O documento discute a igreja como uma comunidade terapêutica. Afirma que a igreja é um lugar para pessoas que foram salvas pelo pecado, mas ainda carregam suas consequências, como distorções de personalidade e hábitos prejudiciais. Argumenta que a igreja deve oferecer um ambiente de cura, aceitação e crescimento por meio de práticas como aceitação mútua, confissão, perdão, oração intercessora, contato físico e louvor.
1. A igreja como comunidade terapêutica
Lembro-me de ter lido certa vez a respeito da igreja como sendo uma grande
embarcação em alto mar, que vai resgatando muitos náufragos à medida que vai
cortando o oceano. Pessoas que estavam morrendo afogadas têm assim a possibilidade
de serem resgatadas da morte trágica. Sendo assim, aquele se torna o navio dos ex-
náufragos, habitado por pessoas que tem viva na memória a lembrança do seu
salvamento, enquanto o navio continua sua missão de resgatar vidas. No entanto,
poderíamos dizer que esta é apenas parte do trabalho de resgate. Há outro aspecto
quanto aos resgatados que envolve seus ferimentos, lembranças infelizes, hematomas,
fraturas, incapacidade para viver aquela nova situação, sofrimentos que precisam de
cura...
Esta ilustração nos faz entender que a igreja é um lugar de pessoas salvas do pecado,
mas que ainda carregam as consequências nefastas das expressões do pecado em suas
vidas. São distorções da personalidade por causa de uma má formação infantil, hábitos
prejudiciais, patologias, sintomas psicológicos, padrões de comportamento inadequados,
e uma série de fatores que levam os indivíduos a reconhecerem que, embora resgatados
por Deus, ainda precisam de cura. Usando uma expressão teológica: “foram salvos, mas
continuam sendo salvos a cada dia”. Após traçar o perfil para entender nossa sociedade
e conhecer as características daqueles que se chegam para nossa comunidade,
precisamos pensar em como a igreja os recebe, ou então, no tipo de ambiente que eles
encontram. Via de regra, as igrejas não estão preparadas para receber as pessoas (os ex-
náufragos) como comunidade de cura e geradora de saúde integral. Se por um lado as
pessoas chegam procurando um ambiente de amor, aceitação e cura para seus dramas,
por outro lado encontramos muitas comunidades legalistas, rigorosas e de
relacionamentos superficiais, o que de fato não ajuda em nada no estabelecimento de
um ambiente propício para se abrirem à cura de Deus. No entanto, entre muitas
vocações, uma das que a igreja possui é a de ser comunidade terapêutica. A grande
chave para entender tal vocação é a imagem bíblica da igreja como Corpo de Cristo,
cujos membros são habitados pelo Espírito Santo e dotados de dons espirituais a fim de
equipar e preparar os crentes para o serviço e edificar o próprio Corpo. Existem ainda
outras imagens bíblicas da igreja que podem potencializar sua missão de ser um centro
de cura, libertação, crescimento e potencialização, para o cumprimento de sua missão
no mundo: A igreja como Povo de Deus (2Co 6:16) – uma comunidade de cuidado
mútuo unida por um pacto com Deus. A igreja como comunidade do Espírito
Santo (At 10:44-47) – uma comunidade redentora e curativa, através da qual o
Espírito vivo pode atuar num mundo grandemente necessitado.
A igreja se caracteriza, portanto como uma comunidade ajudadora, que aperfeiçoa o
potencial de crescimento de seus membros, proporcionando às pessoas libertação de
muitas questões que as impedem de crescer. Ao oferecer um ambiente de comunhão,
2. amor, serviço e crescimento, a igreja estará dando passos no sentido de cumprir sua
vocação terapêutica. Nossas necessidades mais profundas deveriam ser supridas na
igreja, a partir de relacionamentos saudáveis entre seus membros. Encontramos na
Palavra de Deus cerca de 27 mandamentos recíprocos (daqueles que incluem a
expressão “uns aos outros” no final). Todos eles têm a ver com o relacionamento,
alguns para gerar, outros para proteger, outros para restaurar os relacionamentos.
Quando vividos no contexto da igreja local, tais mandamentos produzirão libertação e
cura para muitos. A igreja local é responsável pela saúde integral de seus membros, e
não apenas por sua vida espiritual como muitos pensam. É equivocada aquela idéia de
que se alguém tem problemas físicos precisa ir ao médico, se problemas psicológicos
tem que ir ao psicólogo, se problemas espirituais, precisa ir à igreja. Como já vimos
anteriormente, o salvação de Deus alcança o ser humano na sua totalidade e não apenas
espiritualmente. A atividade da igreja não pode ser reduzida a um mero exercício
cognitivo de aprendizagem intelectual, que a impede de desenvolver um programa de
alcance integral do ser humano. Para a igreja, entender a sua vocação terapêutica é ter a
consciência de ser canal da graça curadora de Deus, a qual liberta o indivíduo para uma
vida de crescimento e realizações. A igreja de Cristo é, portanto, lugar das muitas
manifestações terapêuticas e libertadoras de Deus em relação ao ser humano. São
muitos os testemunhos que ouvimos de pessoas que foram curadas do ponto de vista da
alma, das emoções, na igreja e pela igreja; pessoas que receberam cura ao serem
amadas, aceitas, tocadas, valorizadas. Há que se dizer que a igreja, com todas as suas
falhas, tem se tornado a única opção de relacionamentos terapêuticos dentro de uma
sociedade secularizada e insensível para com as necessidades do outro. Nossa sociedade
sofre de uma grande dificuldade em estabelecer relacionamentos saudáveis e profundos.
Poderíamos dizer que mesmo a família, para muitos, já não oferece um ambiente de
ajuda e alívio, de modo que as esperanças de muitos vão se canalizando para aquelas
igrejas que possuem uma proposta terapêutica de vida em comunidade, que de alguma
forma responda às necessidades mais básicas do ser humano. Não seria exagero afirmar,
a partir de algumas observações pessoais, que algumas pessoas só recebem um abraço,
ou um beijo, na sua comunidade local e em nenhum outro local, sendo que ali tais
pessoas se sentem valorizadas e por isso ali permanecem. Os estudos a respeito da
relação membro-igreja nos tem mostrado que os membros permanecem numa
determinada igreja local mais pelos relacionamentos e menos pela confissão doutrinária,
ainda que esta última tenha a sua importância na vida de qualquer cristão. Em função
disso, as igrejas que conseguirem desenvolver um ambiente que gere relacionamentos
profundos e saudáveis estarão à frente para se tornarem relevantes nesse mundo pós-
moderno. A igreja, na sua função terapêutica, precisa desenvolver várias qualidades
básicas. Algumas para nossa reflexão:
(1ª) Aceitação – a aceitação é necessidade básica no desenvolvimento da personalidade
de qualquer ser humano. É à base do indivíduo.
3. A argumentação bíblica para esta atitude é o fato de que fomos aceitos por Deus em Sua
família, através de Cristo. Se na família tal aceitação é importante, na igreja ela
possibilita vida e alegria.
(2ª) Confissão – trata-se de uma prática pouco desenvolvida na igreja. “A confissão a
Deus encarnado no ouvido atento e perdoador do irmão é um recurso poderoso para
promover saúde nos membros da igreja”.
O próprio Davi descreveu as consequências físicas e emocionais de se carregar pecados
sem jamais confessá-los (Salmo 32). A verdadeira confissão gera crescimento e saúde
no Corpo de Cristo.
(3ª) Perdão – a prática do perdão traz saúde ao indivíduo culpado, senso de libertação e
renovação da própria vida. Livra-nos da culpa que paralisa e impede o crescimento para
o qual fomos criados.
Uma igreja que pratica o perdão ensina a seus membros sobre a graça de Deus de uma
forma mais eficaz. Proporciona ao outro um novo recomeço e a possibilidade de tentar
mais uma vez. A igreja é o lugar dos recomeços!
(4ª) Oração intercessora – orar/interceder por alguém traz saúde a quem quer que seja.
Demonstra interesse e valorização, faz-nos aproximar do outro, movidos pela
sensibilidade da dor e do sofrimento que alcança pessoas a quem amamos e que estão à
nossa volta.
(5ª) Contato físico – há uma necessidade de toque físico em cada um de nós. Toque que
gera aceitação, manifesta carinho e cuidado. É o toque curador do abraço, do aperto de
mão, do braço sobre o ombro do irmão.
Há um mistério no contato físico que pode consolar, encorajar, tirar a dor e até mesmo
curar.
(6ª) Louvor – O ato de louvor expressa atitude contrária à enfermidade. No louvor não
há medo, nem recriminação, nem tristeza.
4. “O louvor provém de um coração alegre e de um povo agradecido”.
A ordem bíblica é bem clara: “Cantai ao Senhor um cântico novo” (Salmo 96:1).
“Bom é render graças ao Senhor e cantar louvores ao teu nome, ó altíssimo” (Salmo
92:1).
“Uma igreja que louva reflete maturidade e saúde e gera saúde e maturidade entre seus
membros.”
“Está alguém alegre? Cante louvores.” (Tiago 5:13b).
(7ª) Outras expressões de serviço – à medida que como membros ajudamos uns aos
outros nas mais diversas tarefas, mesmo naquelas pequenas, domésticas, suprimos
expectativas daqueles que estão à nossa volta e assim geramos saúde para nós, para o
outro e na comunidade local.
Quem adentra nessa comunidade necessitando da cura interior, eu lhe digo: De fato irá
encontrar se estiver disposto a adorar somente e unicamente ao Deus Tri-uno, a perdoar
setenta vezes sete, não como um quantitativo matemático, mas, um qualitativo de vida,
e, estar pronto para negar-se a si mesmo tomar a sua cruz do dia a dia e seguir o Mestre
servindo ao próximo como a ti mesmo.
Autor:Pastor e Teólogo.Jorge Henrique Rde Araujo.