborada em "O
n e 11 Nada", no momento cm que absolutiza a liberdade.
Sr o homem em liberdade deve inventar sua própria essência,
11 u 1116111inser, aanálise da liberdade emsituação descrita anteriormente,
IH li< 11li11m momento coloca a questão da liberdade em situação que se
t 111 11 l1i1tonramente, o que apresenta, em "O Ser e o Nada", um
lr1nr11t11 que será exigido no desenvolvimento histórico da própria
1111 it 1 '.11 tre, pois a partir de textos como: Marxismo eExistencialismo
r Cr(111,, tia Razão Dialética - nas abordagens sobre os grupos em
f11d11 • .1 lustória aparecerá como palco fundamental do homem em
l1ltr1tlt11k e que a exerce de forma inteligível.
Q11:i.ndo se lê certas passagens em O Ser e o Nada,
"flltll 11t«1rn.:nte pode parecer paradoxal afirmar que a história não está
fHt ~Clll« nesta obra, mas citações como a seguinte indicam esse fato:
1 l(_:ÔI S M >RltE SARTRE
O Para-si não poderia ser uma pessoa, isto
é, escolher os fins que ele é, sem ser homem,
membro de uma coletividade nacional, de
33
Falarda passagem do conceito de liberdade em O Sereo Nada
para o da Crítica da Razão Dialética significa apontar para o itinerário
que esse conceito vai percorrerentre as duas obras em questão, pois
o que vai acontecer é a transposição de termos que possam conotar
ao mesmo tempo as teses do existencialismo de Sartre e as exigências
de uma abordagem a partir do materialismo histórico.
Portanto, Sartrevai construir uma terminologia que, ao seu ver,
complementará - no sentido de atribuir aos termos uma dinâmica mais
dialéticae menos idealista- os conceitos usadosanteriormente na ontologia
fenomenológica das obras anteriores. Daía necessidade de abordar quais
as inovações temáticas levantadas porSartre, parapoderdelimitar melhor
a passagem do conceito entre as duas obras supra citadas.
36 WALTER MATIAS LIMA
CAPÍTUL03
novações temáticas na abordagem
do tema da liberdade
Pm um livro publicado em 1936, La Transcendence de VEgo,
h11111• di~ : ccsempre me pareceu que uma hipótese de trabalho tão
l'tntl111iva como o materialismo histórico nunca precisou, como
itht ('( ;l • do absurdo que é o materialismo metafísico aameson, 1985:
1til) h!,l .1firmação feita sete anos antes da publicação de O Ser eo
Ni11la, I·' sugere a aproximação, pelo menos em forma de leitura, de
~111111 dn materialismo histórico, o que certifica a presença de um
ll1~l11g11 q11c será travado até a elaboração da Crítica da Razão Dialética.
Ahonestidade intelectual de Sartre é tão presente em sua obra
'I'"l'lc· 1.11naisfará uma simples transposição de conceitos para ~xplicar
&I t 1111111.idas situações. No curso de sua obra há um desenvolvimento
111 111111t1tt>s e, a partirdesse desenvolvimento processual, os conceitos
ln 11lq11mndo a força necessária para a formação do corpo teórico que
li 11 ~ .1 ptática - e por esta será preenchido - das atividades político-
11111 (1111 ,l'i e literárias do autor de A Náusea.
c·ndo assim, quando Sartre, no momento em que publica
tj (~111 11 Literatura? - seu primeiro texto de cunho explicitamente
11111)(1i,1,1 - traz para sua terminologia os conceitos que julga
lll11 is.111os para uma discussão crítica e transformadora da realidade
l111 q11r 1 :inalisar.
f partir do texto supra citado e de toda a obra posterior, nota-
i q11t' o tp1c Sartre quer é superar as insuficiências epistemológicas
t 1111111111ológicas das obras anteriores no que diz respeito às exigências
O engajamento é inerente à estrutura ontológica do para-si. Não
é uma atitude meramente subjetiva, fruto exclusivo da vontade
(no sentido de um voluntarismo), mas está ligado ao projeto
ongmal de cada ser humano, na realização de sua autenticidade.
Portanto, engajar-se é lançar-se na aventura de Ser. E Sartre vai
procurar retirar todas as consequências dessa aventura, mostrando
que o engajamento busca apreender o sujeito na totalização cm
curso, que ele chama de História.
. O projeto totaliza o contexto do sujeito, na medida em que o
orgaruza, ou, melhor dizendo, asituação em tomo do própriosujeito. A
noção de projeto insere-se agora como totalização, no âmbito do fazer
cultura pelos homens, o que lembraou sugere a presença, na Crítica, da
filosofia de Hegel, notadamente as figuras da consciência de si, isto é,
no moment~ em que o aparecer da consciênciade si conota um estágio
de dese?~olv1mcnto do conhecimentode sie das objetivaçõesdo espírito
pelo SUJCtto que faz cultura. O desejo, que é um conceito fundamental
na aquisição da consciênciade si, podeser lido comoo projetosartriano
e, assim como o desejo não se realiza plenamente no transcorrer da
vida do sujeito, também o projeto, que é agora totalização em curso
(uma ~ez q~e o projeto insere-se na dimensão da própria história) não
chegaJamais a uma totalidade totalizada.
A ação humana realiza-se na dinâmica dialética, a partir da
n~gaçã~ do dado; negand~ o dado, o projeto lança o sujeito na
d1mensao do futuro, produzmdo uma nova ordem de ação que resulta
da superação de projetos anteriores.
Sendo assim, a história surge da experiência da ação, é a
confluência dos atos humanos.
Essa noção de liberdade- projetoque se traduz portotalizaçãoem
curso: hist61ia- seráelaborada parafundir-se comosconceitosde escassez
~rático-inerte,serialidadee grupo em fusão, conceitosque completam a~
movações temáticas e a construção da tematização da liberdade.
40 WALTER MATIAS LIMA
esta relação unívoca da materialidade
circundante aos indivíduos se manifesta em
nossa História sob uma forma particular e
contingente, já que toda a aventura humana -
pelo menos até agora - é uma luta encarniçada
contra a escassez. (Sartre, 1960:201).
lhd 1 p1 llJCto funda-se na necessidade de negar o dado a partir
111 111.11)0 de que o homem tem uma insatisfação ontológica
ti l111u 11t.d drnnte da natureza e de que a história é a luta contra a
o <~ .1dv111da dessa insatisfação: «a escassez é uma relação
f1t1tt~1111111.d (com a natureza e com os homens). H á que se dizer
t t• 1111do que é ela que faz de nós esses indivíduos que produzem
tit 111 11111.1 e que se definem como homens.» (Sartre, 1960:201).
S11pcrar a escassez, ir além do dado imediato (pode-se dizer
Uf ' 1111 1' l m-si) é, para Sartre, construira história, pois a totalização
I' l' ~ escassez. Na Crítica da Razão Dialética, porém, constata
t11t 11111.1 contra a escassez foi o que gerou a opressão, a exploração
1 li t_jtl..10 do homem pelo homem.
~ .1 partir dessa construção temática que Sartre vai continuar sua
l 11 1 1 tl.1 liberdade, construindo uma antropologia filosófica com
ftli11l1111rntaçãodialética. Éjustamentea concepçãode dialética elaborada
111 C 11111111
que permeará toda a abordagemtemática e toda criticaàfilosofia,
lllll •11lminará na própria abordagem dialética da liberdade.
1li ÓES SOBRE SARTRE 41
CAPÍTUL04
A dialética crítica
O ser humano pode ser conhecido, mas não pode ser
conhecido com satisfação a partir de sua realidade imediata. Querer
entender e interpretar, esgotar numa abordagem teórica o
conhecimento sobre o ser humano, é tarefa fadada ao malogro, pois
o homem sempre inventa o novo e suas atividades lhe escapam,
formando uma relação de elementos que fluem para a construção
desse novo, de algo novo que será, por isso mesmo, elemento de
novo processo de explicação e interpretação da realidade humana.
Isto ocorre porque, como diz Sartre:
A realidade humana, na medida em que se faz,
escapa ao saber direto. As determinações da pessoa
só aparecem numa sociedade que se constrói sem
cessar atribuindo a cada um dos seus membros
um trabalho, uma relação ao produto de seu
trabalho e relações de produção com os outros
membros, tudo isso num incessante n10vimento
de totalização. (Sartre, 1960:105)
Conhecer o ser humano e conhecer a si mesmo exige que se
entre na fluidificação dos conceitos, ou seja, no âmbito das mediações,
do conhecimento mediato. Esta é uma das exigências feitas porSartre
quando elabora sua concepção de dialética.
Na modernidade, a problemática da dialética é colocada por
Kant. Para este, na Crítica da Razão Pura, a dialética aparece como a
contraposição necessária aos limites da metafísica. Em sua crítica ao
pensamento metafísico, transformando este em uma epistemologia,
Kant elabora uma explicação da dialética em que esta se torna a
revelação da exigência de apreensão do incondicionado, daquilo que
não era possível de entendimento através da metafisica e, ao mesmo
tempo, a dialética é a constatação de que o pensamento se desenvolve
efetivamente porcontradição, possuindo dinamismo interno que visa
à totalidade. A dialética torna-se uma exigência do pensamento, mas,
no caso de Kant, esse pensamento é uma razão transcendente que
não se identifica com seu objeto. Mesmo assim, não é uma razão
analítica que coloca o entendimento em submissão ao objeto e sim
uma razão que nega seus objetos superando-os na busca de uma
unidade formadora de um sentido. Kant vai estabelecer os termos
que irão compor a terminologia dialética: movimento transcendente,
totalidade, contradição e mediação. Suaabordagem vai mostrar que o
movimento de superação do dado pela razão dialética constata que a
apreensão desse mesmo dado se dá através da apreensão de objetos de
pensamento e estes como as mediações necessárias ao movimento de
construçãode conhecimento, ondea razão, voltando-seàexterioridade
e negando-se, indo além dela, lança-se para uma totalidade nunca
totalizada, abrindo dessa forma o dinamismo próprio do conhecer.
Hegel vai dar ênfase à noção de contradição - esta possui
caráter ontológico - valorizando o poder da consciência racional; e a
dialética passa a ser a apreensão do conceito em sua universalidade
pelo movimento fenomenológico da consciência, movimento este
que se dá no âmbito do Espírito. A dialética adquire uma conotação
realista, uma vez que visa captar o real sem a determinação de
categorias a priori, é um processo objetivo que se realiza no âmbito
da consciência individual, onde a dialética passa a ser o movimento
da coisa, representado conceitualmente muito mais que como uma
lógica, no sentido de um método.
No itinerário moderno do conceito de dialética, Marxdá uma
contribuição fundamental para a acepção e utilização do conceito
na filosofia contemporânea.
44 WALTER MATIAS LIMA
Marx não fará grandes modificações nas principais concepções
elaboradas por Hegel sobreadialética, masvaifazer um enxertodando-
lhe uma dinâmica maior, quando atribui àdialética uma característica
de maior historicidade e retira da abordagem hegeliana um certo
idealismo objetivo, deslocando o foco da fenomenologia, da consciência
- a dialética não é o movimento das coisas representado
conceitualmente - para a expressão, mesmo que por categorias da
lógica, das relações dos homens historicamente determinados.
Quando Sartre discute a dialética, está construindo uma
concepção própria do marxismo. Dito de outra maneira, ele elabora
uma interpretação, uma hermenêutica marxista, com bases
existencialista e fenomenológica.
Para chegar ao que chama de dialética crítica, Sartre faz várias
explanações sobre o marxismo, procurando integrar este com o
existencialismo. Para Sartre, há uma recusa em abarcar o sujeito
singular em sua vivência, pelo marxismo, que, a seu ver, preocupa-
se apenas com o homem em sua generalidade:
existencialismo e marxismo visam o mesmo
objeto, mas o segundo reabsorveu o homem
na ideiae o primeiro procura-o por toda parte
onde ele está, no seu trabalho, em sua casa,
na rua. (Sartre, 1978:123)
Isto é esboçado em Questão de Método, onde as críticas ao
marxismo são dirigidas a Engels; Sartre não faz alusões críticas-
depreciativas a Marx. Depois, as críticas voltam-se contra o
'marxismo mecânico' ou 'marxismo metafísico' e, ainda,
procuram determinar os limites do materialismo dialético, ou
seja, buscam legitimar a dialética histórica, rejeitando a dialética
da natureza.
Na verdade, toda a crítica ao marxismo feita no texto supra
citado, visa à delimitar as análises de Engels a partir dos seus livros
LIÇÕES SOBRE SARTRE 45
Dialética da Natureza e Do Socialismo Utóp;co ao Socialismo Cientifico1,
uma vez que este - no olhar de Sartre e de outros como Adorno e
Habermas - elabora uma leitura da dialética que prende o homem e
seu agir exclusivamente no âmbito das transformações que este
constrói a partir da natureza, ou seja, às determinações da própria
natureza dando desta forma uma excessiva importância à categoria
do trabalho, em detrimento da interação e da linguagem, o que valeu
a Engels a acusação de determinismo e mecanicismo na abordagem
da dialética. Ao mesmo tempo, este texto de Sartre tece uma acirrada
crítica ao marxismo ortodoxo, principalmente ao 'socialismo real' e
ao sectarismo partidário do Partido ComunistaFrancês, tanto quanto
ao stalinismo. Esta críticaatinge toda a tradição advinda do monismo
metodológico da 2• Internacional, que, através das leituras de Engels,
institucionalizou a dialética como 'ciência'.
O materialismo dialético foi instituído para conferir ao
marxismo o estatuto de ciência, sendo a verdade de toda investigação,
o que serviu para justificar o socialismo soviético.
Com esse mecanicismo e determinismo da realidade,
atribuindo à natureza e ao homem o mesmo estatuto ontológico e
epistemológico, o materialismo dialético apresenta leis científicas que
têm a pretensão de validade - igual - tanto para a natureza, quanto
para a sociedade e o pensamento.
Serájustamente esta a abordagem que o marxismo ocidental
vai rechaçar procurando mostrar tanto a pobreza filosófica dessa
abordagem quanto as consequências políticas a que levou.
A crítica de Sartre visa a resgatar o poder teórico e filosófico
do marxismo, a partir da obra marxiana, mostrando até que ponto a
obra de Marx continua relevante e influente na vida política do
mundo ocidental, pois
1
A crítica de Sartre principalmente ao texto «Do socinlismo utópfro aosocialismo âeritfftco» é inteiramente
relevante, uma vez que o texto de Engels é inconsistente nas argumentações e mostra falta de
conheçimcnto filosófico no trato com a trajetória histórica da dialética.
46 WALTER MATIAS LIMA
é verdade também que a prática marxista nas
massas reflete ou reflete pouco a esclerose
da teoria: mas justamente o conflito entre
ação revolucionária e a escolástica da
justificação impede o homem comunista,
nos países socialistas como nos países
burgueses, de tomar uma clara consciência
de si: um dos caracteres de nossa épocaé que
a história se faz sem ser conhecida (...) Mas,
o que faz a força e a riqueza do marxismo é
que ele foi a tentativa mais radica] de
esclarecer o processo histórico na sua
totalidade. Há vinte anos, ao contrário, sua
sombraobscurece a história: é que ele cessou
de viver com elae tenta, por conservantismo
burocrático, reduzir a mudança à identidade.
(Satre, 1978:123-124)
Sem dúvida é contra qualquer forma de determinação
determinada que Sartre luta desde suas primeiras obras e, já que um
dos objetivos da Crítica éfundar ainteligibilidadeda história (sendoesta
o lugar ontológico, ético e antropológico fundamental do homem), era
de seesperarque esta rejeição fosse direcionadaao marxismo ortodoxo.
Para Sartre, sua dialética é uma teoria do conhecimento, uma
lógica paraexplicaros momentos da totalização. A razão dialética tem a
importância de apontar os limites da razão analítica, mostrando que a
razão estáem cursoeque éapráxisdo indivíduoque lhe dáapossibilidade
de apreender o conhecimentoda história que ele faz e que o faz. Sendo
assim, a dialética aparece como integrada na própria ação:
LIÇÕES SOBRE SARTRE
Adialética como lógica viva da ação não pode
aparecera uma razão contemplativa.(...) No
curso desta ação, o indivíduo descobre a
dialética como transparência racional
47
enquanto ele a faz e como necessidade
absoluta enquanto ela lhe escapa, quer dizer,
simplesmente, enquanto os outros a fazem.
(Sartre, 1960:133)
Apráxis não afirma a racionalidade absoluta do real como se
a realidade obedecesse a um sistema definido de princípios, o que
atribuiria à razão um caráter de constituída, mas o que se quer
mostrar é que a partir da razão dialética, a razão não é nem
constituinte nem constituída aprioristicamente - isto seria
permanecer numa abordagem idealista - mas razão que se constitui
no mundo e pelo mundo, integrando-se no devir do fazer histórico.
Nesse ponto, mutatis mutandis, há uma aproximação entre
Lukács e Sartre. Na história do marxismo ocidental, Lukács foi o
primeiro a ir contra a abordagem determinista, mecanicista e o
empobrecimento da dialética. Quando publica História eConsciência
de Classe, em 1923, abriu a discussão para uma abordagem da dialética
como atividade humana e histórica. O sujeito social, a partir de
qualquer que seja sua atividade, constrói a realidade histórico-social,
em que esta atividade é ontológica por si mesma, trazendo, dessa
forma, para o cenário intelectual europeu, uma dimensão antes
menosprezada pelo marxismo soviético, qual seja, a subjetividade.
Na atividade do sersocial, não existe mais o dualismo natureza
e sociedade, há uma relação de interação entre sujeito e objeto no
fazer histórico, onde a subjetividade transforma-se numa atividade
objetiva. Não há uma dialética da natureza que determine a dialética
da história, mas uma dialética que se constrói historicamente a partir
das apreensões do sujeitojunto àobjetividade, transformando-as em
totalidades concretas que são o próprio curso da história (uma
totalidade em curso, no dizer de Sartre).
Mas, no caso de Lukács, a subjetividade é coletiva e traduz-se
pela noção de classe social (o proletariado como classe-sujeito que
48 WALTER MATIAS LIMA
vai mudar o curso da história), sendo esta o locus onde o indivíduo
encontra os instrumentos da libertação ou de reificação. É aí que se
encontra a principal diferença entre Sartre e Lukács2: enquanto este
visualiza na classe proletária o lugar de realização da libertação
histórica por excelência, aquele quer partirdas atividades dos sujeitos
singulares e suas experiências, até os sujeitos coletivos socialmente
organizados na construção de conquistas historicamente situadas:
A dialética é, pois, atividade totalizadora, não
tem outras leis ::ilém d::is regras produzidas pela
totalização em curso e estas evidentemente
dizem respeito às relações de unificação com o
unificado, isto é, os modos de presença eficaz
do devir totalizante às partes totalizadas. (...)
Estas indicações nos permitem definir um
primeiro caráter da experiência cr{tica: ela se faz
no interior da totalização e não pode ser uma
apreensão contemplativa do movimento
totalizador; ela também não pode ser uma
totalização singular e autônoma da totalização
conhecida, mas ela é um momento real da
totalização em curso, enquanto que esta se
encarna em todas as suas partes e se realiza como
conhecimento sintético de si mesma pela
mediação de algumas dentre elas. Praticamente,
isto significa que a experiência crítica pode ser
e deve ser a experiência reflexiva de qualquer
um. (Sartre, 1960:139-140)
2 A queixa de Sartre a Lukks recai sobre o uso deste último por categorias como 'classe social',
'proletariado' que, na interpretação de Sartre, são categorias de interpretação muito ~mp~as,
que agregam simultaneamente mulheres, negros, judeus,_ homossexuais e tantas. outras mmonas,
o que tornaria despercebidas as lutas específicas de vános agemcs h1stóncos 1mport:ntc~. No
entanto, pode-se afirmar que o exagero parte do próprio Sartre uma vez que ele nao ~1s~ute
com mais sistematização as teses do livro <le Lukács: l1isrória e Consci€ncia de Classe. O principal
da ontologia lukacsiana só aparecerá após os anos 60.
LIÇÕES SOBRE SARTRE 49
Para Sartre, a dialética é o movimc11to próprio da vivência
histórica. O processo de totalização ou, o que d~ no mesmo, a
atividade totalizadora assemelha-se ~s at1vic.l.lclcs do para-si, em O
Ser e o Nada, quando tem que neg.:1r o dado (cm-si) para construir
sua autenticidade. A experiência crítica t reflexiva porque está
encarnada na práxis humana, mas a experiência crítica é apenas um
momento da totalização em curso e o papel da razão dialética é o de
apreender a universalidade dos conceitos nas smgularidades dessa
experiência, o que caracteriza o próprio processo da dialética.
Dessa forma, Sartre quer ir além do conceito de consciência de
classe, uma vez que este foi hipostasiado pelo marxismo soviético e pelo
próprio Lukács, na concepçãode Sartre. Esta hipóstasc levouàreificação
da dialética, negando que esta possui dupla car;1ctcrjzação: a relação
ontológica entre sujeito e objeto; a relação intrínseca entre sujeito e
história - o sujeito faz a história assim como a história faz o sujeito.
Os erros que Sartre aponta no marxismo são: primeiro, ter
transformado a dialética numa ciência - o rntttcrialismo dialético -
onde este aparece como o método por excelência e a verdade da
revolução (confundindo história com natureza); segundo, eleger a
classe operária como a única capaz de fazer a transformação radical
da história, no sentido de uma libertaçáo do homem, da exploração
econômica e social, transformando a consciência de classe numa
abstração da própria transformação social. De um lado, o real tem
corno fundamento a objetividade, do outro, é a subjetividade o único
fundamento do real: o que levou ao idealismo, uma vez que este
separa sujeito e objeto.
50 WALTERMATIAS LIMA
CAPÍTULOS
A racionalidade dialética
Sartre, na Crítica da Razão Dialética, pretende demonstrar a
validade de algumas hipóteses:
a) Materialismo histórico: por suas ações, os homens fazem a
história. No entanto, isto só podesercompreendidose depreendermos
como os homens se internalizam em suas situações históricas.
b) Razão dialética: a inteligibilidade da história e da práxis são
imanentes em si mesmas.
c) Totalização e razão dialética: a dialética é inteligível, pois a
história, como movimento dialético, é movimento de processos
temporais de totalização.
A práxis tem primazia ontológica: a racionalidade dialética e
a totalização são possíveis porque a práxis humana é dialética e
totalizadora por si.
Apráxis possui caráter metodológico: a pesquisada realidade
humana é pesquisa da práxis humana e sua interação com as
condições histórico-sociais e materiais do mundo.
Na busca de provar a validade do que chama de 'racionalidade
dialética', Sartre põeo problemadadialética no âmbito da racionalidade,
o que resulta nas seguintes contribuições para a contemporaneidade:
Aconcepção de que a racionalidade é dialética em sua natureza
mantém em aberto a discussão sobre as dimensões e consequências
da práxis no âmbito educativo, o que nos interessa nessa pesquisa.
Sartre mantém a importante tese de que o 'projeto' (tema
oriundo de VÊtre et /e Néaiit) e a reciprocid;ide mediada (tema que
aparece na Critica da Razão Dialética) são dialéticos cm si e entre si.
Deste modo, Sartre propõe que ainteligibilidade do projetoé a mesma
da reciprocidade mediada; o que, por analogia e correndo o risco que
as analogias possuem, dizemos que há uma relação de reciprocidade
mediada entre projeto pedagógico e a instância de inteligibilidade das
condições históricas de onde parte o referido projeto.
Para Sartre, dialética, método dialético e razão dialética, estão
intrinsecamente relacionados e condizem com a interpretação que
Sartre dá à obra de Marx. O tema da dialética é discutido na Crítica
da Razão Dialética, devido justamente à escolha do referencial
marxista, o que levou Sartre a distinguir entre sua concepção de
inteligibilidade do agir humano e a fundamentação da racionalidade
como racionalidade dialética, ensejando, dessa forma, uma discussão
sobre as conseqüências do realismo.
O próprioSartre (1960:141-159) entendeseu pontodevista como
um realismo e um realismosituadohistoricamente. Assimfazendo, nosso
autor expões algumas posições que criticaem função do realismo:
a) Empirismo: concepção que parte da perspectiva de que
todas as reivindicações de conhecimento são baseadas em observação
(através da sensação) e da prova empírica. Empirismo é entendido
também como certo materialismo e como tendência do próprio
materialismo histórico, do qual Sartre é, também, crítico. O realismo
não pode negar totalmente o empirismo, uma vez que este põe
experiências, não podendo, contudo, reduzir-se a uma filosofia da
observação empírica. Pois, para Sartre, o experimento, por ser social
e praticamente orientado, constrói nossas representações.
b) Idealismo: concepções que são oriundas do idealismo
subjetivista e que insistem na primazia da subjetividade, por exemplo:
o transcendentalismo de Kant; ou o que Sartre chama de marxismo
dogmático. Para Sartre, a perspectiva interna (subjetivista) também
52 WALTER MATIAS LIMA
influi na apreensão da sensação, mas essa perspectiva não é sinôni111fl
de transcendentalismo ou primazia da subjetividade.
c) Positivismo ou primado da razão analítica: concepção que
divide a realidade emsuas partesconstitumtes; prmcipalmente estucl.1
as partes e as relações entre elas, buscando descobrir leis universais
e históricas a partir das divisões e das relações de uma parte com o
todo. Sartre opõe razão analítica e razão dialética. Muito emborn
admita que aprimeira é apenas uma forma limitada de racionalidade.
A racionalidade analítica é pertinente quando afirma a especificidade
dos eventos e a irredutibilidade de diferentes dimensões da realidade,
mas torna-se ilegítima, no dizer de Sartre, quando absolutiza
diferentes perspectivas interpretativas entre culturas, sociedades e
situações históricas. De acordo com Sartre, as especificidades de
perspectivas internas não negam a possibilidade de condições
transhistóricas e esquemas de inteligibilidade.
Em razão da concordânciade Sartrecom aobra marxianae de que
ele pôde considerarsua concepção de realismo, é importante elaborannos
algumas considerações sobrea relação entre dialética e inteligibilidade.
De acordo com Sartre, Marx argumenta que a História está
em desenvolvimento, que a existência material é irredutível, que a
práxis sobrepujava o conhecimento em sua eficácia real.
Partindo dessa constatação, Sartre tenta demonstrar a
necessidade de não reduzir o ser (existência e práxis) ao
conhecimento, mas afirmar a presença de uma dialética em ambas
as dimensões; afirmar a interrelação destes dois domínios (ser e
conhecer). Afirmar que o processo de conhecimentoé dialético, que
o movimento do objeto é, em si mesmo, dialético, e que os dois
processos são um e o mesmo. Assim sendo:
LIÇÕES SOBRE SARTRE
"A ra:áo é uma certa relação entre o
conhecimento e o Ser. Deste ponto de vista,
se a relação da totalização histórica com a
Verdade totalizante deve poder existir e se essa
53
relação é um duplo movimento no
conhecimento e no Ser será legítimo dar o
nome de Razão a essa relação em movimento;
portanto, o objeto de minha pesquisa será
estabelecer se a Razão positivista das Ciências
naturais é bem aquela que reencontramos no
desenvolvimento da antropologia ou se o
conhecimento e a compreensão do homem
pelo homem implicam não só métodos
específicos, mas uma nova Razão, ou seja, uma
nova relação entre o pensamento e o seu
objeto. Ou por outras palavras, haverá uma
Razão dialética? (Sarre, 1960:14-15).
Assim, por razão, Sartre entende uma relação de
correspondência entre conhecimento e Ser. No entanto, na
perspectiva da racionalidade científica a razão pode ser entendida
como correspondência entre conhecimento (teoria) e objeto;
racionalidade é a base fundamental que justifica nossos
conhecimentos; o que, na Crítica, levou Sartre a procurar sair dessa
ambiguidade de entendimento optando pela correlação entre
conhecimento e Ser. A opção sartriana põe a instância do
conhecimento em relação com o nosso poder de significar e
compreender a práxis e o processo histórico. Surge uma relação de
correspondência que concerne uma inter-relação entre nossa
compreensão da práxis e a práxis propriamente, o que nos leva a
afirmar, por exemplo, que aprender é uma correspondência entre
significação da práxis e a situação histórica em que estamos inseridos
e que educar é um processo pelo qual nos transformamos
compreensivamente ao reconstruirmos nossas experiências dando-
lhes novas significações e ensejando novas práxis.
Dizemos isso porque a correspondência entre conhecimento
e Ser; entrepráxis e processo histórico implica, na perspectiva sartriana,
uma correlação entre epistemologia e moral. Ou seja, inter-relação
54
WALTER MATIAS LIMA
de práxis e entendimentoda h~stórica co~ o ~ntcn~imcnto da sit~t'.l~~o
(f: t. ·d de) e as decisões práticas e suasjUstificaçocs. Uma (on <: laç.10ac 1ci a . ·
1
, • 1 •
at.v1·dade e leoitimidade evalores morais e po 1t1cos. Sto e,entre norm 1 t:,. #
A b.t do processo histórico, qual a correlaçao cx1sll'Utt' l'lllJ l'
no am 1 o , . · I' ·
conhecimento histórico e acompreensão das pratt~a~ m~ra1s epo 1tic;ts
inseridas no próprio processo histórico de um sujeito singular, prns:
se o movimento da razão dialética existe, tal
movimento produz essa vida (individual t'
coletiva), o fazer parte de tal classe, de tais
meios, de tais grupos, foi a própria totalização
que provocou seus êxitos e fra~assos, através
das vicissitudes de sua comunidade, de suas
felicidades e infelicidades particulares; são os
vínculos dialéticos que se manifestam através
de suas ligações amorosas ou familiares,
através de suas amizades e 'relações de
produção' que marcaram sua vida. A partir
daí a compreensão de sua própria vida deve
ch~gar ao ponto de negar a determinação
singular desta para procurar sua
inteligibilidade dialética na aventura humana»
(Sartre, 1960:167).
Podemos depreender do exposto aci~a.q~~ um do~ o~j.etivos
d So educativo é exercitar a intehgib1hdade d1alet1ca nao proces . d , .
vivência de experiências historicamente situa as e n! prax1s
totalizante e, consequentemente, com_rree~der a ed_uc:çao co;no
busca da própria inteligibilidade da práxis, pois educaçao e, tam~e~,
práxis dialética em sua estrutu,r~ m~sma, e envolve a pr~pn~
negação das coisas (ou do prat1co-1~erte) que me 1~ode1a?1 ,
elaborando como processo educativo, a smtese ~e t~l negaçao, ~ss1m
l e a transformação de meu propno ser efetivadocomo envo v
1
- · l. , l d
historicamente, e a produção de uma nova re açao l~te igive e
· ltantes da estrutura de projetos anteriores ou deprojetos resu
LIÇÕES SOBRE SARTRE 55
~xpe~i~n.c~as passadas. Um dos sentidos da educação é manter a
mtel.1g1b1lidade da totalização e pôr significado à práxis, pondo-nos
na dimensão do vir-a-ser.
É na confluência dos conceitos de razão e práxis, entendendo-
os com? dialéticos entre si, que Sartre rejeita o que chama de
dogmatismo na concepção de Engels de dialética da natureza e
d~fen~e o termo dialética como aparece em Hegel e Marx, ou seJa,
d1alét~ca como Aujhebung (superação) e Sartre cria seu próprio
conceito para Aujhebung, qual seja, totalização:
A inteligibilidade fundamental da Razão
dialética - se esta deve existir - é a de uma
totalização. Ou, para voltar à distinção entre o
Ser o Conhecer, há dialética se, pelo menos
em um setor ontológico, existir uma
~otal~zação em andamento que seja
1med1atamente acessível a um pensamento que
se totaliza, incessantemente, em sua própria
compreensão da totalização da qual emana e
que, por sua vez, se faz seu objeto
(Sartre,1960:161).
A razão dialética é entendida, desse modo como
inteligib.il1dadc da ~otalização e totalização inerente à práxi~. Neste
caso, arriscamos a dizer que, entendemos o processo educativo como
o exercício da razão dialética que busca a inteligibilidade da práxis.
, ~aconcepçãode Sartrede práxis,a inteligibilidadeda totalização
e entendida como processocm devirque não se reduz a uma totalidade
e que se ~eali~a, enquanto processo, nas diversas singularidades que
fazem. a h1stóna. Sartre defende seu conceito de inteligibilidade dialética
acrescido do conceito de contradição. "Existe contradição, em suma, a
cada. mo~ento da ação porque esta exige, por sua vez, a totalização e a
part1.culanzação... e é corno estrutura da práxis que a contradição é
mtehgível e funda a inteligibilidade daquela" (Sanre, 1985:12).
56
WALTER MATIAS LIMA
Uma totalização é singularização de projetos, no sentido de
estar inserida em um processo particular totalizante (ou ação), por
exclusão a outros projetos. Isso porque as noções de totalização e
práxis estão intrinsecamente ligadas à ideia de uma intervenção
panicular e real no mundo, e este pode cnar uma contradição em
relação às restrições materiais e, da mesma forma, o que Sanre
chama de 'campo prático' consiste em uma pluralidade de práxis que
podem estar em conflito entre si.
Sartre se refere por 'totalização' às dimensões ontológica e
epistemológica da práxis, ensejadas pela Razão dialética:
"Se a Razão dialética existe, ela só pode ser -
do ponto de vista ontológico - a totalização
em andamento, onde essa totalização acontece,
e - do ponto de vista epistemológico - a
permeabilidade dessa totalização a um
conhecimento cujos procedimentos sejam, por
princípio, totalizantes" (Sartre, 1960:163).
Do ponto de vista epistemológico, a totalização possibilita a
produção de conhecimentoque compõe nossas interpretações, isto é, o
conhecimento que nos habilita sintetizar interpretativamente a
multiplicidade de fatos e acontecimentos, criando dessa forma, um
campo de compreensão do real. Do ponto de vista ontológico, a
totalização possibilitaapráxis,a experiênciavivida, assim comoo processo
histórico. Ou seja, podemos dizer que as totalizações compõem um
campo de integrações práticas e intemalizações das situações históricas.
Sartre privilegia a discussão sobre a inteligibilidade:
LIÇÕES SOBRE SARTRE
A razão dialética é, por sua vez, a
inteligibilidade da Razão positivista: é
precisamente por esse motivo que esta começa
por dar-se como a regra ininteligível de toda
inteligibilidade empírica. Mas os caracteres •
fundamentais da Razão dialética - se esta de
57
ser originalmente apreendida através das
relações humanas - implicam que ela revela à
experiência apodítica em sua própria
inteligibilidade (Sartre, 1960: 160).
A noção de 'inteligibilidade' conota a noção de compreensão
ou pensarcomplexo; ou ainda, pensar por inter-relações transversais,
o que ao nosso ver, significa construir interpretações que visem à
ação. O que interessa a Sartre é demonstrar que, como a
inteligibilidade da história é possível, aação dialética como tal (práxis
e totalização, negação e reciprocidade) é precondiçãode compreensão
da nossa relação com os objetos por um lado e, por outro lado, de
nossa relação com outras pessoas.
Sendo assim, Sartre ressalta a necessidade de pensar a relação
práxis/ser-no-mundo. Pois a pesquisa que toma a práxis como
totalização pode serentendida como pesquisado sujeito intencional
em si, mas a necessidade da relação, acima apontada, implica que a
investigação crítica ponha em questão os vínculos de interioridade:
58
"Não se trata de reescrever a aventura humana,
mas fazet a experiência crítica dos vínculos de
interioridade ou, por outros termos,
compreender a propósito de empresas,
estruturas ou acontecimentos reais, embora
quaisquer, a resposta a esta questão de
princípio: na aventura hum:lna, qual é o papel
respectivo das relações de interioridade e de
exterioridade? Se nessa cJq)criência total - que
é, em suma, a de toda n minha vida na medida
em que ela se dissolve cm toda a História, de
toda História na medida em que está reunida
em toda uma vida - devemos estabelecer que
o vínculo de exteríoridnde (Razão analítica e
positivista) é, por sua vez, interiorizndo pelas
multiplicidades práticas e qnc só age nelas
WALTER MATIAS LIMA
(como força histórica) na medida que se torna
negação interior da interioridade, encontrar-
nos-íamos situados por essa pesquisa no
âmago de uma totalização em andamento"
(Sartre, 1960:172) Grifos do autor.
Tudo isso significa que as instâncias de totalização, práxis e
liberdade são inteligíveis, mas não como abstrações de suas instâncias
contraditórias: totalidade, prático-inerte e necessidade. Por exemplo:
quando Sartre caracteriza a dialética como lógica da liberdade, esta
lógica é entendida em termos do laço entre liberdade e necessidade:
" [...] a racionalidade dialética [...] deve ser vista como a unidade
permanente e dialética da liberdade e necessidade" (Sartre, 1960: 154).
Essa liberdade-em-movimento tem duas características. Primeira,
como Sartre afirmou eml.!Être etle Néant, porseu poderinerente para
a nadificação (néantisation), estamos condenados à liberdade, ou em
outras palavras, somos necessariamente livres, portanto, responsáveis
por nossas escolhas. Segunda, como característica ontológica,
demonstrar que a liberdade também consiste em superar as restrições
da situação material, isto é, apontar as contradições entre liberdade e
facticidade, ou a liberdade que se realiza na facticidade.
Ou, na perspectiva da Crítica da Razão Dialética, a contradição
entre necessidade e inteligibilidade: ''A inteligibilidade dá a perfeita
evidência do novo a partir do antigo; leva a assistir à produção
transparente e prática do novo a partir dos fatores anteriormente
definidos e à luz da totalização" (Sartre, 1960: 187). A inteligibilidade
atua na dimensão da ação. Enquanto que necessidade, por outro lado:
LIÇÕES SOBRE SARTRE
A necessidade aparece no âmago da evidência
como inércia formal da inteligibilidade; cada
remanejamento tende a dissolvê-la no próprio
movimento que limita a inerte diversidade e,
por um momento, parece comunicar-lhe uma
força interna e autônoma e, [...], assim a
inteligibilidade da práxis virá esbarrar no
59
resultado dessa práxis, [...] e este resultado...
aparecerá incapaz de ser diferente do que é
(Sartre, 1960:187).
Assim, a necessidade afirma a intemalização do externo e a
cxternalização do interior.
É importante notar que, de acordo com Sartre, a experiência
de necessidade não é uma experiência puramente da matéria, mas
experiência do outro e de sua práxis:
A evidência dessa primeira experiência, onde o
fazer era o próprio fundamento de seu
conhecimento de si, fornece-nos uma certeza:
é a própria realidade que se revela como
presença de si. O único fundamento concreto
da dialética histórica é a estrutura dialética da
ação individual... é a experiência do Outro não
enquanto adversário, mas na medida em que
sua práxis dispersa volta em mim totalizada pela
matéria para transformar-me; é a experiência
histórica da matéria como práxis sem autor ou
da práxis como inércia significante da qual sou
o significado (Sartre, 1960: 328, 335).
Deste modo, Sartre procura demonstrar que a 'necessidade'
não é uma norma universal da história, mas um acontecimento
histórico encarnado na materialidade.
Éeste laço de interioridade entre a existência da práxis livre e
a materialidade necessária e a sociabilidade que compõe o nível de
universalidade da certeza apodítica. Essa maneira de apresentar a
relação entre interiorização e exteriorização, práxis e necessidade,
lembra a discussão, feita por Sartre em L:Être et le Néant, sobre a
noção de projeto: o projeto humano aparece como uma tentativa de
cada indivíduo ultrapassar, negar ou acomodar-se aos limites da sua
própria condição, qual seja: a necessidade de estar-no-mundo, de aí
60 WALTER MATIAS LIMA
estar comos outros e de ser mortal. Estes limites são objetivos porque
condicionam todos os indivíduos, são igualmente subjetivos porque
são vividos por cada um e nada são se os homens não os viverem.
Nestas circunstâncias, todo projeto existencial sem prejuízo de ser
individual, desfruta de um valor universal.
E, mantendo a perspectiva acima, cremos que uma
abordagem filosófica sobre a educação, em especial o processo
educativo, implicaria na premência da discussão da relação entre
projeto existencial (reafirmando o vetorantropológico na educação)
e projeto educacional. Isto é, avalorização da relação entre totalização
e práxis, conflui, no âmbito da educação, para a radicalização da razão
dialéticacomo lógicada práxis, sendoo processo educativo a dinâmica
dessa radicalização. Afirmamos isso por manter a perspectiva
sartriana que advoga, acertadamente, que as relações humanas
devem ser entendidas como dialéticas e, deste modo, em termos das
noções de totalização e práxis.
Segundo essa perspectiva de argumentação, Sartre enfatiza
que, quanto às relações humanas, a relação entre inteligibilidade e
totalização implicaa noção de reciprocidade. Reciprocidadeé significada
como o reconhecimento mútuo, uma relação onde o
reconhecimento mútuo reivindica que ambas as práxis são mediadas
dialeticamente criando, assim, uma intersubjetividade recíproca (o
reconhecimento do outro como o mesmo). Sartre concebe estas
mediações em termos de práxis: as condições de práxis e o projeto de
práxis são as bases da mediação.
LIÇÕES SOBRE SARTRE 61
,,.
CAPITUL06
Desconstruindo a noção
de fundamento
A apresentação de um método para o estudo da realidade
humana, que aparece em Questions de Méthode, está apoiada em uma
certa concepção de ser (ser-no-mundo, projeto e ação, experiência
vivida como totalização); e em certos princípios empírico-
interpretativos de investigação do concreto e da realidade humana,
que devem seguir a análise regressiva e a 5Íntese progressiva. Contudo,
no tempo entre Questão de Método e a elaboração do corpus principal
do texto da Crítica, Sartre nãoestásatisfeito com o âmbito conjectural
de suas reivindicações, e observa que a verdade e a validade de suas
argumentações devem ser demonstradas:
Tudo o que estabelecemos em Que.tio de Método
decorre de nosso acordo de princípio com o
materialismo histórico. Mas enquanto
apresentarmosesseacordocomo umasimples opção,
entre outras possíveis, nada teremos feito. Nossas
conclusões hão de permanecer conjecturais:
propusemos alguns reordenamentos de método;
estes só seriam válidos ou, pelo menos, discutíveis,
na hipótese em que a dialética materialista fosse
verdadeira. Com efeito, se se pretende conceber o
detalhe de um método analítico-sintético e
regressivo-progressivo, é necessário estar convencido
de que uma negação da negação por ser uma
afirmação, que os conflitos - no interior de uma
pessoa ou de um grupo - são o motor da História,
quecadamomentodeuma sénedeveser compreendido
a partir do momento inicial e lhe é in·L-dutívd, que a
História opera a cada instante, totalizações de
totalizações, etc. (Sartre, 1960:135)
Partindo desta observação, Sartre toma como tarefa investigar
a fundamentação de seu ponto de vista. Este empreendimento, ele
entende como uma investigação crítica da razão. Precisamente,
assumindo que a inteligibilidade do domínio da realidade humana-
práxis, relações sócias, históricas e materiais - é dialética em seu
âmago. Põe-se, então, a perspectiva da razão dialética:
Assim, devemos retomar o problema do início
e perguntarmos qual é o limite, a validade e a
extensão da Razão dialética. E, se dissermos que
essa Razão dialética não pode ser criticada (no
sentido em que o termo foi tomado por Kant)
senão pela própria Razão dialética,
responderemos que isso é verdade, mas que é
necessário justamente deixá-la fundamentar-se
e desenvolver-se como livre crítica se si própria,
ao mesmo tempo em que como movimento
da Histórica e do conhecimento. É o que, até
aqui, ainda não foi feito: ela tem sido bloqueada
no dogmatismo» (Sartre, 1960:141)
O tema é, deveras, importante, pois coloca cm questão tanto a
metodologia, quanto a racionalidade. Na perspectiva sartriana,
podemos depreender algumas conclusões: a) o problema da
racionalidade transgride o da metodologia, pois o questionamento da
inteligibilidade da realidade humana como tal, se torna um problema
de maior extensão que o do método para o âmbito das Ciências
Humanas, e b) surge uma temática inerentemente normativa: a
possibilidade da conexão dos assuntos epistemológicos e ético-político.
64 WALTER MATIAS LIMA
Portanto, a reivindicação do valor de um método está submissa àsua
utilidade, posto que, para Sartre, o assunto transgride o problema de
método, pois este só é relevante se for útil ou não.
Deste modo, Sartre inicia sua investigação como uma crítica
da razão, na acepção bntiana de crítica: planeja investigar os limites
e a validade de uma certa concepção de razão.
Contudo,se o modode investigaçãocaminha àmaneira kantiana,
a concepção sartriana de razão e seus resultados são permeadas pela
tradição hegeliana-marxista e hermenêutica-fenomenológica:
... se dissermos que essa Razão dialética não
pode ser criticada... senão pela própria Razão
dialética, responderemos que isso é verdade
mas que é necessário justamente deixá-la
fundamentar-se e desenvolver-se como livre
crítica de si própria, ao mesmo tempo como
movimento da História e do conhecimento...
a dialética será eficaz como método enquanto
permanecer necessária como lei da
inteligibilidade e como estrutura racional do
Ser. Uma dialética materialista só tem sentido
se estabelecer no interior da história humana
a primazia das condições materiais tais como a
práxis dos homens situados as descobre e se
submete a ela. Em poucas palavras, se existe
algo como um materialismo dialético, isso
deve ser um materialismo histórico. ( Sartre,
1960:141, 151) Grifos do autor.
Nesta perspectiva, Sartre põe o problema da racionalidade e
da fundamentação em um nível não-fundacionista: ou seja, a
investigação constitui-se na imanência, investigação reflexiva e
afirmação da historicidade. Contudo, surge um problema na
abordagem sartriana: ele não se refere diretamente à fundamentação
metafísica. É possível que Sartre encontre-se em um dilema, para o
LIÇÕES SOBRE SARTRE 65
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Lima lições sobre sartre

  • 1.
  • 2. O leitor encontrará nessas Lições sobre Sartre, uma introdução à vários conceitos e temas da obra desse eminente filósofo francês, que influenciou geraçõesentre os anos quarentae sessenta, do século vinte. O livro concentra-se nas abordagens de Sartre no âmbito da Crítica da Razão Dialética, retomando questões como práxis, liberdade e a relação entre singularidade e coletividade. Para um autor, como Sartre, que trilhou vários caminhos da arte, como teatro, cinema, jornalismo, livros de filosofia, biografias e fez da palavra uma arma de libertação, o leitor encontrará, também, um panorama sucinto, mas bem construído e que desperta para aspectos da obra sartriana pouco investigada na no Brasil e, como lições, são o ponto de partida para o mergulho na obra provocadora, crítica e ambígua que foi a escritura de Jean-Paul Sartre.
  • 3. WALTER MATIAS LIMA I UFALMaceió/AL 2009
  • 4. lllIVERSIDADE fEDERALDEALAGOAS Reitora Ana Dayse Rczcndc Dorca Vice-1·citor Eurico de Barros Lf>bo Filho Dirttora da Edufal Sheila Diab Maluf Conselho Editorial Sheila Diab Maluf(Presidente) Cícero Péricles de Oliveira Carvalho Elton Casado Fireman Roberto Sarmento Lima lracilda Maria de Moura Lima Lindembcrg Medeiros deAraújo L(!{mardo Bittencourt Eurico Eduardo Pinto de Lemos Antoniode Pádua Cavalcame Cristi.ane Cyrino Estevão Oliveira Capa: Edmilson Vasconcelos Diagramação: Emanuelly Batistada Silva Supervisão gráfica: Márcio Roberto Vieirade Melo Catalogaç.ãona fonte UniversidadeFederal deAlagoas BibliotecaCentral-Divisãode Tratamento Técnico Bibliotecaria Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale L7321 Lima, Walter Matias. Lições sobre Sartre í Walter Matias Lima. - Maceió : EDUFAL, 2009. 131 p. Bibliografia: p. [123)-131. l. Sartre, Jean-Paul, J905-1980 - Crítica e interpretação. 2. Filosofia. 3. Materialismo histórico. 1. Titulo ISBN 978-85-7177-485-8 Direitos desta edição reservados à Edufal - Editora da Universidade Federal de Alagoas Campus A. C. Simões, BR 104, Km, 97,6 - Fone/Fax: (82) 3214.1111 Tabuleiro do Martins - CEP: 57.072-970 - Maceió - Alagoas E-mail:edufal@edufol.ufal.br - Site: www.edufaLufal.br CDU: 141.13 t:ditorn afiliada: ASSOCIAÇÃO ORASILE .AA OS fiOITORAS Utt.IVEASl'f4RIA$ SUMÁRIO Prefácio ......................................................................................... 07 Apresentação ................................................................................ 13 1. Apresentando Jean-Paul Sartre ................................................ 15 2. O conceito de liberdade sartriana e a fundamentação de sua dialética .............................................. 23 3. Inovações temáticas na abordagem do tema da liberdade ...... 37 4. A dialética Crítica ..................................................................... 43 5. A racionalidade dialética ........................................................... 51 6. Desconstruindo a noção de Fundamento ................................ 63 7. O conceito sartriano de práxis ................................................. 67 8. A experiência crítica ................................................................. 87 9. A historicidade do homem como instância da liberdade ....... 107 LO. Referências ........................................................................... 123
  • 5. PREFÁCIO O Prof Walter Matias exerce funções diversificadas e importantíssimas na vida acadêmica de nossa Universidade. Professor atuante e dedicado aos seus estudantes e orientandos, pesquisador ativo no complexo campo do filosofar, é também Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa e Bioética da Universidade Federal de Alagoas. Ademais, é ator influente na definição das Políticas de nossa Universidade em todas as instâncias nas quais atua, sejam elas no âmbito do Conselho Universitário da UFAL do qual é membro, sejam no que concerne à Coordenação do Curso de Filosofia. Walter Matias apresenta aos seus leitores o livro intitulado Lições sobre Sartre. Trata-se de um livro sobre a Liberdade e escrever um livro sobre tão importante tema é uma glória! O Prof. Walter Matias envereda por um caminho independente e sem esquematismos ideológicos quer sejam de esquerda, quer sejam de direta, pois a Liberdade está muito além tanto de esquerdismos quanto de direitismos infantis e dogmáticos. A Liberdade genuína exige de si própria a liberdade de pensar e de agir com responsabilidade. Sabemos o quanto de sangue já foi derramado em nome da Liberdade. Logo, devemos desconfiar seriamente de toda inflamação dogmática por parte de arautos que muito gritam, pouco pensam e que muito menos ainda seguem, eles próprios, o que prescrevem para os outros seguirem.A Liberdade genuína não precisa de messiânicos de quaisquer lavras ideológicas e fundamentalistas. Por isso Walter Matias, ao se referir aJean Paul Sartre, já afirma na Introdução de seu livro: "Nem marxista, nem anti-marxistafoi, antes de tudo, um.filósefo da liberdade, para quem aprópria liberdade é muito mais importante do que todas as ideologias que pretendem defendê-la". E isso porque tanto Sartre quanto Matias sabem
  • 6. perfeitamente que todas as defesas fundamentalistas da Liberdade implicam, quase inevitavelmente, em sua morte trágica e infeliz. O livro é dirigido a leitores que queiram fazer as suas próprias reflexões sobre o pensamento de Sartre. Walter Matias sugere uma organização de idéias, mas não impõe tal organização. Cada leitor é convidado a enveredar pela sua própria ordem, inclusive quanto à leitura do livro. lsso é mais uma vez alvissareiro. Que despropósito seria alguém refletir sobre a Liberdade e ao mesmo tempo impor ao outro uma camisa-de-força para pensar a própria Liberdade! Um dos esforços envidados por Walter Matias é o de argumentar em prol da coerência do pensamento de Sartre que aos olhos de muitos pareceestareivado de contradições. Por isso ele afirma, referindo-se a Sartre, que "apesar das diversas irifluênâas recebidas, a s11a filoscifia mantém uma unidadecoerenteapoiada num núcleo de intuifõesoriginais expressas n11m estilo, por vezes denso, simultaneame11te analítico e dialético". Walter Matias desenvolve com perspicácia e didaticamente várias teses sartrianas especialmente provocativas como, por exemplo, aquela segundo a qual 'não existe natureza humana, pois somos o que por exercício da liberdade nos tornamos'. O leitor tem condições de questionar uma série de coisas, como por exemplo: Seria o exercício da liberdade o que nos permitiria transcender o mero estatuto de seres naturais? Outras tantas teses sartrianas, são expostas com grande elegância e clareza como aquela segundo a qual 'no contexto da escassez, o inferno é o outro'. Trata-se de um excelente momento para se discutir temas como alteridade, pr~íxis e consciência. Há no livro de Walter Matias frases bastante esclarecedoras do pensamento de Sartre como, por exemplo, "o home1fl livre é radicalmente continge1Tte; mas, atra11és do pr<!_jeto, ohometn espera odadoem direção a 11m firn; o 111undo deixa de ser conti11ge11te para se com1erter em necessário. O oposto do projeto é a recusa; o projeto apresenta ofim como concreto!}. Podemos legitimamente interpretar que em estado de 8 WALTER MATIAS LIMA liberdade somos seres radicalmente contingentes, tal como a nossa vinda ao mundo o é: se não fosse aquele espermatozóide que me corresponde e fosse outro a atingir o óvulo de minha mãe, seria meu irmãozinho ou minha irmãzinha e não eu. Eu sou uma mera contingência assim como seriam se fossem atualizados os meus irmãozinhos. Deste modo o homem livre é mera contingência. No entanto, segundo Sartre, é pelo projeto que visa uma finalidade (ou seja, algo que presumimos como similar a uma causa final aristotélica), é que nos tomamos necessários. E esse projeto, essa finalidade que nos torna necessários é antes de tudo uma "condenação", o que nos permite entender a frase algo enigmática que envolve um pesado jogo de categorias antitéticas como a que encerra a idéia segundo a qual 'somos condenados a sermos livres'. DaíWalter Matias, interpretando Sartre escreve que "a liberdade, mais do queuma libertação, éuma verdadeira "condenação", urna vez queo fwniem anseia alcançarasuprema síntesedivina "em-si-para-si", síntese semconflito, quejamais alcançará. Este projeto de ser Deus lança o homem no mundo, abandonado à neantizafàO permanente da consciência, que oprovoca a uma práxis realizadora". Em outras palavras, como somos seres eternamente incompletos, imperfeitos e recorrentes, assim também será o nosso projeto. É evidente que qualquer projeto que visa à perfeição será fadado inevitavelmente ao fracasso, daí a nossa angústia e ncantização. Não podemos resistir nesta altura de nosso raciocínio a fazer um contraponto com um autor muito diferente de Sartre, talvez mesmo incomensurável em relação a Sartre, mas nem por isso julgamos que o contraponto seja deslocado e fora de propósito. Ora, Walter Matias não se propõe a escrever um livro que suscite discussão, polêmica e que seja suficientemente didático a estudantes, professores e a quem mais se interessar pelo assunto? Ademais, acham~s que Liberdade seja um tema tão eternamente recorrente que quaisquer limitações e camisas de forças seriam desaconselháveis parase dizer o mínimo. Em suma, não é o diálogo que se pretende com o livro de LIÇÕES SOBRE SARTRE 9
  • 7. Walter Matias? Antes porém, faz-se necessário que afirmemos que por Liberdade podemos pretender diferentes coisas e nós estamos atentos a isso. O contraponto que estamos pensando é aquele entre Sartre e Amartya Sen. Ora, se Sartre sustentaque somos condenados àliberdadee que o nosso projetode sermos Deusesestá inevitavelmente fadado ao insucesso, Amartya Sem sustenta que o único desenvolvimento Humano genuíno é aquele que constitui no próprio Exercíciodas Liberdades. Assim, fome, faltade emprego, totalitarismos de quaisquer lavras, falta de livros para ler, analfabetismo, falta de tratamento de saúde e quaisquer outras privações das potencialidades humanas são, todas elas, igualmente privações de liberdade. Pensara Liberdade também inclui não ter medo de virtuais ou reais incomensurabilidades entre teorias. Pensara Liberdade é não ter medo de serautônomo, não termedo de serfeliz e não recear patrulhas acadêmicas sempre prontas a delimitar fronteiras estanques do conhecimento e categorias conceituais antitéticas e irreconciliáveis, não raro pelaprópria ignorânciadesses guardas de fronteiras. Por isso, pensamos que seja de bom alvitre confrontar pensamentos e assim acreditamos que seja pertinente confrontar, a respeito da liberdade, o pensamento de Amartya Sen com o pensamento de Sartre. Para Arnartya Sen, liberdade não é apenas uma causa final, ou seja, uma mera finalidade a ser alcançada. Ela é também, necessariamente um Meio. Quaisquerque sejam as finalidades de liberdade, que nãosejam elas próprias, exercícios de liberdade, serão necessariamente falsas. Em outras palavras, a finalidade da Liberdade somente é possível se os. meios para alcançá-la sejam eles próprios, exercícios genuínos de liberdades. Isso condena quaisquer ditaduras e quaisquer promessas de deixar o bolo crescer para depois distribuí-lo ao estatuto de meras enganações e, portanto, como definitivamente contrárias à liberdade. Nesta altura, proferimos as nossas palavras finais. O livro de Walter Matias não é somente oportuno, didático e provedor de reflexões aos seus leitores de amplo espectro. É um livro que exercita a Liberdade, não impõe ordem, embora se atenha a uma disciplina 10 WALTER MATIAS LIMA sem a qual a sistematização de um pensamento coerente não seria possível. Consideramos que este livro deWalter Matias sejaaltamente recomendável e muito mais que isso seja um presente que a nossa Editora terá o orgulho de publicar e oferecer aos seus leitores. Jenner Barretto Bastos Filho Professor Associado da UFAL, Membro do Comitê de Ética cm Pesquisa e do Conselho Universitário da UFAL, tem interesses de pesquisa em Filosofia da Ciência, Fundamento das Ciências Físicas, Aspectos Éticos da Educação e do Desenvolvimento. LIÇÕES SOBRE SARTRE 11
  • 8. APRESENTAÇÃO As lições a seguir poderão ser lidas na ordem que o leitor, ou lt•itora, preferir. No entanto, o conjunto do texto possui uma nrg,mização que tende a uma apresentação de característicasda filosofia dofrancêsJean-Paul Sartre, destacando sua obra publicada no ano de 1960, Crítica da Razão Dialética. Essas lições tratam, num primeiro momento, de aspectos gerais da obra do autor e, em um segundo momento, de aspectos específicos no contexto dessa mesma obra, comoos temas: liberdade, racionalidade e práxis.Esperamos que essas lições ajudem leitores e leitoras a terem uma experiência com tópicos da obra de Sartre ainda pouco explorados em nosso continente. A Crítica da Razão Dialética vai ampliar a concepção sartriana da liberdade, levando às últimas consequências a interação entre os sujeitos. Nesta obra há uma mudança de perspectiva na abordagem do tema da liberdade, uma vez que Sartre busca fundar esta temática na questão da intersubjetividade e na práxis, que encontram na razão dialética e na inteligibilidade o locusde sua realização. A razão dialética é a lógica da ação que busca realizar a liberdade dos sujeitos historicamente situados e que encontra nos grupos o espaçoe o tempo da realização ontológica de si, isto é, a liberdade é o encontro das liberdades situadas que ensejam o processo da história. Sa1tre foi considerado o filósofo francês mais importante, entre os .111os quarenta e setenta, do século XX. E sua trajetória como intelectual conheceu as mais diversas conquistas e contradições. Construiu uma usina deco11ceitos eseudiálogocomseuscontemporâneosprcxiuziunovosconceitos. Um filósofo inclassificável, é o que podemos dizer de Jean- Paul Sartre. Nem marxista, nem anti-marxista foi, antes de tudo,
  • 9. um filósofo da liberdade, para quem a própria liberdade é muito mais importante do que todas as ideologias que pretendem defendê- la.Sabemos também que os textos e a práxis sartrianos perturbaram, e ainda perturbam, tanto a esquerda como adireita e também aqueles que ainda pensam que o mundo vai bem tal como está. Pois, enquanto membro de uma organização coletiva, o sujeito constrói uma comunidade histórica, onde as relações intersubjetivas são radicalizadas com o objetivo de sair do reino da escassez por caminhos que necessitam da crítica advinda da razão dialética, crítica essa que abre, através da linguagem e da interação entre os sujeitos, apossibilidade da constituiçãode grupos autocríticos e de uma sociedade onde o exercício da liberdade é pressuposto para a transparência da própria sociedade. 14 WALTER MATIAS LIMA CAPÍTUL01 Apresentando Jean-Paul Sartre Filósofo francês (1905-1980) estudou na Escola Normal "11pcrior de Paris, onde teve como amigos, entre outros, Paul Nizan, lt1ymond Aron, Georges Canguilhem, Jean Hyppolite, Maurice Mcrleau-Ponty; aí se formou em filosofia, em 1929; foi professor, r11lrc 1931-1933, no Liceu de Le Havre; em 1933-1934 esteve em lh.·1lim, como bolsista do Instituto Francês, onde estudou r~·11omenologia. Durante a Segunda Guerra Mundial, nos anos de l'J40a 1941, foi prisioneiro em campode concentração na Alemanha. Após esse período conseguiu se libertar e retoma as atividades de professor no Liceu de Neuillye no Liceu Condorcet, de Paris. Exerceu o magistério até 1945, data em que fundou a revista Les Tempes Modernes e já tinha publicado sua obra capital; L:Être et le Néant (O Ser e o Nada, 1943). Jean-Paul Sartre é um dos principais fenomenólogos e existencialistas franceses; o seu pensamento fortemente influenciado por Hegel, Husserl, Heidegger, Kierkegaard, Nietzsche e Marx, situa- 'iC na linha do existencialismo ateu, para cujo desenvolvimento rnntribuiu através de uma obra monumental, não só de caráter filosófico, mas também de tipo narrativo e teatral; apesar das diversas influências recebidas, a sua filosofia mantém uma unidade coerente .1poiada num núcleo de intuições originais expressas num estilo, por vezes denso, simultaneamente analítico e dialético. De início, o pensamento de Sartre foi profundo e decisivamente marcado por uma reflexão em torno da fenomenologia
  • 10. ô husserliana; mas também, desde o começo, estiveram presentes Hegel, Kierkegaard e Heidegger, bem como o racionalismo e o voluntarismo cartesianos; mais tarde, o marxismo. Os primeiros trabalhos de Sartreversaram sobre a psicologia fenomenológica; em I.:Imagination (1936) rejeita as teorias clássicas da imagem; esta era entendida como uma percepção sem objeto; Sartre, na esteira fenomenológica, concebe a imagem como uma forma organizada da consciência; esta é, estruturalmente, intencional; a consciência imaginante envolve uma consciência não- tética de si mesma, istoé, dá-se a si mesma como puraespontaneidade que produz e conserva o objeto em imagem; visa aquilo que não é; as características fundamentais deste tipo de consciência são a espontaneidade, a liberdade e a negação: a imaginação é, por isso, uma atividade da consciência totalmente diferenciada da percepção. Em I.:Imaginaire (1940), Sartre passa da fenomenologia da imagem, considerada em si mesma, a uma análise de vários fenômenos que se revestem de uma estrutura semelhante; nesta obra salienta-se sobremaneira a produção da imagem como revelação fundamental de uma absoluta liberdade; a consciência imaginante comporta uma dimensão constitutiva de irrealidade; a liberdade da consciência imaginante é a condição básica para que ponha o mundo como mundo; mas, quando o põe, nega-o, a imagem constitui-se sobre este mundo assim negado. As condições que tornam possível a imaginação constituem a própria estrutura da consciência. Daí o interesse que Sartre dedicou à problemática da imaginação e do imaginário, concluindo que a consciência não está no meio do mundo como um objeto; é um ser-no-mundo que, por um lado, está em situação e, por outro, distancia-se dele, transcendendo-o. As noções basilares da filosofia de Sartre, explanadas, sobretudo a partirde I.:Être et le Neant (1943), nascem nesta reflexão em torno do imaginário; foi a partir da análise da imagem que Sartre apreendeu a consciência como nadificadora do mundo. A imaginação é o modo que a consciência tem de transcender o mundo em que se situa; por 16 WALTER MATIAS LIMA MO, em rigor, não há imaginação, mas uma consciência que visa o H·.1l; não há imagens, mas um mundo imaginário; a contemplação t"..tética é, para Sartre, um momento privilegiado em que a liberdade l dá como negação do mundo existente; para Sartre, só face ao 111t:iginário e a negação do mundo existente que ele implica é que a t ontemplação tem sentido. Consciência é uma das noções capitais do corpus teorético i,,trtriano. A indagação sartriana do ser da consciência inicia-se com a .tssunção do caráter intencional da mesma consciência; toda a consciência é consciência de, a consciência é sempre consciência posicional; mas aquilo de que se tem consciência não está na c.:onsciência. Na relação de transcendência entre a consciência e o mundo não intervém, contudo, qualquer tipo de causalidade. A consciência é o poder de se distanciar daquilo que é: é a essência de todo o projeto; é aquilo que «é o que não é» e «não é o que é»; uma recíproca, simultânea, unitária e perpétua remissão. A negatividade está instalada no coração da consciência, constituindo o seu fundamento e o seu ser: é uma perpétua nadificação (neantização), uma dimensão de fuga, através da qual as coisas, em si massivas e opacas, vêm asi mesmas segundo o modo de não ser; o cogito, enquanto núcleo central da consciência, conduz ao ser-em-si, como objeto da mesma consciência, enquanto para-si. Existe uma oposição radical i.:ntre o em-si e o para-si; o em-si é massivo, opaco, plenamente ser, é o que é; o para-si é descompressão de ser, neantização, não-ser; é totalmente relação, surgindo como resultado da negatização do em- si; está orientado para o em-si; surgindo como evasão relativamente :tquilo que é, o para-si é nada; a consciência comporta, assim, uma dimensão constitutiva de realidade e, por conseguinte, de liberdade. O aparecimento do para-si é um acontecimento absoluto que procura o cm-si para se fundar a si mesmo, por forma a superar a sua contingência original. Em ordem a esta superação, a consciência é essencialmente negadora do em-si, na medida em que se encontra revestida da característica ontológica de ser o seu próprio nada, LIÇÕES SOBRE SARTRE 17
  • 11. conseguindo, com a sua presença, transcender o sem-sentido da massividade do em-si. A consciência, para ser aquilo que é, tem necessariamente de ser outra coisa distinta dela; mas, não existe uma dualidade entreaconsciência eo objeto, no sentidode que aconsciência seja uma entidade que se dirige para outra entidade; pelo contrário, a consciência não é e só é algo, na medida em que se toma no objeto. Porque a consciência não coincide consigo mesma, numa adequação plena, constitui infração do princípio de identidade.A consciência não é um absoluto substancial. Em La transcetidence de l'Ego (1936-1937), Sartre demonstra, inclusive, que o papel de um Eu, como pólo unificador das vivências e constitutivo de um campo transcendental, é não só desnecessário mas até nocivo. O centro de todo o processo filosófico sartriano reside naquilo aque Sartre chamaa prova ontológica: a consciência nasce trazida por um ser que não é ela. A consciência não pode fazer com que haja ser, mas, porque há ser, a consciência funda-se, enquanto consciência de si e do ser. É a consciência, como ser livre, que, através do seu poder de neantização (nadificação), permite, mediante a introdução da separação, pelo nada, na massa amorfa do em-si, conferir um sentido às coisas, fazendo delas um mundo; o nada é um fruto condensado da negação ativa. Longe de nos fazer duvidar das coisas, a consciência assegura-nos da sua existência, uma vez que ela se constitui através da negação delas. A liberdade é, para Sartre, uma perpétua fuga ao ser, uma nadificação do ser, um pôr-se à distância dele mesmo; a liberdade não é uma característica acrescentada ao ser, mas é o próprio ser do para-si. A liberdade é, assim, uma noção basilar no percurso filosófico de Sartre; todo o seu projeto foi orientado pela construção de uma filosofia da liberdade; da ontologiaàética, da ética àpolítica, perpassa um motivo contínuo: somos livres, devemos fazer-nos livres. A liberdade é, desde o início, reivindicada por Sartre contra a natureza: não existe natureza humana; nós somos aquilo em que, pelo exercício da liberdade, nos tornamos. A nossa definição como indivíduos situa-se no futuro. A liberdade, como a sua abertura 18 WALTER MATIAS LIMA simultânea sobre futuro, é o aspecto mais otimista do pensamento sartriano; a liberdade é um dado insondável, uma possibilidade projetada na produtividade. O homem livre é radicalmente contingente; mas, através do projeto, o homem espera o dado em direção a um fim; o mundo deixa de sercontingente parase converter cm necessário. O oposto do projeto é a recusa; o projeto apresenta o fim como concreto; a recusa apresenta-o como impraticável; a recusa passiva pode desembocar na arte; a recusa ativa na violência. A liberdade interioriza o exterior e exterioriza o interior; como negatividade produtiva, a liberdade aniquila o seu passado e a sua circunstância mundana para se projetar no futuro. Porque a liberdade é um abismo de possibilidades e de angústia, o homem está condenado a definir-se através de uma relação à contingência das coisas e à sua própria facticidade: o homem faz-se mergulhando continuamente num projeto de ser para se encontrar para além do em-si, através de um compromisso perante si e perante os outros; faz-se o que projeta ser; entre os outros homens, num mundo onde 'não há lugar para Deus; só o homem existe. A escolha inscreve-se o acontecimento arquetípico a partir do qual o homem se torna práxis. Mas a apreensão reflexiva da liberdade angustia-o; todavia, só assim assume a sua condição humana. O homem de má-fé oculta a sua liberdade, renuncia aexistircomo consciência; pretende fugir daquilo de que não se pode fugir. Existir é escolher, em cada instante, sem poder inventar escusas; a liquidação total da má-fé deriva de uma permanente luta a partir da angústia. Neste contexto, a ética fica configurada a uma ética da arbitrariedade e da ambigüidade, desprovida de base de fundamentação, na dependência da ambigüidade da ontologia, ainda que Sartre repita que <mão há liberdade senão em situação>} e que «não há situação senão pela liberdade», pois «a liberdade não poderia ser verdadeiramente livre senão constituindo a facticidade como sua própria restrição». A liberdade é, assim, «total e finita, o que não significa que não tenfui limites, mas que nunca os encontra». A liberdade, mais do que uma LIÇÕES SOBRE SARTRE 19
  • 12. libertação, é uma verdadeira «condenação», uma vez que o homem anseia alcançar a suprema síntese divina «em-si - para-si», síntese sem conflito, quejamais alcançará. Este projeto de ser Deus lança o homem no mundo, abandonado à neantização permanente da consciência, que o provoca a uma práxis realizadora. O homem é, assim, definido como <mma paixão inútil», ficando salva, contudo, a responsabilidade individual, podendo até dizer-se que esta é inclusivamente maior, perante a negação de Deus. A teoria da negatividade da consciência não é senão uma das perspectivas do pensamento de Sartre. A consciência é também corporal; se é verdade que o homem é matéria pelo seu corpo, não é menos verdade que este corpo não é senão afirmação da consciência ou modo de ser da consciência. O para-si, não tendo ser em si mesmo, não pode existir senão como negatividade de uma facticidade; esta facticidade, inseparável de um projeto que define a situação, é o corpo próprio; poroutro lado,o para-sié temporalidade, a temporalidade é o modo de ser unitário de um ser que está perpetuamente à distância de si: é uma intra-estrutura do ser que é a sua própria neantização; o para-si é o ser que se constitui sob a forma diaspórica da temporalidade. Mas o ser-para-si é também estruturalmente ser-para-outro, outro é o «mediador indispensável entre mim e mim mesmo»; precisamos do outro para penetrar plenamente em todas as estruturas do nosso ser; o outro é a minha transcendência transcendida. A realidade humana é simultaneamente ser-para-si e ser-para-outro; a alteridade apresenta-se, assim, como determinação ontológica da existência enquanto totalidade. O encontro com o outroé um acontecimento fundamental para a consciência; esse encontro remete-me àrelação original entre a minha consciênciae ado outro; no mundo percebido, que constituio campode ação da consciência, surge um não-eu-não-objeto que me olha. A partirdaí não possoconsiderar-me um soberano absoluto; o olhardo outro me vê como cu nunca me posso ver: como objeto. O olhar de outrem me escraviza ao retirar-me da minha transcendência. O olhar exerce uma 20 WALTER MATIAS LIMA íunção coisificadora, faz do para-si um em-si. A existência do outro é, l'Ssencialmente, a perda de posse de meu mundo: passo pelo outro para l hegar à plenitude do ser, significando esta mesma plenitude a perda do meu mundo. A minha reação espontânea será querer recuperar aquilo llue perdi, procurandoo desaparecimento do outro, tenderei igualmente <l conservá-lo. Por isso, "oconflitoé o sentidooriginaldo ser-para-outro". O conflito, como resposta ao fracasso das relações intersubjetivas, manifesta-se primordialmente na práxishumana; esta é definida pelo trabalho; o trabalho não pode existir senão como totalização e contradição superada; através do trabalho, o homem é subsumido num movimento dialético através do qual a interioridade do sujeito entra em contato com o mundo externo. A práxis, ao atuar sobre a matéria, objetiva-se, constituindo um objeto humano, que, porsuavez, se torna matéria trabalhada; o trabalho é um fator interno à História, exigindo que o homem se faça quase-objeto, inércia. A relação com a matéria funda, assim, as relações intersubjetivas. Na Crítica da Razão Dialética (tomo I, 1960; tomo II, 1985), Sartre procura a determinação das condições e das estruturas invariáveis da dialética histórica. Esta dialética configura-se como uma atividade totalizadora a partir do prático-inerte. Pretendendo reconstruir o movimento concreto da História, Sartre faz inteiramente sua a interpretação do materialismo histórico. A razão dialética traça uma racionalidade própria, permitindo integrar o real na sua totalidade; a realização deste objetivo mostra a inteligibilidade da História enquanto dialética histórica fundada na livre práxis humana. A experiência crítica visa àinteligibilidade do movimento histórico no interior do qual os diferentes conjuntos se definem pelos seus conflitos; a partir das estruturas sincrônicas e das suas contradições, procura a inteligibilidade diacrônica das formações históricas, a ordem dos seus condicionamentos, a razão da sua irreversibilidade; embora as totalizações sejam sincrônicas, a temporalidade envolve, como determinação essencial, a práxis-processo; a História apela à temporalidade como a consciência à facticidade. LIÇÕES SOBRE SARTRE 21
  • 13. Sartre esforça-se por descobrir métodos relacionados simultaneamente com a Sociologia, com a Psicanáli~e e com a Antropologia, que lhe fornecerão os instrumentos necessários para melhor abordar os problemas do ser humano; entre eles, adere ao método progressivo-regressivo e analítico-sintético. A razão dialética permite compreender a vida humana, mas se depara com dois limites da inteligibilidade: a fato da escassez e a inevitabilidade da inércia. Todaa inteligibilidade, no meio da escassez, vem ao homem, segundo Sartre, através da «inelutável mediação da matéria». A escassez é a noção fundamental sobre a qual Sartre constitui as relações humanas de reciprocidade na práxis dialética; na escassez, cada homem é ameaça para o outro: a alienação, a violência e a ética surgem, num primeiro momento, associadas ao fato contingente da escassez e da dialética antagonista por ela provocada: o primeiro movimento da ética é a constituição do mal radical; o mal é o outro, no contexto da escassez. Àprimeira vista, afilosofia de Sartre apresenta uma variedade de imagens e de contradições. O Sartre fenomenólogo aparece sob os traços do existencialismo; no mesmo movimento de pensamento, o realismo e o idealismo se transformam em luta, como a fenomenologia e o construtivismo lógico, ou, ainda, o individualismo e o coletivismo. No entanto, a obra de Sartre segue uma trajetória teórico-conceituai que sugere uma coerência de pensamento no transcurso de seu desenvolvimento. Um percurso poralgumas obras desse eminente autor poderá ajudar a compreender a longa gênese do pensamento sartriano, o que revelará a influência de várias correntes filosóficas. 22 WALTER MATIAS LIMA CAPÍTUL02 O conceito de liberdade sartriana e a fundamentação da dialética Anossa liberdade, hoje, reduz-se à livre escolha de lutar para nos tornarmos livres. E o aspecto paradoxal desta fórmula exprime apenas o paradoxo da nossacondição histórica. Nãosetratadeengaiolar os meus contemporâneos: eles já estão na gaiola; trata-se, pelo contrário, de nos uniimos a eles para quebrarmos as grades. (Sartre) Aefetivação da filosofia de uma época é a época apropriada por 11,1 l1lmofia. Hoje, quandojá sefala na crise da modernidade ou na sua 11111:1 ação, alguns temas exigem o rigor e a sistematização do filosofar. 1•1,1 é uma exigência que vem sendo praticada por toda a história do 1w11s.1111cnto e prática filosófica, porém, quando a atividade filosófica 11111 <l' não encontrar ecos imediatos na apreensão da universalidade do 1 111 H nto pelo particular ou singular, torna-se urgente que se radicalize • 11 .1 b.1Iho do conceito, que caracterizaaatividade filosófica, paraque se l'll""·1construir uma abordagem mais esclarecida do real. O pensamento ocidental construiu uma história da liberdade q11c t~m em Aristóteles sua primeira elaboração sistemática a partir il,1 Ft1rn nNicômaco e, mesmo sofrendo modificações, essa elaboração pr1durará até o século XX, onde a obra deJean-Paul Sartre vai levar .1 lt•sr aristotélica às últimas conseqüências.
  • 14. p Seguindo o itinerário aberto por Aristóteles, a liberdade é concebida como o que se opõe ao que é condicionado externamente e ao que acon,tece sem deliberação. . Segundo o autor da Ética aNicômaco, livre é aquele que possui em s1 mesmo o fundamento do seu agir ou não agir, sendo causa interna de sua decisão ou não decisão da ação. A vontade tem poder para determinar, isto é, para ser autodeterminada, e isso caracteriza o agir livre. Traduzindo-se como ato voluntário e decisão, a liberdade decide entre alternativas possíveis, lançando o agente numa dimensão de possibilidade, onde a escolha, ou o poder de escolhersempre entre alternativas, fundamenta a realização do ser humano como tal. Radicalizando essas concepções, Sartre fará da liberdade o poderque o homem tem de escolher, sem determinações, seu próprio ser e seu mundo. Porém, antes de analisar a postura de Sartre, principalmente em O Ser e o Nada, para chegar à Crítica da Razão Dialética, é necessário que se aponte os precedentes da filosofia sartriana na construção de sua concepção da liberdade. A história da antropologia filosófica realizada na modernidade elegeu o conceito de autonomia do sujeito como pressuposto antropológico para a interpretação do homem. Autonomia do sujeito tornou-se paradigma da modernidade, encontrando na obra de Descartes sua primeira elaboração e defesa filosófica. A filosofia do sujeito encontra na obra cartesiana sua elaboração primeira, a partir do momento em que o cogito passa a ser estatuto ontológico e, conseqüentemente, fundamento da noção de autonomia do sujeito. É a obra de Descartes que proporciona o fundamento metafísico do conceito moderno de liberdade, dando-lhe conotação de liberdade compreendida como autodeterminação de si mesma, o que só foi possível com o deslocamento da fundamentação da metafísica 24 WALTER MATIAS LIMA 1111t·1,1tla pela filosofia cartesiana, quando elege o cogito como princípio d1 111tt•1 prctação da realidade. 1:ilosofia revolucionária, a obra cartesiana vai proporcionar 11111tl.111ç:is radicais na atitude metafísica, quando desloca a busca de l1111tl.1mcnto ontológico e epistemológico em um ser absoluto para 1 ..11h1dividade do sujeito, subjetividade essa que é uma experiência 111•,111ul,1, não do absoluto, podendo ser traduzida pelo cogito ergo sum, " que c.lará à noção de autonomia do sujeito sua fundamentação 1111tc>l6gica, justificando assim, uma das concepções mais fortes de liht·1dade construída na modernidade. Aliberdade passaráa serentendida não como uma característica de 1homem que tem sua fundamentação exclusiva num ser absoluto, 1111 11 uma explicação essencialista que transcenda necessariamente o ·,tt1l·1to, mas será entendida a partir do eupenso, o que tornará possível 1tul.l l' qualquer interpretação da realidade, mesmo que para o autor tl1• () Discurso do Método, essa dimensão humana, a res cogitans, 111.111tcnha-se numa perspectiva metafísica. A metafísica agora não p.11 tc de uma perspectiva em que a realidade é pensada tendo um 1111i1 n fundamento, onde esse fundamento possa ser o Ser eterno, 111.1111ovível, absoluto, pura essência, essência pura, mas a metafísica 111 umra sua fundamentação ontológica na subjetividade do sujeito, 1111 • <nnhece e que constrói idéias distintas e claras. Com Descartes, a modernidade encontra no cogito as primeiras 1.11 .I< tcrizações da antropologia moderna, isto é, o nascimento da 111t1111omia do sujeito e de um conceito de liberdade que tem nessa u1111111omia suafundamentação, ou seja, a liberdade entendida como ,111tndctcrminação de si mesma, o que aproximará o conceito de l1hl'1 d.ide da interpretação moderna de existência, sendo esta uma 1 ,11,wtcrística puramente humana, e que vai encontrar nas filosofias d11 ...11jcito um correlato do conceito de liberdade. Todo discurso filosófico da modernidade que se fundamenta 11.1 l1losofoi do sujeito iniciada pelodiscurso cartesiano, mutatismutandis, 1 ll, OllS SOBRE SARTRE 25
  • 15. t) admitirá a noção da liberdade como autodeterminação de si mesma. A premência dessa interpretação estará presente na antropologia iluminista, principalmente nas obras de Kant e Hegel; no primeiro, a partir das atribuições do sujeito transcendental que atinge sua autonomia pela razão e pela vigilância dos imperativos categóricos, e no segundo, pela interpretação da passagem da consciência em si para a consciência de si, seguida da consciência para si, através da dialética do senhor e do escravo como abordagem da cultura, onde o homem cria seu itinerário ontológico, antropológico e ético. Sendo o cogito entendido como fundamento da liberdade que se quer certeza de si mesma, e mesmo tendo o cogito primazia metafísica, a trajetória dessa abordagem da liberdade, que perpassa toda a modernidade, insere a historicidade como traço essencial do homem, pois a realização ôntico-ontológica do homem passa a ter dimensão histórica, o que não quer dizer que a compreensão da história como âmbito de realização humana seja uma concepção homogênea para toda a modernidade pois, já em Descartes, a realização da liberdade se dá numa perspectiva meta-histórica. Dentro dessa perspectiva, insere-se a obra de Jean-Paul Sartre, que pode ser caracterizada como uma busca da liberdade. Sartre leva às últimas conseqüências o cogito cartesiano, tomando como verdade incondicional, pelo menos na época de O Ser eoNada, a subjetividade: 26 Não pode haver outra verdade, no ponto de partida, senão esta: penso, logo existo; é aí que se atinge a si própria a verdade absoluta da consciência. Toda teoria que considera o homem fora deste momento é antes de mais uma teoria que suprime a verdade, porque, fora deste cogito cartesiano, todos os objetos são apenas prováveis e uma doutrina de possibilidades que não está ligada a uma verdade desfaz-se no nada; para definir o WALTER MATIAS LIMA J ) j j provável, temos de possuir o verdadeiro. Portanto, para que haja uma verdade qualquer, é necessário uma verdade ab'.>oluta; e esta é simples, fácil de atingir, está ao alcance de toda gente; consiste em nos apreendermos sem intermediário. (Sartre, 1978:15). O conceito de liberdade que está construído em "O Ser e o N111/,111 , tem todas as atribuições da citação supra. Pode-se dizer que ll p1t·11snpostos históricos e metafísicos do pensamento de Sartre '' '•li h·m na dicotomia cartesiana de sujeito e objeto, onde a primazia 1l.1d.1 ao sujeito, ou, o que dá no mesmo, à subjetividade do sujeito, q111 t'llCOntra no cogito seu fundamento, e, por conseguinte, à l11111l.1mcntação do conceito de liberdade. Porém, ver-se-á adiante que o conceito de liberdade, tanto 1111 <>Sa eoNada quanto em Crítica da Razão Dialética, adquirirá, a I'•" 'i1 d,1 ontologia fenomenológica, uma caracterização que vai além 111 ;w1·11lnde do cogito» formulado na passagem de Sartre citada acima. Su 1 l ompreensão da subjetividade está permeada pela leitura da 1llll .111'.111cia como intencionalidade que lança o sujeito ao futuro. A intencionalidade da consciência adquire caracterização tl11t1111111.ica, uma vez que o interior da consciência apresenta uma d11111 11~.10 paradoxal, isto é, é de natureza do cogito sair de si mesmo, p• 11•. •'l> ser da consciência não coincide consigo mesmo em uma 11h·q11.1ç~o plena» (Sartre, 1949:116). O para-si, a consciência, o h11111t·111, o oposto do em-si, não surge como algo determinado em tfl 11u·Mno. A consciência é consciência de alguma coisa, ou seja, 111H•t11 1nnnlidadeque se preenche, que se lança ao futuro, ao devir, e 1 p.11l1r desse lançar-se, a consciência adquire alimento, torna-se o 'I'"' 11.10 6, não um em-si (que é plenitude total, pura identidade), 111.1~ 11111 para-si, «O nada pelo qual o servem ao mundo». A consciência hrn~,1-t' para algo que não é ela sem, contudo, transformar-se nesse 1u11111, 1.111ça-se comoexistênciaque adquire essência, isto é, constrói 11(,;(ll'S SOURE SARTRE 27
  • 16. liberdade. Nesse caso, 'o homem é liberdade em seu próprio ser'. Liberdade e consciência formam uma mesma esfera constituída pela intencionalidade, intencionalidade esta que focaliza o em-si preenchendo o nada que é a consciência, o que, para Sartre, é pressuposto para não haver qualquer possibilidade de determinação nas ações humanas. Aliberdade torna-se pois o princípio de todas as essências vivenciadas pelo para-si, a revelação do homem (para-:si) como contingente que se realiza pela ação. A concepção de liberdade teorizada por Sartre em O Ser e o Nada está adstrita àindeterminação total, o que colocaessa teorização numa perspectiva meta-histórica. Aqui encontram-se algumas antinomias dessa teoria que precisam ser delimitadas: Sou necessariamente consciência (de) liberdade, posto que nada existe na consciência senão enquanto consciência não tética de existir. Assim , minha liberdade está perpetuamente em questão no meu ser; ela não é uma qualidade justaposta ou uma propriedade de minha natureza; ela é exatamente a textura de meu ser; e, visto que o meu ser está em questão no meu ser, devo necessariamente possuir uma certa compreensão da liberdade. (Sartre, 1949:514). O para-si é livre e contingente. Comoconciliaressaafirmação antinômicajá que Sartre quer livrara liberdade de todo determinismo? Sou «necessariamente consciência (de) liberdade», e essa liberdade realiza-se pela escolha de um «projeto original». Temos projetos particulares que visam a realização do mundo e que estão inseridos no projeto global que somos. O conceito de projeto está fundamentado, em O SereoNada, a partir de uma das caracterizações da liberdade por Sartre: liberdade é fundamento da existência e esta se traduz pela necessidade do para 28 WALTER MATIAS LIMA hl c1 11111stantemente escolha, onde não há uma distância abissal '1111 lil>l•rdade e escolha. O conceito de escolha aparece como a l 11111.1 dJ subjetividade, pois o sujeito escolhe a si mesmo, )llh 11do-se como subjetividade que se quer livre, colocando, 1 ma, .1 liberdade como que circunscrita à esfera da escolha de ser, 11111 11111 .1so do para-si, ser por aquilo que não se é, ou seja, «ser para 11 p.11 .1'>• é niilizar o em-si que ele é». E as escolhas estão como que 1 e111.1., lk' determinação. Mas, como levar para o âmbito da liberdade situada lt111it1._11 H .nnente essa concepção de liberdade que se perde na 111d1•1nltlinação? Como conciliar liberdade e facticidade? Sendo inteiramente liberdade, então os elementos singulares ilr 11111.1 ciituação não podem levar a uma determinação, a qual iria 1111111.1d1zcr diretamente a «liberdade absoluta», mas somente em 11111.1 't 11 cunstância' em que a liberdade deve determinar-se liv11•111c11lc. Sartre quis manter a relação híbrida entre liberdade e l 1C1111d.1dc (relação antinômica), sem eliminar qualquer lado em l1r111·l11·io dooutro, paraque houvesse uma relação entre liberdade e p11111 t11 quc não fosse solapada por qualquer perspectiva de Jc1111111nação, uma vez que escolher é projetar-se, e o projeto é f1111tl 1111t·ntalmente livre, o que caracteriza o ser do para-si, sem de r.111boc.1r num caráter, numa natureza ou numa determinação 1t 1111i11.111tc. Cada uma das escolhas insere-se livremente num ltq111 1 ,1d.1 vez maior de escolhas possíveis que, conseqüentemente, k v1111 .adquirir dimensão injustificável, pois justificá-las significa l1111"a l.1-1110 âmbito das determinações, o que para Sartre seria lançar 11a11111t1111uma dimensão da moral que não encontra fundamentação. 1'011.111111, o pré-requisito para que o projeto inicial, fundamental, t 1.1li•1;11dicativo, é que esse projeto original tenha efeito significativo 11htt ·'" t•scolhas específicas, sem, entretanto, determiná-las. Assun sendo, a situação não deve ser interpretada como um t111.1lf,.1111.1 de condições objetivas que especifiquem o projeto, mas 11111111 ,1 1 oncretização do projeto (realização da escolha e efetivação l lc.;t*ll til N( mn.BSARTRE 29
  • 17. da liberdade), como algo elaborado pelo sujeito em 'circunstâncias' e perante a relação com determinados elementos surgidos da contingência do sujeito. Para Sartre a liberdade tem validade absoluta. Assim sendo, não pode ser limitada por algo externo a ela. Porém, a liberdade concretiza-se mediante condições que entram em confluência com a contingência. O homem cm situação, homem cm liberdade, é o que Sartre vai traduzir por engajamento, o que não é algo arbitrário ou voluntarista, mas componente da estrutura ontológica do ser, justificando que Sartre parta das determinações existenciais individuais, das situações de vida concretas e seus projetos consequentes, em busca de uma síntese global; tendo como pano de fundo as implicações ontológicas dos existentes no que diz respeito àefetivação da liberdade. A obra de Sartre pretende descrever a experiência da intersubjetividade e o projeto fundamental que a define, a liberdade como autodeterminação diante do seracabado (ser-em-si); a vontade de chegar a ser e o compromisso com as ações concretas em nome de um absoluto (liberdade), como característica do projeto fundamental de determinar a existência a partir do devir. Porém, e a partir da dicotomia supra-colocada, a conciliaçãoentre liberdade e situação não é resolvida em O SereoNada, pois este texto dá premência ao homem como liberdadeondea dimensão psicológica é realçada transformando a ontologia fenomenológica numa psicologia fenomenológica que busca libertar o homem de todo Eu e de toda subjetividade de caráter substancialista, a partir da abordagem da consciência, o que fez com que Sartre desloque sua análise de uma perspectiva ontológica para perquirições de ordem psicológica. A situação, que pode ser interpretada na dimensão da facticidade, é apresentada em termos abstratos, isto é, enquanto estrutura de todo homem enquanto homem, o que cria uma 30 WALTER MATIAS LIMA contradição, uma vez que uma das questões principais de O Ser eo Nada é a liberdade como essência do homem. O para-si é o lugar de toda a teoria da liberdade. Desembocando na p~icologia fenomenológica e fazendo uso da redução fenomenológica, o para-si (que aparece como consciência) torna-se o ponto nodal da análise da liberdade. Na consciência não se encontra nenhum sujeito, nem o psicológico, que é um transcendente para a consciência; nem o sujeito transcendental, que é uma construção elaborada pelosujeito psíquico. f~ a partir de si mesma que a consciência se determina, recusando, desta forma, toda perspectiva de definição a partir de uma realidade <)u de uma substância. Ela é um nada, pura existência. Não é o mundo que entra na consciência, não é um processo de assimilação de uma exterioridade por uma interioridade, mas, no processo de ronhecimento, a consciência é presença no mundo e se define por negar-se a ser substância. Como inten~o até o mundo, a consciência é existência, e t:xistir, para Sartre, é projetar-se na possibilidade de adquirir ser, na realização de um projeto a partirdo qual se construa o mundo como objeto de todas as intenções e significações. Esta existência equivale à liberdade pura, ou seja, ao poderde .1utodeterminação. A liberdade não é qualidade da consciência, mas l a existência anterior a toda determinação. Contudo, a liberdadesóse exerce no mundo. Por conseguinte, ( liberdade situada e só assim a consciência abre ao mundo possibilidades e significados que este não possuiria por si mesmo: a .1ção livre é ação sobre o mundo conferindo-lhe sentido. A consciência é consciência de alguma coisa, "isto significa que a transcendência é estruturaconstitutivada consciência" (Sartre, 1949:15) e esta estrutura faz referência às ações fundamentais do '>1ijeito no mundo. É neste momento que Sartre, para uma análise d,1 consciência, da liberdade, permanece na perspectiva tanto da 1IÇÕES SOBRE SARTRE 31
  • 18. psicologia fenomenológica quanto da ontologia fenomenológica: a dualidade do ser apresentada em O Ser e o Nada, isto é, ser-em-si e ser-para-si, é a caracterização do ser de uma presença (consciência, para-si) que não pode ser o em-si e do ser do em-si (mundo) que apenas aparece para a consciência. Essa ontologia procura esclarecer a ambigüidadc da consciência que se descobre oposta ao mundo e que ao apreendê-lo faz-se o que não é, e, des-velando o mundo como correlato de si própria, descobre a impossibilidade de sero que ele é: "Serconsciência de alguma coisa é estar diante de uma presenç::l concret::i e plena que não é a consciência". (Sartre, 1949:28). Se existir é estar aí simplesmente, é a presença de algo absoluto, a liberdade, como diz o personagem Roquentin em A Náusea: é a exigência da consciência de enfrentar a facticidade, e esta pode ser vivida como a instância da ''présence concrete etpleine" de que fala Sartre. A instânciado mundo, que é correlação com a consciência e a liberdade, surge como a realidade da consciência que se realiza num lequede possibilidades, autodeterminação da própria consciência no seu lançar-se ao mundo, tornando-se consciência do mundo. Em O Ser e o Nada a situação não é causa do ato, nem o influencia à maneira de determiná-lo. O homem está condenado a ser livre, tem que atuar, e atuar é modificar a situação a partir do projeto de ser, e isto é o que é grandioso na obra de Sartre: a exigência de que uma liberdade autêntica só se manifeste quando se sabe comprometida com a situação que quer transformar, isto para fazer- se realmente liberdade. Porém, a concepção da liberdade situada elaborada em "O Ser e o Nada" está adstrita a uma abstração do sujeito e da situação, onde pode-se falar até de uma hipóstase desses conceitos (liberdade, sujeito, situação), pois há a intenção da construçfo de uma ontologia concreta, (o que não acontece por exemplo, com o 'ser-aí' em Heidegger, que é neutro, abstrato), enquanto que Sartre busca tirar as conseqüências ontológicas para a vivência existencial do sujeito a partir da compreensão ontológica 32 WALTER MATIAS LIMA .11', l'c>rtanto, e apesar disso, há a elevação da liberdade e da ltU!t~ t• lll nível de descrições abstratas que não procuram retirar li lhI .11 .ts manifestações históricas das ações do para-si. A Ili" t'<l.1dc.1p.11ccc como o poderda consciência de negar o ser e negar- 11 111u•s111a, o que significa o poder de determinar-se e de criar-se llllh f11111l.11rn.•ntc. Mas, se «estou condenado a ser livre, isto significa 11m li 11 t· pode encontrar limites para minha liberdade a não ser ela lllC" 111.1, 011, se se prefere, que não temos liberdade para deixarmos til r1 llVI c•s)) (Sartre, 1949:515). Isto significa também que o homem tll 11l11.1 cm situação está-se elegendo livremente num mundo sem 1 I~ m11 1itriios absolutos que possam constrangê-lo em um sentido Ili ltt1l 111 e que, ao mesmo tempo, esse atuar assegure o êxito do 111>fCl11 At'1nica Jei que rege o homem é a liberdade, sua liberdade, o ll11 c1 1111·1 gulha no âmbito de suas próprias criações, onde ele cria, 11111 H11ll1.1tlo na facticidade, sua própria moral, seu próprio destino, 101111, S.11 Lre não radicaliza a postura dicotômica elaborada em "O n e 11 Nada", no momento cm que absolutiza a liberdade. Sr o homem em liberdade deve inventar sua própria essência, 11 u 1116111inser, aanálise da liberdade emsituação descrita anteriormente, IH li< 11li11m momento coloca a questão da liberdade em situação que se t 111 11 l1i1tonramente, o que apresenta, em "O Ser e o Nada", um lr1nr11t11 que será exigido no desenvolvimento histórico da própria 1111 it 1 '.11 tre, pois a partir de textos como: Marxismo eExistencialismo r Cr(111,, tia Razão Dialética - nas abordagens sobre os grupos em f11d11 • .1 lustória aparecerá como palco fundamental do homem em l1ltr1tlt11k e que a exerce de forma inteligível. Q11:i.ndo se lê certas passagens em O Ser e o Nada, "flltll 11t«1rn.:nte pode parecer paradoxal afirmar que a história não está fHt ~Clll« nesta obra, mas citações como a seguinte indicam esse fato: 1 l(_:ÔI S M >RltE SARTRE O Para-si não poderia ser uma pessoa, isto é, escolher os fins que ele é, sem ser homem, membro de uma coletividade nacional, de 33
  • 19. Falarda passagem do conceito de liberdade em O Sereo Nada para o da Crítica da Razão Dialética significa apontar para o itinerário que esse conceito vai percorrerentre as duas obras em questão, pois o que vai acontecer é a transposição de termos que possam conotar ao mesmo tempo as teses do existencialismo de Sartre e as exigências de uma abordagem a partir do materialismo histórico. Portanto, Sartrevai construir uma terminologia que, ao seu ver, complementará - no sentido de atribuir aos termos uma dinâmica mais dialéticae menos idealista- os conceitos usadosanteriormente na ontologia fenomenológica das obras anteriores. Daía necessidade de abordar quais as inovações temáticas levantadas porSartre, parapoderdelimitar melhor a passagem do conceito entre as duas obras supra citadas. 36 WALTER MATIAS LIMA CAPÍTUL03 novações temáticas na abordagem do tema da liberdade Pm um livro publicado em 1936, La Transcendence de VEgo, h11111• di~ : ccsempre me pareceu que uma hipótese de trabalho tão l'tntl111iva como o materialismo histórico nunca precisou, como itht ('( ;l • do absurdo que é o materialismo metafísico aameson, 1985: 1til) h!,l .1firmação feita sete anos antes da publicação de O Ser eo Ni11la, I·' sugere a aproximação, pelo menos em forma de leitura, de ~111111 dn materialismo histórico, o que certifica a presença de um ll1~l11g11 q11c será travado até a elaboração da Crítica da Razão Dialética. Ahonestidade intelectual de Sartre é tão presente em sua obra 'I'"l'lc· 1.11naisfará uma simples transposição de conceitos para ~xplicar &I t 1111111.idas situações. No curso de sua obra há um desenvolvimento 111 111111t1tt>s e, a partirdesse desenvolvimento processual, os conceitos ln 11lq11mndo a força necessária para a formação do corpo teórico que li 11 ~ .1 ptática - e por esta será preenchido - das atividades político- 11111 (1111 ,l'i e literárias do autor de A Náusea. c·ndo assim, quando Sartre, no momento em que publica tj (~111 11 Literatura? - seu primeiro texto de cunho explicitamente 11111)(1i,1,1 - traz para sua terminologia os conceitos que julga lll11 is.111os para uma discussão crítica e transformadora da realidade l111 q11r 1 :inalisar. f partir do texto supra citado e de toda a obra posterior, nota- i q11t' o tp1c Sartre quer é superar as insuficiências epistemológicas t 1111111111ológicas das obras anteriores no que diz respeito às exigências
  • 20. O engajamento é inerente à estrutura ontológica do para-si. Não é uma atitude meramente subjetiva, fruto exclusivo da vontade (no sentido de um voluntarismo), mas está ligado ao projeto ongmal de cada ser humano, na realização de sua autenticidade. Portanto, engajar-se é lançar-se na aventura de Ser. E Sartre vai procurar retirar todas as consequências dessa aventura, mostrando que o engajamento busca apreender o sujeito na totalização cm curso, que ele chama de História. . O projeto totaliza o contexto do sujeito, na medida em que o orgaruza, ou, melhor dizendo, asituação em tomo do própriosujeito. A noção de projeto insere-se agora como totalização, no âmbito do fazer cultura pelos homens, o que lembraou sugere a presença, na Crítica, da filosofia de Hegel, notadamente as figuras da consciência de si, isto é, no moment~ em que o aparecer da consciênciade si conota um estágio de dese?~olv1mcnto do conhecimentode sie das objetivaçõesdo espírito pelo SUJCtto que faz cultura. O desejo, que é um conceito fundamental na aquisição da consciênciade si, podeser lido comoo projetosartriano e, assim como o desejo não se realiza plenamente no transcorrer da vida do sujeito, também o projeto, que é agora totalização em curso (uma ~ez q~e o projeto insere-se na dimensão da própria história) não chegaJamais a uma totalidade totalizada. A ação humana realiza-se na dinâmica dialética, a partir da n~gaçã~ do dado; negand~ o dado, o projeto lança o sujeito na d1mensao do futuro, produzmdo uma nova ordem de ação que resulta da superação de projetos anteriores. Sendo assim, a história surge da experiência da ação, é a confluência dos atos humanos. Essa noção de liberdade- projetoque se traduz portotalizaçãoem curso: hist61ia- seráelaborada parafundir-se comosconceitosde escassez ~rático-inerte,serialidadee grupo em fusão, conceitosque completam a~ movações temáticas e a construção da tematização da liberdade. 40 WALTER MATIAS LIMA esta relação unívoca da materialidade circundante aos indivíduos se manifesta em nossa História sob uma forma particular e contingente, já que toda a aventura humana - pelo menos até agora - é uma luta encarniçada contra a escassez. (Sartre, 1960:201). lhd 1 p1 llJCto funda-se na necessidade de negar o dado a partir 111 111.11)0 de que o homem tem uma insatisfação ontológica ti l111u 11t.d drnnte da natureza e de que a história é a luta contra a o <~ .1dv111da dessa insatisfação: «a escassez é uma relação f1t1tt~1111111.d (com a natureza e com os homens). H á que se dizer t t• 1111do que é ela que faz de nós esses indivíduos que produzem tit 111 11111.1 e que se definem como homens.» (Sartre, 1960:201). S11pcrar a escassez, ir além do dado imediato (pode-se dizer Uf ' 1111 1' l m-si) é, para Sartre, construira história, pois a totalização I' l' ~ escassez. Na Crítica da Razão Dialética, porém, constata t11t 11111.1 contra a escassez foi o que gerou a opressão, a exploração 1 li t_jtl..10 do homem pelo homem. ~ .1 partir dessa construção temática que Sartre vai continuar sua l 11 1 1 tl.1 liberdade, construindo uma antropologia filosófica com ftli11l1111rntaçãodialética. Éjustamentea concepçãode dialética elaborada 111 C 11111111 que permeará toda a abordagemtemática e toda criticaàfilosofia, lllll •11lminará na própria abordagem dialética da liberdade. 1li ÓES SOBRE SARTRE 41
  • 21. CAPÍTUL04 A dialética crítica O ser humano pode ser conhecido, mas não pode ser conhecido com satisfação a partir de sua realidade imediata. Querer entender e interpretar, esgotar numa abordagem teórica o conhecimento sobre o ser humano, é tarefa fadada ao malogro, pois o homem sempre inventa o novo e suas atividades lhe escapam, formando uma relação de elementos que fluem para a construção desse novo, de algo novo que será, por isso mesmo, elemento de novo processo de explicação e interpretação da realidade humana. Isto ocorre porque, como diz Sartre: A realidade humana, na medida em que se faz, escapa ao saber direto. As determinações da pessoa só aparecem numa sociedade que se constrói sem cessar atribuindo a cada um dos seus membros um trabalho, uma relação ao produto de seu trabalho e relações de produção com os outros membros, tudo isso num incessante n10vimento de totalização. (Sartre, 1960:105) Conhecer o ser humano e conhecer a si mesmo exige que se entre na fluidificação dos conceitos, ou seja, no âmbito das mediações, do conhecimento mediato. Esta é uma das exigências feitas porSartre quando elabora sua concepção de dialética. Na modernidade, a problemática da dialética é colocada por Kant. Para este, na Crítica da Razão Pura, a dialética aparece como a contraposição necessária aos limites da metafísica. Em sua crítica ao
  • 22. pensamento metafísico, transformando este em uma epistemologia, Kant elabora uma explicação da dialética em que esta se torna a revelação da exigência de apreensão do incondicionado, daquilo que não era possível de entendimento através da metafisica e, ao mesmo tempo, a dialética é a constatação de que o pensamento se desenvolve efetivamente porcontradição, possuindo dinamismo interno que visa à totalidade. A dialética torna-se uma exigência do pensamento, mas, no caso de Kant, esse pensamento é uma razão transcendente que não se identifica com seu objeto. Mesmo assim, não é uma razão analítica que coloca o entendimento em submissão ao objeto e sim uma razão que nega seus objetos superando-os na busca de uma unidade formadora de um sentido. Kant vai estabelecer os termos que irão compor a terminologia dialética: movimento transcendente, totalidade, contradição e mediação. Suaabordagem vai mostrar que o movimento de superação do dado pela razão dialética constata que a apreensão desse mesmo dado se dá através da apreensão de objetos de pensamento e estes como as mediações necessárias ao movimento de construçãode conhecimento, ondea razão, voltando-seàexterioridade e negando-se, indo além dela, lança-se para uma totalidade nunca totalizada, abrindo dessa forma o dinamismo próprio do conhecer. Hegel vai dar ênfase à noção de contradição - esta possui caráter ontológico - valorizando o poder da consciência racional; e a dialética passa a ser a apreensão do conceito em sua universalidade pelo movimento fenomenológico da consciência, movimento este que se dá no âmbito do Espírito. A dialética adquire uma conotação realista, uma vez que visa captar o real sem a determinação de categorias a priori, é um processo objetivo que se realiza no âmbito da consciência individual, onde a dialética passa a ser o movimento da coisa, representado conceitualmente muito mais que como uma lógica, no sentido de um método. No itinerário moderno do conceito de dialética, Marxdá uma contribuição fundamental para a acepção e utilização do conceito na filosofia contemporânea. 44 WALTER MATIAS LIMA Marx não fará grandes modificações nas principais concepções elaboradas por Hegel sobreadialética, masvaifazer um enxertodando- lhe uma dinâmica maior, quando atribui àdialética uma característica de maior historicidade e retira da abordagem hegeliana um certo idealismo objetivo, deslocando o foco da fenomenologia, da consciência - a dialética não é o movimento das coisas representado conceitualmente - para a expressão, mesmo que por categorias da lógica, das relações dos homens historicamente determinados. Quando Sartre discute a dialética, está construindo uma concepção própria do marxismo. Dito de outra maneira, ele elabora uma interpretação, uma hermenêutica marxista, com bases existencialista e fenomenológica. Para chegar ao que chama de dialética crítica, Sartre faz várias explanações sobre o marxismo, procurando integrar este com o existencialismo. Para Sartre, há uma recusa em abarcar o sujeito singular em sua vivência, pelo marxismo, que, a seu ver, preocupa- se apenas com o homem em sua generalidade: existencialismo e marxismo visam o mesmo objeto, mas o segundo reabsorveu o homem na ideiae o primeiro procura-o por toda parte onde ele está, no seu trabalho, em sua casa, na rua. (Sartre, 1978:123) Isto é esboçado em Questão de Método, onde as críticas ao marxismo são dirigidas a Engels; Sartre não faz alusões críticas- depreciativas a Marx. Depois, as críticas voltam-se contra o 'marxismo mecânico' ou 'marxismo metafísico' e, ainda, procuram determinar os limites do materialismo dialético, ou seja, buscam legitimar a dialética histórica, rejeitando a dialética da natureza. Na verdade, toda a crítica ao marxismo feita no texto supra citado, visa à delimitar as análises de Engels a partir dos seus livros LIÇÕES SOBRE SARTRE 45
  • 23. Dialética da Natureza e Do Socialismo Utóp;co ao Socialismo Cientifico1, uma vez que este - no olhar de Sartre e de outros como Adorno e Habermas - elabora uma leitura da dialética que prende o homem e seu agir exclusivamente no âmbito das transformações que este constrói a partir da natureza, ou seja, às determinações da própria natureza dando desta forma uma excessiva importância à categoria do trabalho, em detrimento da interação e da linguagem, o que valeu a Engels a acusação de determinismo e mecanicismo na abordagem da dialética. Ao mesmo tempo, este texto de Sartre tece uma acirrada crítica ao marxismo ortodoxo, principalmente ao 'socialismo real' e ao sectarismo partidário do Partido ComunistaFrancês, tanto quanto ao stalinismo. Esta críticaatinge toda a tradição advinda do monismo metodológico da 2• Internacional, que, através das leituras de Engels, institucionalizou a dialética como 'ciência'. O materialismo dialético foi instituído para conferir ao marxismo o estatuto de ciência, sendo a verdade de toda investigação, o que serviu para justificar o socialismo soviético. Com esse mecanicismo e determinismo da realidade, atribuindo à natureza e ao homem o mesmo estatuto ontológico e epistemológico, o materialismo dialético apresenta leis científicas que têm a pretensão de validade - igual - tanto para a natureza, quanto para a sociedade e o pensamento. Serájustamente esta a abordagem que o marxismo ocidental vai rechaçar procurando mostrar tanto a pobreza filosófica dessa abordagem quanto as consequências políticas a que levou. A crítica de Sartre visa a resgatar o poder teórico e filosófico do marxismo, a partir da obra marxiana, mostrando até que ponto a obra de Marx continua relevante e influente na vida política do mundo ocidental, pois 1 A crítica de Sartre principalmente ao texto «Do socinlismo utópfro aosocialismo âeritfftco» é inteiramente relevante, uma vez que o texto de Engels é inconsistente nas argumentações e mostra falta de conheçimcnto filosófico no trato com a trajetória histórica da dialética. 46 WALTER MATIAS LIMA é verdade também que a prática marxista nas massas reflete ou reflete pouco a esclerose da teoria: mas justamente o conflito entre ação revolucionária e a escolástica da justificação impede o homem comunista, nos países socialistas como nos países burgueses, de tomar uma clara consciência de si: um dos caracteres de nossa épocaé que a história se faz sem ser conhecida (...) Mas, o que faz a força e a riqueza do marxismo é que ele foi a tentativa mais radica] de esclarecer o processo histórico na sua totalidade. Há vinte anos, ao contrário, sua sombraobscurece a história: é que ele cessou de viver com elae tenta, por conservantismo burocrático, reduzir a mudança à identidade. (Satre, 1978:123-124) Sem dúvida é contra qualquer forma de determinação determinada que Sartre luta desde suas primeiras obras e, já que um dos objetivos da Crítica éfundar ainteligibilidadeda história (sendoesta o lugar ontológico, ético e antropológico fundamental do homem), era de seesperarque esta rejeição fosse direcionadaao marxismo ortodoxo. Para Sartre, sua dialética é uma teoria do conhecimento, uma lógica paraexplicaros momentos da totalização. A razão dialética tem a importância de apontar os limites da razão analítica, mostrando que a razão estáem cursoeque éapráxisdo indivíduoque lhe dáapossibilidade de apreender o conhecimentoda história que ele faz e que o faz. Sendo assim, a dialética aparece como integrada na própria ação: LIÇÕES SOBRE SARTRE Adialética como lógica viva da ação não pode aparecera uma razão contemplativa.(...) No curso desta ação, o indivíduo descobre a dialética como transparência racional 47
  • 24. enquanto ele a faz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa, quer dizer, simplesmente, enquanto os outros a fazem. (Sartre, 1960:133) Apráxis não afirma a racionalidade absoluta do real como se a realidade obedecesse a um sistema definido de princípios, o que atribuiria à razão um caráter de constituída, mas o que se quer mostrar é que a partir da razão dialética, a razão não é nem constituinte nem constituída aprioristicamente - isto seria permanecer numa abordagem idealista - mas razão que se constitui no mundo e pelo mundo, integrando-se no devir do fazer histórico. Nesse ponto, mutatis mutandis, há uma aproximação entre Lukács e Sartre. Na história do marxismo ocidental, Lukács foi o primeiro a ir contra a abordagem determinista, mecanicista e o empobrecimento da dialética. Quando publica História eConsciência de Classe, em 1923, abriu a discussão para uma abordagem da dialética como atividade humana e histórica. O sujeito social, a partir de qualquer que seja sua atividade, constrói a realidade histórico-social, em que esta atividade é ontológica por si mesma, trazendo, dessa forma, para o cenário intelectual europeu, uma dimensão antes menosprezada pelo marxismo soviético, qual seja, a subjetividade. Na atividade do sersocial, não existe mais o dualismo natureza e sociedade, há uma relação de interação entre sujeito e objeto no fazer histórico, onde a subjetividade transforma-se numa atividade objetiva. Não há uma dialética da natureza que determine a dialética da história, mas uma dialética que se constrói historicamente a partir das apreensões do sujeitojunto àobjetividade, transformando-as em totalidades concretas que são o próprio curso da história (uma totalidade em curso, no dizer de Sartre). Mas, no caso de Lukács, a subjetividade é coletiva e traduz-se pela noção de classe social (o proletariado como classe-sujeito que 48 WALTER MATIAS LIMA vai mudar o curso da história), sendo esta o locus onde o indivíduo encontra os instrumentos da libertação ou de reificação. É aí que se encontra a principal diferença entre Sartre e Lukács2: enquanto este visualiza na classe proletária o lugar de realização da libertação histórica por excelência, aquele quer partirdas atividades dos sujeitos singulares e suas experiências, até os sujeitos coletivos socialmente organizados na construção de conquistas historicamente situadas: A dialética é, pois, atividade totalizadora, não tem outras leis ::ilém d::is regras produzidas pela totalização em curso e estas evidentemente dizem respeito às relações de unificação com o unificado, isto é, os modos de presença eficaz do devir totalizante às partes totalizadas. (...) Estas indicações nos permitem definir um primeiro caráter da experiência cr{tica: ela se faz no interior da totalização e não pode ser uma apreensão contemplativa do movimento totalizador; ela também não pode ser uma totalização singular e autônoma da totalização conhecida, mas ela é um momento real da totalização em curso, enquanto que esta se encarna em todas as suas partes e se realiza como conhecimento sintético de si mesma pela mediação de algumas dentre elas. Praticamente, isto significa que a experiência crítica pode ser e deve ser a experiência reflexiva de qualquer um. (Sartre, 1960:139-140) 2 A queixa de Sartre a Lukks recai sobre o uso deste último por categorias como 'classe social', 'proletariado' que, na interpretação de Sartre, são categorias de interpretação muito ~mp~as, que agregam simultaneamente mulheres, negros, judeus,_ homossexuais e tantas. outras mmonas, o que tornaria despercebidas as lutas específicas de vános agemcs h1stóncos 1mport:ntc~. No entanto, pode-se afirmar que o exagero parte do próprio Sartre uma vez que ele nao ~1s~ute com mais sistematização as teses do livro <le Lukács: l1isrória e Consci€ncia de Classe. O principal da ontologia lukacsiana só aparecerá após os anos 60. LIÇÕES SOBRE SARTRE 49
  • 25. Para Sartre, a dialética é o movimc11to próprio da vivência histórica. O processo de totalização ou, o que d~ no mesmo, a atividade totalizadora assemelha-se ~s at1vic.l.lclcs do para-si, em O Ser e o Nada, quando tem que neg.:1r o dado (cm-si) para construir sua autenticidade. A experiência crítica t reflexiva porque está encarnada na práxis humana, mas a experiência crítica é apenas um momento da totalização em curso e o papel da razão dialética é o de apreender a universalidade dos conceitos nas smgularidades dessa experiência, o que caracteriza o próprio processo da dialética. Dessa forma, Sartre quer ir além do conceito de consciência de classe, uma vez que este foi hipostasiado pelo marxismo soviético e pelo próprio Lukács, na concepçãode Sartre. Esta hipóstasc levouàreificação da dialética, negando que esta possui dupla car;1ctcrjzação: a relação ontológica entre sujeito e objeto; a relação intrínseca entre sujeito e história - o sujeito faz a história assim como a história faz o sujeito. Os erros que Sartre aponta no marxismo são: primeiro, ter transformado a dialética numa ciência - o rntttcrialismo dialético - onde este aparece como o método por excelência e a verdade da revolução (confundindo história com natureza); segundo, eleger a classe operária como a única capaz de fazer a transformação radical da história, no sentido de uma libertaçáo do homem, da exploração econômica e social, transformando a consciência de classe numa abstração da própria transformação social. De um lado, o real tem corno fundamento a objetividade, do outro, é a subjetividade o único fundamento do real: o que levou ao idealismo, uma vez que este separa sujeito e objeto. 50 WALTERMATIAS LIMA CAPÍTULOS A racionalidade dialética Sartre, na Crítica da Razão Dialética, pretende demonstrar a validade de algumas hipóteses: a) Materialismo histórico: por suas ações, os homens fazem a história. No entanto, isto só podesercompreendidose depreendermos como os homens se internalizam em suas situações históricas. b) Razão dialética: a inteligibilidade da história e da práxis são imanentes em si mesmas. c) Totalização e razão dialética: a dialética é inteligível, pois a história, como movimento dialético, é movimento de processos temporais de totalização. A práxis tem primazia ontológica: a racionalidade dialética e a totalização são possíveis porque a práxis humana é dialética e totalizadora por si. Apráxis possui caráter metodológico: a pesquisada realidade humana é pesquisa da práxis humana e sua interação com as condições histórico-sociais e materiais do mundo. Na busca de provar a validade do que chama de 'racionalidade dialética', Sartre põeo problemadadialética no âmbito da racionalidade, o que resulta nas seguintes contribuições para a contemporaneidade: Aconcepção de que a racionalidade é dialética em sua natureza mantém em aberto a discussão sobre as dimensões e consequências da práxis no âmbito educativo, o que nos interessa nessa pesquisa.
  • 26. Sartre mantém a importante tese de que o 'projeto' (tema oriundo de VÊtre et /e Néaiit) e a reciprocid;ide mediada (tema que aparece na Critica da Razão Dialética) são dialéticos cm si e entre si. Deste modo, Sartre propõe que ainteligibilidade do projetoé a mesma da reciprocidade mediada; o que, por analogia e correndo o risco que as analogias possuem, dizemos que há uma relação de reciprocidade mediada entre projeto pedagógico e a instância de inteligibilidade das condições históricas de onde parte o referido projeto. Para Sartre, dialética, método dialético e razão dialética, estão intrinsecamente relacionados e condizem com a interpretação que Sartre dá à obra de Marx. O tema da dialética é discutido na Crítica da Razão Dialética, devido justamente à escolha do referencial marxista, o que levou Sartre a distinguir entre sua concepção de inteligibilidade do agir humano e a fundamentação da racionalidade como racionalidade dialética, ensejando, dessa forma, uma discussão sobre as conseqüências do realismo. O próprioSartre (1960:141-159) entendeseu pontodevista como um realismo e um realismosituadohistoricamente. Assimfazendo, nosso autor expões algumas posições que criticaem função do realismo: a) Empirismo: concepção que parte da perspectiva de que todas as reivindicações de conhecimento são baseadas em observação (através da sensação) e da prova empírica. Empirismo é entendido também como certo materialismo e como tendência do próprio materialismo histórico, do qual Sartre é, também, crítico. O realismo não pode negar totalmente o empirismo, uma vez que este põe experiências, não podendo, contudo, reduzir-se a uma filosofia da observação empírica. Pois, para Sartre, o experimento, por ser social e praticamente orientado, constrói nossas representações. b) Idealismo: concepções que são oriundas do idealismo subjetivista e que insistem na primazia da subjetividade, por exemplo: o transcendentalismo de Kant; ou o que Sartre chama de marxismo dogmático. Para Sartre, a perspectiva interna (subjetivista) também 52 WALTER MATIAS LIMA influi na apreensão da sensação, mas essa perspectiva não é sinôni111fl de transcendentalismo ou primazia da subjetividade. c) Positivismo ou primado da razão analítica: concepção que divide a realidade emsuas partesconstitumtes; prmcipalmente estucl.1 as partes e as relações entre elas, buscando descobrir leis universais e históricas a partir das divisões e das relações de uma parte com o todo. Sartre opõe razão analítica e razão dialética. Muito emborn admita que aprimeira é apenas uma forma limitada de racionalidade. A racionalidade analítica é pertinente quando afirma a especificidade dos eventos e a irredutibilidade de diferentes dimensões da realidade, mas torna-se ilegítima, no dizer de Sartre, quando absolutiza diferentes perspectivas interpretativas entre culturas, sociedades e situações históricas. De acordo com Sartre, as especificidades de perspectivas internas não negam a possibilidade de condições transhistóricas e esquemas de inteligibilidade. Em razão da concordânciade Sartrecom aobra marxianae de que ele pôde considerarsua concepção de realismo, é importante elaborannos algumas considerações sobrea relação entre dialética e inteligibilidade. De acordo com Sartre, Marx argumenta que a História está em desenvolvimento, que a existência material é irredutível, que a práxis sobrepujava o conhecimento em sua eficácia real. Partindo dessa constatação, Sartre tenta demonstrar a necessidade de não reduzir o ser (existência e práxis) ao conhecimento, mas afirmar a presença de uma dialética em ambas as dimensões; afirmar a interrelação destes dois domínios (ser e conhecer). Afirmar que o processo de conhecimentoé dialético, que o movimento do objeto é, em si mesmo, dialético, e que os dois processos são um e o mesmo. Assim sendo: LIÇÕES SOBRE SARTRE "A ra:áo é uma certa relação entre o conhecimento e o Ser. Deste ponto de vista, se a relação da totalização histórica com a Verdade totalizante deve poder existir e se essa 53
  • 27. relação é um duplo movimento no conhecimento e no Ser será legítimo dar o nome de Razão a essa relação em movimento; portanto, o objeto de minha pesquisa será estabelecer se a Razão positivista das Ciências naturais é bem aquela que reencontramos no desenvolvimento da antropologia ou se o conhecimento e a compreensão do homem pelo homem implicam não só métodos específicos, mas uma nova Razão, ou seja, uma nova relação entre o pensamento e o seu objeto. Ou por outras palavras, haverá uma Razão dialética? (Sarre, 1960:14-15). Assim, por razão, Sartre entende uma relação de correspondência entre conhecimento e Ser. No entanto, na perspectiva da racionalidade científica a razão pode ser entendida como correspondência entre conhecimento (teoria) e objeto; racionalidade é a base fundamental que justifica nossos conhecimentos; o que, na Crítica, levou Sartre a procurar sair dessa ambiguidade de entendimento optando pela correlação entre conhecimento e Ser. A opção sartriana põe a instância do conhecimento em relação com o nosso poder de significar e compreender a práxis e o processo histórico. Surge uma relação de correspondência que concerne uma inter-relação entre nossa compreensão da práxis e a práxis propriamente, o que nos leva a afirmar, por exemplo, que aprender é uma correspondência entre significação da práxis e a situação histórica em que estamos inseridos e que educar é um processo pelo qual nos transformamos compreensivamente ao reconstruirmos nossas experiências dando- lhes novas significações e ensejando novas práxis. Dizemos isso porque a correspondência entre conhecimento e Ser; entrepráxis e processo histórico implica, na perspectiva sartriana, uma correlação entre epistemologia e moral. Ou seja, inter-relação 54 WALTER MATIAS LIMA de práxis e entendimentoda h~stórica co~ o ~ntcn~imcnto da sit~t'.l~~o (f: t. ·d de) e as decisões práticas e suasjUstificaçocs. Uma (on <: laç.10ac 1ci a . · 1 , • 1 • at.v1·dade e leoitimidade evalores morais e po 1t1cos. Sto e,entre norm 1 t:,. # A b.t do processo histórico, qual a correlaçao cx1sll'Utt' l'lllJ l' no am 1 o , . · I' · conhecimento histórico e acompreensão das pratt~a~ m~ra1s epo 1tic;ts inseridas no próprio processo histórico de um sujeito singular, prns: se o movimento da razão dialética existe, tal movimento produz essa vida (individual t' coletiva), o fazer parte de tal classe, de tais meios, de tais grupos, foi a própria totalização que provocou seus êxitos e fra~assos, através das vicissitudes de sua comunidade, de suas felicidades e infelicidades particulares; são os vínculos dialéticos que se manifestam através de suas ligações amorosas ou familiares, através de suas amizades e 'relações de produção' que marcaram sua vida. A partir daí a compreensão de sua própria vida deve ch~gar ao ponto de negar a determinação singular desta para procurar sua inteligibilidade dialética na aventura humana» (Sartre, 1960:167). Podemos depreender do exposto aci~a.q~~ um do~ o~j.etivos d So educativo é exercitar a intehgib1hdade d1alet1ca nao proces . d , . vivência de experiências historicamente situa as e n! prax1s totalizante e, consequentemente, com_rree~der a ed_uc:çao co;no busca da própria inteligibilidade da práxis, pois educaçao e, tam~e~, práxis dialética em sua estrutu,r~ m~sma, e envolve a pr~pn~ negação das coisas (ou do prat1co-1~erte) que me 1~ode1a?1 , elaborando como processo educativo, a smtese ~e t~l negaçao, ~ss1m l e a transformação de meu propno ser efetivadocomo envo v 1 - · l. , l d historicamente, e a produção de uma nova re açao l~te igive e · ltantes da estrutura de projetos anteriores ou deprojetos resu LIÇÕES SOBRE SARTRE 55
  • 28. ~xpe~i~n.c~as passadas. Um dos sentidos da educação é manter a mtel.1g1b1lidade da totalização e pôr significado à práxis, pondo-nos na dimensão do vir-a-ser. É na confluência dos conceitos de razão e práxis, entendendo- os com? dialéticos entre si, que Sartre rejeita o que chama de dogmatismo na concepção de Engels de dialética da natureza e d~fen~e o termo dialética como aparece em Hegel e Marx, ou seJa, d1alét~ca como Aujhebung (superação) e Sartre cria seu próprio conceito para Aujhebung, qual seja, totalização: A inteligibilidade fundamental da Razão dialética - se esta deve existir - é a de uma totalização. Ou, para voltar à distinção entre o Ser o Conhecer, há dialética se, pelo menos em um setor ontológico, existir uma ~otal~zação em andamento que seja 1med1atamente acessível a um pensamento que se totaliza, incessantemente, em sua própria compreensão da totalização da qual emana e que, por sua vez, se faz seu objeto (Sartre,1960:161). A razão dialética é entendida, desse modo como inteligib.il1dadc da ~otalização e totalização inerente à práxi~. Neste caso, arriscamos a dizer que, entendemos o processo educativo como o exercício da razão dialética que busca a inteligibilidade da práxis. , ~aconcepçãode Sartrede práxis,a inteligibilidadeda totalização e entendida como processocm devirque não se reduz a uma totalidade e que se ~eali~a, enquanto processo, nas diversas singularidades que fazem. a h1stóna. Sartre defende seu conceito de inteligibilidade dialética acrescido do conceito de contradição. "Existe contradição, em suma, a cada. mo~ento da ação porque esta exige, por sua vez, a totalização e a part1.culanzação... e é corno estrutura da práxis que a contradição é mtehgível e funda a inteligibilidade daquela" (Sanre, 1985:12). 56 WALTER MATIAS LIMA Uma totalização é singularização de projetos, no sentido de estar inserida em um processo particular totalizante (ou ação), por exclusão a outros projetos. Isso porque as noções de totalização e práxis estão intrinsecamente ligadas à ideia de uma intervenção panicular e real no mundo, e este pode cnar uma contradição em relação às restrições materiais e, da mesma forma, o que Sanre chama de 'campo prático' consiste em uma pluralidade de práxis que podem estar em conflito entre si. Sartre se refere por 'totalização' às dimensões ontológica e epistemológica da práxis, ensejadas pela Razão dialética: "Se a Razão dialética existe, ela só pode ser - do ponto de vista ontológico - a totalização em andamento, onde essa totalização acontece, e - do ponto de vista epistemológico - a permeabilidade dessa totalização a um conhecimento cujos procedimentos sejam, por princípio, totalizantes" (Sartre, 1960:163). Do ponto de vista epistemológico, a totalização possibilita a produção de conhecimentoque compõe nossas interpretações, isto é, o conhecimento que nos habilita sintetizar interpretativamente a multiplicidade de fatos e acontecimentos, criando dessa forma, um campo de compreensão do real. Do ponto de vista ontológico, a totalização possibilitaapráxis,a experiênciavivida, assim comoo processo histórico. Ou seja, podemos dizer que as totalizações compõem um campo de integrações práticas e intemalizações das situações históricas. Sartre privilegia a discussão sobre a inteligibilidade: LIÇÕES SOBRE SARTRE A razão dialética é, por sua vez, a inteligibilidade da Razão positivista: é precisamente por esse motivo que esta começa por dar-se como a regra ininteligível de toda inteligibilidade empírica. Mas os caracteres • fundamentais da Razão dialética - se esta de 57
  • 29. ser originalmente apreendida através das relações humanas - implicam que ela revela à experiência apodítica em sua própria inteligibilidade (Sartre, 1960: 160). A noção de 'inteligibilidade' conota a noção de compreensão ou pensarcomplexo; ou ainda, pensar por inter-relações transversais, o que ao nosso ver, significa construir interpretações que visem à ação. O que interessa a Sartre é demonstrar que, como a inteligibilidade da história é possível, aação dialética como tal (práxis e totalização, negação e reciprocidade) é precondiçãode compreensão da nossa relação com os objetos por um lado e, por outro lado, de nossa relação com outras pessoas. Sendo assim, Sartre ressalta a necessidade de pensar a relação práxis/ser-no-mundo. Pois a pesquisa que toma a práxis como totalização pode serentendida como pesquisado sujeito intencional em si, mas a necessidade da relação, acima apontada, implica que a investigação crítica ponha em questão os vínculos de interioridade: 58 "Não se trata de reescrever a aventura humana, mas fazet a experiência crítica dos vínculos de interioridade ou, por outros termos, compreender a propósito de empresas, estruturas ou acontecimentos reais, embora quaisquer, a resposta a esta questão de princípio: na aventura hum:lna, qual é o papel respectivo das relações de interioridade e de exterioridade? Se nessa cJq)criência total - que é, em suma, a de toda n minha vida na medida em que ela se dissolve cm toda a História, de toda História na medida em que está reunida em toda uma vida - devemos estabelecer que o vínculo de exteríoridnde (Razão analítica e positivista) é, por sua vez, interiorizndo pelas multiplicidades práticas e qnc só age nelas WALTER MATIAS LIMA (como força histórica) na medida que se torna negação interior da interioridade, encontrar- nos-íamos situados por essa pesquisa no âmago de uma totalização em andamento" (Sartre, 1960:172) Grifos do autor. Tudo isso significa que as instâncias de totalização, práxis e liberdade são inteligíveis, mas não como abstrações de suas instâncias contraditórias: totalidade, prático-inerte e necessidade. Por exemplo: quando Sartre caracteriza a dialética como lógica da liberdade, esta lógica é entendida em termos do laço entre liberdade e necessidade: " [...] a racionalidade dialética [...] deve ser vista como a unidade permanente e dialética da liberdade e necessidade" (Sartre, 1960: 154). Essa liberdade-em-movimento tem duas características. Primeira, como Sartre afirmou eml.!Être etle Néant, porseu poderinerente para a nadificação (néantisation), estamos condenados à liberdade, ou em outras palavras, somos necessariamente livres, portanto, responsáveis por nossas escolhas. Segunda, como característica ontológica, demonstrar que a liberdade também consiste em superar as restrições da situação material, isto é, apontar as contradições entre liberdade e facticidade, ou a liberdade que se realiza na facticidade. Ou, na perspectiva da Crítica da Razão Dialética, a contradição entre necessidade e inteligibilidade: ''A inteligibilidade dá a perfeita evidência do novo a partir do antigo; leva a assistir à produção transparente e prática do novo a partir dos fatores anteriormente definidos e à luz da totalização" (Sartre, 1960: 187). A inteligibilidade atua na dimensão da ação. Enquanto que necessidade, por outro lado: LIÇÕES SOBRE SARTRE A necessidade aparece no âmago da evidência como inércia formal da inteligibilidade; cada remanejamento tende a dissolvê-la no próprio movimento que limita a inerte diversidade e, por um momento, parece comunicar-lhe uma força interna e autônoma e, [...], assim a inteligibilidade da práxis virá esbarrar no 59
  • 30. resultado dessa práxis, [...] e este resultado... aparecerá incapaz de ser diferente do que é (Sartre, 1960:187). Assim, a necessidade afirma a intemalização do externo e a cxternalização do interior. É importante notar que, de acordo com Sartre, a experiência de necessidade não é uma experiência puramente da matéria, mas experiência do outro e de sua práxis: A evidência dessa primeira experiência, onde o fazer era o próprio fundamento de seu conhecimento de si, fornece-nos uma certeza: é a própria realidade que se revela como presença de si. O único fundamento concreto da dialética histórica é a estrutura dialética da ação individual... é a experiência do Outro não enquanto adversário, mas na medida em que sua práxis dispersa volta em mim totalizada pela matéria para transformar-me; é a experiência histórica da matéria como práxis sem autor ou da práxis como inércia significante da qual sou o significado (Sartre, 1960: 328, 335). Deste modo, Sartre procura demonstrar que a 'necessidade' não é uma norma universal da história, mas um acontecimento histórico encarnado na materialidade. Éeste laço de interioridade entre a existência da práxis livre e a materialidade necessária e a sociabilidade que compõe o nível de universalidade da certeza apodítica. Essa maneira de apresentar a relação entre interiorização e exteriorização, práxis e necessidade, lembra a discussão, feita por Sartre em L:Être et le Néant, sobre a noção de projeto: o projeto humano aparece como uma tentativa de cada indivíduo ultrapassar, negar ou acomodar-se aos limites da sua própria condição, qual seja: a necessidade de estar-no-mundo, de aí 60 WALTER MATIAS LIMA estar comos outros e de ser mortal. Estes limites são objetivos porque condicionam todos os indivíduos, são igualmente subjetivos porque são vividos por cada um e nada são se os homens não os viverem. Nestas circunstâncias, todo projeto existencial sem prejuízo de ser individual, desfruta de um valor universal. E, mantendo a perspectiva acima, cremos que uma abordagem filosófica sobre a educação, em especial o processo educativo, implicaria na premência da discussão da relação entre projeto existencial (reafirmando o vetorantropológico na educação) e projeto educacional. Isto é, avalorização da relação entre totalização e práxis, conflui, no âmbito da educação, para a radicalização da razão dialéticacomo lógicada práxis, sendoo processo educativo a dinâmica dessa radicalização. Afirmamos isso por manter a perspectiva sartriana que advoga, acertadamente, que as relações humanas devem ser entendidas como dialéticas e, deste modo, em termos das noções de totalização e práxis. Segundo essa perspectiva de argumentação, Sartre enfatiza que, quanto às relações humanas, a relação entre inteligibilidade e totalização implicaa noção de reciprocidade. Reciprocidadeé significada como o reconhecimento mútuo, uma relação onde o reconhecimento mútuo reivindica que ambas as práxis são mediadas dialeticamente criando, assim, uma intersubjetividade recíproca (o reconhecimento do outro como o mesmo). Sartre concebe estas mediações em termos de práxis: as condições de práxis e o projeto de práxis são as bases da mediação. LIÇÕES SOBRE SARTRE 61
  • 31. ,,. CAPITUL06 Desconstruindo a noção de fundamento A apresentação de um método para o estudo da realidade humana, que aparece em Questions de Méthode, está apoiada em uma certa concepção de ser (ser-no-mundo, projeto e ação, experiência vivida como totalização); e em certos princípios empírico- interpretativos de investigação do concreto e da realidade humana, que devem seguir a análise regressiva e a 5Íntese progressiva. Contudo, no tempo entre Questão de Método e a elaboração do corpus principal do texto da Crítica, Sartre nãoestásatisfeito com o âmbito conjectural de suas reivindicações, e observa que a verdade e a validade de suas argumentações devem ser demonstradas: Tudo o que estabelecemos em Que.tio de Método decorre de nosso acordo de princípio com o materialismo histórico. Mas enquanto apresentarmosesseacordocomo umasimples opção, entre outras possíveis, nada teremos feito. Nossas conclusões hão de permanecer conjecturais: propusemos alguns reordenamentos de método; estes só seriam válidos ou, pelo menos, discutíveis, na hipótese em que a dialética materialista fosse verdadeira. Com efeito, se se pretende conceber o detalhe de um método analítico-sintético e regressivo-progressivo, é necessário estar convencido de que uma negação da negação por ser uma
  • 32. afirmação, que os conflitos - no interior de uma pessoa ou de um grupo - são o motor da História, quecadamomentodeuma sénedeveser compreendido a partir do momento inicial e lhe é in·L-dutívd, que a História opera a cada instante, totalizações de totalizações, etc. (Sartre, 1960:135) Partindo desta observação, Sartre toma como tarefa investigar a fundamentação de seu ponto de vista. Este empreendimento, ele entende como uma investigação crítica da razão. Precisamente, assumindo que a inteligibilidade do domínio da realidade humana- práxis, relações sócias, históricas e materiais - é dialética em seu âmago. Põe-se, então, a perspectiva da razão dialética: Assim, devemos retomar o problema do início e perguntarmos qual é o limite, a validade e a extensão da Razão dialética. E, se dissermos que essa Razão dialética não pode ser criticada (no sentido em que o termo foi tomado por Kant) senão pela própria Razão dialética, responderemos que isso é verdade, mas que é necessário justamente deixá-la fundamentar-se e desenvolver-se como livre crítica se si própria, ao mesmo tempo em que como movimento da Histórica e do conhecimento. É o que, até aqui, ainda não foi feito: ela tem sido bloqueada no dogmatismo» (Sartre, 1960:141) O tema é, deveras, importante, pois coloca cm questão tanto a metodologia, quanto a racionalidade. Na perspectiva sartriana, podemos depreender algumas conclusões: a) o problema da racionalidade transgride o da metodologia, pois o questionamento da inteligibilidade da realidade humana como tal, se torna um problema de maior extensão que o do método para o âmbito das Ciências Humanas, e b) surge uma temática inerentemente normativa: a possibilidade da conexão dos assuntos epistemológicos e ético-político. 64 WALTER MATIAS LIMA Portanto, a reivindicação do valor de um método está submissa àsua utilidade, posto que, para Sartre, o assunto transgride o problema de método, pois este só é relevante se for útil ou não. Deste modo, Sartre inicia sua investigação como uma crítica da razão, na acepção bntiana de crítica: planeja investigar os limites e a validade de uma certa concepção de razão. Contudo,se o modode investigaçãocaminha àmaneira kantiana, a concepção sartriana de razão e seus resultados são permeadas pela tradição hegeliana-marxista e hermenêutica-fenomenológica: ... se dissermos que essa Razão dialética não pode ser criticada... senão pela própria Razão dialética, responderemos que isso é verdade mas que é necessário justamente deixá-la fundamentar-se e desenvolver-se como livre crítica de si própria, ao mesmo tempo como movimento da História e do conhecimento... a dialética será eficaz como método enquanto permanecer necessária como lei da inteligibilidade e como estrutura racional do Ser. Uma dialética materialista só tem sentido se estabelecer no interior da história humana a primazia das condições materiais tais como a práxis dos homens situados as descobre e se submete a ela. Em poucas palavras, se existe algo como um materialismo dialético, isso deve ser um materialismo histórico. ( Sartre, 1960:141, 151) Grifos do autor. Nesta perspectiva, Sartre põe o problema da racionalidade e da fundamentação em um nível não-fundacionista: ou seja, a investigação constitui-se na imanência, investigação reflexiva e afirmação da historicidade. Contudo, surge um problema na abordagem sartriana: ele não se refere diretamente à fundamentação metafísica. É possível que Sartre encontre-se em um dilema, para o LIÇÕES SOBRE SARTRE 65