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O Roteiro
Queirosiano
                        2010/2011
 António Carvalho e Castro – 11ºG -
                                nº2
Eram sete e meia da manha e já estava pronto para descer para
     tomar o pequeno-almoço. Era uma quarta-feira solarenga e de
     bom tempo mas não deixando de ser fria . Vesti umas bonitas
     calças de fazenda camel, conjugadas com uma camisa oxford
     muito claro e sobrepondo um blazer de mil raias azul escuro.
Desci e sentei-me à mesa da sala de jantar para tomar o pequeno
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     terminar de ler o Figaro do dia anterior.
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     tinham surgido na quinta, encontrava-me só eu e a minha
     irmã em casa ; ela dormia descansadamente depois de uma
     noite exaustiva de trabalho na faculdade. Estava um
     agradável silêncio matinal.
Eram nove horas quando avisei o motorista que iríamos sair de
     casa. Ao passar o portão e entrar na rua das Janelas Verdes o
     discreto Jaguar edição limitada dos anos sessenta não passou
     minimamente despercebido. Os miúdos que estavam na rua a
     caminho da escola faziam sinal aos pais que olhavam                  Le Figaro, Maio 1958.
     deslumbrados para o elegante carro.
Tinha marcado para as nove e meia com a Directora do Museu de
     História Natural, no museu para que ela me pudesse dar
     acesso às colecções do acervo de plantas, flores e raízes que
     seriam um tema de inspiração para a próxima colecção.
     Desde há muito que este mundo de cor, cheiros, texturas e
     vibrações me fascinavam. Há muito que sonhava em criar
     uma colecção totalmente baseada na              natureza. A
     natureza, essa magnifica e fascinante obra de arte, que é a
     inspiração para todas as artes, a base da beleza, um
     espectáculo fascinante e totalmente natural mas sem autor, o
     que torna a natureza ainda mais excitante e misteriosa. Tinha
     chegado a hora de me usar dela para fazer a minha obra.
                                                                     Rua das Janelas Verdes, em 1901
No caminho para o museu passei pelo Chiado, e mais uma vez
achei emocionante a forma como as ruas mais antigas e
bonitas de Lisboa, acordavam de um sono mole e calado. Ver
o movimento que começava a surgir, a preparação para a
rotina; o inicio de um novo dia.
Ao subir para o Príncipe Real, o trânsito já estava
caótico, carros e carros empilhados e histéricos, gritavam uns
com uns outros. Logo pela manhã conseguiam ser muito pouco
civilizados.
Ao chegar ao museu saí rapidamente do carro, pois mesmo
não estando atrasado, odiava fazer esperar pessoas e muito
menos a Directora que era conhecida pela sua extrema
pontualidade britânica. Cheguei à entrada do museu e mal
entrei, do fim do corredor ouvi o meu nome, um elegante
tailleur azul marinho de corte irrepreensível avançava pelo
corredor na minha direcção. Num passo despretensioso mas
seguro de si. A Directora antes de chegar ao hall já vinha com
os braços abertos e com um sorriso maternal e saudava-me         Fachada do Museu de História Natural
com uns Bons dias e com dois beijos.                                           de Lisboa
Convidou-me logo a subir e disse-me que era um gosto para o
museu e para ela receber-me. Foram três horas que
correram, sem que eu desse conta que passavam, o discurso
fundamentado e enriquecido pela sua experiência ao longo dos
anos absorviam-me. A forma como ela me mostrava aquelas
plantas, as fotografias, as ilustrações fascinavam-me, e não
parando de desenhar, ouvia-a. E melodicamente o lápis
dançava nas folhas de papel… Não parava, por cada coisa nova
que ouvia, e via era um nova ideia que surgia e que
rapidamente tentava esboçar no papel.
Despedi-me com um enorme obrigado e sai do museu quase
exausto, mas excitado com a manhã que me tinha sido
proporcionada. Precisava de fumar e de comer qualquer coisa.

                                                                                 Floresta seca
Liguei ao Jonh e convidei-o para vir almoçar comigo à Cister, e
      claro que aceitou logo, sem grandes ais nem uis, disse
      que sairia de casa num ápice, para vir ter comigo. Eu
      como o conhecia bem sabia que algum tempo iria ter que
      esperar.
O sr. Marcelo da Cister ao ver-me chegar à porta da
      pastelaria, mandou logo o rapaz que lá trabalhava à
      poucos dias para que limpasse e preparasse a mesa da
      janela, que o sr. Marcelo tão bem sabia que era a minha
      mesa de eleição daquela pastelaria. Rapidamente o
      senhor de bigode, já velho apressou-se em vir apertar-me
      a mão, sempre com o seu grande sorriso que deixava ver
      o dente de ouro que tinha. “Oh que alegrai vê-lo! Há
      muito que já não passava cá para falar à gente! Sempre
      muito janota! Mas faça o favor de se sentar , que a sua
      mesa já está pronta.”
Disse-lhe que o Jonh também vinha almoçar, era preciso pôr        Desenho da Rua da Escola Politécnica, Pastelaria
      mais um lugar na mesa; coisa que o sr. Marcelo achou                           Cister
      delicioso, pois também adorava aquele matulão, que
      comia desenfreadamente, sempre que lá passava.
Afinal o Jonh, não demorara assim tanto, vinha a reclamar
      como os táxis estavam caros, e que os vis senhores que
      os conduziam eram um horror de mau gosto, aldrabice e
      má educação. Depois de um forte abraço de amigos, o
      Jonh sentou-se e fez um enorme pedido ao sr. Marcelo.
      Segundo ele, estava esganado de fome.
O almoço correra bem, como sempre, o Jonh para variar
      mandara abrir uma segunda garrafa de vinho e ainda a
      comida a ainda não estava pronta. Contei-lhe sobre a
      inspiração que tinha tido e da experiencia no museu.
      Jonh não resistira a pedir-me para ver os desenhos, mas
      recusei-me… ainda estava muito no inicio.

                                                                                    Pastelaria Cister
Comido o tão famoso e delicioso doce de ovos da casa e
bebido um café bem forte, convidei o Jonh a acompanhar-me
até ao Chiado, para que pudéssemos fazer a digestão, e para
que ele pudesse aliviar um pouco as suas já bem rosadas
bochechas.
Até ao Príncipe Real conseguimos ir por uma sombra
agradável, mas ao chegarmos ao jardim, não havia prédio nem
árvore que fizesse sombra, um sol forte de Inverno, enchia o
jardim de luz. Passeavam por ali alguns reformados, sempre
com as suas graças ou queixas, ao fundo no quiosque estavam
três que jogavam às cartas, e que iam comentando uma ou
outra rapariga nova que por ali passava. Às vezes passava uma
ou outra pessoa a que eu ou o Jonh esboçávamos um sorriso
ou acenávamos. Continuamos a descer para São Pedro de
Alcântara, onde resolvemos parar por uns instantes. Era
sempre tão emocionante ver a cidade toda daquela                Vista aérea do Jardim do Príncipe Real
perspectiva. Uma cidade vivida e cansada, que parecia parada
no tempo à espera que alguma coisa acontecesse. Sentamo-
nos os dois num banco, que estava por baixo de uma sombra
de uma árvore já antiga mas frondosa e robusta. Era curioso
pensar que estas árvores já viram tantas pessoas, tantos
momentos, tanta história, não estariam elas cansadas de estar
a velar por nós, ou riam-se elas para dentro, do ciclo em que
vivemos?
Jonh que já recuperara do almoço, deu um salto do
banco, lembrou-se que tinha que passar no Trindade para
levantar os bilhetes para a peça “A Mãe”; uma excepcional
critica intemporal, que nos faz uma viagem no tempo e nos
mostra uma sociedade precária, a manipulação politica, a
repressão e a censura. Mostra-nos a força do primeiro de
Maio, e a luta incasável de uma mulher, pelos direitos do
trabalhador e pelos direitos do ser humano.
Enquanto o Jonh levantava os bilhetes, disse-lhe que ia descer
até à Havanesa para comprar cigarros e charutos. Eram três da
tarde e estava um movimento infernal no Chiado, os
“modernos” faziam a sua rotina, Chiado abaixo Chiado
acima, como se numa passerelle desenquadrada estivessem.
Havia agora um ajuntamento de pessoas entre a Brasileira e o a
entrada para o metro, as pessoas estavam esbugalhadas a
olhar para um grupo de homens saltimbancos, que tocavam
saxofone e jambés, enquanto faziam umas danças multi-
culturais, o chamado mix de estilos, umas modernices, como
diz o meu avô.
Já com as compras feitas na Havanesa, esperava cá fora, a
fumar um cigarro e a ver aqueles homens que dançavam
incansavelmente em troca de uns cêntimos. Estava
fascinado, já tinha inspiração para a próxima colecção, o
movimento saltimbanco!
De rompante apareceu o Jonh, com um ar de troça e um
sorriso maldoso nos lábios, vinha a estender-me uma revista
virada para baixo. “Hilariante, brilhante!! Melhor! Isso está
estupendo!” disse-me ele. Ao virar para ver o que se passava
com aquela revista, não conseguiu conter o riso. Na capa
da, supostamente mais decente, revista da hight life, vinha um
senhor anafado, em que se conseguia distinguir o pescoço da
cabeça, com um ar muito mole, e pacóvio, ao lado de uma
senhora que “de trás é liceu e de frente museu”, que parecia
trazer um abajur na cabeça; ambos afirmavam que “Estar sujo
é o contrário de estar lavado e perfumado”, e em entre linhas
aparecia, os reis do jet-set, que são, segundo eles, “Chiques a
valer!!”
Descemos até chegarmos ao Rossio, onde me despedi do Jonh
que me lembrou do jantar com os meninos no Tavares e a
Traviata no S.Carlos. Era mesmo o que eu estava a
precisar, jantar com os meninos e ouvir uma boa soprano.
O atelier estava uma confusão, roupas em charriaus, tecidos
por todo o lado, desenhos e esboços em cima do piano…
muitos livros espalhados. Dava uma certa graça ao atelier, um
ar de “work in progress”. Fui abrir a janela que dava para a
praça do Rossio, onde conseguia ver o elegante e romântico
teatro D. Maria .
Após umas longas horas de trabalho; esboços, escolhas de
tecidos,     receber      umas       clientes,    falar    com
assistentes, costureiras, fornecedores e ligar para Paris a
confirmar os convites para os desfiles e a pedir que me
enviassem as Vogues deste mês, sentia-me exausto. Queria ir
para casa, tomar um longo banho, descansar um pouco, para
me puder aguentar para a jantarada com os rapazes e para o
S.Carlos.
Chegar a casa foi uma tarefa bastante complicada, o suposto
tempo para descansar passou-se dentro do carro na espera.
Mal cheguei, tinha já o banho pronto, foi uma sensação de
alívio e de relaxe, entrar na banheira do inicio do século        Praça do Rossio
XX, cheia de água quente e aromatizada com sais do Mar
Negro. Ao som de fado, banhado naquela água quente e
sentindo o cheiro exótico do sal da água, recordava todo o meu
dia, cada passo, cada momento . Quando olhei para o relógio
Luís XV que estava no meu quarto e que através da porta da
casa de banho, que estava aberta, se podia ver bem marcadas
as dezanove e um quarto. Saltei da banheira, enxuguei-me em
segundos e corri para o quarto para me vestir. Um fato
preto, com uma camisa branca e uma gravata slim, de seda
preta, um clássico intemporal que seria a forma mais chique de
me apresentar sem precisar de pensar. Abri a gaveta dos
botões de punho e dos relógios e tirei à pressa os mais
indicados para no carro os colocar. Dois toques de parfum, pois
um homem nunca deve tresandar a colónias, isso é só para os
que são “chiques a valer”. Vestir o sobretudo e colocar um        Dior Homme
cache-nez em pelica e correr para o Tavares.
À porta do Tavares estavam dois dos rapazes, sempre a fumar
muito. Jonh já dentro do restaurante parecia fazer de mestre
de sala, sentava os amigos, falava aos conhecido que estavam
presentes no restaurante, sem grande preocupação se estavam
a jantar ou não. Sempre com o seu charme de camaleão.
Eram oito horas quando nos sentamos todos à mesa, um jantar
sempre agradável, praticamente todos pediram um bife a
marrare, depois das entradas de queijos brie e chévre
gratinados no forno em mel. E tudo acompanhado por
Bordeaux Rothschild de reserva.
Como sempre, à mesa ouve tempo para se falar de tudo, do
estado da economia, à educação, da sociedade, e da                Interior do Restaurante Tavares Rico
actualidade mundial. O nosso pintor, criticou algumas das
recentes exposições de pintura e arte plástica, e mostrou a sua
preocupação pela falta de apoio à cultura.
No final foi tudo corrido a café e a um brandy, e rapidamente o
chefe de sala avisava-nos que já eram nove e vinte.
O S. Carlos estava transbordar, às portas havia uma leve nuvem
de fumo e sentia-se um cheiro intenso de misturas de
perfume. As pessoas falavam alto, riam alto, pareciam que
faziam de propósito para que fossem ouvidas. Infelizmente não
faziam de propósito para se apresentarem                    mal
“enjorcadas”para onde quer que fossem. Evitámos todos os
falatórios à entrada, quisemos passar rapidamente pelas portas             Exterior S. Carlos
para ocuparmos os nossos lugares.
Já tinham dado dois toques, e havia pessoas que faziam
questão de fazer esperar pelo terceiro para que se pudesse dar
inicio ao espectáculo.
Excepto dois dos rapazes estavam na plateia, de resto
estávamos todos na frisa; as luzes apagaram-se e ao som do
aviso muitas pequenas luzes foram acendidas para instantes
depois serem silenciadas. Começava então as vibrações que
faziam estremecer o candelabro, e que soltavam as emoções




                                                                                 Interior S. Carlos
a muitos dos presentes. A suavidade da melodia, a imponência
e a força da projecção da voz da soprano alastravam-se pela
sala.
Sentia-me controlado por aquela mítica figura, embebido
naquelas voz caprichosa e poderosa e embalado pela
suavidade da música. Desejava aquela mulher, imaginava e
criava na minha cabeça todo o tipo de vestidos para aquela
diva. Queria-a como musa, queria-a a soltar aquela voz
graciosa para a minha plateia. Queria modelar e criar para
aquele corpo de deusa e para aquela luz. Fora deslumbrante!       Maria Callas em Lisboa
A emoção explodiu nos meus olhos no último acto.
Estava rendido aquela musa, precisava de ar, precisava de
respirar, depois de ficar sem fôlego. Despedi-me de todos, sai
do S. Carlos, dispensei o motorista. Precisava de ir a pé, de
andar, de espairecer. Fumando cigarro atrás de cigarro
caminhava pelas ruas vazias, sentia a humidade forte da chuva
e ao mesmo tempo um frio agradável na cara. Recordava toda
aquela beleza, aquela voz, parecia ainda conseguir ouvir todo o
último acto. Sentia cada vez mais uma emoção por a natureza
ter criado algo assim.
Entrei em casa muito calmamente, e deitei-me muito
calmamente também, estava sereno, o êxtase tinha passado.
Deitei-me e acho que adormeci logo a seguir, mas lembro-me
que o meu último pensamento do dia foi a frase de Eça de
Queiroz “A arte é um resumo da natureza feito pela
imaginação.”




                                                                                           Descida para Santos

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O Roteiro Queirosiano

  • 1. O Roteiro Queirosiano 2010/2011 António Carvalho e Castro – 11ºG - nº2
  • 2. Eram sete e meia da manha e já estava pronto para descer para tomar o pequeno-almoço. Era uma quarta-feira solarenga e de bom tempo mas não deixando de ser fria . Vesti umas bonitas calças de fazenda camel, conjugadas com uma camisa oxford muito claro e sobrepondo um blazer de mil raias azul escuro. Desci e sentei-me à mesa da sala de jantar para tomar o pequeno almoço e aproveitava enquanto esperava pelas torradas para terminar de ler o Figaro do dia anterior. Os meus pais tinham ido para o Norte tratar de uns problemas que tinham surgido na quinta, encontrava-me só eu e a minha irmã em casa ; ela dormia descansadamente depois de uma noite exaustiva de trabalho na faculdade. Estava um agradável silêncio matinal. Eram nove horas quando avisei o motorista que iríamos sair de casa. Ao passar o portão e entrar na rua das Janelas Verdes o discreto Jaguar edição limitada dos anos sessenta não passou minimamente despercebido. Os miúdos que estavam na rua a caminho da escola faziam sinal aos pais que olhavam Le Figaro, Maio 1958. deslumbrados para o elegante carro. Tinha marcado para as nove e meia com a Directora do Museu de História Natural, no museu para que ela me pudesse dar acesso às colecções do acervo de plantas, flores e raízes que seriam um tema de inspiração para a próxima colecção. Desde há muito que este mundo de cor, cheiros, texturas e vibrações me fascinavam. Há muito que sonhava em criar uma colecção totalmente baseada na natureza. A natureza, essa magnifica e fascinante obra de arte, que é a inspiração para todas as artes, a base da beleza, um espectáculo fascinante e totalmente natural mas sem autor, o que torna a natureza ainda mais excitante e misteriosa. Tinha chegado a hora de me usar dela para fazer a minha obra. Rua das Janelas Verdes, em 1901
  • 3. No caminho para o museu passei pelo Chiado, e mais uma vez achei emocionante a forma como as ruas mais antigas e bonitas de Lisboa, acordavam de um sono mole e calado. Ver o movimento que começava a surgir, a preparação para a rotina; o inicio de um novo dia. Ao subir para o Príncipe Real, o trânsito já estava caótico, carros e carros empilhados e histéricos, gritavam uns com uns outros. Logo pela manhã conseguiam ser muito pouco civilizados. Ao chegar ao museu saí rapidamente do carro, pois mesmo não estando atrasado, odiava fazer esperar pessoas e muito menos a Directora que era conhecida pela sua extrema pontualidade britânica. Cheguei à entrada do museu e mal entrei, do fim do corredor ouvi o meu nome, um elegante tailleur azul marinho de corte irrepreensível avançava pelo corredor na minha direcção. Num passo despretensioso mas seguro de si. A Directora antes de chegar ao hall já vinha com os braços abertos e com um sorriso maternal e saudava-me Fachada do Museu de História Natural com uns Bons dias e com dois beijos. de Lisboa Convidou-me logo a subir e disse-me que era um gosto para o museu e para ela receber-me. Foram três horas que correram, sem que eu desse conta que passavam, o discurso fundamentado e enriquecido pela sua experiência ao longo dos anos absorviam-me. A forma como ela me mostrava aquelas plantas, as fotografias, as ilustrações fascinavam-me, e não parando de desenhar, ouvia-a. E melodicamente o lápis dançava nas folhas de papel… Não parava, por cada coisa nova que ouvia, e via era um nova ideia que surgia e que rapidamente tentava esboçar no papel. Despedi-me com um enorme obrigado e sai do museu quase exausto, mas excitado com a manhã que me tinha sido proporcionada. Precisava de fumar e de comer qualquer coisa. Floresta seca
  • 4. Liguei ao Jonh e convidei-o para vir almoçar comigo à Cister, e claro que aceitou logo, sem grandes ais nem uis, disse que sairia de casa num ápice, para vir ter comigo. Eu como o conhecia bem sabia que algum tempo iria ter que esperar. O sr. Marcelo da Cister ao ver-me chegar à porta da pastelaria, mandou logo o rapaz que lá trabalhava à poucos dias para que limpasse e preparasse a mesa da janela, que o sr. Marcelo tão bem sabia que era a minha mesa de eleição daquela pastelaria. Rapidamente o senhor de bigode, já velho apressou-se em vir apertar-me a mão, sempre com o seu grande sorriso que deixava ver o dente de ouro que tinha. “Oh que alegrai vê-lo! Há muito que já não passava cá para falar à gente! Sempre muito janota! Mas faça o favor de se sentar , que a sua mesa já está pronta.” Disse-lhe que o Jonh também vinha almoçar, era preciso pôr Desenho da Rua da Escola Politécnica, Pastelaria mais um lugar na mesa; coisa que o sr. Marcelo achou Cister delicioso, pois também adorava aquele matulão, que comia desenfreadamente, sempre que lá passava. Afinal o Jonh, não demorara assim tanto, vinha a reclamar como os táxis estavam caros, e que os vis senhores que os conduziam eram um horror de mau gosto, aldrabice e má educação. Depois de um forte abraço de amigos, o Jonh sentou-se e fez um enorme pedido ao sr. Marcelo. Segundo ele, estava esganado de fome. O almoço correra bem, como sempre, o Jonh para variar mandara abrir uma segunda garrafa de vinho e ainda a comida a ainda não estava pronta. Contei-lhe sobre a inspiração que tinha tido e da experiencia no museu. Jonh não resistira a pedir-me para ver os desenhos, mas recusei-me… ainda estava muito no inicio. Pastelaria Cister
  • 5. Comido o tão famoso e delicioso doce de ovos da casa e bebido um café bem forte, convidei o Jonh a acompanhar-me até ao Chiado, para que pudéssemos fazer a digestão, e para que ele pudesse aliviar um pouco as suas já bem rosadas bochechas. Até ao Príncipe Real conseguimos ir por uma sombra agradável, mas ao chegarmos ao jardim, não havia prédio nem árvore que fizesse sombra, um sol forte de Inverno, enchia o jardim de luz. Passeavam por ali alguns reformados, sempre com as suas graças ou queixas, ao fundo no quiosque estavam três que jogavam às cartas, e que iam comentando uma ou outra rapariga nova que por ali passava. Às vezes passava uma ou outra pessoa a que eu ou o Jonh esboçávamos um sorriso ou acenávamos. Continuamos a descer para São Pedro de Alcântara, onde resolvemos parar por uns instantes. Era sempre tão emocionante ver a cidade toda daquela Vista aérea do Jardim do Príncipe Real perspectiva. Uma cidade vivida e cansada, que parecia parada no tempo à espera que alguma coisa acontecesse. Sentamo- nos os dois num banco, que estava por baixo de uma sombra de uma árvore já antiga mas frondosa e robusta. Era curioso pensar que estas árvores já viram tantas pessoas, tantos momentos, tanta história, não estariam elas cansadas de estar a velar por nós, ou riam-se elas para dentro, do ciclo em que vivemos? Jonh que já recuperara do almoço, deu um salto do banco, lembrou-se que tinha que passar no Trindade para levantar os bilhetes para a peça “A Mãe”; uma excepcional critica intemporal, que nos faz uma viagem no tempo e nos mostra uma sociedade precária, a manipulação politica, a repressão e a censura. Mostra-nos a força do primeiro de Maio, e a luta incasável de uma mulher, pelos direitos do trabalhador e pelos direitos do ser humano.
  • 6. Enquanto o Jonh levantava os bilhetes, disse-lhe que ia descer até à Havanesa para comprar cigarros e charutos. Eram três da tarde e estava um movimento infernal no Chiado, os “modernos” faziam a sua rotina, Chiado abaixo Chiado acima, como se numa passerelle desenquadrada estivessem. Havia agora um ajuntamento de pessoas entre a Brasileira e o a entrada para o metro, as pessoas estavam esbugalhadas a olhar para um grupo de homens saltimbancos, que tocavam saxofone e jambés, enquanto faziam umas danças multi- culturais, o chamado mix de estilos, umas modernices, como diz o meu avô. Já com as compras feitas na Havanesa, esperava cá fora, a fumar um cigarro e a ver aqueles homens que dançavam incansavelmente em troca de uns cêntimos. Estava fascinado, já tinha inspiração para a próxima colecção, o movimento saltimbanco! De rompante apareceu o Jonh, com um ar de troça e um sorriso maldoso nos lábios, vinha a estender-me uma revista virada para baixo. “Hilariante, brilhante!! Melhor! Isso está estupendo!” disse-me ele. Ao virar para ver o que se passava com aquela revista, não conseguiu conter o riso. Na capa da, supostamente mais decente, revista da hight life, vinha um senhor anafado, em que se conseguia distinguir o pescoço da cabeça, com um ar muito mole, e pacóvio, ao lado de uma senhora que “de trás é liceu e de frente museu”, que parecia trazer um abajur na cabeça; ambos afirmavam que “Estar sujo é o contrário de estar lavado e perfumado”, e em entre linhas aparecia, os reis do jet-set, que são, segundo eles, “Chiques a valer!!” Descemos até chegarmos ao Rossio, onde me despedi do Jonh que me lembrou do jantar com os meninos no Tavares e a Traviata no S.Carlos. Era mesmo o que eu estava a precisar, jantar com os meninos e ouvir uma boa soprano.
  • 7. O atelier estava uma confusão, roupas em charriaus, tecidos por todo o lado, desenhos e esboços em cima do piano… muitos livros espalhados. Dava uma certa graça ao atelier, um ar de “work in progress”. Fui abrir a janela que dava para a praça do Rossio, onde conseguia ver o elegante e romântico teatro D. Maria . Após umas longas horas de trabalho; esboços, escolhas de tecidos, receber umas clientes, falar com assistentes, costureiras, fornecedores e ligar para Paris a confirmar os convites para os desfiles e a pedir que me enviassem as Vogues deste mês, sentia-me exausto. Queria ir para casa, tomar um longo banho, descansar um pouco, para me puder aguentar para a jantarada com os rapazes e para o S.Carlos. Chegar a casa foi uma tarefa bastante complicada, o suposto tempo para descansar passou-se dentro do carro na espera. Mal cheguei, tinha já o banho pronto, foi uma sensação de alívio e de relaxe, entrar na banheira do inicio do século Praça do Rossio XX, cheia de água quente e aromatizada com sais do Mar Negro. Ao som de fado, banhado naquela água quente e sentindo o cheiro exótico do sal da água, recordava todo o meu dia, cada passo, cada momento . Quando olhei para o relógio Luís XV que estava no meu quarto e que através da porta da casa de banho, que estava aberta, se podia ver bem marcadas as dezanove e um quarto. Saltei da banheira, enxuguei-me em segundos e corri para o quarto para me vestir. Um fato preto, com uma camisa branca e uma gravata slim, de seda preta, um clássico intemporal que seria a forma mais chique de me apresentar sem precisar de pensar. Abri a gaveta dos botões de punho e dos relógios e tirei à pressa os mais indicados para no carro os colocar. Dois toques de parfum, pois um homem nunca deve tresandar a colónias, isso é só para os que são “chiques a valer”. Vestir o sobretudo e colocar um Dior Homme cache-nez em pelica e correr para o Tavares.
  • 8. À porta do Tavares estavam dois dos rapazes, sempre a fumar muito. Jonh já dentro do restaurante parecia fazer de mestre de sala, sentava os amigos, falava aos conhecido que estavam presentes no restaurante, sem grande preocupação se estavam a jantar ou não. Sempre com o seu charme de camaleão. Eram oito horas quando nos sentamos todos à mesa, um jantar sempre agradável, praticamente todos pediram um bife a marrare, depois das entradas de queijos brie e chévre gratinados no forno em mel. E tudo acompanhado por Bordeaux Rothschild de reserva. Como sempre, à mesa ouve tempo para se falar de tudo, do estado da economia, à educação, da sociedade, e da Interior do Restaurante Tavares Rico actualidade mundial. O nosso pintor, criticou algumas das recentes exposições de pintura e arte plástica, e mostrou a sua preocupação pela falta de apoio à cultura. No final foi tudo corrido a café e a um brandy, e rapidamente o chefe de sala avisava-nos que já eram nove e vinte. O S. Carlos estava transbordar, às portas havia uma leve nuvem de fumo e sentia-se um cheiro intenso de misturas de perfume. As pessoas falavam alto, riam alto, pareciam que faziam de propósito para que fossem ouvidas. Infelizmente não faziam de propósito para se apresentarem mal “enjorcadas”para onde quer que fossem. Evitámos todos os falatórios à entrada, quisemos passar rapidamente pelas portas Exterior S. Carlos para ocuparmos os nossos lugares. Já tinham dado dois toques, e havia pessoas que faziam questão de fazer esperar pelo terceiro para que se pudesse dar inicio ao espectáculo. Excepto dois dos rapazes estavam na plateia, de resto estávamos todos na frisa; as luzes apagaram-se e ao som do aviso muitas pequenas luzes foram acendidas para instantes depois serem silenciadas. Começava então as vibrações que faziam estremecer o candelabro, e que soltavam as emoções Interior S. Carlos
  • 9. a muitos dos presentes. A suavidade da melodia, a imponência e a força da projecção da voz da soprano alastravam-se pela sala. Sentia-me controlado por aquela mítica figura, embebido naquelas voz caprichosa e poderosa e embalado pela suavidade da música. Desejava aquela mulher, imaginava e criava na minha cabeça todo o tipo de vestidos para aquela diva. Queria-a como musa, queria-a a soltar aquela voz graciosa para a minha plateia. Queria modelar e criar para aquele corpo de deusa e para aquela luz. Fora deslumbrante! Maria Callas em Lisboa A emoção explodiu nos meus olhos no último acto. Estava rendido aquela musa, precisava de ar, precisava de respirar, depois de ficar sem fôlego. Despedi-me de todos, sai do S. Carlos, dispensei o motorista. Precisava de ir a pé, de andar, de espairecer. Fumando cigarro atrás de cigarro caminhava pelas ruas vazias, sentia a humidade forte da chuva e ao mesmo tempo um frio agradável na cara. Recordava toda aquela beleza, aquela voz, parecia ainda conseguir ouvir todo o último acto. Sentia cada vez mais uma emoção por a natureza ter criado algo assim. Entrei em casa muito calmamente, e deitei-me muito calmamente também, estava sereno, o êxtase tinha passado. Deitei-me e acho que adormeci logo a seguir, mas lembro-me que o meu último pensamento do dia foi a frase de Eça de Queiroz “A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação.” Descida para Santos