1. Caracterizando o asmático de difícil controle
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FONTE:
http://www.pneumoatual.com.br/secao/boletim/boletimExpressoExibe.aspx?idAssunto=15&i
dBoletim=181
Introdução
A asma é uma doença com alta prevalência mundial, com cerca de 300 milhões de asmáticos no mundo, que na grande maioria
dos casos apresenta evolução benigna e ótima resposta terapêutica. No entanto, em uma parcela de pacientes (5% a 10%) a
doença se comporta de forma agressiva, mesmo quando o tratamento é realizado de forma adequada. Esses pacientes
apresentam sintomatologia persistente, exacerbações e internações freqüentes, limitação para realização das atividades do
cotidiano e, conseqüentemente, comprometimento significativo da qualidade de vida e aumento dos custos com o seu
tratamento. Para se estabelecer um programa terapêutico adequado para esses asmáticos é fundamental identificá-los
corretamente, caracterizando a gravidade de sua doença.
Terminologia e definição
Há muita confusão quanto à terminologia mais apropriada para essa forma de comportamento da asma, havendo uma grande
variedade de denominações: asma persistente grave, asma grave, asma refratária, asma resistente, asma dependente de
corticóides, asma instável, asma de difícil controle, entre outras. Asma de difícil controle parece ser o termo mais adequado,
pois vai ao encontro das novas determinações do GINA, que enfatizam a necessidade de se avaliar o estado de controle da
doença durante o seu tratamento. A antiga classificação de gravidade da asma, que estratificava a doença em intermitente,
persistente leve, moderada ou grave, tem pouca aplicabilidade clínica, pois a gravidade da asma deve levar em consideração
não só a apresentação da doença, mas, principalmente, a sua resposta ao tratamento estabelecido, algo não compreendido pela
antiga classificação.
O grupo de Consenso Latino-Americano propõe a seguinte definição para asma de difícil controle (ADC): “Asma
insuficientemente controlada, apesar de uma estratégia terapêutica adequada e ajustada ao nível de gravidade clínica (de
acordo com os consensos internacionais)”.
Em 2000, a ATS (American Thoracic Society) organizou um workshop com especialistas que elaboraram critérios diagnósticos
para asma de difícil controle. Esses critérios foram revisados e atualizados pela Sociedade Espanhola de Pneumologia e Cirurgia
Torácica (SEPAR) e apresentados em 2005 no seu consenso sobre o assunto (tabela 1). O diagnóstico desta condição é
estabelecido quando há presença dos dois critérios maiores ou um critério maior associado a pelo menos dois critérios menores.
Tabela 1. Critérios diagnósticos de ADC (SEPAR – 2005)
Critérios maiores
• Uso de corticóides orais de forma contínua ou por mais de seis meses no último ano.
• Uso contínuo de corticóides inalados em altas doses (budesonida ou equivalente > 1200 mcg/dia ou
fluticasona > 880 mcg/dia) associados a outra droga de manutenção, como beta-2 agonista de longa
duração.
Critérios menores
2. • Necessidade diária do uso de beta-2 agonista de curta duração como medicação de resgate.
• VEF1 menor que 80% do teórico previsto ou variabilidade do PFE (pico de fluxo expiratório) maior que 20%.
• Uma ou mais visitas por asma a serviços de urgência no último ano.
• Três ou mais cursos de corticóide oral no último ano.
• Episódio prévio de crise asmática com risco de vida.
• Rápida deterioração da função pulmonar.
Fatores que contribuem para a dificuldade no controle da doença
Para que os critérios diagnósticos tenham valor, é preciso que fatores que contribuem para o fracasso do tratamento tenham
sido afastados. A maioria dos pacientes encaminhados para avaliação em função de dificuldade de controle da doença não
alcançam melhora clínica devido a presença de fatores que não podem ser atribuídos à asma propriamente.
O consenso da SEPAR sugere a estratificação dos pacientes em dois grupos: pacientes com ADC verdadeira e indivíduos com
ADC falsa. Estes últimos seriam aqueles em que outros fatores, que não a própria doença, comprometem a resposta ao
tratamento, ou seja, a doença é apenas aparentemente difícil de ser controlada. Os principais fatores que devem ser
considerados na avaliação desses pacientes são:
• Diagnóstico incorreto de asma: o paciente que é portador de outra doença respiratória (DPOC, bronquiectasia,
pneumonia eosinofílica crônica, alveolite alérgica extrínseca, etc) ou mesmo condições não respiratórias (insuficiência
cardíaca) podem erroneamente receber o diagnóstico de asma.
• Comorbidades: o asmático pode ter outras doenças associadas que contribuem para o não controle da asma. As
principais condições são: obstrução da via aérea superior (disfunção de cordas vocais, estenose traqueal, apnéia
obstrutiva do sono), síndrome de hiperventilação, ansiedade, rinossinusite, refluxo gastroesofágico e bronquiectasia. A
obesidade, principalmente entre as mulheres, é fator que prejudica significativamente o controle da asma.
• Fatores agravantes: a exposição continuada a tais fatores é motivo para que se não alcance o controle da doença. Os
fatores principais são os alérgenos domiciliares ou aqueles encontrados no ambiente de trabalho, uso de
determinados medicamentos (beta bloqueadores e antiinflamatórios não hormonais) e o tabagismo.
• Aderência ao tratamento: como em qualquer doença crônica, a adesão ao tratamento proposto é fundamental para
seu sucesso. Estudos mostram que a aderência ao tratamento entre os asmáticos pode variar de 30% a 50%. Assim,
na elaboração de uma estratégia terapêutica para esses indivíduos, é fundamental prescrever esquemas posológicos
que facilitem a adesão do doente.
• Técnica inalatória: uma freqüente causa de fracasso no tratamento da asma é o uso inadequado do dispositivo
inalatório. O médico precisa orientar adequadamente o paciente a respeito da técnica inalatória e avaliar
periodicamente a capacidade do indivíduo em executá-la.
O fenótipo do paciente com asma de difícil controle
A asma de difícil controle é uma condição bastante heterogênea, que inclui diferentes fenótipos, ou seja, diferentes
apresentações clínicas. O fenótipo da ADC pode servir para entender a fisiopatogenia e a história natural dessa doença e, por
conseqüência, orientar a terapêutica.
Em uma tentativa de entender melhor o comportamento desses asmáticos, foi realizado, em nove países europeus, o estudo
ENFUMOSA (European Network for Understanding Mechanisms of Severe Asthma). Esse trabalho observacional comparou
indivíduos adultos com asma de difícil controle (denominada no estudo de asma grave) com asmáticos que alcançavam o
controle da doença com doses baixa/moderada de corticóide inalado (<1.000mcg/dia de budesonida ou equivalente). Foram
considerados asmáticos com doença grave os pacientes que, apesar do uso contínuo de corticóide inalado em doses altas
(>1.200 mcg/dia de budesonida ou equivalente), haviam apresentado pelo menos uma exacerbação no último ano. Foram
incluídos 321 indivíduos, sendo 163 no grupo de ADC e 158 no grupo de pacientes com doença facilmente controlada. As
3. principais diferenças entre os pacientes com asma grave quando comparados com aqueles com doença controlada foram:
• Proporção significativamente maior de mulheres entre os pacientes com ADC.
• IMC (índice de massa corpórea) maior entre as mulheres com ADC.
• Mais de um terço dos asmáticos com doença grave necessitaram de hospitalização no último ano.
• Análise de marcadores de atopia (IgE sérica e testes cutâneos de alergia) mostraram relação inversa com a gravidade
da doença.
• Pacientes com ADC apresentaram pior função pulmonar.
• A citologia do escarro mostrou número significativamente maior de neutrófilos entre os pacientes com ADC. Não
houve diferença entre os números de eosinófilos.
Abordagem do paciente com suspeita de asma de difícil controle
O consenso da Sociedade Espanhola de Pneumologia e Cirurgia Torácica (SEPAR) propõe, de forma didática, a seguinte
seqüência na avaliação diagnóstica do paciente com suspeita de ADC:
1º passo - Confirmar o diagnóstico de asma e afastar outras doenças que possam ser responsáveis pelo quadro clínico.
2º passo – Avaliar a presença de comorbidades que possam prejudicar o controle da asma (exemplo: rinite, refluxo gastro-
esofágico, bronquiectasia, etc) e tratá-las de forma adequada.
3º passo – Avaliar a aderência ao tratamento proposto para a asma, bem como estabelecer estratégias que permitam melhorar
essa aderência.
4º passo – Identificar os fatores agravantes e estabelecer programa específico para combatê-los.
Quando todos esses procedimentos tiverem sido realizados e o paciente persistir preenchendo os critérios diagnósticos,
podemos afirmar que o indivíduo é portador de asma de difícil controle.
Leitura recomendada
Assembly on Asthma of the Spanish Society of Pulmonology and Thoracic Surgery (SEPAR). Guidelines for the diagnosis and
management of difficult-to-control asthma. Arch Bronconeumol 2005;41:513-523.
Carrillo CT, Neffen HE. Consenso latino-americano sobre asma de difícil controle. Drugs of today 2006;42 (Supl. X/BR):1-27.
Chanez P, Wenzel SE, Anderson GP et al. Severe asthma in adults: what are the important questions? J Allergy Clin
Immunol 2007;119:1337-1348.
Heaney LG, Robinson DS. Severe asthma treatment: need for characterising patients. Lancet 2005;365:974-976.
The ENFUMOSA Study Group. The ENFUMOSA cross-sectional european multicentre study of the clinical phenotype os chronic
severe asthma. Eur Respir J 2003;22:470-477.
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