O documento discute a desigualdade e discriminação enfrentadas por mulheres negras no mercado de trabalho brasileiro. Apresenta dados do IBGE mostrando que mulheres negras ganham menos, enfrentam maiores taxas de desemprego e trabalham em piores condições. Também destaca a invisibilidade das mulheres negras nos setores de poder e liderança, e a falta de pesquisas que cruzam raça e gênero para entender melhor suas experiências.
1. TETO DE TITÂNIO
A dificuldade de acesso ao mercado de trabalho para as
mulheres negras
2. O nome é bonito,
mas...
Os fatos que ele carrega são feios.
Há quem diga que o Brasil vive uma
democracia racial: negros e brancos vivem
em plena harmonia, desfrutando de
direitos iguais e a mistura étnica, a
chamada miscigenação, é o nosso trunfo
dessa sociedade tida livre de preconceitos.
Os dados discordam.
3. Progressão anual dos rendimentos
39%
61%
41%
59%
41%
59%
40%
60%
43%
57%
* Dados do IBGE
A mulher branca está
ganhando, em média,
23% a mais que o
homem negro, e 30%
menos que o homem
branco.
A mulher negra está
ganhando, em média,
24% menos que o
homem negro, 41%
menos que a mulher
branca e 58% menos
que o homem branco.
4. Em 4 anos, uma média de 51% das
mulheres negras tiveram entrada no
mercado de trabalho, enquanto as
mulheres brancas tiveram uma média
de 54%. O relatório informa que as
análises foram feitas com indivíduos em
condições similares – ou seja, as
qualificações eram parecidas, mas as
mulheres negras tiveram menos
chances ao longo destes 4 anos.
As chances no mercado estão iguais?
* Dados do IBGE
5. Pelo relatório do IBGE, as
mulheres negras também
tiveram índices maiores de
desemprego, trabalho informal
e serviços domésticos e de
cuidados a outros ao longo
destes quatro anos. No mesmo
período, as mulheres negras
compõem 20% do quadro de
empregadores no país.
* Dados do IBGE
6. Os dados não
mentem.
Este relatório do IBGE foi divulgado em 2018
e tem a pesquisa limitada entre 2012 e 2016.
E com estes dados, vemos que as mulheres
negras estão mais ativas, trabalhando mais,
mas ganhando menos e sem postos de
comando.
E isso, se considerarmos que o cenário
melhorou: a mesma pesquisa do IBGE, feita
entre os anos de 2003 e 2010, apontava as
mulheres negras ganhando 34% menos que
as mulheres brancas.
Nas pesquisas feitas entre 2003 e 2010,
também se apurou que elas ocupavam
somente 0,3% dos cargos de gerência.
E quatro entre cada dez mulheres negras
não tinha emprego fixo, contra uma em
cada dez mulheres brancas sem emprego
fixo.
Qual é a razão disso? Porque é que em 15
anos, a mulher negra, em condições
similares e com jornada maior, não
consegue equidade com a mulher branca?
7. E onde estão as
mulheres negras?
Alguém foi
procurar?
♣ Em 2015, 54% da população brasileira se declarou parda ou
negra. Mas apenas 15% dos servidores no Poder Judiciário são
pardos ou pretos, e apenas 1,4% dos magistrados era pardo ou
preto, segundo censo realizado em 2013 pelo Conselho Nacional
de Justiça – que não cruzou dados de gênero e raça.
♣ Menos de 1% dos cargos dos mais de mil escritórios que
compõem o Centro de Estudos de Sociedades de Advogados –
CESA são preenchidos por sócios, advogados ou estagiários
negros; estes dados são de 2017. Também não foram cruzados os
dados de gênero e raça.
♣ O Instituto Ethos divulgou estudo em 2017, com as 548 maiores
empresas do país; é um dos poucos órgãos que quis se
perguntar onde as mulheres negras estão. E nesse estudo,
apurou que ali, no mercado corporativo, apenas 0,4% dos cargos
executivos são ocupados por mulheres negras.
8. ♣ O CNJ nunca fez uma pesquisa
focada em gênero e raça. Órgãos
representativos da advocacia
também não fazem pesquisas neste
sentido. Outros órgãos de classe,
menos ainda.
♣ Não sabemos onde estão as mulheres
negras, e não temos como procurá-
las.
9. Uma fina camada de titânio. É onde estamos.
♣ Os levantamentos estatísticos realizados no
país mostram que mulheres negras
têm maiores índices de vulnerabilidade no
quadro de desigualdades sociais,
independentemente do recorte utilizado.
♣ A ausência de levantamentos estatísticos
específicos para representatividade expõe a
invisibilidade da mulher negra na estrutura
social.
♣ Estamos todas vulneráveis, porque não
somos vistas, e não estamos representadas.
Não conseguimos determinar nossa
identidade em setores de poder e de
liderança, o que prejudica a elaboração de
estratégias que diminuam a nossa
vulnerabilidade.
♣ Mulheres negras possuem boa
escolaridade, tem participação no
mercado de trabalho, mas continuam
recebendo salários menores, tendo
menos condições de empregabilidade,
ocupando menos cargos de gerência,
tendo menos postos de comando, e
seguem sub-representadas em setores
de poder.
♣ Em 2018, ainda estamos procurando as
mulheres negras na magistratura, na
advocacia, na medicina, na engenharia,
na tecnologia da informação, na
literatura, na arquitetura, na
administração...
10. Uma fina camada de
titânio.
♣ O titânio é um material extremamente versátil. Se
bem manipulado, pode permitir que se veja através
dele em dado ângulo, e sem perder suas
qualidades; o material é mais resistente que o aço e
tolera quase tudo sem perder a integridade. Sem
quebrar, como o vidro.
♣ É essa a barreira que as mulheres negras
enfrentam, delineada pelo racismo: elas estão
vendo o mundo acontecer, mas não se veem neste
mundo que teima em não enxergar essa camada
tangível de invisibilidade. Aqui elas caminham
como se daqui não fossem. E todos os dias
contribuímos um pouco para fortalecer essa
chamada, fechando os olhos para essa luta.
11. Está na hora de abrimos os
olhos e destruir essa camada
na prensa, não?