Este documento descreve a vida e carreira de Dom Salomão Ferraz, um pastor cristão brasileiro do século 20. Detalha sua educação em uma família presbiteriana, seu treinamento no seminário e seu primeiro trabalho como pastor em Faxina, onde experimentou dúvidas iniciais sobre sua fé.
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DOM SALOMÃO FERRAZ E O ECUMENISMO
Pesquisa e coordenação: Dom Raimundo Augusto de Oliveira
Bispo da Igreja Católica Apostólica Independente de Tradição
Salomoniana de Feira de Santana Bahia
(domaugustoabade@yahoo.com.br)
Digitação: Ingrid Nunes Coutinho
Revisão:Missionária Andrea Ferreira (ICAI-TS)Feira de Santana-Ba
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APRESENTAÇÃO
A biografia de Dom Salomão Ferraz, apresentada neste
trabalho, foi o fruto de uma atividade de pesquisa em inúmeras fontes:
cartas do biografado, escritas principalmente a seu progenitor, nos
tempos de estudante e no início de seu pastorado; livros de atas das
Igrejas nas quais exerceu suas atividades; cartas recebidas e escritas a
pessoas de suas relações; atas dos Concílios da Igreja Episcopal
Brasileira, notícias e artigos publicados nos jornais evangélicos e
seculares; depoimentos de pessoas com as quais o biografado privava;
nossas observações pessoais e, finalmente, os dados contidos na parte
que restou de seu diário, no qual registrava, todos os dias, suas
atividades e seus pensamentos: Através desta pesquisa foi possível
recompor seu itinerário ao longo de um sacerdócio de 68 anos, embora
com omissão de alguns detalhes.
Não nos foi possível contar com as informações contidas em
mais de uma centena de cadernos de seu diário, pois, com a
transferência de Dom Salomão para a Igreja Católica Romana, foram,
segundo consta, incinerados para “apagar o passado e iniciar uma vida
nova”, no entender dos clérigos desta Igreja.
Iniciamos a elaboração do trabalho com a intenção de colher
subsídios para a comemoração do primeiro centenário de seu
nascimento, a 18 de fevereiro de 1980. Comemorado este evento por
muitas Igrejas, sobretudo as Episcopais, Metodistas e da Ordem de
Santo André, imaginávamos que sua biografia não despertaria maior
interesse da parte do público, mesmo nos meios religiosos.
Em um encontro na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo com o Rev. Dr. Robinson Cavalcanti, antes de uma conferência
a ser proferida por este, recebemos a informação de que “o nome de
Dom Salomão Ferraz é citado em todos os seminários evangélicos” na
disciplina de História da Igreja, e acrescentou: “Infelizmente temos
conhecimentos muito escassos a respeito de sua personalidade”.
Nosso filho Elói nos transmitiu a declaração de um padre de que nos
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seminários da Igreja Romana, o nome de Dom Salomão é citado na
mesma disciplina.
Estas informações nos animaram a completar o trabalho
iniciado. Também nos trouxe um salutar estímulo a disposição dos
clérigos da ordem de Santo André, liderados por seu 3° Bispo Geral,
Dom Ulysses Moreira de Araujo, de levar avante a obra ecumênica do
fundador da Ordem, seguindo-lhe os passos. Sentimos também a falta
de informações sobre Dom Salomão, da parte do clero em geral, por
ocasião das solenidades comemorativas do 60° aniversário da ordem
de Santo André, ao observarmos que os oradores convidados pouco
falaram sobre seu fundador.
O mundo contemporâneo está necessitando de uma Igreja - ou
religião – cujas atividades estejam voltadas para a formação moral do
indivíduo, desenvolvendo nele seus poderes espirituais. As relações
sociais entre os homens, hoje em dia, se fazem, em grande parte,
através dos instrumentos tecnológicos, à distância; nem são mais face
a face; mas deverão ser também, e principalmente, espírito a espírito,
coração a coração.
Os homens, no mundo inteiro, estão muito unidos entre si por
meio dos instrumentos eletrônicos de comunicação, o que lhes outorga
uma característica toda especial à personalidade como homens
modernos: de serem indivíduos bem informados, porém, não cultos.
Por outro lado, o poder cada vez maior da tecnologia significa um
poder maior do homem sobre o outro. Nem por isso os homens têm
melhorado suas relações mútuas. É que esses meios tecnológicos de
união e de poder não estão unindo as mentes e os corações, mas sim,
transmitindo mensagens negativas, contrárias à elevação moral da
humanidade. A missão da Igreja é inverter este processo, incutindo no
espírito de cada pessoa as mensagens de paz, de amor, de respeito e de
cooperação.
Hermes Ferraz
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NA IGREJA PRESBITERIANA
Um lar evangélico
A 2 de novembro de 1857, nasceu em Rio Claro, Estado de
São Paulo, Belarmino Augusto Ferraz, filho do casal Antônio Ferraz
de Camargo e Maria do Carmo Figueiredo, fazendeiros nesse
município. Aí viveu até a idade de 18 anos, quando, em 1875, o
missionário presbiteriano, Rev. Dagama, abriu o trabalho evangélico
naquela cidade, ao qual Belarmino, uma vez convertido, resolveu
dedicar-se com toda a alma e entusiasmo. Esta atitude provocou sérias
desavenças com sua família, de índole profundamente católico-
romana, e, na impossibilidade de um acordo, o moço convertido
precisou abandonar a casa paterna e lutar pela vida por sua própria
conta. Trabalhava nas fazendas e estudava na cidade, para o quê fazia
longas viagens a cavalo. De posse de alguma instrução, dedicou-se ao
magistério, alternando suas atividades como professor ambulante e
como colportor. Em 1877, Belarmino Ferraz transferiu suas atividades
para Jaú e aí, em uma das fazendas em que lecionava – Fazenda
Jacutinga – veio a conhecer Maria Santana Barbosa, com quem casou-
se em 20 de outubro de 1877, quando ele não havia completado ainda
20 anos.
Depois de residir em várias cidades, Belarmino voltou à
Fazenda da Jacutinga, onde, a 18 de fevereiro de 1880, nasceu seu
primogênito, a quem deu o nome de Salomão, revelando, assim, seu
grande amor pelo saber que desejava possuir, em homenagem ao rei
sábio da Bíblia. Era desejo do casal Belarmino-Maria que todos os
seus filhos fossem instruídos devidamente; e trabalhou com afinco
para realizar este objetivo. Belarmino desejava ser pastor evangélico,
mas os compromissos com o sustento da família o impediam de
freqüentar o curso regular no seminário. Não obstante, dedicava-se à
pregação do evangelho como leigo. Foi presbítero da igreja
Presbiteriana de Jaú por longos anos. Através de seus esforços, seis de
seus sete filhos receberam diploma: os varões, de pastor evangélico –
o mais novo, de nome Seth, acumulando a profissão de médico – e as
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três filhas mulheres, de professora. Belarmino Ferraz guiava-se na
vida por uma filosofia: “ O fácil é dos outros, o difícil é meu”,
fundamento inabalável de toda uma vida consagrada a uma atividade
sem par pela causa do Evangelho. Dele, escreveu seu filho Rev.
Orlando Ferraz: “Ele nunca estigmatizou a rotina e as tradições, mas
seu espírito esteve sempre aberto a novas idéias, novos métodos e
novos planos, sempre visando a fins práticos e úteis, e o fazia
inflamado de elevado e sadio otimismo” (O estandarte, 15/04/1958).
Salomão Ferraz, seminarista
Salomão Ferraz herdou estas qualidades do pai. De sua
infância pouco se sabe, a não ser que foi educado naquele lar
evangélico dotado de grande piedade e entusiasmo pela causa, e do
qual recebeu os primeiros ensinamentos e influências religiosas da
Igreja reformada; fez seus primeiros estudos na escola primária em
Jaú, onde estudou órgão e violino. Aos 14 anos estudou em São Paulo
, no Colégio Camargo, durante o ano de 1894, ocasião em que fez sua
profissão de fé, a 1 de setembro, na Igreja Presbiteriana da rua 24 de
Maio. Em 1895 foi eleito secretário da Escola Dominical, juntamente
com a eleição de Matatias Gomes dos Santos como presidente, seu
colega de quarto, selando uma amizade profunda, que os uniria por
toda a vida. Em agosto desse mesmo ano, vem a figurar como sócio
fundador da Associação Cristã de Moços (LESSA, 1938, pp. 481 e
491). Foi pensionista do presbítero Veríssimo de Paiva. Em 1895
deixou o Colégio Camargo e ingressou no Ginásio do Estado, no qual
concluiu o curso preparatório, em 1896.
Em 1897, com a idade de 17 anos, ingressou no Seminário da
Igreja Presbiteriana, em São Paulo, juntamente com Ernesto de
Oliveira e Otoniel Mota (LESSA, 1938, p. 534) e colaborou no jornal
do seminário O Combate, de maio desse ano, juntamente com outros
seminaristas. A 7 de julho de 1898 foi recebido como candidato ao
ministério evangélico pelo Presbitério de São Paulo.
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No seminário não foi um aluno brilhante; suas classificações
situavam-se, em geral, no grau “plenamente”. Nas férias ocupava-se
em ajudar as Igrejas carentes de pregadores, como em Ubatuba, onde
o pastor titular, Rev. José de Azevedo Granja, se achava doente havia
três anos. Nas horas de lazer dedicava-se ao estudo de outros temas
relacionados com a religião, complementando, assim, a cultura formal
transmitida por seus professores. Não se limitava a estudar apenas,
meditava também. Apreciava a filosofia e a utilizava em suas
constantes contemplações, caracterizadas pela presença de uma
profunda lógica. Dominava a língua inglesa, o que lhe permitiu
assimilar o pensamento dos teólogos anglicanos e tomá-lo como base
de suas próprias idéias, no dizer de muitos, “avançados”.
Terminou seus estudos no seminário em junho de 1901,
juntamente com Henrique Louro de Carvalho, João Francisco da Cruz,
Matatias Gomes dos Santos, Baldomero Garcia, Anders Jensen e
Constâncio Omegna, sob a reitoria do Rev. Samuel R. Gammon.
Prestados os respectivos exames, sua licenciatura foi aprovada na
sessão presbiterial de 19 de junho de 1901 e, a 23 seguinte, foi
oficialmente licenciado para pregar o Evangelho, em reunião
soleníssima no culto público do meio dia, na igreja da alameda dos
bambus, hoje avenida Rio branco. Ao ato compareceram, tomando
assento no presbitério, o Rev. Dr. J. R. Smith e João Francisco da
Cruz.
Salomão Ferraz, pastor
O campo de trabalho escolhido foi a cidade de Faxina, hoje
Itapeva, no sul do Estado de São Paulo; lá chegou a 19 de setembro de
1901, levado pelo pastor em exercício, Ver. Franklin do Nascimento,
que lhe entregou o campo, retirando-se logo após. Salomão Ferraz
gostou da cidade, gostou dos crentes, cuja acolhida muito o animou.
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Ainda solteiro, passou a morar na casa do presbítero José de Carvalho,
que lhe preparou um quarto especial.
Mas, segundo registrou em documentos posteriores, o novo
pastor ficou sobressaltado por sérias dúvidas. São suas palavras
textuais, extraídas do opúsculo A União das Igrejas (1962, p.13): “Em
uma experiência marcante (...), mas que dissipou de uma vez para
sempre a escuridão de nossa mente. Escuridão de dúvidas sinistras.
Raiou, então, para nós, depois de uma crise de grande angústia, a luz
que nos fez ver um mundo novo; (...) solitário, à espera da plena
investidura, sentíamos que algo de essencial faltava em nosso íntimo;
(...) faltava-nos a certeza, a convicção, a segurança, e o senso
profundo da realidade. Como pregar e ministrar a outros, quando nos
faltava exatamente o essencial? O céu parecia de chumbo, fechado,
hostil, e a terra um ermo insuportável. Agir como simples comediante,
para efeito meramente externo? Não era nosso feitio. Conselhos?
Onde os iria receber, quem lia corretamente o Novo Testamento grego
(...) e havia devorado quantas obras apologéticas lhe vinha às mãos
(...)?. Ajoelhou-se e orou: “Ó Deus. Nem sei se existes; a fé me foge, a
escuridão me envolve”. Levantou-se, abriu, ao acaso, a Bíblia, e seus
olhos pousaram sobre o versículo “ Justificados gratuitamente por sua
graça, mediante a redenção que há em Jesus cristo, a quem Deus
propôs, no seu sangue, como propiciação” (Rom. 3; 24-25).
E o novo pastor, sem fé, sem esperança, viu tudo agora
diferente: “Cristo como a base suprema da fé e da vida! A luz que o
trouxe até o ponto em que chegou foi a luz que derrama seus clarões
desde o cimo do Calvário, desde a Cruz; a luz que emana do sangue
precioso de Cristo, a base suprema da redenção da verdadeira unidade
da Igreja, penhor da paz entre as nações”.
Estas dúvidas Salomão Ferraz lembrou algumas vezes, ao
rememorar o início de sua carreira. Quais seriam as razões, se fora
educado em um lar cristão, no qual lhe ensinaram tantas coisas a
respeito da religião e fez o curso em um seminário, onde, certamente,
as coisas de Deus ocupam o primeiro plano? Talvez nem mesmo ele
soubesse. Fruto do ambiente? É bem possível, porque o ambiente, na
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verdade, molda o caráter dos indivíduos, forma personalidades. E o
ambiente religioso, nessa época, não era inteiramente favorável à
formação de personalidades firmes na fé, mesmo entre os que se
preparavam para os deveres do Santo Ministério, sobretudo para uma
alma ávida de conhecimentos. Reinava naquela época duas espécies
de lutas eclesiásticas envolvendo a religião, o que significa,
envolvendo a própria fé: uma luta externa, entre católicos e
protestantes, e uma luta interna, na qual se digladiavam os próprios
ministros, dentro da Igreja Presbiteriana. Descreveremos, em traços
rápidos, ambas as contendas que, além de perturbar a paz e acirrar os
ânimos, aumentaram ainda mais as dissensões já existentes e criaram
outras entre os seguidores de Cristo, abalando a fé e desencorajando
muitas vocações para o sacerdócio.
Sem dúvida, estas lutas impressionaram Salomão Ferraz, pois,
em um de seus escritos posteriores, declarou: “Era ainda no tempo de
estudante, época risonha e florida para muitos, porém, turva e
dolorosa para nós. Em consonância com os vendavais de paixões que
lá fora rugiam, em atmosfera aclesiástica asfixiante, letal, cá dentro da
alma nos gritavam outras tempestades, incomparavelmente mais
atrozes, mais sinistras, mais acabrunhantes: era a tormenta das
dúvidas, das perplexidades e o desespero de um espírito inquiridor,
sedento de verdade e paz. Em um desses dias, no sótão do seminário
em São Paulo, à rua Maranhão, veio-nos às mãos um dos vigorosos
artigos do professor Bruce, da Escócia, onde deparamos com um
conceito que nos sacudiu até o mais profundo da natureza moral, e
gravou-se indelevelmente em nosso espírito: ´O teu supremo dever, ó
jovem, é ter abertos os olhos, aberto o coração e abertos os lábios`.
Estas palavras do distinto pensador cristão não se apartaram jamais do
nosso espírito, mas passaram, por assim dizer, a fazer parte da
contextura da nossa alma” (FERRAZ, 1915, p. 6).
Abramos, então, um parêntese para retroceder na história com
o fim exclusivo de retratar o ambiente religioso em que Salomão
Ferraz se preparou para o Ministério.
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Contendas entre católicos e protestantes
Na expedição de Tomé de Souza, em 1549, aportaram ao
Brasil os jesuítas Manoel da Nóbrega, Aspicuelta Navares, Manoel de
Paiva, e Leonardo Nunes. Com a expedição de Duarte da Costa, em
1553, novos jesuítas vieram reforçar o trabalho de catequese dos
índios – dentre eles, José de Anchieta, ainda seminarista – que se
espalharam de norte a sul do país, ensinando e catequizando, a pé, ao
sol e à chuva, de canoa, varando matas espessas, enfrentando os
maiores perigos em travessias de rios caudalosos, doenças, fome e
expostos ainda às setas envenenadas dos índios. E entre os muitos
jesuítas chegados posteriormente estava o Padre Antonio Vieira,
missionário, político e moralista. Tudo isso, faziam incentivados pela
paixão que dominava a alma do missionário: a conversão do índio a fé
cristã.
Na Europa, a perseguição religiosa obrigava os protestantes a
fugirem para outros continentes; por isso, aportou em terras
brasileiras, em 1555, uma expedição francesa comandada por Nicolau
de Villegaignon, localizando-se no Rio de janeiro. Foi essa expedição
expulsa em 1567 com o auxílio dos índios. Daí para frente, nenhum
vestígio da presença de protestantes foi constatado, até meados do
século XIX. Nesse período, os jesuítas trabalharam sossegadamente
no mister de educar, instruir e catequizar os índios, dos quais
cativaram a amizade, por serem eles, jesuítas, contrários à escravidão
destes. Para isso, os catequizadores abriram escolas e construíram
igrejas. Longe das lutas religiosas da Europa, os missionários do
Brasil, sem concorrentes, exerciam seu apostolado comodamente, o
que levou muitos sacerdotes a fazê-lo de forma um tanto displicente,
ao se deixarem arrastar pela influência dos convertidos, negros e
índios que, não conseguindo libertar-se inteiramente de suas crenças
de origem, infiltraram na prática religiosa católico-romana algumas de
suas superstições.
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Este estado de coisas perdurou até 1810, quando o Brasil,
então sob o reinado D. João VI, celebrou um tratado comercial com a
Inglaterra, cuja religião dominante era a protestante anglicana.
Desejava esta nação amiga, além de comerciar, introduzir suas crenças
religiosas, ao que se opuseram os católicos romanos em ação no
Brasil. O problema foi, então, contornado, admitindo-se o credo
protestante, mas os locais de culto não deveriam ter aparência de
igrejas, razão por que seus templos eram destituídos de torres, sinos e
cruzes. Uma vez proclamada a República e instituída a liberdade
religiosa na Constituição brasileira, aquelas exigências foram
revogadas. Esta é a razão pela qual grande parte dos protestantes
tradicionais repudiam a própria cruz, símbolo do cristianismo, em
virtude de relacioná-la com a Igreja Romana.
Em meados do século XIX chegaram ao Brasil vos primeiros
missionários protestantes presbiterianos e, imediatamente,
entregaram-se ao trabalho catequizador para o culto protestante, não o
pagão, índio ou africano, mas o próprio cristão católico-romano,
criando, assim, para a Igreja Romana, o problema do esvaziamento de
seu clero, resultado do aliciamento de seus fiéis. Travou-se, então,
uma luta religiosa que antes não existia: os protestantes, além de
pregarem as bem-aventuranças do reino de Cristo, pregavam também
os erros da Igreja Romana, sobretudo os ex-padres convertidos. A
reação inevitável não se fez esperar: os sacerdotes da Igreja Romana
passaram a alertar seus fiéis contra os protestantes e o fogo cruzado
tornou-se cada vez mais intenso, com injúrias recíprocas. Cada facção
apresentava a adversária como obra do Diabo e, por isso, passaram a
proscrever mutuamente os sacramentos ministrados pelos sacerdotes
antagonistas. Era, pois, a mesma luta entre os cristãos , que se
deslocou da Europa para o Brasil com o objetivo de propagar a
verdadeira fé, mas que se transformou numa luta entre irmãos, pondo
em risco a própria fé.
Contendas entre protestantes
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Além destas discórdias entre católicos e protestantes, havia
naquela época (1898-1901) acentuada antagonismo entre as diversas
denominações protestantes, embora de menores efeitos, mas que, de
certa forma, comprometia o bom nome do Evangelho. Desde 1891,
reinava alguma divergência entre duas instituições da Igreja
Presbiteriana, o Seminário e o Mackenzie, chamado popularmente de
Colégio protestante. Passemos em revista suas causas e seu desenrolar
de forma sucinta.
O Mackenzie era mantido pela “Missão” (Board de Nova
York) e esta desejava fundar um seminário para melhor difundir o
Evangelho no Brasil. Não há dúvida de que havia, contra esta política
do Board de nova York, uma forte oposição por parte do Comitê do
Sul (dos Estados Unidos) e a divergência residia na localização do
Seminário. Diante disto, os patrocinadores americanos resolveram que
a questão fosse decidida pelo Sínodo da Igreja Presbiteriana no Brasil.
No entanto, esta resolução ficará apenas no papel. A “Brazilian
Missions” era então governada por duas cabeças, com profundos
reflexos no espírito dos respectivos missionários em ação no Brasil,
cada qual procurando seguir a orientação de sua entidade
mantenedora. Como se isso não bastasse, a política educacional
protestante brasileira, representada pelo Sínodo, entrou em choque
com a política educativa americana, criando sérios problemas e
antagonismos entre os missionários e educadores brasileiros , o que,
infelizmente, descambou para o campo pessoal, com verberações
ofensivas mútuas. Os americanos eram acusados de pouca
espiritualidade e, por questões de somenos, eram disciplinados pela
Igreja, como o Dr. Lane, acusado de andar de bonde aos domingos e
de não freqüentar os cultos. O Dr. Waddel caíra na antipatia dos
pastores nacionais por ter feito sindicâncias sigilosas contra um
humilde colega destes e teve a infelicidade de externar uma opinião
precipitada, sem os devidos fundamentos, mas da qual retratou-se
publicamente logo após. Porém a mágoa ficou e serviu de pretexto
para reforçar os antagonismos entre os pastores nacionais e os
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missionários americanos. O Dr. Vanorden caíra também em desgraça,
por motivos não publicados.
As dificuldades não pararam aí: ambos, Lane e Waddel, eram
diretores do Colégio Mackenzie, e os ânimos inflamados se dirigiram
contra essa instituição de ensino, mas de forma velada. Os pastores
nacionais, chefiados pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira, alegavam que
o Mackenzie não preparava os jovens para os cursos do Seminário;
seus alunos seguiam outras profissões seculares e nenhum deles
abraçava a carreira sacerdotal. Estas dissensões levaram a uma outra,
que pode ser sintetizada no aparecimento de duas correntes: uma,
entendendo que a evangelização no Brasil devia ser levada a efeito
através da pregação direta ao povo, pelos missionários e pastores, e a
outra corrente pretendia evangelizar através de colégios evangélicos,
nos quais seriam ministrados ensinamentos, tanto religiosos quanto
seculares. A primeira corrente era adotada pelo Sínodo, representando
o pensamento do clero presbiteriano nacional, e por boa parte dos
missionários americanos não comprometidos com a educação; e a
segunda corrente era formada por aqueles que, direta ou
indiretamente, estavam comprometidos com os interesses
educacionais, sobretudo os missionários diretores do Mackenzie, aliás,
baseados na necessidade de cumprir uma das cláusulas da doação do
Dr. Alexander Mackenzie, da obrigatoriedade do ensino religioso
nessa instituição secular.
Os adeptos da primeira corrente entendiam que as verbas
recebidas das missões americanas destinadas ao Mackenzie deveriam
reverter em benefício dos pregadores missionários. Por seu lado, os
adeptos da segunda corrente apoiavam o plano da criação do
Seminário, porém, como prolongamento dos cursos de Mackenzie,
pois esta instituição, com seus internatos e organização educativa,
poderia preparar os jovens para os cursos superiores teológicos; a isto
se opunham os da primeira, baseados na experiência de muitos anos,
sob a alegação de que os cursos do Mackenzie não se adaptavam a
essa preparação. Por outro lado, as duas organizações americanas
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mantenedoras alegavam que, se havia o Mackenzie, não se justificava
a criação de mais um colégio.
O seminário foi, enfim, fundado após muitas discussões sobre
sua localização. Por motivos menos relevantes, fora inicialmente
instalado em Friburgo, Estado do Rio de janeiro. Em 14 de fevereiro
de 1895 foi transferido para São Paulo, utilizando as dependências da
1ª Igreja Presbiteriana, na rua 24 de Maio. Porém, seu rápido
crescimento estava a exigir a ampliação de suas instalações. Foi aí que
os dirigentes do Mackenzie entraram na discussão por entenderem que
esta instituição - o Mackenzie – já possuía as instalações suficientes; o
“Board” e o “Comitee” americanos não se opunham à construção de
um prédio para o Seminário, e mesmo para um colégio preparatório,
desde que a Igreja Presbiteriana do Brasil realizasse as obras por sua
própria conta, isto é, com recursos nacionais. É que a Igreja
Presbiteriana do Brasil ainda não se achava em condições financeiras
para arcar com tal encargo; mas o Rev. Eduardo Carlos Pereira,
lançando-se em campanha, nos púlpitos e na imprensa evangélica,
conseguiu angariar fundos para a aquisição de um terreno na rua
Maranhão, nas proximidades do Mackenzie, e erguer o prédio do
Seminário, conforme se lê em J. A. Ferreira (1959, v. 1, p. 305):
“Tendo sido inaceitáveis as condições exigidas pelo Rev. Gammon,
representante de Nashville, disse o Rev. Eduardo Carlos Pereira, em
uma das seções que, se Nashville ou Nova York não nos davam o
necessário edifício para o desenvolvimento do Seminário, a Igreja
Nacional no-lo daria”. A campanha financeira obteve pleno êxito, em
virtude da grandiosidade do objetivo e de sua perfeita organização:
despertou energias adormecidas entre os crentes e fez, assim, a Igreja
nacional sentir sua responsabilidade perante o problema.
A 17 de julho 1898 foi lançada a pedra fundamental do edifício
do Seminário, em cerimônia solene; terminadas as obras, para ele
foram transferidas as aulas, possivelmente a 7 de setembro de 1899
“Sem solenidade, apenas com o culto regular que se fazia. Para isso
concorreram as circunstâncias daqueles tempos. As lutas e desgostos
conseqüentes. Foi um erro, contudo. Para o lançamento da pedra
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houve um grande aparato. Discursos e poesias. Variada apresentação.
Agora apenas uma cena doméstica” (FERREIRA, 1959, v. 2, pp. 34-
5).
O Rev. Erasmo Braga assumira a direção do Seminário na
ausência do Rev. Gammon; acumulando essas funções com a de
Capelão do Mackenzie, passou também a cuidar dos candidatos ao
Ministério Presbiteriano, ainda na fase dos estudos secundários. “O
Mackenzie oferecia pensão e estudos gratuitos a vários aspirantes,
bem como a alguns candidatos que não podiam ser mantidos pelo
Seminário” (Idem, p. 36). Como se vê, as dificuldades entre o
Mackenzie e o Seminário terminaram bem, com a cooperação mútua
entre ambas as instituições. É de se lamentar que essa grande
conquista da Igreja Presbiteriana tivesse deixado no ânimo dos
protagonistas profundas mágoas. Os ideais eram reconhecidamente
nobres, mas os meios utilizados eram, deploravelmente, pouco
cristãos.
Estas mágoas lavraram o terreno para a semeadura de uma
outra disputa, de conseqüências bem mais funestas: a questão
maçônica, iniciada em fins de 1898. Vários ministros, oficiais,
presbíteros e membros das Igrejas estavam filiados à ordem maçônica,
contra a qual insurgiu-se o pastor da 1ª Igreja Presbiteriana, Rev.
Eduardo Carlos Pereira. Dez membros da Igreja, possivelmente
maçons, em abaixo-assinado pediram a organização de uma nova
Igreja, cujos termos foram considerados ofensivos ao pastor, em sua
integridade moral. Os membros não maçons da Igreja também se
sentiram ofendidos em solidariedade a seu pastor. Iniciaram-se as
represálias com acirradas discussões pelos jornais evangélicos e
seculares, o que fez o movimento alastrar-se pelas demais Igrejas
Presbiterianas do país. A questão maçônica fora inicialmente
levantada pelo Dr. Couto Esher, justamente no momento em que havia
grande entusiasmo pela causa maçônica em vários meios evangélicos
(FERREIRA, 1959, v. 1, p. 317). Os debates nos jornais dividiram
ideologicamente a Igreja Presbiteriana, e em 1901 atingiram seu ponto
culminante. As ofensas cruzaram-se, lado a lado, alastrando-se pela
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imprensa secular. “Depois de uma carta anônima de um crente maçom
ao pastor de São Paulo [Rev. Eduardo Carlos Pereira] prometendo
desmoralizá-lo pelas colunas de O Estado de São Paulo, caso viesse a
encarar a questão pelo O Estandarte, carta confirmada dois dias depois
pelo mesmo anônimo, que divulgava agora o seu nome” (Idem, p.
319). Estava declarada a guerra. O Rev. Eduardo Carlos Pereira
defendia-se pelas colunas de O Estandarte – que até então conservara-
se neutro – das imputações feitas através do grande jornal paulista.
Carlos Pereira debatia-se contra a Maçonaria. A luta foi recrudescendo
até ser levada ao Sínodo de 1903, em São Paulo, e a 31 de julho foi
votada a decisão: “Não convir a este concílio legislar sobre a questão
maçônica, sendo que, resolvendo a questão deste modo, o Sínodo não
feriu nem violentou a consciência de ninguém, porquanto o Sínodo
apenas deixou de se pronunciar sobre a compatibilidade ou
incompatibilidade da maçonaria com o Evangelho, sem fazer
violência, quer a um, quer a outro lado” (REVISTA DAS MISSÕES
NACIONAIS, 05/09/1903). Esta proposição, francamente
conciliatória, baseada na liberdade de pensamento; foi aprovada por
53 votos favoráveis contra 17 votos dos antimaçônicos. Os vencidos
não se conformaram: para eles, a questão maçônica era um artigo de
fé, e solenemente declararam-se desligados do Sínodo, retirando-se do
recinto, nesse mesmo dia, (31 de julho de 1903), por volta das 22
horas. Estava cindida a Igreja Presbiteriana: a minoria vencida
resolveu constituir-se em Igreja presbiteriana Independente.
Fechado o parêntese, voltemos agora para o biografado. Foi
exatamente neste clima sinistramente tempestuoso, dentro de sua
própria Igreja, que o seminarista Salomão Ferraz se preparou para o
Ministério Evangélico, foi licenciado e iniciou sua longa carreira
sacerdotal.
Dúvidas
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Para um novel sacerdote comum não haveria nenhuma
dificuldade para iniciar sua carreira pastoral: era apenas uma questão
de tomar versículos da Bíblia e desenvolvê-los nos sermões, visitar os
crentes, orar com eles; nos cultos da igreja, pregar o Evangelho aos
rebanhos da Igreja Romana, viajar pelos sertões convertendo as almas
para formar novos núcleos de pregação do Evangelho, fazendo este
progredir triunfantemente. E com tal programa no espírito, romper o
caminho. Para Salomão Ferraz, entretanto, isto não era suficiente: seu
preparo formal, reforçado pelo conhecimento adquirido
informalmente, abriram-lhe oportunidades mais vastas, fizeram-no
descortinar horizontes mais amplos. No entanto, ao olhar ao redor, só
via lutas, desavenças, pouco amor cristão entre os cristãos, sobretudo
entre aqueles que, enfaticamente, pregavam “Amai-vos uns aos
outros”. Seria esta, talvez, uma de suas grandes dúvidas, a principal:
como poderia existir um Deus, todo-poderoso, mas incapaz de fazer
seus sacerdotes “viverem” de acordo com Sua vontade? Sentindo ser
outra sua missão, ou seja, a busca intencional da verdade, e não
apenas a de se manter como um simples pregador do Evangelho, pediu
àquele mesmo Deus para o qual se preparou par servir - mas cuja
existência tinha agora suas dúvidas -, que lhe mostrasse o verdadeiro
rumo. E o versículo, apanhado ao acaso, fê-lo vencer o estado de
frustração e idealizar um novo papel para si e para o sacerdócio que
iniciava, trilhando caminhos ainda não percorridos, águas ainda não
navegadas: unir os cristãos, inspirado numa síntese feliz do aludido
versículo. Preparou-se, então, para a execução de ambas as tarefas:
pregar o Evangelho, como era de seu dever hierárquico e, ao mesmo
tempo, pregar a união dos cristãos em torno de Cristo, dever para o
qual se sentiu chamado. Foi com esta filosofia de trabalho que
Salomão Ferraz iniciou seu ministério, como licenciado até julho de
1902.
Ordenação
17. 17
Em novembro de 1901 prestou exames sobre diversas matérias
e, em junho de 1902, foi examinado no restante das matérias de praxe,
entrando, já de início, em conflito de ordem teológica com seus
examinadores. A 13 de julho seguinte, no culto do meio-dia, foi
ordenado pastor na Igreja Presbiteriana, então situada na alameda dos
Bambus – hoje avenida Rio Branco. O ato foi celebrado em
obediência a um ritual soleníssimo, fez seu sermão de provas sobre
Efésios 2;16: “E pela cruz reconciliar-vos com Deus em um corpo,
matando com ela as inimizades”. Presidiu o ato do Rev. Moderador,
que fez as perguntas convencionais, a oração de ordenação e a
declaração da investidura. Dirigiu a paranesis ao ordenando o Rev.
Carvalho Braga, tendo o Rev. Schneider pregado o sermão de estilo.
Estava, assim, ordenado o Ministro do Evangelho, o Rev. Salomão
Ferraz (REVISTA DAS MISSÕES NACIONAIS, 02/08/1902). Tinha
então 22 anos de idade.
A cerimônia foi assistida por seu pai, Belarmino Ferraz, que
viu coroados de êxito todos os seus esforços e seu ideal de ver seu
filho mais velho iniciar oficialmente sua carreira ministerial.
Assistiram ainda, vindos do Rio de Janeiro especialmente para esta
solenidade, o Rev. José Ozias e seu colega Rev. Matatias Gomes dos
Santos, além de uma grande assistência de crentes. Nesse mesmo dia
eram ordenados, em cidades diversas, seus colegas de turma
Constâncio Omegna, na cidade de Botucatu, Henrique Louro e
Baldomero Garcia, no Rio de Janeiro.
Dias antes – 26 de junho de 1902 – às 19 horas e trinta
minutos, na sala do Templo, reuniu-se a Assembléia geral da Igreja
Presbiteriana de Faxina, (hoje Itapeva, sul do Estado de são Paulo)
“convocada para o fim especial de eleger-se o pastor que tem de ser
chamado, o convite para ser apresentado ao Presbitério (...). Estavam
presentes 49 membros, sendo 20 residentes na cidade (...); foi
proposto que fosse chamado o Rev. Salomão B. Ferraz; que há 7 ou 8
meses se acha no seio da Igreja, exercendo o ministério, com aceitação
geral de toda a Igreja” (Livro de Atas) por votação unânime. A
responsabilidade por seu ordenado deveria ser repartida entre a Igreja
18. 18
de faxina e as Missões, em partes iguais. O campo lhe era atribuído,
agora em caráter oficial.
Declaração de princípios
Salomão Ferraz preferiu iniciar sua vida pública no interior,
onde poderia firma-se em princípios simples e executar seus deveres
claros e determinados, e onde se podia dizer: este é o meu dever, esta
é a minha responsabilidade. Previa que, no futuro, seus deveres se
tornariam mais complexos; mas desempenhá-los-ia com a ajuda de
Deus. Entendia que o servo do Senhor não deveria discutir, mas ser
manso com todos. O dever de um ministro não é o de discutir, mas
sim instruir. E pedia a Deus que o livrasse de qualquer imprudência
capaz de impedir a obra da pregação a realizar com autoridade e em
nome do Senhor.
Em carta escrita a seu progenitor, datada de 04/12/1902, disse-
lhe que seu primeiro estudo seria o da Bíblia, fonte de onde iria tirar
suas convicções religiosas, e comunicou-lhe os princípios que
resolveu seguir em sua vida cristã, coligidos pouco antes da sua
ordenação: “1°) Ter a Palavra de Deus como minha regra de fé e de
conduta. Lê-la com simplicidade e com oração; crer, ser e fazer tudo o
que ela ensina. 2°) Ter a oração como primeiro dever na minha vida
cristã e no meu ministério a imitação de Cristo e de seus apóstolos,
Luc. 6:12; Atos 6:4. 3°) Nunca referir à pessoa alguma as coisas que
mais me impressionam ou que me excitam, sem tê-las referido
primeiramente a Cristo. 4°) Nunca fazer qualquer coisa sem que a
minha vaidade e o meu amor de aplauso seja excitado, a não ser
naquelas coisas que são absolutamente indispensáveis para o
cumprimento de meu dever. 5°) Nunca me alegrar em qualquer bom
terreno sem reconhecer nele a dádiva de Deus e, por conseguinte, sem
poder ter um coração reconhecido e agradecido. 6°) Não ter prejuízo,
nem má vontade ou disposição para com pessoa alguma, realizar as
19. 19
palavras do Dr. Bruce: “Vosso dever supremo, ó jovem, é ter os olhos
abertos, coração aberto e lábios abertos”.
Constituição do lar
Salomão Ferraz levava muito a sério sua missão e, por isto,
surgiu então um novo problema, de ordem pessoal: a constituição de
seu lar com a escolha da esposa, que deveria recair sobre a mulher
capaz de acompanhá-lo em seu ministério, cujas glórias já estava
idealizando, mas, no período de licenciatura, já havia adquirido a
nítida noção de seus duros e penetrantes espinhos. Enquanto
seminarista, havia tratado casamento com uma moça, que revelou
desde logo seus pendores para uma vida em elevado nível social ao
qual pertencia, incompatível com a posição de esposa de um pastor,
cujo trabalho e recompensas o impediriam de proporcioná-la.
Certamente, pensou ele, o faria abandonar o Ministério, e dedicar-se a
atividades mais bem remuneradas. Ao aceitar o campo da então
Faxina, recusou um convite para Niterói, interesse de sua noiva e, com
isto, poucos dias antes de marcar seu enlace com esta, desfez-se o
noivado com grande mágoa. Lembra Salomão Ferraz, já aos 80 anos
de idade, sua nova escolha: era no dia de sua ordenação, “ao deitar-
me, lembrei-me de uma sugestão de meu amigo Simão Salém, mais
tarde também pastor em São Paulo, e decidi optar por esse rumo que
segui na constituição de meu lar. A escolha estava feita: humilde,
modesta, despretensiosa, como me pareceu até hoje (...)” (Do diário).
A escolhida chamava-se Emília Cagnoto, de nacionalidade
italiana, nascida em Veneza a 18 de março de 1881, mas residente no
Brasil desde os oito anos de idade, organista da Igreja Italiana na
cidade de São Paulo, e que veio a conhecê-la na viagem que fez à
Capital em fins de dezembro de 1902. Após alguns pedidos de
informações e amigos, o casamento foi proposto e aceito.
A 28 de julho de 1903 reuniu-se o Sínodo da Igreja
Presbiteriana em São Paulo e a ele compareceu o Rev. Salomão
20. 20
Ferraz, pela primeira vez como pastor. Entre lágrimas, deu-se a
divisão da Igreja a 31, mas Salomão Ferraz, por convicção,
permaneceu fiel à Igreja Presbiteriana, pois já vinha pregando a união
dos crentes; mesmo porque, talvez não lhe conviesse mudar os planos
pessoais já traçados: seu próximo enlace matrimonial, que se daria
dentro de poucos dias, e um pastorado promissor. Não convinha
alterar nada disto, em face das razões ideológicas pouco relevantes
apresentadas para a cisão, para ele já esperada.
A 18 de agosto realizou seu enlace matrimonial e voltou para
Faxina levando sua esposa Emília, sua cunhada Amália, ainda
meninota, e seus irmãos Orlando e Vasthi. Foi desta forma que deu
início a sua vida de casado. Era muito apegado à família,
principalmente a este irmão, do qual sempre se lembrava em suas
cartas ao pai. Leva agora a esposa para ajudá-lo eu seu ministério.
Em Faxina
Porém, uma decepção o esperava em seu campo de trabalho. O
presbítero F. gostaria de ver uma das moças de sua família casada com
o novo pastor e, ao sentir frustrada suas intenções, passou a molestá-lo
dentro e fora da Igreja. Esse mesmo presbítero, político influente no
lugar, desejava, ele e seus familiares, transformar a Igreja num reduto
de sua propaganda política, a que Salomão Ferraz se opôs, entendendo
que os crentes deveriam, necessariamente, participar da vida política
do país; mas a Igreja deveria manter-se neutra, e seu pastor se colocar
numa posição eqüidistante das facções em luta. Mas o presbítero era
extremamente autoritário e abriu tenaz campanha contra o jovem
pastor, arrastando consigo outros oficiais da Igreja. Por não ver seus
interesses satisfeitos, o referido presbítero entendeu que a
permanência de Salomão Ferraz na Igreja de Faxina era insustentável,
e nela não poderia permanecer por mais tempo. Não obstante, a grande
maioria dos membros da Igreja não participava desta opinião, o que
mantinha o Rev. Salomão Ferraz em dúvida, se abandonava o trabalho
21. 21
ou não. Convites não lhe faltavam: Itapetinga, Jaú, São Carlos, Dois
Córregos.
Em abril de 1904, as questões políticas, incendiadas pela
campanha eleitoral, imperavam na Igreja da então Faxina. Um de seus
membros mais equilibrados, o promotor público, Dr. Nestor Calimério
dos Santos, grande amigo do pastor, fora removido para outra comarca
por motivos políticos e fazia-lhe grande falta na conjuntura. As
dificuldades surgidas refletiam-se até nas relações de Salomão Ferraz
com seu próprio Presbitério, em São Paulo. Seu pai, agora licenciado
pregador pela Igreja Independente, foi fazer-lhe uma visita nessa
ocasião; hospedou-se em sua casa e esteve na igreja. Os intrigantes
agiram depressa e o fizeram cair em desgraça.
Em 12 de novembro desse agitado ano de 1904, nasceu a
primogênita do casal Ferraz, à qual foi dado o nome de Annita;
acompanhando esta dádiva, outro fato veio concorrer para melhorar o
ambiente: a volta do Dr. Calimério à comarca da faxina. Passadas as
preocupações políticas com as eleições, as pressões afrouxaram-se e
as coisas começaram a voltar ao normal.
Mas as dissensões, embora arrefecidas, trouxeram a Salomão
Ferraz amargas conseqüências: os dissidentes cancelaram suas
contribuições ao sustento do pastor, levando as dificuldades
financeiras deste a tal ponto, que chegou a marcar o dia 14 de janeiro
seguinte para a retirada de sua família da cidade. O trabalho estava
tornando-se quase insuportável. Sentia a necessidade de deixar o
pastorado de Faxina; mas devia fazê-lo sem prejudicar a Igreja.
Chegou mesmo a lamentar sua recusa ao convite de Niterói. Estava
disposto a aceitar o convite de Dois Córregos, cujo campo era
constituído por três Igrejas em cidades servidas por estrada de ferro.
Mas, graças aos esforços do Dr. Calimério, na função de presbítero da
igreja de Faxina, a oposição começou a perder suas forças, embora as
dificuldades financeiras permanecessem. A falta de confiança nos
homens do Presbitério do Oeste e a justa ponderação dos irmãos da
igreja de Faxina o demoveram da idéia de transferir-se para outra
igreja.
22. 22
No princípio de 1905, seu pai Belarmino Ferraz foi ordenado
pastor pela Igreja Independente, coroando, assim, uma luta por esse
posto que vinha se arrastando por 17 anos. Outro filho deste, Orlando,
ingressou no seminário dessa mesma Igreja. Já em meados de 1905 o
presbítero dissidente da Igreja de Faxina entrara em entendimentos,
voltou a freqüentar os cultos e a prestigiar o pastor, o que não deixou
de ser uma vitória alcançada pela paciência deste. As finanças
pessoais foram aos poucos melhorando; a princípio, com recursos
emprestados por seu pai e depois com o adiantamento de parte de seu
ordenado, enviado pelas missões. O Dr. Calimério encetou eficaz
campanha financeira para pagar os ordenados em atraso devidos pela
Igreja. Regularizada a situação, o trabalho prosperou para o bem do
Evangelho. O Rev. Salomão suportou estas procelas com a paciência
de um verdadeiro sacerdote: justificava-as com o argumento de que
essas mesmas dificuldades seriam, de uma forma ou de outra,
encontradas em muitos lugares e não o deviam afugentar; elas
existiam para ser enfrentadas e vencidas.
Nesse mesmo ano realizou uma viagem a cavalo às cidades de
Apiaí e Iporanga, em trabalho de evangelização. Nela sentiu de perto a
oposição ao trabalho evangélico pelo sacerdote da Igreja Romana que,
por todos os meios a seu alcance, procurou impedir a realização das
pregações. Contudo, a compreensão do dever, por parte das
autoridades administrativas e policiais, permitiu-lhe realizar o
trabalho: uma das conferências foi realizada na sala da Câmara
Municipal de Apiaí e o destacamento policial evitava a algazarra dos
meninos que procuravam perturbar as pregações. Nessa viagem, é
despertado à noite por um canto triste entoado na rua. “É a
encomendação das almas”, explicou um de seus companheiros.
“Encomendação das Almas, refleti eu”, relatou Salomão Ferraz, “e
lembrei-me desse pobre povo que ainda vive sem o conhecimento da
salvação”. A luta entre católicos e protestantes havia atingido o auge e
Salomão Ferraz sentiu seu impacto. A viagem de Ipiaí a Iporanga foi
feita a curta distância do padre que para lá também se dirigia; este
23. 23
escreveria antes a alguém: “Estamos com o lobo na terra”, o que
despertou, ainda mais, a curiosidade do povo.
Nesse mesmo ano teve de enfrentar as idéias divergentes do
pai. Recentemente ordenado pastor da Igreja Presbiteriana
Independente, o Rev. Belarmino Ferraz procurou convencer o filho a
aderir o Movimento Separatista de 1903, mas este refutou os
argumentos dizendo, entre outras coisas, que em respeito devido a ele
como pai e em reconhecimento ao esforço feito por ele para sua
ordenação, ouviria com atenção e máximo respeito, tudo o que
quisesse dizer de bom em favor da Igreja Independente; mas a
resposta seria sempre não.
Cessam aqui as informações conseguidas sobre seu pastorado
iniciado em Faxina. Pelo que se viu, foi um verdadeiro “batismo de
fogo” para um pastor no início de seu sacerdócio. Mas Salomão Ferraz
não se arrependeu e, mesmo diante da oferta de melhores
oportunidades, não abandonou o campo; suas dificuldades lhe
trouxeram proveitosas experiências. Enfrentou-as; aprendeu a
distinguir os amigos daqueles que não o são. Não trocou a
oportunidade de exercitar-se na dureza do trabalho pastoral por
lugares mais cômodos, contribuindo, assim, para o reforço de seu
caráter. Apesar do rigor do embate, Saiu vitorioso, deixando muitos
amigos, mesmo entre aqueles que antes o combatiam.
Na Bahia
Se em Faxina reforçou sua fé em Deus e aumentou seu ardor
pelo trabalho de Cristo, as dificuldades por que passou parecem terem
contribuído para reduzir sua confiança nos homens. No ano seguinte,
em 1906, Salomão Ferraz recebeu e aceitou o convite da Igreja de
Canavieiras, no sul do estado da Bahia. Nesse estado trabalhava seu
colega de quarto e amigo de seminário, Rev. Matatias Gomes dos
Santos e, ao que tudo indica, teria influído na escolha, apesar de ser
um campo de poucos recursos: sem estradas, com acesso único pelo
24. 24
mar e distante dos centros culturais. Comparando com Faxina, as
dificuldades no trabalho em Canavieiras eram idênticas, mas nesta ele
não somente ficava longe do burburinho das intrigas dos homens de
seu Presbitério, como também ia trabalhar em companhia do seu
amigo preferido. Após uma longa viagem, foi recebido em Salvador
pelo Rev. Matatias e chegou a canavieiras a 24 de agosto de 1906,
onde já o esperavam muitos crentes e seu pastor, Rev. Mac Call, que
lhe entregou o campo. Na mesma semana, Salomão Ferraz subiu o rio
Pardo, em visita aos irmãos espalhados pelos cacauais. Em
Canavieiras já havia um local para os cultos.
A 5 de outubro de 1906, nasceu sua segunda filha, Noemi. A 7
de janeiro de 1907, foi organizado em Salvador o Presbitério Bahia-
Sergipe, constituído pelo Rev. José Ozias, da igreja de Cachoeira,
como presidente; Rev. Matatias Gomes dos Santos, de Salvador e
Rev. Salomão Ferraz, de Canavieiras. Embora contasse com a
colaboração de Mac Call, este Presbitério nasceu brasileiro, formado
por seis Igrejas organizadas.
Em 1908, juntamente com seu amigo Rev. Matatias Gomes
dos Santos, fez reaparecer na Bahia a “Imprensa Evangélica”. A 9 de
julho desse ano, nasceu sua terceira filha Nair. Logo após, mudou-se
de Canavieiras para Belmonte, cidade próxima, às margens do rio
Jequitinhonha. Nessa cidade fundou a Escola Americana e o jornal A
espada, e traduziu, do inglês, um hino que faz parte dos “Salmos e
Hinos”, n°551: “Brilhando por Jesus”. Salomão Ferraz mantinha
correspondência com as missões estrangeiras, com Portugal, e já
possuía uma razoável biblioteca; assinava algumas revistas religiosas
estrangeiras e recebia os principais jornais evangélicos. Acumulando o
pastorado da igreja de Canavieiras, lançou a pedra fundamental de seu
templo, a 27 de junho de 1909, fazendo uma alocução.
A 21 de dezembro de 1909, nasceu sei primeiro filho homem,
Hermes, o quarto da família, e em 1910 Salomão Ferraz transferiu-se
para Cachoeira, cidade mais próxima da capital do Estado. Embora
desenvolvendo alguma atividade intelectual, sentia-se isolado e, nas
horas em que mais intenso sentia o travor do isolamento, desejava
25. 25
rever o Seminário, instituição-mater do evangelismo presbiteriano
nacional, já localizado em Campinas, estado de São Paulo. No intuito
de desenvolver suas idéias de unir os irmãos, sentia necessidade de
viver entre eles. Após 6 anos de pastorado no estado da Bahia,
pleiteou sua volta para os centros culturais, muito embora lhe tivesse
sido abertas, em Salvador, Bahia, oportunidades para trabalhos de
grande importância, que lhe outorgariam posição de grande prestígio.
Mas, segundo escreveu a seu pai, temia as altas posições, sobretudo
quando, para ocupá-las, fosse necessário, de qualquer forma,
desvirtuar a profissão que abraçou, de ministro do Evangelho.
Em Rio Claro
Ao isolar-se em seu campo de trabalho, o obreiro de Cristo
perde, ou quando menos dilui-se, o contato com os centros culturais e
de decisões da Igreja e, por isto, torna-se mais ou menos indiferente a
seus movimentos. Salomão Ferraz não era destes. Desejava manter um
contato mais efetivo com sua Igreja e seus centros de cultura para
melhor desempenhar seu ministério. Eis que, a 1 de maio de 1912,
encontramo-lo como pastor da Igreja Presbiteriana de rio Claro, estado
de São Paulo, nas proximidades de Campinas e perto da Capital. Uma
de suas primeiras viagens fez para rever o seminário onde estudara,
agora instalado em Campinas. Em Rio Claro, além do trabalho de
rotina na pregação do Evangelho, na administração da Igreja,
colaborava no jornal da cidade e no Puritano; tomou contato com os
movimentos da Igreja, não apenas a Presbiteriana, mas também das
outras denominações. Sua idéia de unir as Igrejas não mais se limitava
às Igrejas Evangélicas, mas passaram a se estender à Igreja Romana,
entrando, assim, em profundos estudos sobre o assunto: reunia fortes
argumentos, estudava os caminhos, inspirava-se nos mais destacados
doutrinadores eclesiásticos.
Em 1913, a 25 de janeiro, nasceu seu segundo filho varão, de
nome Plínio, o quinto da família, e em 27 de maio de 1914 veio ao
26. 26
mundo sua filha Ruth. Nesse ínterim, Salomão Ferraz mantinha
freqüentes contatos com seu pai e, nestes contatos, este não perdia a
oportunidade de discutir o assunto da Maçonaria, sobre a qual aquele
não possuía nenhum conhecimento.
Nessa época, desenvolvia-se entre as Igrejas evangélicas um
movimento de franca hostilidade contra a Igreja Romana, tema
principal do Congresso do Panamá, a realizar-se em fevereiro de 1916.
Os evangélicos iriam discutir e decidir sobre os destinos da Igreja
Romana, no tocante ao reconhecimento de seus sacramentos,
sobretudo o batismo. Salomão Ferraz dedicou-se ao estudo profundo
do tema e desse estudo surgiram duas conseqüências altamente
significativas: primeiro ele adquiriu a firme convicção de que o
batismo do sacerdote da Igreja Romana é valido para todos os efeitos;
portanto, não deveria ser repetido pelas Igrejas evangélicas; batizar de
novo seria invalidar a palavra divina pronunciada pelo padre na
ocasião de administrar o batismo. Como segunda conseqüência,
baseado nessa convicção, recebeu por profissão de fé cinco pessoas,
sem rebatizá-las previamente, sob a alegação de que já haviam
recebido o sacramento do batismo ministrado pela Igreja Romana.
Esta questão do batismo já fora levantada anteriormente por
Simonton e posteriormente por Kyle, mas agora, com esta atitude
desassombrada de Salomão Ferraz, cujo senso de dever era o de agir
de conformidade com sua consciência, a questão incendiou-se. Muitos
foram os artigos escritos nos jornais evangélicos na época. Como
lenha posta na fogueira, Salomão Ferraz fez publicar seu opúsculo
Princípios e Métodos, editado em julho de 1915, que abalou todo o
meio evangélico. Os mais exaltados acusaram-no de romanista e
traidor do Evangelho; outros mais liberais, defendiam-no, negando-lhe
estas qualidades.
No opúsculo Princípios e Métodos, na verdade, Salomão
Ferraz trata da questão do batismo; mas seu objetivo não era apenas
este, porém, mais profundo; propugnava ele a união dos crentes
evangélicos e não-evangélicos num único rebanho, numa só Igreja, na
qual Cristo deveria ser o único pastor.
27. 27
Princípios e Métodos
(Trechos escolhidos)
E agora, sob o impulso de um dever que a conjuntura nos
impõe, começamos a descerrar os lábios para relatar aos nossos
irmãos o que temos visto e ouvido, rogando que nos ouçam com
paciência, pois constitui as conclusões de um espírito empenhado no
trabalho ativo da Igreja, certo de que o catolicismo evangélico é hoje a
expressão mais aproximada do ensino e do espírito de Cristo capaz de
combater o fanatismo, a intolerância e a estreiteza de vistas, para levar
o povo pelo caminho da razão, liberta e ao mesmo tempo encorajada
pela chama da fé e do amor cristão.
Identificar um povo romanista com o paganismo, que
desconhece por completo a revelação divina em Cristo, não é somente
uma inverdade, como também uma injustiça, e constitui grave
obstáculo ao próprio trabalho evangélico. Os pregadores protestantes
que assim procedem estão edificando, assentando os alicerces do
trabalho em terreno duvidoso. Os homens que pensam, tementes a
Deus, não podem pensar no trabalho evangélico com a pretensão de
realizar um trabalho novo, fundando uma nova religião, porque a
Igreja de Cristo é uma só, católica e universal, composta de todos os
sinceros crentes em toda parte, em todas as corporações cristãs. A
própria Igreja Romana, apesar de suas pretensões exclusivistas e
formidáveis, não é a Igreja Católica; apenas pode ser uma fração da
grande Igreja Católica, Apostólica de Jesus Cristo; (...).
Antes de ser ministro de uma Igreja particular, temo-nos em
conta de obreiro do Reino de Cristo, de verdade, justiça e amor, cujos
interesses não sacrificaremos em favor de qualquer agremiação,
embora religiosa, que venha a aplicar-lhe viseiras, pretendendo que,
com elas, se puxa melhor o carro da Igreja. Serventuário de uma
Igreja, é certo, mas como homem, na sua inteireza, como livre filho de
Deus.
28. 28
Um pastor entra em uma modesta casa da roça, um ano após a
última visita pastoral de seu antecessor, faz a pregação, faz cantar um
hino e passa à celebração da Santa Ceia do Senhor. Ao passarem os
elementos consagrados, alguns dos presentes, reconhecidamente
membros de Igrejas evangélicas, com semblante descaído, confusos,
envergonhados, lágrimas ardentes a rolar por algumas daquelas faces
de cristãos sinceros, baixam os olhos, como múmias, conservam-se
quedos, não se atrevem a tocá-los. Por que não comungaram? A razão
é muito simples e muito triste; muito triste e pouco honrosa para os
que repudiam o jugo opressor de Roma e receberam, como pretendem,
a liberdade de consciência no seio do Cristianismo reformado. Eles
não comungaram, simplesmente, porque são membros de outras
corporações evangélicas; seus pastores e os concílios de suas Igrejas,
com fins políticos e sectários, proibiram-nos expressamente de
comungar com certas Igrejas irmãs, atiradas por eles, maldosamente,
no índex de abominável tirania protestante, criando um drama de
consciência no espírito dos crentes, obrigados a repudiar a voz de
Deus para atender ao capricho e à política dos homens.
O que nos revolta, o que nos enche de indignação é ouvir, às
vezes, a gritaria contra Roma; mas na prática procura-se repetir seus
vícios, o que está sendo repelido com viril energia pela maioria vasta
dos ministros e dos verdadeiros cristãos. Isto, entretanto, não é o
resultado de um ânimo perverso, mas as conseqüências de idéias
falsas e princípios errôneos. E a principal dessas idéias é a falsa noção
de Igreja, a mesma que tem desnorteado o sistema romanista. É esta
pretensão desarrazoada de circunscrever a Igreja de Cristo a qualquer
corporação ou grupo de corporações cristãs, traçando os limites da
Igreja com exclusão de tudo o que não participa da exterior
agremiação das igrejas protestantes. Como o romanismo que
assentava seus marcos limítrofes, fora do qual não haveria salvação,
muitos protestantes incorrem no mesmo erro e na mesma intolerância,
apenas sob outra forma, cortando, assim, do rol de suas igrejas as
demais corporações protestantes. É isto visivelmente um erro que tem
dado lugar à mais deplorável confusão no trabalho do Evangelho, (...).
29. 29
A esperança de unificar o mundo cristão em nossos dias não
está em Roma, nem em Petrogrado, nem em parte alguma, muito
menos na babel romana, grega, anglicana, presbiteriana, batista ou
metodista, mas no trabalho com o espírito singelo, despretensioso,
harmonizando as almas em Cristo, esperançados somente no Cristo
glorificado, no espírito de verdade, de amor, de vitória.
A Igreja de Cristo é uma: católica, universal, subdividida
apenas em várias ramificações, mais ou menos aproximadas da
verdade, mais ou menos vivas, mais ou menos dormentes, mais ou
menos apóstatas, e isto sem exceção, embora nos pese. Não se trata de
uma idéia pessoal, esquisitice, mas é o pensar dos espíritos mais
esclarecidos de nossos dias e das mentalidades mais robustas e
equilibradas ao prumo do Evangelho, (...).
A opinião geral de Igreja em todo o mundo, no oriente, no
Ocidente, na Europa, na Ásia, na América do Norte, inclusive as
Igrejas presbiterianas, metodistas, luteranas, anglicanas,
congregacionalistas, valdenses e episcopais, é de que o batismo
romanista é válido, razão porque não rebatizam os católicos romanos,
ao abraçarem os princípios evangélicos e se unem às corporações
reformadas. São recebidos na Igreja mediante, apenas, o testemunho
de uma vida renovada e uma profissão pública de fé, exceção feita a
uma pequena fração da Igreja Presbiteriana como por exemplo, a do
Brasil. A praxe do rebatismo, praticada no Brasil, constitui uma
exceção apenas, uma anomalia, quer na prática universal da igreja,
quer na opinião dos mais abalizados teólogos presbiterianos. O
consenso geral das igrejas pedobatistas, em todo o mundo, é contra o
rebatismo.
A própria Igreja Romana é mais sensata quando confessa que a
essência do batismo não se altera, vedando o rebatismo através de seus
cânones, sejam quais forem as menores diferenças cerimoniais e
doutrinárias, mesmo por corporações reconhecidas como heréticas. O
ato de batizar não é aí consignado a uma classe privilegiada, mas é
consignado à Igreja. O Dicionário Bíblico, em um volume de
Hastings, reconhece três partes: o batizando, o ministrante e Cristo. A
30. 30
segunda destas partes é a comunidade cristã ou a Igreja e não
propriamente a pessoa que o administra, a qual, muito
propositalmente, não é posta em destaque. Argumentam, entretanto, os
partidários do rebatismo que, se a Igreja Romana não é cristã, é nulo
seu batismo. Como se vê, o argumento peca pela base; toda a questão,
como vemos, gira em torno de um ponto apenas: é reconhecer ou não
reconhecer a Igreja Romana entre as Igrejas de Cristo. É esta a linha
divisória das opiniões. A questão do batismo é apenas um corolário
desta. Os acréscimos podem ser considerados nulos, mas não anulam a
essência do batismo consubstanciado no venerando Credo dos
Apóstolos. A praxe do rebatismo de romanistas posta em voga no
Brasil, em certo meio evangélico, não tem razão de ser, não resiste a
uma análise séria de qualquer espírito cristão sem preconceitos.
Princípios e Métodos e o Rev. Eduardo Carlos Pereira
A publicação de Princípios e Métodos, sem dúvida, abalou as
convicções das personalidades mais representativas da cultura
evangélica daquele tempo. O Rev. Eduardo Carlos Pereira, líder
intelectual da Igreja Presbiteriana Independente escrevia em O
Estandarte de 1 de abril de 1915: “ Realmente, se o Romanismo é
apenas um ramo um tanto corrompido do Cristianismo, não se
justifica muito bem nossa propaganda na América do Sul. Os erros,
porém, da Igreja de Roma são tão fundamentais que devemos, de fato,
considerá-la um ramo cortado da árvore do Cristianismo, ou uma
apostasia do Evangelho. Sem esta atitude franca, as missões na
América do Sul perdem sua alta significação”.
O opúsculo Princípios e Métodos foi publicado em julho de
1915 e em O Estandarte, de 23 de setembro do mesmo ano, Eduardo
Carlos Pereira fazia publicar a seguinte mensagem, expressa em
reunião na Associação Cristã de Moços: “Esta [reunião] foi convocada
não para discutir princípios, mas para unir corações, apertar simpatias
fraternas, remover dificuldades e uma cooperação sincera na
31. 31
evangelização desta cidade”. E mais adiante: “A essência da união
reclamada por Cristo não está em fórmulas ou organizações, mas no
amor intenso da irmandade”. O Rev. Eduardo Carlos Pereira tornou-
se, daí por diante, um fervoroso propagandista da união das Igrejas,
conforme expressou-se em editoriais subseqüentes. Isto, com relação
às outras denominações evangélicas.
Com relação à Igreja Romana, Eduardo Carlos Pereira
escreveu em O Estandarte de 4 de novembro de 1915: “ O problema,
entretanto, se impõe à nossa consciência. É a Igreja Romana cristã, ou
não é cristã? São para nós válidos ou não seus sacramentos? Devemos
riscá-la ou não do quadro da cristandade? Seus grandes erros têm
apagado por completo o seu caráter cristão ou não?” Preparava-se ele
para tomar parte na Conferência do Panamá em fevereiro de 1916 e
assim expressou-se no mesmo artigo: “O gentilismo tem sido o objeto
das grandes convenções missionárias no mundo evangélico; o
Romanismo vai sê-lo agora na Conferência do Panamá”. Se, em abril
de 1915, representando a opinião do meio evangélico com relação a
Igreja Romana – opinião essa conduzida por ele mesmo – o Rev.
Carlos pereira, através de seus eloqüentes e persuasivos sermões e
discursos, decidira “ cortar” a Igreja Romana do rol da cristandade,
por causa de seus grandes erros, após ler Princípios e Métodos deu um
pequeno recuo em sua investida contra a Igreja de Roma. Punha agora
em dúvida se seus erros, embora grandes, seriam ou não suficientes
para apagar por completo seu caráter cristão e por isto não se
justificaria cortá-la – na opinião dos evangélicos – da árvore do
Cristianismo.
As dúvidas do Rev. Eduardo Carlos Pereira dissiparam-se no O
Estandarte de 11 de novembro de 1915, ao escrever: “É perigoso para
o Protestantismo encarar em globo o Romanismo e traçar numa
palavra a sua atitude. É justo que tratemos com caridade a Igreja
Católica Romana, e não lhe resgatemos os louvores que, porventura,
tenha merecido; porém, manda a lealdade e a justiça e os interesses da
América Latina que denunciemos com clareza e franqueza os seus
grandes erros, erros que enfraquecem e anulam, na vida do povo, as
32. 32
grandes verdades cristãs que ela sustenta em seu credo. É em nome
dessas grandes verdades neutralizadas ou paralisadas pelos grandes
erros que se reúne, parece-nos, a Convenção do Panamá. Esperamos
com ansiedade e oração a atitude do Protestantismo para com a igreja
dominante na América Latina, pois cremos que uma declaração
solene, firme, leal e caridosa, emanada dessa assembléia, será de vasto
e intenso efeito moral, de força e prestígio para os destinos do
Evangelho entre as nações sul-americanas”.
Em 10 de fevereiro de 1916 abriu-se a Conferência do Panamá,
a ela comparecendo o Rev. Eduardo Carlos Pereira com uma tese, na
qual faziam-se grandes concessões á Igreja Romana, conforme o Rev.
Bento Ferraz expôs em O Estandarte de 02/11/1916: “Cremos haver
dito já o necessário par mostrar aos nossos caros leitores que a tese do
Rev. Eduardo não envolve concessões injustas e exageradas à Igreja
Romana, nem constitui um ataque forte demais àquela Igreja. E pelo
que acabamos de dizer, é também claro que não há em sua tese, aliás
magistral, nenhuma incoerência ou contradição, uma peça inteiriça
digna de nossos aplausos, de nossos louvores e do acolhimento cordial
por parte de todos os que zelam pela causa santa do Evangelho no
Brasil”.
Faz parte da tese do Rev. Eduardo Carlos Pereira a seguinte
referência à Igreja Romana. “Com prazer declaramos também que ela
tem sido, na Providência de Deus, uma força para manter no mundo a
idéia cristã, um grande baluarte do princípio da autoridade e da idéia
fundamental de unidade cristã e que, na atividade e consagração de
seus missionários em suas largas obras de beneficência tem ela
prestado assinalados serviços à humanidade”.
Não alimentamos a menor dúvida de que esta edificante
mudança de orientação da tese à Conferência do Panamá de 1916, em
boa hora acolhida pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira, foi inspirada na
leitura do opúsculo Princípios e Métodos, reorientação esta que, sem
dúvida, revela o espírito altaneiro e aberto do homem culto em busca
dos verdadeiros princípios cristãos, em busca da Verdade de que era
possuidor o autor da tese, homem digno de seu conceito como líder de
33. 33
opinião religiosa no seio do protestantismo na América Latina. De seu
livro O Problema Religioso da América Latina extraímos passagens
lapidares como esta: “Ao discutir-se, por fim, o problema da
cooperação e promoção da unidade cristã é que se revela a largueza e
generosidade dos intuitos do Congresso Evangélico Panamericano do
Panamá. No nobre esforço para se promover a obra cristã na América
Latina externavam a esperança e intenção de aliciar a cooperação da
Igreja romana em certos aspectos sociais de beneficência. Se
louváveis eram esses intuitos, que de princípios ostentavam, força é
reconhecer, com muitos congressistas, que excessiva era a esperança e
desmemoriada a intenção” (pp. 139-140).
E mais adiante: “Acima dos fatos, das estatísticas, dos
problemas particulares, é de se esperar que haja um ponto elevado de
reunião, uma síntese superior, em que essa coletividade moral possa
afirmar sua unidade (...). Embora, pois, a natureza dessas assembléias
as inibe de serem deliberativas ou legislativas, nada impede que sejam
declarativas e afirmem a sua unidade superior, a sua solidariedade
íntima na esfera de princípios comuns. Expostos estes preliminares,
voltamos nossos olhos para os diversos aspectos morais do Congresso
Religiosos do Panamá. O primeiro que nos fere é o espírito de
confraternização que domina a assembléia. O Protestantismo dividido,
fragmentado, sectário é um espetáculo que sobremodo escandaliza aos
latinos” (p. 140). E mais, “O mal está no partidarismo egoísta, no
espírito orgulhoso de seitas, na intolerância e exclusivismo arrogante
de homens acanhados, incapazes de absorver e assimilar o generoso
espírito da vocação cristã” (p. 141). “Por ultimo, era a primeira vez
após a Reforma que o Protestantismo Evangélico se encontrava assim,
face a face com o Romanismo, a sós em um continente, cuja posse
moral é, em última análise, de suprema importância para um e para
outro” (p. 143). O Rev. Eduardo Carlos Pereira assim finaliza sua
apreciação sobre a Conferência do Panamá: “se não pode o espírito
latino erguer o Congresso à visão ampla de um mundo novo, animou-
o, todavia, o espírito prático, caridoso e forte da raça anglo-saxônica.
Não pode deixar de encerrar grandes promessas à união dos dois
34. 34
espíritos, o amplexo das duas raças” (p. 144). Referia-se o Rev.
Eduardo Carlos Pereira às opiniões divergentes entre a América do
Sul e a do Norte.
Mas, de qualquer forma, as investidas contra a Igreja Romana
foram providencialmente afastados do Congresso do Panamá, pela
influência sábia do Rev. Eduardo Carlos Pereira.
Princípios e Métodos e o Rev. Bento Ferraz
As idéias expostas por Salomão Ferraz no opúsculo Princípios
e Métodos,
Embora muito bem fundamentadas, teriam sido melhor aceitas se não
fosse o estilo ______ no qual foram expostas: cáustico, entusiasmado
e, algumas vezes, violento, fruto do ambiente de lutas no qual o autor,
como vimos, por cento, fora acentuadamente influenciado por um
lado; e por outro lado, seus estudos profundos sobre o tema o levaram
à convicção da irrefutabilidade dos argumentos, invulneráveis à mais
profunda análise, levando-o a lutar de peito aberto contra um inimigo,
como pensava; que jamais poderia existir. Se acertou em cheio no alvo
com seus argumentos sobre a validade do batismo da Igreja Romana,
entretanto, expôs-se a severas críticas no concernente à forma de
apresentá-los, por parte de um hábil polemista, afeito às lides forenses
como advogado, o Rev. Bento Ferraz, também redator de O
Estandarte e assíduo colaborador. Procurou este destruir todo o
trabalho de Salomão Ferraz, atacando-o em seu único ponto
vulnerável, seu estilo, aproximando-se do tom desassombrado de
quem está com a verdade, mas, como reconheceu o próprio Rev.
Bento Ferraz, era fruto do meio: “Lançamos logo à conta dessa quase
irresistível influência mesológica, as expressões menos caridosas,
menos verídicas e sobremodo injustas, que o Rev. Salomão ejaculou
contra os independentes, e a que tivemos de nos referir no decorrer de
nossa despretensiosa crítica aos seus Princípios Métodos” (O
Estandarte, 16/11/1916, p. 4).
35. 35
Para refutar os Princípios e Métodos, o Rev. Bento Ferraz não
se colocou no campo de doutrina teológica – as leis divinas -, mas
estribou-se naquelas leis feitas pelos homens, conforme determinava
sua formação jurídica: as resoluções dos Sínodos, dos Concílios, das
Assembléias, como se a verdade divina pudesse emanar da vontade de
um grupo de pastores por meio da “deliberação” de que a verdade é
esta e não aquela, muito embora houvesse vozes discordantes: “Sem
cair no infalibilismo insensato da Igreja Romana, devemos reconhecer
que o princípio da obediência às injunções da Igreja expressas em seus
legítimos tribunais foi estabelecido iniludivelmente por Jesus Cristo
numa cadeia férrea e lógica, que identifica a autoridade eclesiástica à
própria autoridade divina: Quem a vós ouve, a mim ouve; quem a vós
despreza, a mim despreza; e quem a mim despreza, despreza aquele
que me enviou” (O Estandarte, 18/05/1916). A fragilidade deste
argumento está evidenciada na falta de lógica: ou os discípulos e seus
sucessores estão obrigados a seguir as expressas determinações do
Mestre, ou poderão desprezá-lo, desprezando suas recomendações de
ministrar um único batismo, rebatizando o crente todas as vezes que
muda de agremiação administrativa religiosa. Em suma, se há somente
um batismo, como foi instituído por Cristo, ou se há mais de um,
como querem os homens. A citação bíblica acima não autoriza
ninguém a reunir um punhado de homens e decidir coisa diferente do
estatuído pelo Mestre.
Para melhor fazer-se ouvir pelos leitores de O Estandarte e
com isto manter o status quo e as idéias separatistas que então fazia
fervilhar no meio evangélico entre as duas Igrejas, Presbiteriana ou
Sinodal, e Independente, idéias estas seriamente abaladas por
Princípios e Métodos, o Rev. Bento Ferraz direcionou contra os
Independentes as “expressões descaridosas”,as demais figuras de
retórica e as ilustrações contidas no opúsculo de Salomão Ferraz. O
objetivo do jurista não era o de esclarecer uma verdade teológica,
porventura estremecida no opúsculo, mas acirrar o ânimo dos
Independentes contra o pastor presbiteriano, cujas idéias eram
contrárias ao estatuído pelos sínodos e assembléias, reunião de
36. 36
homens. A pregação mais certa seria chamar o “infiel” ao verdadeiro
caminho – na opinião do articulista-, mas nunca pressionar os
presbiterianos a eliminar o “infiel” de suas fileiras, conforme no
mesmo jornal de 18/05/1916 escreveu: “Se a questão envolve
escrúpulos de consciência, o dissidente não poderá manter-se dentro
da Igreja, em virtude do próprio motivo. Só Deus é o Senhor da
consciência: não há concílio ou autoridade contra a consciência ou
acima dela senão Deus. Se o motivo, porém, não é de consciência, e
que o não é, prova a permanência dos dissidentes no seio da Igreja e
de seus concílios, era dever rudimentar e comezinho do Tribunal
repelir in limine e com a máxima energia, consultas, opiniões ou
atitudes manifestamente contrárias às suas próprias resoluções, já
transitadas em julgado”.
Em um de seus artigos, o Rev. Bento Ferraz escreveu: “ou o
provérbio só se aplica ao Rev. Salomão Ferraz, porque mero pigmeu,
não tem as proporções daquele gigante do Presbiterianismo [referindo-
se ao Dr. Hodge] e não faz jus a tão arrojadas heresias?” (O
Estandarte, 23/11/1916, p. 5). Salomão Ferraz poderia ser um pigmeu
no campo cultural religioso, mas suas observações eram feitas de cima
dos ombros de gigantes, o que lhe permitia descortinar horizontes
mais amplos. Nisto tudo vê-se a predominância do espírito jurídico
sobrepondo-se ao espírito divino. Toda vez que o crente, seja qual for
sua atividade, confunde os ditames de sua profissão temporal com as
coisas religiosas, ele se torna ou um mau crente, ou um mau
profissional. Esta afirmativa adquire importância muito maior quando
se trata de sacerdotes, cuja missão é conduzir seu rebanho rumo à
salvação pelos caminhos de Deus e não pelos caminhos dos homens.
Não assistia o Rev. Bento Ferraz imiscuir-se nas coisas que
diziam respeito á disciplina da Igreja Presbiteriana – da qual havia se
afastado em 31 de julho de 1903 -, ao opinar sobre a manutenção ou
expulsão de seus dissidentes dentro de sua corporação, atitude esta
explicado unicamente por seu espírito polêmico. Bento Ferraz,
todavia, viu seus planos frustrados ao ser informado da transferência
de Salomão Ferraz para a Igreja Episcopal Brasileira, na época sob a
37. 37
direção do Revm°. Bispo Lucien Lee Kinsolving: “Foi um desvio
lamentável de organização intelectual que levou o Rev. Salomão
Ferraz para fora da Igreja Independente e que o deteve no seio da
Igreja Sinodal, onde agora permanece como simples ou mero hóspede,
segundo informações fidedignas, mas já de partida e vôo alado para os
arraiais longínquos da Igreja Episcopal do Rio Grande do Sul...” (O
Estandarte, 16/11/1916). Há um equívoco do articulista, pois a
instituição chamava-se Igreja Episcopal Brasileira, com sede no Rio
grande do Sul, mas desenvolvendo trabalhos em outros Estados, como
no Rio de Janeiro. Bento Ferraz, contudo, nesse mesmo artigo fez uma
profecia que se realizou quase meio século mais tarde: “As premissas
lançadas em seu livro levar-nos-iam a concluir que sua ingrata
peregrinação acabaria, afinal, na Igreja Romana, ou fora de qualquer
Igreja”. O desejo de bento Ferraz, entretanto, era de que Salomão
Ferraz aderisse ao movimento separatista de igreja Independente, mas
despido de suas idéias liberais com relação à Igreja Romana,
lamentando profundamente sua transferência para a igreja Episcopal.
Mas Salomão Ferraz tinha suas convicções firmemente implantadas e,
por certo, não seria na Igreja Independente o lugar mais apropriado
para desenvolvê-las; pelo contrário, teria de sufocá-las. Com isto, a
Igreja Presbiteriana perdeu um de seus leais obreiros, no dizer de Júlio
A. Ferreira: “Sua folha de serviços às Igrejas Presbiterianas foi grande
e boa” (FERREIRA, 1959 v. II, p. 148).
Não obstante, o Rev. Bento Ferraz passou a modificar a
filosofia de seus editoriais, escrevendo, entre outras coisas: “Talvez o
hábito de crer com os olhos fechados seja um dos motivos de nossa
pobreza no que respeita a literatura religiosa: ela escasseia por falta de
leitores” (O Estandarte, 10/02/1916). “Reatadas as relações pessoais
entre os presbiterianos, com grande êxito, naquela memorável reunião,
restava agora tomar medidas eclesiásticas no sentido de se
estabelecerem os laços de união na Mesa do Senhor e nos púlpitos dos
dois ramos do Presbiterianismo Nacional” (Idem de 17/02/1916). “Em
janeiro próximo deve se reunir o Sínodo de nossa Igreja que, por sua
vez, fará o que estiver em seu alcance para remover qualquer
38. 38
embaraço à aproximação das duas Igrejas presbiterianas, e desde já
devemos orar em favor daquele concílio. Todas as denominações
evangélicas estão trabalhando na mesma direção, de modo que o
movimento não é só presbiteriano, mas interdenominacional, e não é
só brasileiro, mas é um movimento que agita o Protestantismo em
todo o mundo” (idem, ibidem). “Queremos cooperar em todos os
pontos em que a cooperação é possível, mostrando ao mundo que
desejamos converter pelo Evangelho que, apesar de nossas
divergências secundárias, somos – um corpo, naquele que é a cabeça
da Igreja – Nosso Senhor Jesus Cristo” (idem, ibidem). “Mas,
querendo agradar a Deus e respeitar a santidade deste movimento, só
diremos que a consciência em nada nos acusa. Entramos nessa
corrente impelidos pela própria consciência que nos arremessou para
fora do Sínodo na noite memorável de 31 de julho. E estamos
convencidos de que fizemos bem quando erguemos o lema – Pela
Coroa Real do Salvador – como agora, por estarmos fazendo tudo em
prol deste movimento que agita fortemente as Igrejas Evangélicas em
todo o mundo” (O Estandarte, 24/02/1916) “... e que a resolução de
nosso Sínodo em janeiro mostrará, não só a ele, mas a toda a Igreja e
ao nosso bendito Rei, que a desejada aproximação não será feita sem
quebra de princípios de parte a parte (...)” (idem, ibidem). Sem dúvida
o opúsculo Princípios e Métodos, embora veemente refutado,
começara a produzir seus efeitos.
Outras repercussões
A própria Assembléia de Valença, da Igreja Presbiteriana do
Brasil, que em 1891 havia decidido contra a validade do batismo da
Igreja Romana, em 1916, ao responder a consulta de várias pessoas,
deliberou de maneira vacilante: “Em face dos bons resultados colhidos
em meio século de experiências, em que ficou demonstrada a
excelência do método de se receberem por batismo as pessoas vindas
diretamente da Igreja Romana, a Assembléia Geral da Igreja
Presbiteriana do Brasil resolve que essa prática seja continuada”.
39. 39
Contra essa resolução insurgiu-se o Rev. Bento Ferraz, com as
idéias predominantemente jurídicas: “Legem habemus – deveria
responder a Assembléia, se não quisesse modificar ou reconsiderar a
resolução tomada pelo Sínodo. O silêncio da Assembléia sobre uma
tal resolução e o dos que tomaram parte proeminente nos protestos e
consultas dão a idéia errônea de que a questão se achava ainda aberta,
não tendo recebido decisão formal e categórica por parte da autoridade
competente” (O Estandarte, 25/05/1916, p. 8).
O Rev. Salomão Ferraz tomou parte na Assembléia Geral em
Valença e defendeu suas doutrinas dizendo, entre outras coisas: “O
meu desejo é que essa questão seja ainda consideradas com calma e
isenção de ânimo, nos seus méritos intrínsecos, independente de
indivíduos, levando-se em consideração a experiência da Igreja
através dos séculos e especialmente agora, a orientação que nos vai
oferecer, em linhas gerais, o Congresso do Panamá, promovido, como
sabemos, por homens de eminente piedade, de reconhecida
experiência e saber, e de incontestável zelo pelo reino de Cristo” (O
Estandarte, 25/05/1916, p. 8).
Outros setores
Em outros setores evangélicos, as convicções fortemente
enraizadas contra a Igreja Romana foram seriamente amortecidas,
como se lê em O Estandarte de 30 de março de 1916, transcrevendo
um artigo de J. Marinho, no Puritano: “Sejamos coerentes. Ou
continuamos a considerar a Igreja Romana como apóstata e
antievangélica e prossigamos com o mesmo fundamento em nosso
trabalho de pregar o Evangelho aos seus membros e de os convidar a
deixá-la para aceitar a Cristo como único Salvador e Cabeça da Igreja,
ou reconheçamos que a nossa missão entre os católicos romanos não
(...)”.
40. 40
O Puritano de 20/01/1916, órgão da Igreja Presbiteriana, assim
tratou a questão através de um artigo de Domingos Ribeiro: “Muito se
tem escrito e falado nestes últimos tempos quanto a atitude do Rev.
Salomão Ferraz em referência à Igreja Romana; e, de tal modo, com
tamanha veemência, com indignação tão profunda, que a impressão
geral é q s.s. se bandeou para o Romanismo e se constituiu defensor
até do sistema doutrinário da referida Igreja Apóstata. Essa impressão,
porém, cumpre que desaparecerá, pois não tem absolutamente razão
de ser, tanto mais que nenhum dos ardorosos polemistas quis dizer tal
coisa. Podemos garantir que s.s. permanece cristão evangélico e
continua, com habilidade e proficiências raras, numa linguagem
candente, a verberar, a profligar, a estigmatizar, a combater
estrenuamente a Igreja Papal que, no ponto de vista doutrinário, está
hoje mais distanciada do Evangelho do que nos dias trevosos da Idade
Média”.
Em carta dirigida ao articulista, Salomão Ferraz dizia naquela
mesma ocasião: “Quanto à cúria papal, com sua arrogância, suas
perversões da verdade, seus abusos, sua intolerância, eu sou dos que
pensam que a mão da providência, que já lhe tem desferido os mais
certeiros golpes desde a Reforma e o 20 de setembro, se encarregará
de abatê-la até o pó. Da presente crise do mundo, o vaticano só poderá
tirar o pior partido. Acima de todas as loucuras dos homens,
sobranceiro a todas as aberrações, Cristo alcançará a suprema vitória.
Seca-se a herva, perde-se a gala de sua beleza, mas a palavra do
Senhor permanece eternamente. E ingente a obra que nesta Pátria nos
cumpre fazer em nome de cristo” (...).
Bispo Kinsolving
Todavia, Princípios e Métodos não recebeu apenas críticas dos
protestantes radicais, que encontraram nele uma oportunidade para
extravasar seus espíritos descaridosos. Do Revo°. Bispo da Igreja
Episcopal Brasileira, Dr. Lucien Lee Kinsolving, Salomão Ferraz
41. 41
recebeu uma carta acompanhada da respectiva importância,
solicitando a remessa de vários exemplares, nos seguintes dizeres: “É
meu desejo distribuir vosso admirável opúsculo a cada clérigo meu.
Agradeço profundamente vossa mensagem; a mais terna, verdadeira, e
mais católica afirmação que tenho ouvido dos arraiais do Evangelismo
no Brasil, durante 25 anos. Queira Deus abençoar-vos ricamente e o
Espírito Santo utilizar-se de vosso opúsculo para a propagação da
verdade e estabelecer o amor nos corações de cada leitor” (Carta de
09/09/1915).
Consta da ata do 17º Concílio da Igreja Episcopal Brasileira, o
relatório de seu bispo – acima citado – referente a suas atividades
durante o ano de 1915, o seguinte destaque (p. 45):
O OPÚSCULO DO REV. SALOMÃO FERRAZ
Chegou-me há pouco às mãos o opúsculo do Rev. Salomão Ferraz, muito digno ministro da
Igreja Presbiteriana, atualmente residente em Rio Claro, no Estado de São Paulo. O título é Princípios e
Métodos.
No meio dos preparativos para este concílio e para minha projetada viagem, só tive
oportunidade de ler às pressas o trabalho do Rev. Ferraz.
Não estou, portanto habilitado, depois dum exame tão perfunctório, a dar uma opinião
amadurecida sobre o opúsculo. Entretanto, a impressão que me causou a leitura do mesmo, é que os
“princípios” emitidos são básicos e fundamentais, reforçados pela citação de autores de peso, os
“métodos” sugeridos pelo distinto autor são procedentes do espírito do Nazareno. Terei prazer em enviar
do Rio de Janeiro um exemplar a cada pároco da igreja Episcopal Brasileira, recomendando que cada um
examine por si mesmo, provando tudo e abraçando o que é bom. Peço ao venerável arcediago de Porto
Alegre para fazer um estudo do opúsculo, publicando o resultado do seu exame num artigo do nosso
periódico, e nutro a esperança de que ele possa contrair do autor o espírito contagioso de amor cristão de
que, ao meu ver, parece achar-se permeado o opúsculo.
Por entre todas as vozes que ecoaram em minha alma durante os 26 anos que resido no Brasil,
ao que sei, não tem havido uma contribuição proveniente das fileiras evangélicas, mais sintética, nem um
raciocínio mais saturado de prudência caridosa, nem uma voz mais repassada de ternura e amor
evangélicos, do que a mensagem deste ministro, que não conheço pessoalmente; mas que convida os
exércitos evangélicos a encararem uma visão nova, mais elevada, mais nobre, de justiça, caridade, pureza
e paz.
Salomão Ferraz esperou, portanto, o grande momento para
lançar sua criação, Princípios e Métodos, no sentido de inspirar as
teses e decisões da Conferência do Panamá, em 1916. Já se pode
afirmar que produziu efeitos benéficos, por ter evitado atitudes
radicais entre as diversas irmandades religiosas, levando, assim, os
42. 42
principais responsáveis pelo presbiterianismo no Brasil a posições
mais comedidas.
Mas protestantes, segundo muitos, têm o dever de protestar,
contra tudo e contra todos, contra o falso e contra o verdadeiro, sem
contudo meditar sobre seus reais efeitos com relação ao Evangelho.
Sua missão é protestar e, nestas circunstâncias, os polemistas
evangélicos da época entravam em campo com o fim de anular o
movimento de unidade cristã que se iniciava, e dava mostras de
encontrar apoio no meio evangélico brasileiro. Diante das acirradas
polêmicas sustentadas pelos opositores, o movimento arrefeceu. Na
verdade, o conflito se tornou renhido entre as leis de Deus, defendidas
por Salomão Ferraz, e as leis dos homens, sustentadas por seus
adversários. Primeiro as leis de Deus, dizia aquele, depois as leis feitas
pelos homens, sustentadas pelos juristas evangélicos. Em caso de
conflito, as leis de Deus tinham primazia, na convicção do primeiro, e
dever-se-ia agir de acordo com elas, mesmo contra as leis “infalíveis”
feitas pelos homens. Esses mesmos homens, que criticavam a
infabilidade do Papa, idolatravam a infabilidade de suas próprias
reuniões e sínodos. “Importa antes ebedecer a Deus do que aos
homens”; se assim pensava, Salomão Ferraz agiu com intrepidez, com
inteira consciência e com liberdade.
Princípios e Métodos era uma obra de embate, idealizada,
escrita e publicada sob o fogo do adversário. Mas a dureza e o
menosprezo com que fora tratado seu autor, levou este a fazer uma
introspecção com relação a seu futuro como ministro presbiteriano;
não se sentiu seguro diante das atitudes extremadas dos crentes e
pastores, sobretudo de outras denominações evangélicas que se
serviram de ensejo para atacar o presbiterianismo no Brasil.
Todavia, para Salomão Ferraz, as decisões dos concílios – as
leis dos homens – tomadas ontem são modificadas hoje e podem ser
revogadas amanhã, e esta insegurança levou-o a refletir
profundamente sobre sua situação como pastor da Igreja Presbiteriana
e mesmo como ministro do Evangelho. Diante do gesto cristão e
simpático do Revm°. Bispo Kinsolving com relação a seu trabalho, fez
43. 43
o Rev. Salomão Ferraz voltar suas atenções para a Igreja Episcopal;
sua transferência para essa Igreja foi um passo apenas.Nela poderia
expor suas convicções e agir de acordo com elas, sem ser molestado.
Por conseguinte, poderia deixar Rio Claro e a Igreja Presbiteriana e
transferir-se para o Rio de Janeiro, para ingressar na Igreja Episcopal
Brasileira. A notícia desta transferência foi profundamente sentida,
não somente na Igreja Presbiteriana como também na Igreja
Presbiteriana Independente, como já relatamos.
A 8 de julho de 1916 nasceu a filha Esther, a sétima e última
dos filhos do casal Salomão-Emília Ferraz.
Ainda em Rio Claro, em data que não foi possível identificar,
Salomão Ferraz tomou uma decisão que muito entristeceu seu pai.
Este vinha insistindo, nas conversas com o filho, em atacar a
Maçonaria, até que Salomão resolveu filiar-se a essa agremiação, para
conhecê-la.
Salomão Ferraz deixou a Igreja presbiteriana sem mágoas, sem
cindir a Igreja, levando para a Igreja Episcopal, como não poderia
deixar de ser, apenas sua família.
NA IGREJA EPISCOPAL
No Rio de janeiro
Os primeiros contatos do Rev. Salomão Ferraz com a Igreja
Episcopal, de que se tem notícia, foi através do Revm°. Bispo dessa
Igreja, Dr. Lucien Lee Kinsolving, e deram-se, como vimos, com
relação ao opúsculo Princípios e Métodos, em 1915. Consta no
Relatório do Revm°. Bispo Kinsolving, nas atas do 18° Concílio da
Igreja Episcopal (p. 26), o seguinte: “no dia 10 de agosto [de 1916]
conferenciei com o Rev. Dr. Meem e Rev. Salomão Ferraz”. Isto
44. 44
aconteceu no Rio de Janeiro e parece ter sido, neste encontro, acertada
a admissão do Rev. Salomão Ferraz na Igreja Episcopal, pois, em
janeiro de 1917, este deslocou-se com sua família, em mudança para o
Rio de Janeiro.
No 19º Concílio, realizado em Santa Maria, na Igreja do
Mediador, a 1 de março de 1917, por proposta do Rev. Sergel, o Rev.
Salomão Ferraz tomou assento no Concílio. Diz a ata deste Concílio:
“O Revm° Presidente apresenta o Rev. Ferraz ao Concílio. O Rev.
Ferraz faz um excelente discurso que causou a melhor impressão ao
Concílio. O Revm° Sr. Bispo, após um breve discurso, convida o Rev.
Severo a dirigir palavras de boas-vindas ao Rev. Ferraz”.
Como resposta, Salomão Ferraz, ainda segundo o relatório
episcopal, “pronunciou um belo discurso no qual manifestou a sua
impressão ao assistir o primeiro Concílio de nossa amada igreja” (op.
cit. p. 22). No decorrer deste Concílio, Salomão Ferraz e João Mozart
de Mello proferiram “esplêndidos sermões” (op. cit. p. 23). Como se
vê, o biografado impressionou bem o clero episcopal em sua entrada
nesta Igreja.
Nessa mesma data – 1º de março de 1917 – Salomão Ferraz foi
confirmado membro da igreja Episcopal pelo Bispo Kinsolving, ato
este realizado na igreja de Santa Maria-RS, acolitado pelo Rev. Sergel
e pelo Rev. João Baptista Barcellos da cunha. A 8 de julho de 1917, o
Rev. Salomão Ferraz foi ordenado ao diaconato na Igreja do
Redentor-RJ pelo Revm° Bispo Kinsolving, acolitado pelo Rev. Dr. J.
G. Meem, Venerável Arcediago do Rio de Janeiro, Rev. Sergel e Rev..
Jose Severo da Silva. O início de seu pastorado na Igreja Episcopal foi
nas funções de coadjutor do Rev. Meem, na igreja do Redentor do Rio
de Janeiro.
A 27 de janeiro de 1918, Salomão Ferraz foi ordenado ao
presbiterato, por ocasião do 20º Concílio realizado na Igreja do
redentor do Rio de Janeiro, por imposição das mãos do Revm° Bispo
Kinsolving, acompanhado pelos Revs. Dr. J. G. Meem, Américo V.
Cabral, C. H. Sergel,João B. B. da Cunha e José Severo da Silva. O
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sermão da solenidade foi proferido pelo Rev. João baptista Barcellos
da Cunha.
Na Igreja Episcopal, Salomão Ferraz foi pároco das igrejas do
Méier e de São Paulo Apóstolo, em Santa Tereza (1918-1924).
Traduziu a vida de São Paulo de James Stalker (1918); foi membro
das comissões: de Eleições, da Publicação dos Cânones da Igreja
Episcopal (1918), da Imprensa (1919), das Escolas Dominicais, Junto
ao Congresso Evangélico, de Novas paróquias, dos Delegados Leigos
e de Revisão do Livro de Orações Comum (1922-1928). Foi pregador
conciliar no 22º Concílio (1920); fundou o jornal de propaganda
evangélica O Clarim (1921), o Manifesto do Clero Evangélico do Rio
de Janeiro (1922) e a Oração da pedra (1924), discurso pronunciado
no lançamento da pedra fundamental da Igreja de São Paulo Apóstolo.
Em São Paulo
Em janeiro de 1925, o Rev. Salomão Ferraz foi transferido
para São Paulo nas funções de pároco da Capela do Salvador. Nesse
ano publicou o Manual de Orações e em 17 de junho de 1928 fundou a
Ordem de Santo André, com as seguintes finalidades:
“1º) ...
2º) Seu principal objetivo é infundir nas almas o sentido da
divina realeza de Jesus Cristo e de respeito aos seus Santos, tomando
especialmente como orago e modelo o primeiro dos discípulos, que foi
o Apóstolo Santo André, para destarte incentivar a prática das virtudes
evangélicas na vida dos indivíduos e em suas relações sociais.
3º) ...
4º) A Ordem de Santo André, em São Paulo, destina-se a
expandir-se por todo o território Brasileiro, e, mesmo além de suas
fronteiras, incentivando a criação de irmandades filiadas a esta sede,
vinculadas por um comum estatuto, por um Diretor Geral e pelo
Grande Capítulo, que se reunirá cada ano e, de preferência, na semana
em que ocorre a festa de Santo André, a 30 de novembro, e com a
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representação de todas as irmandades que formam a família
Andrelina”.
No 31º Concílio da Igreja Episcopal, em 1929, Salomão Ferraz
pregou o Sermão de Ordenação dos Revs. Euclides Deslandes e John
Iasogi Ito.
Juntamente com D. Julia Dickie fez a revisão do hinário
Salmos e Hinos; compôs os hinos Oráculos Divinos e Vila de Belém,
que fazem parte do Hinário Evangélico. Colaborou em O Estado de
São Paulo e no Diário de São Paulo; fundou o jornal de propaganda
evangélica Aleluia. Foi membro da União dos Obrieros. Em 1929
publicou a Liturgia da Santa Comunhão e em 1934 a Liturgia da Santa
Missa.
Sua pregações eram elogiosamente comentadas nos relatórios
do Revm°. Bispo Kinsolving, o que vem demonstrar o prestígio que
Salomão Ferraz gozava no seio da Igreja Episcopal, e no conceito de
seus colegas, tanto dessa Igreja quanto das demais denominações
evangélicas.
O bispo Kinsolving afastou-se da diocese por motivos de
saúde; sucedeu-o o Revm°. Bispo William M. M. Thomas, eleito
Bispo Sufragâneo do Brasil por unanimidade, em 17 de outubro de
1925, na Igreja de São Paulo, em Nova Orleans, EE. UU., e iniciou
seu bispado em 17 de outubro de 1926. Tem-se propalado que o
Revm°. Bispo Thomas, de idéias conservadoras, entrou em choque
com Salomão Ferraz no tocante às idéias “avançadas” deste. Os
documentos consultados (os relatórios episcopais) não nos autorizam a
confirmar este fato; pelo contrário, nota-se, mesmo, que o Bispo
Thomas prestigiou em tudo seu presbítero. Enquanto Salomão Ferraz
não era escolhido por seus colegas para integrar comissões, o Bispo
Thomas o nomeava, sobretudo para aquelas da qual este era presidente
nato.
As relações entre o Bispo Thomas e Salomão Ferraz parece
terem começado a estremecer em 1935, não por questões pessoais,
mas em virtude de algo que ultrapassou as boas relações eclesiásticas
entre ambos.De fato, em 10 de março de 1934, o Bispo Thomas