1. UmasurpresaetantodePaulMcCartneyemLondres
Ocantorfezaalegriadefãs,turistasecuriososaorealizarumshowde20minutos,ontem,em
CoventGarden.Dedicando-seàdivulgaçãodeseunovodiscoNew,eleanunciouaapresentaçãono
Twittere,30minutosdepois,surgiuemumadaspraçasmaisvisitadasdacapitalbritânica Galeria
CARLOTACAFIERO
DAREDAÇÃO
Tudo em Vinicius de Moraes
era superlativo, mas ele prefe-
ria o diminutivo. Apesar de ter
sidoum homem múltiplo, era
indivisível, mas ele se espa-
lhou de tantas maneiras, em
tantas parcerias amorosas e
musicais,quecompor umper-
fil ou uma biografia dele é
como montar um vitral de
cacos multicoloridos.
O biógrafo Sérgio Cabral sa-
bedotamanhodaresponsabili-
dade. Por isso, ainda não cogi-
touemescreverumaobratotal-
mente dedicada ao poetinha.
“Este personagem me daria
muito trabalho”, disse Cabral,
em entrevista para A Tribuna,
publicada em 21 de abril deste
ano.“Porqueémuitorico.Tem
muita coisa que ele realizou e
muita gente com quem se rela-
cionou, além de tudo o que ele
fez,falou,pensou,compôs”.
Mas houve quem desbravas-
se a vida épica de Vinicius para
eternizá-laemlivro:ojornalis-
ta e crítico literário José Cas-
telloescreveuopremiadoVini-
cius de Moraes – O Poeta da
Paixão (Companhia das Le-
tras), que está na sétima edi-
ção. A obra consumiu dois
anos de trabalho do biógrafo,
querealizoucentenasdeentre-
vistas,eganhouoPrêmioJabu-
tideMelhorEnsaioeBiografia
em1995.
Então, caro leitor, não espe-
requeestareportagemdetalhe
a alma e os feitos do grande
artista que foi Vinicius. Trata-
se, apenas, de uma homena-
gemaocentenáriodeseunasci-
mento – comemorado hoje –,
por meio de depoimentos de
familiares, amigos e parceiros
musicais.
Afinal, nem mesmo o poeta
conseguia se definir: “Sou um
labirinto em busca da porta de
saída”, disse ele, em entrevista
aOttoLaraResende,em1977.
ENCANTAMENTO
Diplomata, cronista, roteiris-
ta,compositoreumdosprecur-
sores da bossa nova, Vinicius
traduziuoBrasilaosestrangei-
ros e também aos brasileiros,
pois amou de forma lúcida e
incondicionaloseuPaís.
“Aminha pátria não é florão,
nemostenta/Lábaronão;ami-
nha pátria é desolação/De ca-
minhos, a minha pátria é terra
sedenta/E praia branca; a mi-
nha pátria é o grande rio secu-
lar/Quebebenuvem,cometer-
ra/E urina mar”, diz no poema
Pátria Minha, de 1949, escrito
quando ocupava o posto de vi-
ce-cônsulemLosAngeles.
Bem mais tarde, em 1968, o
poema seria recitado por Vini-
cius em uma situação bastante
inusitada: logo após ele rece-
ber uma grande vaia da juven-
tude salazarista – que apoiava
o ditador português António
Oliveira Salazar – na porta de
um teatro em Portugal, no dia
em que foi decretado, no Bra-
sil, o Ato Institucional no
5
(AI-5), que dava plenos pode-
res ao governo militar sobre as
liberdades individuais. Ao fi-
nal da declamação, os jovens,
em silêncio, fizeram um tapete
com seus paletós, sobre o qual
opoetasaiucaminhando.
Corpofechado?Talvezcapa-
cidade de encantar a quem en-
contrasse. Herlinha de Souza,
de75anos,lembradagenerosi-
dade e da elegância de Vini-
cius, que a chamava de “Herli-
nhazinha”. Gaúcha, ela mora-
va no Rio de Janeiro quando
estourou a bossa nova. Hoje,
estáradicadaemSantos.
Herlinha foi casada com o
violonista e baixista Luiz Ro-
berto, um dos integrantes do
grupo Os Cariocas, que tocou
com Vinicius, Tom Jobim e
João Gilberto no histórico
show O Encontro, realizado na
boate Au Bon Gourmet, em
1962, em Copacabana. “Foi a
primeira vez que Vinicius pi-
sounumpalco,oqueeraproi-
bido a um diplomata, pois o
Itamaraty não deixava”, lem-
braela.
MOMENTOSMEMORÁVEIS
Vinicius também foi marido
(nove vezes) e pai (cinco ve-
zes). Seu único varão, o fotó-
grafoPedrodeMoraes– filho
docasamento(1939-1951) do
poeta com a jornalista e críti-
cadecinemaBeatrizAzevedo
de Mello Moraes, a Tati –,
fotografou o pai em diversos
momentos,inclusiveenquan-
to compunha e cantava com
seusparceirosmusicais.
Em novembro de 2012, no
RiodeJaneiro,Pedroinaugu-
rou as comemorações dos
cem anos de Vinicius com a
exposição de fotos Os Amigos
do Meu Pai, que trouxe ima-
gens raras de músicos da
grandeza de Tom Jobim,
Baden Powell, Elizeth Car-
doso, Pixinguinha, Edu Lo-
bo, Chico Buarque e Maria
Bethânia.
“Apesar de saber que foto-
grafiaémemória,nãofotogra-
fei pensando em fazer um re-
gistro histórico. Era minha
forma de lidar e me relacio-
nar com aquele universo tão
inspirador. Alguns dos ami-
gosdemeupaisetransforma-
ram em meus amigos tam-
bém, como Baden Powell e
Tom Jobim, e as fotografias
são fruto de momentos me-
moráveis que vivemos jun-
tos”, disse o filho de Vinicius,
paraATribuna.
Pedro começou a fotogra-
far aos 14 anos, influencia-
do pelo rico ambiente cultu-
ral que havia em sua casa.
“Meus pais sempre foram
muito ligados à cultura,
mas sem afetações”.
Ao acompanhar de perto o
processo de criação das can-
ções, Pedro não acredita que
as pessoas que trabalharam
comoseupai“tenhamprodu-
zido tantas músicas maravi-
lhosas pensando em fazer su-
cesso, agradar ou vender dis-
cos”. Para o fotógrafo, “elas
estavamvivendoummomen-
to de inspiração num grande
everdadeirodiálogoentreele-
mentos dispersos da cultura
brasileira. Vinicius compu-
nha de uma forma natural,
ele vivia cada momento de
nascimento de sua música,
sempensarnoamanhã”.
❚❚❚ Toquinho e Maria Creuza
tiveramomesmopadrinhomu-
sical: Vinicius de Moraes, e vi-
veram os últimos dez anos da
vida do poeta ao lado dele, en-
tre1970e1980.
Nosprimeirosanosdaparce-
ria, rodaram a América Latina
e a Europa e lançaram o disco
ao vivo Vinicius En La Fusa
com Maria Creuza y Toqui-
nho, em 1970,gravadonotem-
plo da bossa nova em Buenos
Aires,aLaFusa.
MariaCreuzalembradeVini-
ciuscomo“a pessoamaisgene-
rosa e carismática” que conhe-
ceu. “Aliás, não passou. Eu, até
hoje, canto Vinicius. Graças a
esselegadoqueeledeixoupara
mim,queéodeserasuacanto-
ra, as pessoas sempre unem a
imagem dele com a minha. Is-
sotudoémemóriaeterna”,res-
saltouparaATribuna.
Em 1970, o poetinha convi-
dou Maria Creuza para excur-
sionarcomeleeDorivalCaym-
miem Punta Del Este, no Uru-
guai,depoisdevê-lacantarMi-
rante(Aldir Blanc eCésar Cos-
taFilho),noIVFestivalUniver-
sitário da Canção Popular, na
extinta TV Tupi. “Ele pegou o
meu telefone com o Chico Fei-
tosa (compositor de Fim de
Noite), me telefonou e disse
‘Maria, eu sou Vinicius de Mo-
raes’, e eu pensei em dizer que
eueraarainhadaInglaterra”.
Depois do Uruguai, Maria
CreuzalembraqueDoriCaym-
mi teve de retornar para o Bra-
sil, e, por sugestão do amigo
Paulinho Nogueira, Vinicius
convidou Toquinho para tocar
comelesnaArgentina.
Paraela,Viniciusnãodeixou
apenas recordações agradá-
veis, mas cômicas também:
“Quando se separou da sexta
mulher (Cristina Gurjão), ele
foiparar na minha casa.Antes,
me ligou perguntando se eu
tinha banheira, e por acaso, eu
morava em um apartamento
antigo,emCopacabana,queti-
nha sim. E ele foi se refugiar lá,
porquenãoqueriaqueosrepór-
teresficassemperturbando.Vi-
niciusadoravabanheira.Passá-
vamos às tardes conversando e
definindo repertório com ele
dentro da banheira, com uma
escrivaninhaimprovisada com
umpedaçodemadeira, sobre a
qual elecolocava a máquina de
escrever, e eu sentada no tam-
podaprivada”,diverte-se.
NÃOSABIASERVELHO
Para Toquinho, único a teste-
munhar os minutos finais da
vida de Vinicius, na banheira
de sua casa na Gávea, bastaria
ter convivido com o poeta pa-
ra constatar que ele não sabia
ficar velho. “Suas ideias, suas
atitudes, a maneira como tra-
tava as pessoas, sua ânsia pelo
novo e pelo perfeito. Tudo is-
so, emoldurado pela sabedo-
ria de quem percebia e respei-
tavaapequenezhumanadian-
te dos mistérios da vida o tor-
nava um homem renovado
porumanovadescoberta”,dis-
separaATribuna.
Toquinho tem em Vinicius
um marco. “Trabalhando com
ele, passei a ter como parceiro,
não um letrista comum, mas
Vinicius de Moraes! Um ícone
da bossa nova, o grande poeta,
que já tinha sido parceiro de
grandes músicos como Tom
Jobim,CarlosLyra,BadenPa-
well.Euentravatambémnes-
sa galeria privilegiada da mú-
sicapopularbrasileira”.
Emlinhasresumidas,entre
1970e1977,ViniciuseToqui-
nho lançaram mais de uma
dezena de discos, sendo três
naItáliaeumnaFrança.Jun-
tos, assinaram parcerias hoje
clássicascomoRegraTrês,Co-
mo Dizia o Poeta, Tarde em
Itapoã,Testemunha,edecan-
ções infantis para os dois LPs
A Arca de Noé. Também se
apresentaram com Tom Jo-
bim e Miúcha, no Canecão,
em1977.
galeria@atribuna.com.br
“Viniciustinhaumouvido
internoaguçado.Muitas
vezes,euimprovisandono
violão,elemealertava:
‘Toco,temumamelodiaaí
quevocêacabadepassarpor
ela’.Entãoeurecuperavao
acordeesaíaoutracanção.
Viniciuseramestrenisso”
Toquinho,violonistaecantor
“Grandepartedeseu
magnetismopessoalsedeviaao
amorprofundoquesentiapelas
pessoaseissoeranaturalnele,
porquemuitasvezescausava
sofrimentoedecepção.Viver
amandoaosoutrosnãoéfácil
epodedilacerarumapessoa
pordentro”
PedrodeMoraes,fotógrafo
“VioViniciusumaúnicavez,em
1979,emumaboatechamada
Caravela,quenãoexistemais
noRio,eeleestavasentadoem
umamesacomaúltimamulher
dele(GildaMattoso).Eunãofui
láimportuná-lo.Depoisqueele
morreu,gravei(amúsica)
SãoFranciscoparaodisco
AArcadeNoé,porindicação
dele,poiseletinhapedido
queeuagravasse.Eantes
delançarmosRosade
Hiroshima(poemadeVinicius
musicadoporGersonConrad
paraodiscoSecos&Molhados,
de1973),eleachavaqueo
poemaseriaesquecidocomo
tempo,eficoumuitograto
porqueviuquesetransformou
emumamúsicalinda”
NeyMatogrosso,72,cantor
“EstivecomVinicius
emduassituações.Euo
conheciemSãoPaulo,na
décadade70,quandofui
apresentadoaeleporClara
NunesePauloCésarPinheiro.
EstávamosnacasadeClara
Nunes,aquinoLeblon,eu,o
CésarPinheiro,aFátima,
minhaesposa,eVinicius.
Naqueledia,elemepediu
paratocarviolãona
músicadelequeaClarairia
gravar,queéavalsaQuem
MeDera.Eutinha23para
24anos”
Guinga,violonistaecompositor
“Viniciusfoiumgrande
poetalírico,quefalavade
maneiraúnicadoamor,da
mulher.queveiodacultura
livrescaemigrouparaaarte
dacançãopopularcommuita
naturalidade.Issoacabou
tornando-opioneirodeuma
tradiçãorepresentadapor
umasériedenomesque
vieramdepois,depessoas
quetransitaramentrea
literaturaeamúsica
popular,comoTorquatoNeto,
PauloLeminski,Waly
Salomão,CaetanoVeloso,
ChicoBuarque”
ArnaldoAntunes,cantor,compositor
epoeta
Asuabênção,
eternopoetinha
ViniciusdeMoraes
Autor de clássicos da MPB e da poesia, ele faria 100 anos hoje
Toquinho e Maria Creuza: saudades e reconhecimento
PADRON
Aguçado
Amor
Legado
Sábado 19
D-1outubro de2013 www.atribuna.com.br