Mobilidade humana e religião: desafios da integração
1.
Mobilidade humana nacional e
internacional: problemas e soluções
Arlindo Nascimento Rocha
Doutorando em Ciência da Religião
2. “O homem é um ser que incessantemente reflete sobre suas
origens. Na religião, na filosofia, nas ciências, ou seja, desde
sempre, procurou entender e descobrir respostas para
milhares de perguntas vitais que se formulam” [KUNG, Hans].
Mas, uma das questões que tem despertado debates acirrados é
a questão dos fluxos migratórios.
“As migrações, ao longo da história da humanidade não são
novidade: já aparecem nos relatos bíblicos do povo
hebreu”[VILLA, Duarte].
Por isso, é pacífico afirmar que, não existe um povo ou nação
que não seja herdeiro ou resultante de uma grande migração.
3. Em Verdade...
“Somos todos migrantes” [Papa Francisco]
“Somos todos migrantes ou descendentes de migrantes”[SUTCLIFFE,
Bob]
A história da humanidade é a história de sucessivos fluxos
migratórios...
Porém, a diferença entre as migrações atuais e as do passado é
qualitativa em vários sentidos:
• Em primeiro lugar, nos séculos VXIII e XIX, as migrações contribuíram
para que se resolvesse o problema do crescimento populacional e da
demanda por alimentos [...];
• Em segundo lugar, as ondas migratórias, ocorreram em direção a
países cujo modelo de desenvolvimento absorvia o excedente de mão-
de-obra ou possuía grande disponibilidade de terras [...] (VILLA,
Duarte).
4. Atualmente o ‘fenômeno’ migratório reveste-se de enorme
complexidade. Cria problemas para os países de acolhimento,
que, além de começar a apresentar problemas de desemprego,
vêm aumentada a demanda dos serviços internos, que acaba
pressionando as infraestruturas de assistência social.
Como fenômeno complexo, não pode ser explicada por meio de
respostas fáceis (fatores pessoais, relacionais, históricos,
sociais, econômicos e culturais). Essa complexidade pode ser
desvendada a partir das razões que levam as pessoas a sair do
seu país.
• As razões dos fluxos são variadas, entre elas destacam-se a
pobreza, a miséria, a fome, as crises econômicas, as dívidas externas,
os problemas ambientais, as guerras civis, a emergência de governos
autoritários, as instabilidades dos dispositivos legais, a perseguição
religiosa, os conflitos Interétnicos [...] (MARIN, 2017, p. 15).
5. No espectro histórico, os motivos migratórios encontram na
perseguição e nos conflitos religiosos o pivô das migrações
massivas.
Seja qual for o motivo, a migração implica em perdas e ganhos
substanciais:
o No primeiro caso, implica a perda das raízes, dos vínculos e de todo
o contexto cultural;
o No segundo implica ganhos na reconstrução da nova identidade, do
estilo de vida, de novos vínculos sociais, emprego, família, etc.
Portanto, ela pode ser classificada como um processo paradoxal de
perdas e ganhos, de encontros e desencontros, de convivência com
algo ‘bom’ e ‘ruim’, entretanto, é um momento de (re)descoberta
de novos modos e possibilidades de vida.
6. As relações interculturais tem sido um prato forte no contexto da
globalização, pois, quando um migrante desloca do seu país leva
consigo ‘fragmentos’ da sua cultura e religião que o ajudará a
suportar as mazelas de uma migração, muitas vezes forçada.
Esse fenômeno tem preocupado os organismos internacionais,
pois, estima-se que,
Desde 1970, o número de migrantes internacionais quase
triplicou:
• Perto de 200 milhões de mulheres e homens vivem atualmente
fora de seus países de origem;
• 95 milhões desses migrantes são mulheres;
• Um terço das migrações internacionais são familiares (SILVA,
Reis).
7. Os fluxos migratórios tem vindo a aumentar, por isso,
devem ser investigados e entendidos em seu justo
contexto, pois,
“atualmente assiste-se várias redefinições dos ‘mapas da
migração’ na medida em que surgem novos percursos com
diferentes locais de origem, trânsito e destino” (DIAS,
Sónia; ROCHA, Ferreira).
Mas, a maior parte dos fluxos advém de conflitos armados,
perseguições políticas e religiosas e tragédias naturais que
ultrapassam as capacidades internas de cada país.
“Juntando todos os continentes e os diferentes setores da
vida pública, prevê-se que em 2050, as migrações
internacionais atinjam 230 milhões.” [SILVA, Reis]
8. Quando se fala em migrações internacionais, outro problema que salta
à vista são os conflitos que os migrantes poderão ter em relação às
religiões ditas nacionais.
Especialistas emitiram em 2012, o primeiro relatório estatístico sobre
deslocamentos internacionais de afiliados às mais difundidas tradições
religiosas.
Tendem a gerar fortes impactos sociais, políticos e religiosos tanto nas
sociedades emissoras, assim como nas receptoras.
“As questões que alimentam o debate público sobre a religião,
multiculturalismo, integração dos emigrantes, laicidade do
Estado e o fundamentalismo religioso passaram a fazer
manchetes de grandes revistas e jornais relatando númerosos
acontecimentos envolvendo direta ou indiretamente a religião”
[SANTIN, Terezinha; BOTEGA. Tuíla].
9. Já existe um conjunto de Leis Internacionais que visam
proteger a integridade física, psicológica, política e
religiosa.
Foram criadas pela Convenção internacional sobre a
proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes e dos
membros das suas famílias, através da Resolução 45/158
da Assembleia Geral da ONU em 18/12/1990.
Em seu Artigo 12 [ Inciso I] defende o seguinte:
• “Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm
direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
Este direito abrange a liberdade de professar ou de adotar uma
religião ou crença, bem como a liberdade de manifestar a sua
religião individual ou coletivamente, em público e em privado[...]”.
10. É garantido ao migrante o direito (individual e coletivo) de
exercer sua fé, desde que observando os princípios da não
violação das Leis do país que possam colocar sua
soberania em risco.
No [Inciso III], fica expresso uma das limitações impostas
aos migrantes, aplicados aos casos de segurança nacional.
• “A liberdade de manifestar a sua religião ou crença somente poderá ser
objeto de restrições previstas na lei e que se mostrarem necessárias à
proteção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou da
moral públicas, e das liberdades e direitos fundamentais de outrem”.
11. Um pressuposto importante para a integração dos
migrantes é ter claro os direitos e os deveres que cada um
passa a usufruir, na vertente da cidadania e na
participação ativa na sociedade que o acolheu.
Nesse aspecto,
“O processo de integração dos migrantes nas sociedades de acolhimento
deverá abranger todas as dimensões que permitam ao migrante residir
no novo território com a percepção de que a sua dignidade é respeitada e
valorizada [...]” (VILAÇA, Helena).
12. Dos vários problemas que dificultam a integração dos migrantes,
a ilegalidade é a maior. Com ela vem atrelado outros problemas
como o desemprego, a violência, o tráfico, a perseguição, a
exclusão, o racismo, a xenofobia, a prostituição...
O drama da ilegalidade não é por terem perdido o tecido social,
mas pela inexistência de um elo jurídico com o país de
acolhimento, pois, o migrante ilegal vive à margem da lei, sem
nenhum tipo de proteção, direito e dever perante a sociedade.
“Para muitos, os migrantes são elementos indesejáveis que
vivem no limbo da sociedade, e por isso, supérfluos e
descartáveis. Nesses casos, há uma distância entre os
direitos consagrados nas declarações de direitos humanos e
nas leis internas do país e a realidade a que eles se
reportam” [ ASSIS, Queiroz].
13. Quando se fala da religião (inerente ao ser humano), cada
migrante carrega a sua, pois, faz parte da sua identidade,
muitas vezes incompreendida, e, por isso, causa conflitos
quando não há uma abertura para o diálogo, a
compreensão e o respeito...
Atualmente, em alguns países da Europa e principalmente
nos Estados Unidos, os migrantes não são vistos com bons
olhos, pois, geralmente são percebidos como ameaças ao
mercado de trabalho, a segurança, a estabilidade
nacional...
14. Isso acontece com o avanço da extrema direita e o seu
repúdio principalmente à religião islâmica devido a casos
de violência perpetrados por alguns grupos terroristas,
supostamente ligados ao Islão.
Muitos autores conceituam esse medo/repúdio como
‘islamofobia’ que nada mais é, do que o medo do Islão e de
tudo o que a ele se relaciona. Mas,
“Numa avaliação dos eventos recentes levam a crer que a
dimensão e a gravidade da islamofobia não é nada em comparação
com a cristofobia sangrenta que atravessa países de maioria
muçulmana de uma ponta do globo à outra” [ÉPOCA (Globo.com)].
15. Então, acredita-se que os conflitos religiosos acabam
afetando todas as grandes e pequenas religiões, ou seja, a
intolerância religiosa está em toda parte e em todas as
religiões.
Porém, quem sofre mais, são os que estão fora dos seus
países, que, além de estarem em situação de
vulnerabilidade, a isso acrescenta-se a desconfiança, o
medo, a perseguição, e, tudo isso, em defesa exacerbada
de certos nacionalismos e religiões hegemônicas.
16. Migrações de todos os tipos (livres, forçados, pendulares, sazonais)
fazem manchete diariamente nos meios de comunicação e, a
tendência é aumentar, pois, a necessidade humana da liberdade de
expressão, [política, ideológica ou religiosa], a falta de segurança,
dos bens mínimos, a ausência de perspectivas de mudança de vida,
os regimes autoritários, as perseguições, são fatores que levam as
pessoas a saírem de seu país, sabendo que não terão vida fácil.
As soluções para os fluxos migratórios e os problemas religiosos a
eles atrelados estão longe de ter um desfecho, ou seja, não existe
uma perspectiva otimista para que nos países de acolhimento
possa haver mais tolerância, menos repúdio, mais respeito e
colaboração...
17. Os problemas são muitos, as soluções andam à deriva das
necessidades mais urgentes, mas, acredita-se que o futuro
das nações materializar-se-á quando caírem todas as
fronteiras [físicas e simbólicas] para que possamos viver na
paz e harmonia nessa aldeia dita global.
Não é uma utopia, mas, um desejo de quem vê no diálogo,
na compreensão, na troca, na interajuda, na abertura para
o novo e diferente a chance que temos para nos melhorar
como Seres humanos em busca da nossa humanidade.
18. ASSIS, Olney Queiroz. Manual de antropologia jurídica. - São Paulo: Saraiva, 2011.
DIAS, Sónia Ferreira; ROCHA, Cristianne Famer. Saúde sexual e reprodutiva de mulheres
imigrantes africanas e brasileiras. Observatório da Imigração, ACIDI, I.P., 2009.
ÉPOCA (Globo.com). Pouco denunciada, a opressão violenta das minorias cristãs nos países
muçulmanos é um problema cada vez mais grave. Disponível em <
http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2012/06/cristofobia.html >. Acesso em
08/11/2018.
KUNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Tradução de Carlos Almeida
Pereira. – Campinas, SP: Versus Editora, 2004.
MARIN, Joel Orlando Bevilaqua. Agricultores familiares em migrações internacionais.
- Roraima: Editora UFSM, 2017.
SANTIN, Terezinha; BOTEGA. Tuíla. Vidas em trânsito: conhecer e refletir na perspectiva da
mobilidade humana. – São Paulo: EDIPUCRS , 2014.
SILVA, Júlio Reis. A Fundamentação constitucional do direito à assistência religiosa.
– 1ª ed. – Lisboa, Portugal: Chiado Editorial, 2014.
VERAS, Nathália Santos; SENHORAS, Elói Martins. Direito dos migrantes e a corte
interamericana de Direitos Humanos. – Boa Vista: Editora, UFRR, 2018.
VILAÇA, Helena. Imigração, etnicidade e Religião: o papel das comunidades religiosas na
integração dos imigrantes da Europa de Leste. Observatório da Imigração, ACIDI, I.P., 2008.
VILLA, Rafael Antônio Duarte. Da crise do realismo à segurança global multidimensional. – São
Paulo: Editora Annablume, 1999.