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266 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016.
A SUBJETIVIDADE DE FRIDA KAHLO:
A AUTOFICÇÃO E O REAL EM SEUS AUTORRETRATOS
Elaine Teixeira da Silva (UniFSJ)
elaine.ts@gmail.com
Contamos histórias porque afinal de contas as vidas
humanas precisam e merecem ser contadas.
(Paul Ricoeur, Temps et récit)
RESUMO
Desde a descoberta da escrita, o ser humano em algum momento de sua vida, es-
creveu, escreve ou escreverá algo sobre si. Seja em um diário de papel, seja em um di-
ário virtual, blogs, ou em redes sociais. Cada um desenvolverá o melhor modo de ex-
por a própria vida para que outros a vejam e saibam sobre ela. O relato biográfico
faz-se de várias maneiras, não somente pela escrita, como aconteceu com a vida da
pintora mexicana Frida Kahlo, pois a mesma utilizou a pintura para se autorretratar
ao mesmo tempo que se autoficcionalizava. Sua vida foi regida por tragédias que a
cercaram durante toda a sua existência, porém por meio destas intempéries, ela en-
controu um modo de se autorrefazer e se autoinventar a cada novo episódio. O presen-
te ensaio, tem por objetivo apresentar através de duas biografias, uma escrita por Gé-
rard de Cortanze (2014) e a outra por Hayden Herrera (2011), si as tribulações vividas
influenciaram seus autorretratos e comparar através dos relatos biográficos a veraci-
dade do real com a autoficção, descritas nos autorretratos. No decorrer do estudo,
percebeu-se que há veracidade do real, dos momentos vividos, das intempéries e que
estes foram de fato influências para a autorretratação, ao mesmo tempo em que Kahlo
se autoficcionalizou refazendo-se por meio de sua representação pictórica, refugiando-
se na duplicidade criada como fonte vital para suprimir as dores físicas e sentimentais.
Este estudo bibliográfico apoiou-se em teóricos que defendem a questão biográfica e
autobiográfica como Lejeune (2008), Sibilia (2008) entre outros pesquisadores.
Palavras-chave: Autoficção. Autorretrato. Frida Kahlo. Subjetividade.
1. Introdução
Todo ser humano em algum momento de sua vida escreveu ou es-
creve sobre si, seja por meio dos diários em papel que eram usados até
bem pouco tempo com maior intensidade, e mantinham-se os segredos
guardados a sete chaves como um tesouro da memória contido nas lem-
branças diárias, seja através dos blogs ou redes sociais que são nos dias
atuais objetos de grande utilidade por todos, tanto homens como mulhe-
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Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 267
res, crianças ou idosos, já não se limitando em esconder o que se vive ou
viveu.
Cada indivíduo que escreve, insere em suas linhas a aventura de
transformar a si mesmo em palavras, criamos um outro “eu”, fabricamos
outros de nós. Este processo de criação ficcionalizada é atribuído a alte-
ridade pois inserimos “outras vozes” (SIBILIA, 2008) em nossos relatos
autobiográficos.
Assim sendo, nos debruçaremos na produção artística de Kahlo
para verificar a existência da autoficção e do real em suas telas autorre-
tratadas, já que ela fez da pintura o seu diário íntimo ao declarar, “Eu
quis fazer uma série de pinturas de cada ano da minha vida” (HERRE-
RA, 2011, p. 198), e para tanto enveredaremos em sua biografia como
suporte de compreensão de suas transposições.
Este trabalho limita-se em constatar através das biografias da pin-
tora escrita por Gérard de Cortanze (2014) e Hayden Herrera (2011), si
as intempéries vividas influenciaram seus autorretratos e comparar atra-
vés dos relatos biográficos a veracidade do real com a autoficção, pois
segundo a biógrafa, Herrera (2011), “o retrato era como um eu alternati-
vo, que compartilhava e refletia os sentimentos da artista” (HERRERA,
2011, p. 83), e se a autoinvenção foi o elo para a transposição em seus
autorretratos, já que “o autorretrato revela uma verdade não acerca do
que ela é, e sim acerca do que lhe gostaria ser”44
. (CORTANZE, 2014, p.
50)
2. Frida e a outridade subjetiva
A vida da pintora mexicana Frida Kahlo, foi cercada de episódios
trágicos, e ela apossou-se deles ao transmiti-los em suas telas, dialogando
com suas obras, especificamente com os seus autorretratos, ao mesmo
tempo em que ela apresenta a si mesma através de sua subjetividade. Esta
relação problematiza com o ato autoficcional e o real vivido em toda a
sua vida.
Segundo Lejeune (2008), para ser denominado como um relato
autobiográfico “é preciso que haja relação de identidade entre o autor, o
44 “El autorretrato revela una verdad no acerca de lo que ella es, sino acerca de lo que le gustaría
ser.” (Tradução nossa)
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268 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016.
narrador e o personagem”, porém a identidade do autor pode ser substi-
tuída pelos outros “eus” quando se fala no gênero dos autorretratos, pois
“No autorretrato, o pintor está duplamente presente, como personagem
representado e pela própria pintura”. (LEJEUNE, 2008, p. 246)
Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón, nasceu em 6 de julho
de 1907 em Coyoacán, México. Aos seis anos de idade contraiu poliomi-
elite que a impossibilitou de viver uma vida pueril normal, porém isto
não a impediu de mais tarde na juventude escolar correr “loucamente pe-
los corredores da escola feito um passarinho em pleno voo, que saltava
dos bondes e ônibus, de preferência quando ainda estavam em movimen-
to [...]” (HERRERA, 2011, p. 78-79). Anos depois, outro episódio recai
em sua vida, quando ela e seu amigo/namorado Alejandro, embarcaram
em um ônibus e este colide com um bonde. No acidente, Frida foi atingi-
da por um corrimão de ferro que a perfurou na altura da pélvis o que lhe
dificultou a incumbência maternal. Porém, estes episódios não foram
empecilhos para que ela vivesse grandes paixões, já que para ela, viver
era a principal finalidade de sua vida.45
Todas as intempéries serviram para transformar a história de Frida
Kahlo, e isto pode ser visto em suas obras quando ela apresenta a si
mesma subjetivamente, assim como nos relatos de sua biografia. Segun-
do Cortanze (2014), a dor fez com que Kahlo descobrisse um novo mun-
do, um mundo pictórico no qual ela poderia transpor os seus “eus”, pois:
a subjetividade se constitui na vertigem desse córrego discursivo, é nele que o
eu de fato se realiza. Pois, usar palavras e imagens é agir: graças a elas pode-
mos criar universos e com elas construímos nossas subjetividades, nutrindo o
mundo com um rico acervo de significações. (SIBILIA, 2008, p. 31)
Sendo assim, a artista apossa-se desta possibilidade de interagir
com a escrita e a imagem, transpondo em seus autorretratos toda a signi-
ficação do seu eu. Frida se autoinventava a cada acontecimento, e isto é
visto em seus retratos. Segundo Herrera (2011),
A pintura foi uma parte da batalha de Frida Kahlo pela vida. Foi também
uma parte significativa de sua autoinvenção: em sua arte, assim como em sua
vida, a autorrepresentação teatral era um meio de controlar seu mundo. À me-
dida que ela se recuperava, sofria recaídas e se recuperava novamente, Frida
se reinventava. (HERRERA, 2011, p. 98)
45 Em seu relato autobiográfico intitulado El Diario de Frida Kahlo, há um capítulo que tem por título
“Vivir es la finalidad central de la vida”.
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Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 269
Esta afirmativa leva-nos a considerar dois fatores:
1) O quanto os acontecimentos influenciaram seus autorretratos?
2) A outridade de si mesma constitui-se como fatos reais ou au-
toficcionais?
Para elucidar a estes fatores, Bakhtin (1982, p. 139 apud AR-
FUCH, 2010, p. 71), afirma que “[...] alegria e sofrimento, verdade e
mentira, bem e mal estão fundidos indissoluvelmente na unidade da cor-
rente do ingênuo fabulismo da vida”, ou seja, é verossímil que as adver-
sidades contribuíram para que Frida as transpusesse em seus autorretratos
toda duplicidade já mencionada por Bakhtin (1982), já que a própria Fri-
da declarou que pintava si mesma “porque sou o assunto que conheço
melhor”. (HERRERA, 2011, p. 98)
Após o acidente, quando a artista regressa a sua casa, Frida come-
ça a interessar-se pela pintura, e como não podia se locomover ou mexer
por estar imobilizada, a mãe manda fabricar um baldaquino com espelho
de modo que a convalescente pudesse se olhar e pintar. Coincidência ou
não, o espelho é um objeto refletor ambíguo (BAÊNA, 2014) que mostra
quem somos ao mesmo tempo em que revela quem podemos ser, ou mos-
tra quem queremos ser ao mesmo tempo em que revela o eu real. Assim,
parece-nos que ocorreu a pintora já que a mesma afirmava ser la gran
ocultadora, o que assevera Cortanze (2014), pois o autorretrato serve pa-
ra “ocultar o que os outros não devem ver46
”. (CORTANZE, 2014, p. 50)
3. Pintura e vida íntimas ligadas47
Em seu primeiro Autorretrato, como mostra a Fig. 1, Frida o pin-
tou em 1926 para presentear seu amado Alejandro, pois achava tê-lo per-
dido e deu-lhe de presente como uma espécie de lembrete de sua existên-
cia. Segundo Herrera (2011), os autorretratos eram elos entre Frida e seus
amados.
46 “ocultar lo que los otros no deben ver.” (Tradução nossa)
47 O subtítulo procede da frase “Pintura y vida íntima ligadas”, retirada da biografia de Gérard de Cor-
tanze.
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270 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016.
Fig. 1: Autorretrato, 1926
Fonte: https://tomandolugar.wordpress.com/2014/07/05/mulheres-da-historia-frida-
kahlo-biografia/
Apesar da seriedade, dos tons escuros e melancólicos, ela conse-
guiu pintar a si mesma “bonita, frágil e vibrante” (HERRERA, 2011, p.
82), porém a beleza pintada contrasta com o oceano sombrio e o céu por
mostrá-la ainda mais sozinha. Em cada detalhe pintado há uma signifi-
cância do momento em que ela estava vivendo. Já no segundo autorretra-
to (1929), pintado após iniciar seu romance com Diego Rivera, é percep-
tível o abandono da melancolia existente no primeiro. Nele, Frida apare-
ce impetuosa, viçosa, de “bochechas rosadas emolduradas por cortinas”
(HERRERA, 2011, p. 126) com um olhar intenso e “fulgurante como
uma águia” (HERRERA, 2011, p. 127), como se observa na Fig. 2.
Fig. 2: Autorretrato, 1926.
Fonte: http://www.angel-art-house.com/oil_painting_details.aspx?ID=1452
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Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 271
Nos dois primeiros autorretratos, a autorrepresentação coincide
com os dois momentos amorosos vividos, um tênue e solitário, o outro
vívido e altivo, porém em seu terceiro ela registra sua outra dor, a de não
poder ter filhos. De acordo com Herrera (2011), Frida retratou seu sofri-
mento após ser cometida a um aborto espontâneo, ela estava grávida de
três meses, além dos rumores de infidelidade de Rivera. Embora pareça
imperceptível, como mostra a Fig. 3, “A mudança é uma questão de mi-
límetros: a mais ínfima curva ou sombra pode alterar completamente a
expressão facial” (HERRERA, 2011, p. 136), já que agora, neste autorre-
trato, “em vez de olhar para frente com a destemida sinceridade da juven-
tude, o rosto de Frida está virado em ângulo, e seus olhos parecem reluzir
de tristeza”. (HERRERA, 2011, p. 136)
Fig. 3: Autorretrato, 1930.
Fonte: http://paintings-art-picture.com/paintings/archives/4807/frida-kahlo-paintings-
1930-self-portrait
De acordo com Arfuch (2010), tanto no gênero autobiográfico,
que aqui é visto nos autorretratos, como no de ficção, o que importa não
é a “coleção de acontecimentos”, mas sim as “estratégias ficcionais de
autorrepresentação”, pois são elas que tornam significante o ato reflexivo
de quem narra a sua história, “Aliás, todos nós inventamos nossas histó-
rias de vida. Frida, além de inventar, as pintou”. (ABREU, 2008, p. 4)
É interessante ressaltar, que além da autorretratação ela classifi-
cou e qualificou cada cor que era usada em suas pinturas. Em seu diário
de 1940, ela explicou em forma de “poema em prosa” (HERRERA,
2011) o significado das cores usadas sendo assim,
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272 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016.
VERDE: luz quente e boa.
VIOLETA-AVERMELHADO: Asteca. Tlapali [palavra asteca para “cor”
usada na pintura e no desenho]. Sangue velho da figueira-da-índia. A mais vi-
va e mais velha.
MARROM: cor do mole, da folha que se vai. Terra.
AMARELO: loucura, doença, medo. Parte do sol e da alegria.
AZUL-COBALTO: eletricidade e pureza. Amor.
PRETO: nada é preto, nada mesmo.
VERDE-FOLHA: folhas, tristeza, ciência. A Alemanha inteira é dessa
cor.
AMARELO-ESVERDEADO: mais loucura e mistério. Todos os fantas-
mas usam ternos dessa cor. [...] ou pelo menos as roupas de baixo.
VERDE-ESCURO: cor das más notícias e dos bons negócios.
AZUL: distância. Também a ternura pode ser desse tom de azul.
MAGENTA: Sangue? Bom, quem sabe! (HERRERA, 2011, p. 345-346).
Deste modo, fica mais claro para entender o que ela quis dizer, ou
melhor, pintar sobre si. Se Frida se valia das cores como fonte de refe-
rência para expor a sua alteridade, é visível que a presença dos tons ama-
relo e amarelo-esverdeado em seus autorretratos revelam toda a sua “lou-
cura” enquanto se autorretratava.
Fig. 4: Autorretrato com cabelo cortado, 1940
Fonte: https://tomandolugar.wordpress.com/2014/07/26/mulheres-da-historia-obras-
de-frida-kahlo/
Em 1940, Frida faz um de seus autorretratos mais subjetivo, que
ela denomina Autorretrato com cabelos cortados. Nele, Frida despe suas
vestes tehuanas que Diego tanto gostava que ela usasse, para vestir um
CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos
Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 273
terno masculino de tons escuros e sombrios. Este retrato foi o cumpri-
mento de uma promessa dela ao então ex-marido Diego, caso ele insistis-
se em manter seus romances, como vemos na Fig. 4.
Neste Autorretrato, Frida aparece com a tesoura em uma das mãos
e com os cabelos curtos, e os cabelos cortados espalhados por todo o re-
trato, sentada com as pernas abertas, como um se fosse um homem, tendo
como único traço feminino, os brincos. Na parte de cima do quadro, ela
inseriu os versos de uma canção que diz: “Olha, se te amei foi por seu
cabelo; Agora que estás careca, já não te amo”. A subjetividade nesta
obra se relaciona com o ato autoficcional ao passo que ela se autoinventa
ao refletir seu ato de vingança mostrando o outro “eu” como, “Desafiado-
ra, sozinha, cercada por um testemunho de sua vingança que é tão horri-
pilante quanto as gotas e manchas de sangue de outros quadros, Frida é
uma imagem inesquecível de fúria e sexualidade machucada”. (HERRE-
RA, 2011, p. 348)
Kahlo manifestou sua dor, alegria, seus momentos de fúria, triste-
za e frustração. Relatou, através das cores e posições, suas fabulações,
ficcionalizando os outros “eus” existentes dentro de si, o que assevera
Cortanze (2014) ao declarar que Frida via a si mesma duplamente.
De acordo com Sibilia (2008), “tanto as palavras quanto as ima-
gens que tricotam o minucioso relato autobiográfico cotidiano parecem
exalar um poder mágico: não só testemunham, mas também organizam e
inclusive concedem realidade à própria existência”. (SIBILIA, 2008, p.
33)
Sendo assim, a construção da sua subjetividade fabula com seus
relatos biográficos. Todos os seus sentimentos internalizados serviram de
palco para expor em tela, em imagem, as suas autoinvenções tão necessá-
rias para continuar se sentindo viva. Cortanze (2014), afirma que a arte
de Frida é como um “exorcismo que não apaga a realidade, mas sim a
transcende, faz que exista. É uma arte que cria junto ao real” 48
. (COR-
TANZE, 2014, p. 108)
Inventou outras de si em seus autorretratos como uma duplicidade
de seus momentos, alegre, vibrante para os que a acompanhavam diaria-
mente, triste, solitária para quem a visse pendurada em uma parede. Este
48 “exorcismo que no borra la realidad, sino que la transciende, hace que exista. Es un arte que crea
junto al real” (Tradução nossa)
CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos
274 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016.
processo inventivo autoficcionalizante corrobora com as finalidades des-
critas por Lejeune (2008) ao se compor um diário íntimo, mas também se
refere aos autorretratos, como o ato de “comunicar-se”, pondo em pala-
vras os que sentimos, “refleti” o “que acabamos de viver”, “fixar o tem-
po” como se fosse uma memória. Todas estas finalidades são vistas nas
obras autorretratadas de Frida Kahlo e declaradas por ela, pois “Pensa-
vam que eu era surrealista. Mas não sou. Eu nunca pintei sonhos. Eu pin-
tei a minha própria realidade”. (HERRERA, 2011, p. 323)
Vale destacar a afirmação de Arfuch (2010) com relação à subje-
tividade e o real, de que “mais do que um simples devir dos relatos, uma
necessidade de subjetivação e identificação, [...] que permita articular,
ainda que temporariamente uma imagem de autorreconhecimento”. (AR-
FUCH, 2010, p. 80)
4. Considerações finais
Como se viu na obra de Frida Kahlo, a subjetividade encontrada
em seus autorretratos contextualiza com as autoficcionalizações e o real
vivido por ela, assim como a autoinvenção foi a conexão para a transpo-
sição de seus “eus”.
Ao comparar os relatos biográficos percebeu-se que há veracidade
do real, dos momentos vividos, das intempéries e que estes foram de fato
influências para a autorretratação, ao mesmo tempo em que Kahlo se au-
toficcionalizou refazendo-se por meio de sua representação pictórica, re-
fugiando-se na duplicidade criada como fonte vital para suprimir as dores
físicas e sentimentais.
Ainda há muito que descobrir sobre Frida, pois a mesma possui
um vasto acervo pictórico podendo conter em cada obra a sua subjetivi-
dade e outridade ficcionalizadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Simone Rocha. A produção artística como fábula: um estudo
de algumas obras de Frida Kahlo. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2008/ABREU,%20Simone%20R
ocha%20de.pdf>. Acesso em: 25-09-2014.
ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade con-
CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos
Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 275
temporânea. Tradução, Paloma Vidal. Rio de Janeiro: Eduerj, 2010.
BAÊNA, Tomás. Espelho. Disponível em:
<http://filosofiadaarte.no.sapo.pt/espelho.html>. Acesso em: 06-11-2014.
CORTANZE, Gerárd de. Frida Kahlo: la belleza terríble. Adaptado por
Núria Petit Fontseré, 1. ed. 2. reimpr. Buenos Aires: Paidós, 2014.
HERRERA, Hayden. Frida: a biografia. Trad.: Renato Marques. São
Paulo: Globo, 2011.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rouseau à Internet. Be-
lo Horizonte: UFMG, 2008.
SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Ja-
neiro: Nova Fronteira, 2008.

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A subjetividade de Frida Kahlo: a autoficção e o real em seus autorretratos

  • 1. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos 266 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016. A SUBJETIVIDADE DE FRIDA KAHLO: A AUTOFICÇÃO E O REAL EM SEUS AUTORRETRATOS Elaine Teixeira da Silva (UniFSJ) elaine.ts@gmail.com Contamos histórias porque afinal de contas as vidas humanas precisam e merecem ser contadas. (Paul Ricoeur, Temps et récit) RESUMO Desde a descoberta da escrita, o ser humano em algum momento de sua vida, es- creveu, escreve ou escreverá algo sobre si. Seja em um diário de papel, seja em um di- ário virtual, blogs, ou em redes sociais. Cada um desenvolverá o melhor modo de ex- por a própria vida para que outros a vejam e saibam sobre ela. O relato biográfico faz-se de várias maneiras, não somente pela escrita, como aconteceu com a vida da pintora mexicana Frida Kahlo, pois a mesma utilizou a pintura para se autorretratar ao mesmo tempo que se autoficcionalizava. Sua vida foi regida por tragédias que a cercaram durante toda a sua existência, porém por meio destas intempéries, ela en- controu um modo de se autorrefazer e se autoinventar a cada novo episódio. O presen- te ensaio, tem por objetivo apresentar através de duas biografias, uma escrita por Gé- rard de Cortanze (2014) e a outra por Hayden Herrera (2011), si as tribulações vividas influenciaram seus autorretratos e comparar através dos relatos biográficos a veraci- dade do real com a autoficção, descritas nos autorretratos. No decorrer do estudo, percebeu-se que há veracidade do real, dos momentos vividos, das intempéries e que estes foram de fato influências para a autorretratação, ao mesmo tempo em que Kahlo se autoficcionalizou refazendo-se por meio de sua representação pictórica, refugiando- se na duplicidade criada como fonte vital para suprimir as dores físicas e sentimentais. Este estudo bibliográfico apoiou-se em teóricos que defendem a questão biográfica e autobiográfica como Lejeune (2008), Sibilia (2008) entre outros pesquisadores. Palavras-chave: Autoficção. Autorretrato. Frida Kahlo. Subjetividade. 1. Introdução Todo ser humano em algum momento de sua vida escreveu ou es- creve sobre si, seja por meio dos diários em papel que eram usados até bem pouco tempo com maior intensidade, e mantinham-se os segredos guardados a sete chaves como um tesouro da memória contido nas lem- branças diárias, seja através dos blogs ou redes sociais que são nos dias atuais objetos de grande utilidade por todos, tanto homens como mulhe-
  • 2. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 267 res, crianças ou idosos, já não se limitando em esconder o que se vive ou viveu. Cada indivíduo que escreve, insere em suas linhas a aventura de transformar a si mesmo em palavras, criamos um outro “eu”, fabricamos outros de nós. Este processo de criação ficcionalizada é atribuído a alte- ridade pois inserimos “outras vozes” (SIBILIA, 2008) em nossos relatos autobiográficos. Assim sendo, nos debruçaremos na produção artística de Kahlo para verificar a existência da autoficção e do real em suas telas autorre- tratadas, já que ela fez da pintura o seu diário íntimo ao declarar, “Eu quis fazer uma série de pinturas de cada ano da minha vida” (HERRE- RA, 2011, p. 198), e para tanto enveredaremos em sua biografia como suporte de compreensão de suas transposições. Este trabalho limita-se em constatar através das biografias da pin- tora escrita por Gérard de Cortanze (2014) e Hayden Herrera (2011), si as intempéries vividas influenciaram seus autorretratos e comparar atra- vés dos relatos biográficos a veracidade do real com a autoficção, pois segundo a biógrafa, Herrera (2011), “o retrato era como um eu alternati- vo, que compartilhava e refletia os sentimentos da artista” (HERRERA, 2011, p. 83), e se a autoinvenção foi o elo para a transposição em seus autorretratos, já que “o autorretrato revela uma verdade não acerca do que ela é, e sim acerca do que lhe gostaria ser”44 . (CORTANZE, 2014, p. 50) 2. Frida e a outridade subjetiva A vida da pintora mexicana Frida Kahlo, foi cercada de episódios trágicos, e ela apossou-se deles ao transmiti-los em suas telas, dialogando com suas obras, especificamente com os seus autorretratos, ao mesmo tempo em que ela apresenta a si mesma através de sua subjetividade. Esta relação problematiza com o ato autoficcional e o real vivido em toda a sua vida. Segundo Lejeune (2008), para ser denominado como um relato autobiográfico “é preciso que haja relação de identidade entre o autor, o 44 “El autorretrato revela una verdad no acerca de lo que ella es, sino acerca de lo que le gustaría ser.” (Tradução nossa)
  • 3. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos 268 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016. narrador e o personagem”, porém a identidade do autor pode ser substi- tuída pelos outros “eus” quando se fala no gênero dos autorretratos, pois “No autorretrato, o pintor está duplamente presente, como personagem representado e pela própria pintura”. (LEJEUNE, 2008, p. 246) Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón, nasceu em 6 de julho de 1907 em Coyoacán, México. Aos seis anos de idade contraiu poliomi- elite que a impossibilitou de viver uma vida pueril normal, porém isto não a impediu de mais tarde na juventude escolar correr “loucamente pe- los corredores da escola feito um passarinho em pleno voo, que saltava dos bondes e ônibus, de preferência quando ainda estavam em movimen- to [...]” (HERRERA, 2011, p. 78-79). Anos depois, outro episódio recai em sua vida, quando ela e seu amigo/namorado Alejandro, embarcaram em um ônibus e este colide com um bonde. No acidente, Frida foi atingi- da por um corrimão de ferro que a perfurou na altura da pélvis o que lhe dificultou a incumbência maternal. Porém, estes episódios não foram empecilhos para que ela vivesse grandes paixões, já que para ela, viver era a principal finalidade de sua vida.45 Todas as intempéries serviram para transformar a história de Frida Kahlo, e isto pode ser visto em suas obras quando ela apresenta a si mesma subjetivamente, assim como nos relatos de sua biografia. Segun- do Cortanze (2014), a dor fez com que Kahlo descobrisse um novo mun- do, um mundo pictórico no qual ela poderia transpor os seus “eus”, pois: a subjetividade se constitui na vertigem desse córrego discursivo, é nele que o eu de fato se realiza. Pois, usar palavras e imagens é agir: graças a elas pode- mos criar universos e com elas construímos nossas subjetividades, nutrindo o mundo com um rico acervo de significações. (SIBILIA, 2008, p. 31) Sendo assim, a artista apossa-se desta possibilidade de interagir com a escrita e a imagem, transpondo em seus autorretratos toda a signi- ficação do seu eu. Frida se autoinventava a cada acontecimento, e isto é visto em seus retratos. Segundo Herrera (2011), A pintura foi uma parte da batalha de Frida Kahlo pela vida. Foi também uma parte significativa de sua autoinvenção: em sua arte, assim como em sua vida, a autorrepresentação teatral era um meio de controlar seu mundo. À me- dida que ela se recuperava, sofria recaídas e se recuperava novamente, Frida se reinventava. (HERRERA, 2011, p. 98) 45 Em seu relato autobiográfico intitulado El Diario de Frida Kahlo, há um capítulo que tem por título “Vivir es la finalidad central de la vida”.
  • 4. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 269 Esta afirmativa leva-nos a considerar dois fatores: 1) O quanto os acontecimentos influenciaram seus autorretratos? 2) A outridade de si mesma constitui-se como fatos reais ou au- toficcionais? Para elucidar a estes fatores, Bakhtin (1982, p. 139 apud AR- FUCH, 2010, p. 71), afirma que “[...] alegria e sofrimento, verdade e mentira, bem e mal estão fundidos indissoluvelmente na unidade da cor- rente do ingênuo fabulismo da vida”, ou seja, é verossímil que as adver- sidades contribuíram para que Frida as transpusesse em seus autorretratos toda duplicidade já mencionada por Bakhtin (1982), já que a própria Fri- da declarou que pintava si mesma “porque sou o assunto que conheço melhor”. (HERRERA, 2011, p. 98) Após o acidente, quando a artista regressa a sua casa, Frida come- ça a interessar-se pela pintura, e como não podia se locomover ou mexer por estar imobilizada, a mãe manda fabricar um baldaquino com espelho de modo que a convalescente pudesse se olhar e pintar. Coincidência ou não, o espelho é um objeto refletor ambíguo (BAÊNA, 2014) que mostra quem somos ao mesmo tempo em que revela quem podemos ser, ou mos- tra quem queremos ser ao mesmo tempo em que revela o eu real. Assim, parece-nos que ocorreu a pintora já que a mesma afirmava ser la gran ocultadora, o que assevera Cortanze (2014), pois o autorretrato serve pa- ra “ocultar o que os outros não devem ver46 ”. (CORTANZE, 2014, p. 50) 3. Pintura e vida íntimas ligadas47 Em seu primeiro Autorretrato, como mostra a Fig. 1, Frida o pin- tou em 1926 para presentear seu amado Alejandro, pois achava tê-lo per- dido e deu-lhe de presente como uma espécie de lembrete de sua existên- cia. Segundo Herrera (2011), os autorretratos eram elos entre Frida e seus amados. 46 “ocultar lo que los otros no deben ver.” (Tradução nossa) 47 O subtítulo procede da frase “Pintura y vida íntima ligadas”, retirada da biografia de Gérard de Cor- tanze.
  • 5. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos 270 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016. Fig. 1: Autorretrato, 1926 Fonte: https://tomandolugar.wordpress.com/2014/07/05/mulheres-da-historia-frida- kahlo-biografia/ Apesar da seriedade, dos tons escuros e melancólicos, ela conse- guiu pintar a si mesma “bonita, frágil e vibrante” (HERRERA, 2011, p. 82), porém a beleza pintada contrasta com o oceano sombrio e o céu por mostrá-la ainda mais sozinha. Em cada detalhe pintado há uma signifi- cância do momento em que ela estava vivendo. Já no segundo autorretra- to (1929), pintado após iniciar seu romance com Diego Rivera, é percep- tível o abandono da melancolia existente no primeiro. Nele, Frida apare- ce impetuosa, viçosa, de “bochechas rosadas emolduradas por cortinas” (HERRERA, 2011, p. 126) com um olhar intenso e “fulgurante como uma águia” (HERRERA, 2011, p. 127), como se observa na Fig. 2. Fig. 2: Autorretrato, 1926. Fonte: http://www.angel-art-house.com/oil_painting_details.aspx?ID=1452
  • 6. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 271 Nos dois primeiros autorretratos, a autorrepresentação coincide com os dois momentos amorosos vividos, um tênue e solitário, o outro vívido e altivo, porém em seu terceiro ela registra sua outra dor, a de não poder ter filhos. De acordo com Herrera (2011), Frida retratou seu sofri- mento após ser cometida a um aborto espontâneo, ela estava grávida de três meses, além dos rumores de infidelidade de Rivera. Embora pareça imperceptível, como mostra a Fig. 3, “A mudança é uma questão de mi- límetros: a mais ínfima curva ou sombra pode alterar completamente a expressão facial” (HERRERA, 2011, p. 136), já que agora, neste autorre- trato, “em vez de olhar para frente com a destemida sinceridade da juven- tude, o rosto de Frida está virado em ângulo, e seus olhos parecem reluzir de tristeza”. (HERRERA, 2011, p. 136) Fig. 3: Autorretrato, 1930. Fonte: http://paintings-art-picture.com/paintings/archives/4807/frida-kahlo-paintings- 1930-self-portrait De acordo com Arfuch (2010), tanto no gênero autobiográfico, que aqui é visto nos autorretratos, como no de ficção, o que importa não é a “coleção de acontecimentos”, mas sim as “estratégias ficcionais de autorrepresentação”, pois são elas que tornam significante o ato reflexivo de quem narra a sua história, “Aliás, todos nós inventamos nossas histó- rias de vida. Frida, além de inventar, as pintou”. (ABREU, 2008, p. 4) É interessante ressaltar, que além da autorretratação ela classifi- cou e qualificou cada cor que era usada em suas pinturas. Em seu diário de 1940, ela explicou em forma de “poema em prosa” (HERRERA, 2011) o significado das cores usadas sendo assim,
  • 7. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos 272 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016. VERDE: luz quente e boa. VIOLETA-AVERMELHADO: Asteca. Tlapali [palavra asteca para “cor” usada na pintura e no desenho]. Sangue velho da figueira-da-índia. A mais vi- va e mais velha. MARROM: cor do mole, da folha que se vai. Terra. AMARELO: loucura, doença, medo. Parte do sol e da alegria. AZUL-COBALTO: eletricidade e pureza. Amor. PRETO: nada é preto, nada mesmo. VERDE-FOLHA: folhas, tristeza, ciência. A Alemanha inteira é dessa cor. AMARELO-ESVERDEADO: mais loucura e mistério. Todos os fantas- mas usam ternos dessa cor. [...] ou pelo menos as roupas de baixo. VERDE-ESCURO: cor das más notícias e dos bons negócios. AZUL: distância. Também a ternura pode ser desse tom de azul. MAGENTA: Sangue? Bom, quem sabe! (HERRERA, 2011, p. 345-346). Deste modo, fica mais claro para entender o que ela quis dizer, ou melhor, pintar sobre si. Se Frida se valia das cores como fonte de refe- rência para expor a sua alteridade, é visível que a presença dos tons ama- relo e amarelo-esverdeado em seus autorretratos revelam toda a sua “lou- cura” enquanto se autorretratava. Fig. 4: Autorretrato com cabelo cortado, 1940 Fonte: https://tomandolugar.wordpress.com/2014/07/26/mulheres-da-historia-obras- de-frida-kahlo/ Em 1940, Frida faz um de seus autorretratos mais subjetivo, que ela denomina Autorretrato com cabelos cortados. Nele, Frida despe suas vestes tehuanas que Diego tanto gostava que ela usasse, para vestir um
  • 8. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 273 terno masculino de tons escuros e sombrios. Este retrato foi o cumpri- mento de uma promessa dela ao então ex-marido Diego, caso ele insistis- se em manter seus romances, como vemos na Fig. 4. Neste Autorretrato, Frida aparece com a tesoura em uma das mãos e com os cabelos curtos, e os cabelos cortados espalhados por todo o re- trato, sentada com as pernas abertas, como um se fosse um homem, tendo como único traço feminino, os brincos. Na parte de cima do quadro, ela inseriu os versos de uma canção que diz: “Olha, se te amei foi por seu cabelo; Agora que estás careca, já não te amo”. A subjetividade nesta obra se relaciona com o ato autoficcional ao passo que ela se autoinventa ao refletir seu ato de vingança mostrando o outro “eu” como, “Desafiado- ra, sozinha, cercada por um testemunho de sua vingança que é tão horri- pilante quanto as gotas e manchas de sangue de outros quadros, Frida é uma imagem inesquecível de fúria e sexualidade machucada”. (HERRE- RA, 2011, p. 348) Kahlo manifestou sua dor, alegria, seus momentos de fúria, triste- za e frustração. Relatou, através das cores e posições, suas fabulações, ficcionalizando os outros “eus” existentes dentro de si, o que assevera Cortanze (2014) ao declarar que Frida via a si mesma duplamente. De acordo com Sibilia (2008), “tanto as palavras quanto as ima- gens que tricotam o minucioso relato autobiográfico cotidiano parecem exalar um poder mágico: não só testemunham, mas também organizam e inclusive concedem realidade à própria existência”. (SIBILIA, 2008, p. 33) Sendo assim, a construção da sua subjetividade fabula com seus relatos biográficos. Todos os seus sentimentos internalizados serviram de palco para expor em tela, em imagem, as suas autoinvenções tão necessá- rias para continuar se sentindo viva. Cortanze (2014), afirma que a arte de Frida é como um “exorcismo que não apaga a realidade, mas sim a transcende, faz que exista. É uma arte que cria junto ao real” 48 . (COR- TANZE, 2014, p. 108) Inventou outras de si em seus autorretratos como uma duplicidade de seus momentos, alegre, vibrante para os que a acompanhavam diaria- mente, triste, solitária para quem a visse pendurada em uma parede. Este 48 “exorcismo que no borra la realidad, sino que la transciende, hace que exista. Es un arte que crea junto al real” (Tradução nossa)
  • 9. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos 274 Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016. processo inventivo autoficcionalizante corrobora com as finalidades des- critas por Lejeune (2008) ao se compor um diário íntimo, mas também se refere aos autorretratos, como o ato de “comunicar-se”, pondo em pala- vras os que sentimos, “refleti” o “que acabamos de viver”, “fixar o tem- po” como se fosse uma memória. Todas estas finalidades são vistas nas obras autorretratadas de Frida Kahlo e declaradas por ela, pois “Pensa- vam que eu era surrealista. Mas não sou. Eu nunca pintei sonhos. Eu pin- tei a minha própria realidade”. (HERRERA, 2011, p. 323) Vale destacar a afirmação de Arfuch (2010) com relação à subje- tividade e o real, de que “mais do que um simples devir dos relatos, uma necessidade de subjetivação e identificação, [...] que permita articular, ainda que temporariamente uma imagem de autorreconhecimento”. (AR- FUCH, 2010, p. 80) 4. Considerações finais Como se viu na obra de Frida Kahlo, a subjetividade encontrada em seus autorretratos contextualiza com as autoficcionalizações e o real vivido por ela, assim como a autoinvenção foi a conexão para a transpo- sição de seus “eus”. Ao comparar os relatos biográficos percebeu-se que há veracidade do real, dos momentos vividos, das intempéries e que estes foram de fato influências para a autorretratação, ao mesmo tempo em que Kahlo se au- toficcionalizou refazendo-se por meio de sua representação pictórica, re- fugiando-se na duplicidade criada como fonte vital para suprimir as dores físicas e sentimentais. Ainda há muito que descobrir sobre Frida, pois a mesma possui um vasto acervo pictórico podendo conter em cada obra a sua subjetivi- dade e outridade ficcionalizadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Simone Rocha. A produção artística como fábula: um estudo de algumas obras de Frida Kahlo. Disponível em: <http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2008/ABREU,%20Simone%20R ocha%20de.pdf>. Acesso em: 25-09-2014. ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade con-
  • 10. CírculoFluminensedeEstudosFilológicoseLinguísticos Revista Philologus, Ano 22, N° 64 Supl.: Anais do VIII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2016 275 temporânea. Tradução, Paloma Vidal. Rio de Janeiro: Eduerj, 2010. BAÊNA, Tomás. Espelho. Disponível em: <http://filosofiadaarte.no.sapo.pt/espelho.html>. Acesso em: 06-11-2014. CORTANZE, Gerárd de. Frida Kahlo: la belleza terríble. Adaptado por Núria Petit Fontseré, 1. ed. 2. reimpr. Buenos Aires: Paidós, 2014. HERRERA, Hayden. Frida: a biografia. Trad.: Renato Marques. São Paulo: Globo, 2011. LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rouseau à Internet. Be- lo Horizonte: UFMG, 2008. SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Ja- neiro: Nova Fronteira, 2008.