Este artigo discute a Guerrilha do Araguaia, uma resistência armada no Brasil contra a ditadura militar de 1964-1985. A guerrilha operou na região do Araguaia por cerca de 5 anos até ser derrotada em uma grande operação militar. O artigo argumenta que o direito à memória é importante para evitar que os erros do passado se repitam no futuro e para a evolução do sistema democrático brasileiro.
1. a r t i g o
J O R N A L D A S FA C U L D A D E S M I LT O N C A M P O S • N . 1 6 4 • M A R Ç O / 2 0 1 3
A Guerrilha do Araguaia
e o direito à memória
JOãO GAbRIEL FASSbENDER bARRETO PRATES*
A despeito dos colegas do Cone Sul, o
Brasil ainda primava pelo silêncio e esquecimento
acerca do nefasto período ditatorial 1964/85. A
derrubada do modelo arbitral, vigente desde o
Golpe de 1964, propiciou certa inércia dos
brasileiros de manterem viva a memória do pe-
ríodo ora superado. Deste modo, foi afastada a
hipótese de instauração de uma comissão
para avaliar os excessos cometidos durante a
ditadura. Contudo, medidas para que uma
Justiça de Transição lastreie esse processo
vêm sendo tomadas de maneira não tão
incisiva, porém de importância indubitável para
a evolução do sistema que aflora. Apesar de
compreensível a opção pelo esquecimento,
vista a anestesia que o sofrimento engendrou,
atinge-se um ponto em que se faz impossível o
apagar da memória, e a investigação minuciosa
e institucionalizada deste ínterim manchado da constituindo-se em objetos de litígios judiciais, e superando os grilhões de sua condição ani-
história do Brasil é vital, corroborando o Estado como mostraremos a seguir. mal. Um passado esquecido ou não revisitado
democrático brasileiro. Direitos humanos e memória. Atualmente, nada acrescenta a uma sociedade, que não
A Guerrilha do Araguaia. A resistência é a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode repensar o que se passou ali, tampouco
armada no Brasil se deu em duas frentes: a o órgão que mais estimula e assegura a progredir a partir das falhas cometidas em
guerrilha urbana, insuflada pelos chamados aplicação de normas atinentes à matéria. tempos passados. François Ost, ilustre jurista
“aparelhos” (núcleos de reuniões da resistência), Entretanto, tais direitos têm seguido caminhos belga, traz, em seu livro O tempo do Direito
e a guerrilha rural, na qual se depositava maior tortuosos no nosso país. A esse respeito, a (OST, 1999), questões que fundamentam
esperança, por se acreditar que ela mobilizaria sentença mais marcante, no Brasil, foi a pro- qualquer ação da Comissão da Verdade,
a sociedade brasileira de forma plena. latada aos 24 de novembro de 2010, como o estudo da prescrição desses crimes, a
A luta no interior do Brasil almejava auxiliar concernente à Guerrilha do Araguaia (Caso legalidade e a famigerada ‘segurança jurídica’.
as classes menos favorecidas e promover o Gomes Lund e outros vs Brasil), decisão que Mas a ideia mais aplicável ao nosso caso
progresso em regiões carentes, fortalecendo, afirmou ser “ilegal” a impunidade dos crimes é a de “reinscrever as premissas de um direito
assim, a resistência dos moradores, vítimas das contra os direitos humanos, com fulcro na Lei ou de uma justiça que aí se haviam perdido”, ou
arbitrariedades ali cometidas pelos militares. de Anistia, de 1979. Assim, a posição da CIDH seja, pretendemos quebrar paradigmas a fim
Acreditando, pois, nessas ideias, os militantes causou mal-estar tanto no contexto jurídico de tentarmos repensar, talvez, nossa ordem
do PC do B concentraram seus esforços na quanto no âmbito da política do país, uma vez jurídica, de modo a estabelecermos novos pa-
luta campestre. que decisão do Supremo Tribunal Federal, de drões e novos “começos”. A comissão anseia,
Em fins da década de 1960, sob o co- meses antes, havia confirmado a constitucio- assim, que, ao não nos esquecermos do pas-
mando de um dos fundadores do partido, nalidade da Lei da Anistia, no julgamento da sado, possamos evitar que os mesmos erros
Maurício Grabois, e orientados pelo maoísmo, ADPF 153/DF, tendo como arguente o Conselho sejam cometidos no presente, pois só a partir
escolheram a região conhecida como Bico do Federal da OAB. O relator, o eminente ministro deste passado revisitado e devidamente supe-
Papagaio – área entre os estados do Pará, Eros Grau, defendeu o não descumprimento rado poderemos construir um futuro de respeito
Maranhão e, à época, Goiás, às margens do de preceito fundamental e ressaltou que “os e estabilidade dos direitos humanos no Brasil.
Rio Araguaia –, para montarem a base da argumentos adotados na inicial vão ao ponto É preciso, sobretudo, ‘não esquecer,
revolução. Como a proposta era fortalecer e de negar mesmo a anistia concedida aos para nunca mais acontecer’. E, para encerra-
concretizar a “contrarrevolução” armada, seria crimes políticos, aqueles de que trata o artigo mos nosso texto, acreditamos que nada seja
preciso oferecer treinamento militar aos ex- 1º da lei (6.683/79)”. mais esclarecedor do que esta passagem
universitários e profissionais liberais, os quais Infindas são tais discussões, vez que o citada pelo jornalista e escritor uruguaio
só dispunham de destreza para o manuseio aspecto político das decisões inflama os Eduardo Galeano: "Um refúgio? Uma barriga?
dos livros acadêmicos. Desta forma, foi esta- ânimos e contamina as opiniões, de modo que Um abrigo onde se esconder quando estiver
belecida uma rotina de exaustivos treinamentos, a única certeza irrefutável é a necessidade de se se afogando na chuva, ou sendo quebrado
com vistas a preparar, de fato, os combatentes conhecer melhor o passado. E é sob o prisma pelo frio, ou sendo revirado pelo vento? Temos
para enfrentarem o regime. Ali viveram e “cate- do direito à memória que prosseguiremos. um esplêndido passado pela frente? Para os
quizaram” os nativos com suas ideias e ideais. A memória é o dínamo que impulsiona as navegantes com desejo de vento, a memória é
Após cerca de cinco anos, o movimento ações, visto que mantém nossas reminiscências um ponto de partida".•
foi aplacado por uma operação militar que só cognitivas em ação, enriquecendo nossa ca-
não superou o vulto da Força Expedicionária pacidade de melhor conhecer e julgar o
Brasileira, na 2ª Guerra Mundial. Dessa ação presente. O homem é o único ser que pode *ALUNO DO 5º PERíODO DA FDMC.
sem precedentes resultaram mortes, torturas e reconstruir a sua vida a partir da memória que ARTIGO REVISADO PELO PROF. LUCAS
desaparecimentos ainda hoje inexplicados, preserva, redirecionando seu comportamento ALVARENGA GONTIJO
P U b l i C a ç ã o d e a r t i g o S n o t a
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