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   UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
   DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII




CRIANÇAS QUE TRABALHAM E ESTUDAM EM UMA
      ESCOLA DE PINDOBAÇU – BAHIA




        ROSEMAIDE FERREIRA DA SILVA




         SENHOR DO BONFIM – BAHIA
                    2009
1




        ROSEMAIDE FERREIRA DA SILVA




CRIANÇAS QUE TRABALHAM E ESTUDAM EM UMA
      ESCOLA DE PINDOBAÇU – BAHIA



                     Trabalho monográfico apresentado como
                     pré-requisito para conclusão do curso de
                     Licenciatura em Pedagogia, Habilitação
                     nas      séries    iniciais,   do   Ensino
                     Fundamental,      pelo   Departamento   de
                     Ensino – Campus VII, do Estado da
                     Bahia.


                     Orientadora: Simone Wanderley




         SENHOR DO BONFIM – BAHIA
                   2009
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                 ROSEMAIDE FERREIRA DA SILVA




    CRIANÇAS QUE TRABALHAM E ESTUDAM EM UMA
              ESCOLA DE PINDOBAÇU – BAHIA




Aprovada em _______/________/__________




______________________________________________
Orientador


_______________________________________________
Avaliador




_______________________________________________
Avaliador
3




A Deus, amigo de todas as horas.
Aos colegas da turma de pedagogia 2003,
em especial as minhas amigas Edileuza,
Eneandra e Vanessa por compartilhar os
momentos     de   aflição,    angústias   e
alegrias.
Aos meus familiares, Beatriz, Charlene,
Daniel, Maria e Rosa.
Ao querido Heliton por estar presente em
minha vida em todos os momentos.
Aos alunos, que contribuíram comigo para
realização desta pesquisa.


                             Muito obrigada!
4




                             AGRADECIMENTOS




       Ao Departamento de Educação Campus VII. Aos funcionários, a cada
professor que contribuiu com seu conhecimento para realização deste trabalho, em
especial ao professor Ozelito, as professoras Simone Wanderley, Rita Braz, Fani
Quitéria.


                                                                      Obrigada!
5




Trabalho infantil é a última forma de
escravidão do mundo. (STREEP, M.)
6




                                 LISTA DE FIGURAS




Figura 1. Distribuição por setor do trabalho infantil
Figura 02. Gênero dos participantes da pesquisa
Figura 03 Série freqüentada pelas crianças/trabalhadores das comunidades de
            Gameleira e Várzea de Cima, em Pindobaçu, Bahia
Figura 04 Turno no qual as crianças trabalham
Figura 05. Comunidades onde moram as crianças entrevistadas
Figura 06 Quanto aos pais estarem vivos
Figura 07a. Causas do trabalho realizado pelas crianças entrevistadas
Figura 7b Atividades realizadas pelas crianças trabalhadoras
Figura 8 a. Opinião das crianças sobre gostar ou não do trabalho que executam
Figura 8b. Valor recebido pelas crianças como pagamento pelo seu trabalho
Figura 9. Idade em que as crianças começaram a trabalhar
Figura 10. Índice de repetência dos alunos pesquisados
Figura 11. Os sonhos das crianças trabalhadoras que participaram da pesquisa
Figura 12. Conseqüências do trabalho infantil sobre a freqüência escolar
7




                             LISTA DE ABREVIATURAS


DMCTI – Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEC – Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONGs – Organizações Não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PNAD – Pesquisa Nacional de Amostragem e Domicílio
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
TV – Televisão
8




                                     RESUMO



Em todo o mundo verifica-se o grande número de crianças que trabalham e
estudam. No Brasil, existe uma quantidade significativa de crianças e adolescentes
que realizam as duas atividades: estudo e trabalho. De acordo com dados
divulgados pala pesquisa nacional de amostra de domicílios (PNAD), (2007) cerca
de 12% das crianças e adolescentes na faixa etária de oito a désseis anos estudam
e trabalham. Logo, esta pesquisa investiga a visão que as crianças têm sobre
trabalho. Para tanto foi coletado dados no período de 15 a 30 de maio de 2008,
através de questionários aplicados as onze crianças, residentes na Fazenda
Gameleira e Fazenda Várzea de Cima, situados no município de Pindobaçu, Bahia.
Tomamos como referencia no conceito das palavras chave autores como: Porto
Huzak (2005), Martins (1979), Kassouf (1999), Corazza (2002), Pires (1988),
Postman(1999), Agambem (2005), Esterci (1994), entre outros. Elegemos para o
desenvolvimento deste trabalho, a pesquisa qualitativa por fornecer uma melhor
compreensão e por nos aproximar da realidade pesquisada, os instrumentos para a
coleta de dados foram questionários fechado e entrevista estruturada. Ao analisar os
dados obtidos nesta pesquisa, os resultados apontaram à existência do trabalho
infantil nestas comunidades, e percebe-se a importância da renda gerada pelas
crianças no orçamento familiar, como também se comprovou que rendimento escolar
é afetado por esta situação.

Palavras-chave: trabalho infantil, renda e rendimento escolar.
9




                                                       SUMARIO




INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO I
CRIANÇA TRABALHANDO: CONSTRUÇÃO OU DEGRADAÇÃO? ........................ 14
CAPÍTULO II
A INFÂNCIA, A EDUCAÇÃO, O TRABALHO EMANCIPADOR E O TRABALHO
INFANTIL .................................................................................................................. 17
   II.1 Considerações sobre a infância....................................................................... 17
   II.2 A escola e seu processo de emancipação....................................................... 22
   II.3 O trabalho emancipador e o trabalho infantil degradador ................................ 24
   II.4 O trabalho emancipando o homem .................................................................. 24
      II.4.1 O trabalho infantil ...................................................................................... 27
      II.4.2 Fatores que ocasionam o trabalho infantil................................................. 33
      II.4.3 Conseqüências do trabalho infantil ........................................................... 34
      II.4.4 O aluno que trabalha ................................................................................. 35
CAPÍTULO III
METODOLOGIA........................................................................................................ 38
   III.1 Tipo de pesquisa utilizada .............................................................................. 38
   III.2 Lócus da pesquisa .......................................................................................... 38
   III.3 Sujeitos envolvidos ......................................................................................... 39
      III.3.1 Instrumentos utilizados............................................................................. 39
      III.3.2 Questionário fechado ............................................................................... 39
      III.3.3 Entrevista ................................................................................................. 39
      III.3.4 Coleta de dados ....................................................................................... 40
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS ................................................................ 41
   IV.1 Perfil dos alunos que participaram do estudo................................................. 41
   IV. 2 O posicionamento dos alunos entrevistados ................................................. 45
      IV.2.1 Com relação aos motivos pelos quais as crianças trabalham e quais as
      atividades realizadas .......................................................................................... 45
      IV.2.2 Quanto à questão: “Você gosta do trabalho que realiza? Quanto ganha
      por dia com o seu trabalho?”.............................................................................. 48
10




      IV.2.3 Quanto à idade em que começaram a trabalhar...................................... 50
      IV.2.4 Em resposta à questão: O que você gostaria de fazer se não tivesse que
      trabalhar?” .......................................................................................................... 51
      IV.2.5 Motivos pelos quais as crianças não estudam ......................................... 52
      IV.2.6 Quanto à repetição de série pelas crianças que estudam ....................... 53
      IV.2.7 Quanto ao futuro das crianças ................................................................. 54
      IV.2.8 Em relação às conseqüências do trabalho infantil para o rendimento
      escolar................................................................................................................ 55
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 57
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59
APÊNDICE ................................................................................................................ 62
APÊNDICE A............................................................................................................. 63
QUESTIONÁRIO APLICADO ÀS CRIANÇAS QUE ESTUDAM E TRABALHAM,
RESIDENTES NAS FAZENDAS GAMELEIRA E VARZEA DE CIMA, PINDOBAÇU,
BAHIA ....................................................................................................................... 63
11




                                   INTRODUÇÃO




      Para que se adquira a cidadania propriamente dita, para que o homem
pertencente a uma sociedade democrática atinja o estágio de cidadão, são
necessárias duas condições básicas: a educação e trabalho. O trabalho é toda
atividade praticada pelo homem, é o ato humano realizado com o intuito de gerar
fonte de renda e de subsistência. Ele existe desde o momento que o homem
começou a transformar a natureza e o ambiente ao seu redor, desde o momento em
que começou a fazer utensílios e ferramentas. Portanto trabalho é o esforço humano
dotado de um propósito e que envolve a transformação da natureza através do
dispêndio de capacidades físicas e mentais.


      Em virtude disso, o trabalho é uma atividade que não foi criada para ser
exercida por crianças e adolescentes abaixo de 14 anos. Nessa faixa de idade eles
devem estar freqüentando a sala de aula e se preparando para futuramente, ocupar
uma vaga no mercado de trabalho. Quando uma criança ou adolescente trabalha
para se manter ou ajudar sua família financeiramente, está caracterizado o trabalho
infantil, tão combatido pelos governos e Organizações Não Governamentais (ONGs)
de diversas nações.


      Nesta pesquisa foi abordado o trabalho infantil, um tema tão polêmico e cheio
de controvérsias porque afasta o aluno da escola. A ausência da criança na escola e
o trabalho infantil são fenômenos que andam juntos. A educação elementar não
existe nos países onde a incidência do trabalho infantil é muito grande e quando
existe, a qualidade do ensino é deficiente.


      No Brasil atualmente existem milhões de crianças que trabalham e estão fora
das salas de aula. Existem também crianças que trabalham e estão freqüentando a
escola, embora precariamente. As primeiras evidências do trabalho infantil
ocorreram por ocasião da escravidão no Brasil que durou quatro séculos, quando os
filhos dos escravos faziam o mesmo trabalho que seus pais. Quando surgiu o
processo da industrialização, continuou a exploração do trabalho executado pela
criança, que perdura até os dias de hoje.
12




       Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostragem e Domicílio (PNAD)
(IBGE, 1995), crianças de 10 a 14 anos, de um total de 17,6 milhões, trabalham
atualmente no Brasil,. Este fato conduz a uma baixa escolaridade, principalmente
nos Estados da região Nordeste. O trabalho infantil não se explica por
unicausalidade. Fatores como a pobreza, a cultura, carência de ofertas de
escolaridade de qualidade e inexistência de políticas públicas perseverantes, se
interagem de tal maneira que em certas circunstâncias há predomínio de uns sobre
os outros.


       Existe também o fato do trabalho infantil ser relativamente normal, quando se
trata de crianças trabalhando em emissoras de TV como cantores e atores mirins.
Nesse caso especificamente, o fator que leva essas crianças a trabalharem é a
cultura, pois os pais dessas crianças acham que não tem nada demais e que esse
trabalho que elas realizam não prejudica em nada o seu desenvolvimento. Ledo
engano. Seja qual for o tipo de trabalho, ele prejudica sim, o desenvolvimento
harmonioso da criança. Neste caso, as crianças deixaram de viver o período de sua
infância e assumiram responsabilidades de adultos.



       Este estudo ficou estruturado em quatro capítulos. No primeiro capítulo
procurou-se trabalhar a educação e o trabalho infantil. Relacionou-se a justificativa e
os objetivos da pesquisa, as questões norteadoras e o local estudado. A intenção foi
verificar o que há de real na questão do trabalho infantil e o que realmente se
verifica nesta prática.


       No segundo capítulo faz-se uma abordagem sobre a infância, a educação, e a
escola, traça-se considerações sobre a fase da infância, sobre a escola e seu
processo de emancipação. Como também o trabalho emancipador e o trabalho
infantil degradador, falando-se sobre o trabalho em geral e sobre o trabalho infantil,
sobre as suas causas e conseqüências, sobre o aluno trabalhador. Verifica-se como
o trabalho infantil interfere nos direitos sociais
.
13




      No capítulo três são enumerados os passos que foram seguidos na
elaboração da presente pesquisa: o local estudado, os sujeitos e instrumentos e a
coleta dos dados.


O capítulo quatro analisa e discute os resultados obtidos através da aplicação dos
questionários, fazendo-se um perfil dos alunos que trabalham e citando-se o seu
posicionamento diante do trabalho que realizam. Para finalizar, nas considerações
finais, são citadas as conclusões a que se chegou após analisar os dados contidos
nos questionários.
14




                                     CAPÍTULO I


        CRIANÇA TRABALHANDO: CONSTRUÇÃO OU DEGRADAÇÃO?



       A educação é um processo contínuo de construção do homem, é um
processo de aprendizagem que se estende por toda a vida. Educar é permitir ao
homem o desenvolvimento de sua capacidade física, intelectual e moral, visando à
sua melhor integração individual e social. Em termos gerais a educação é o
processo de atuação de uma comunidade sobre o desenvolvimento do indivíduo. E
essa atuação, geralmente, é exercida pela escola.


       A escola é um lugar de aprendizagem onde são elaboradas as formas para
desenvolver atitudes e valores e adquirir competências. Ela desempenha um papel
importante no processo de formação de cidadãos, preparando-os para viverem em
uma sociedade da informação e do conhecimento. Ela prepara o aluno para
“futuramente”, disputar o mercado de trabalho e prover sua subsistência.


                     Atividade consciente e voluntária, pelos quais os homens
                     exteriorizam no mundo fins destinados a modifica-los, de maneira a
                     produzir valores ou bens social ou individualmente úteis e satisfazer
                     suas necessidades (RUSS, 1994, p 297).


       Segundo Russ, o trabalho pode ser compreendido como algo relevante para
adultos, e não para crianças que estão no período de formação e desenvolvimento.


       Para que a criança se desenvolva harmonicamente, torna-se necessário que
ela se dedique exclusivamente à sua educação, à escola, à sua aprendizagem. Isso
significa que a criança não deve trabalhar, não deve desviar o foco de sua formação,
pois para isso existem os adultos. É a família que deve amparar a criança e não o
contrário.


       O trabalho infantil, ou seja, o trabalho remunerado exercido por crianças e
adolescentes, abaixo da idade mínima legal permitida pela legislação de um país, é
anticonstitucional e anti-educacional. O trabalho realizado na faixa etária abaixo de
14 anos obstrui o desenvolvimento educacional das crianças, concorrendo para
15




diminuir o tempo em que as crianças devem se dedicar às atividades escolares e
extra-escolares. É anticonstitucional por que no Brasil, o inciso XXXIII do Art. 7º da
Constituição Federal proíbe terminantemente a realização de qualquer trabalho aos
menores de 14 anos.


      Atualmente, constata-se uma tolerância cada vez menor, por parte da
sociedade, com o trabalho infantil. A imprensa sempre divulga casos de abusos de
crianças que trabalham sem jornada definida ou remuneração adequada.


      A atividade laboral exercida em idade muito jovem, impede ou dificulta o
acesso à educação formal. A evasão escolar e o trabalho infantil andam juntos. Nos
países em que a incidência do trabalho infantil é maior, a freqüência escolar é muito
baixa e precária. Geralmente o trabalho infantil possui jornada abusiva (muitas horas
seguidas) e remuneração muito baixa, em condições de risco elevado, deixando o
jovem trabalhador exausto e sem condições de assistir as aulas.


      As conseqüências nefastas do trabalho (para ajudar no orçamento familiar)
realizado pelas crianças são: comprometimento do desempenho escolar por que
elas não dispõem de tempo para um estudo extra-escolar, tempo este que é
necessário para a preparação de seu conhecimento; o desequilíbrio de desempenho
entre as crianças que trabalham e as crianças que possuem tempo integral para
estudar, o que contribui para a evasão escolar; obstrução do tempo necessário à
aprendizagem, que é constituído pelas horas que a criança passa na escola e pelas
horas em que ela realiza suas tarefas extra-classe, necessárias ao aprimoramento
do seu conhecimento.


      Além disso, a longo prazo, as crianças ao se tornarem adultos, vão entrar no
mercado de trabalho com pouca ou nenhuma qualificação, o que lhes privará de
obter uma renda que satisfaça as suas necessidades materiais. Diante desses fatos
é que se justificou a execução deste estudo.


      Nas comunidades de Gameleira e Várzea de Cima, situadas na cidade de
Pindobaçu, existem crianças que trabalham como também crianças que estudam e
ao mesmo tempo trabalham para ajudar no orçamento de suas famílias. Então
16




surgiram assim algumas inquietações: Porque essas crianças trabalham? Será que
elas conseguem conciliar o estudo e o trabalho? Como será o seu desempenho
escolar? Qual a sua postura diante disso? Estas são as questões geradoras do
presente trabalho monográfico.


      A questão a ser testada é a de que o trabalho precoce não é necessário para
uma vida bem-sucedida. Ele não qualifica e, portanto, é inútil como mecanismo de
promoção social. O trabalho precoce exercido pelas crianças que estão
freqüentando a escola impede que elas realizem as tarefas adequadas à sua idade
como se apropriar dos conhecimentos, e de viver plenamente sua infância. Enfim, o
trabalho infantil não se justifica e não é solução para nada, ao contrário, é um
problema dos grandes.


      Na execução deste trabalho, o objetivo geral foi verificar qual a visão que as
crianças trabalhadoras rurais têm sobre o trabalho. Com objetivos específicos visou-
se:


      – Identificar qual a visão que as crianças têm sobre trabalho infantil;


      – Identificar as causas que levam as crianças a trabalharem;


      – Investigar se as crianças gostam de trabalhar.
17




                                      CAPÍTULO II


  A INFÂNCIA, A EDUCAÇÃO, O TRABALHO EMANCIPADOR E O TRABALHO
                                       INFANTIL




II.1 Considerações sobre a infância


         A definição de infância difere de um país para outro. Em alguns países ela é
relacionada apenas à idade cronológica e em outros está relacionada aos fatores
sociais e culturais, além de se considerar a idade. Com relação ao trabalho infantil, a
faixa etária segue a legislação de cada país, ou seja, cada nação determina a partir
de que faixa etária é considerado trabalho infantil.


         No Brasil, o período da vida humana que se inicia no nascimento e vai até aos
doze anos é chamado de infância. Nesse período acontece um acentuado
desenvolvimento físico, e psíquico e onde são firmadas as bases da personalidade.
É um período no qual a criança cresce fisicamente e matura-se psicologicamente.
Todas as crianças possuem algumas necessidades físico-psicológicas que precisam
ser cumpridas e atendidas para que a criança cresça normalmente. Entretanto:


                       Criança e adolescente foram, por muito tempo, segmentos ignorados
                       enquanto pessoas. A história deste grupo aponta para uma trajetória
                       marcada pela violência adultocêntricas, onde o abandono era prática
                       aceita e o infanticídio era uma das formas usadas para suprimir da
                       sociedade pessoas vistas como ‘inadequadas’ aos padrões sócio-
                       econômicos, culturais e morais da época (ÁRIES, 1981, p. 57).


         As crianças, nos tempos antigos, eram abandonadas, eram sacrificadas e
oferecidas aos deuses para aplacar a sua ira. O infanticídio era um procedimento
normal em algumas sociedades medievais. Em Esparta e em Roma, as crianças
deficientes eram eliminadas; na Idade Média, elas eram abandonadas como
estratégia de controle do direito à herança; outras eram doadas aos mosteiros para
evitar a fragmentação da propriedade e garantir a sucessão dinástica (WINNICOTT,
1975).
18




      Áries (1981) salienta que o abandono de crianças contava com a
complacência das autoridades e até da Igreja que era conivente com essa situação.
As formas de violência praticadas contra as crianças eram perversas pois elas
podiam ser vendidas como escravas, podiam ser usadas na mendicância (sendo
inclusive mutiladas para despertar maior piedade) ou então entregues a mosteiros.
Nas sociedades ocidentais, as crianças nos séculos VI, VII, eram frequentemente
vítima de práticas de infanticídio e abandono. A primeira lei que proibia o infanticídio
data de 374 d.C.


      Os gregos diziam que a infância era um período fantástico para o aprendizado
e que era uma fase privilegiada da vida humana. No período da Idade Média não há
um conceito exato de adulto e muito menos de criança e a infância se estendia
apenas até os sete anos. Nesta época não existia o mundo da infância, as crianças
freqüentavam festas em que homens e mulheres alcoolizados se comportavam
vulgarmente, sem pudor na frente dos menores. A criança, nesse período era
invisível (ÁRIES, 1981).


       A idéia de infância, afirmam Porto e Huzak (2005), foi concretizada a partir da
invenção da imprensa por Gutemberg, em meados do século XV. Por volta do
século XVIII foram criados dois conceitos sobre a infância. Em um deles, a criança
era vista como uma “folha em branco” a ser preenchida a caminho da maturidade.
Tudo se constituía num processo de desenvolvimento do aprendizado, nada
importando o biológico. O outro conceito dizia que a criança era importante em si
mesma, um cidadão em potencial.


      No final do século XIX, estabelece-se uma discussão que fundamenta até os
dias de hoje os debates sobre a infância. Defendia-se que a criança não era uma
tabula rasa, devendo-se levar em conta as exigências feitas pela sua natureza, pois
do contrário poderiam ocorrer disfunções de sua personalidade. A partir disso ela
passou   a   ser   entendida   como    possuidora    de   suas   próprias   regras   de
desenvolvimento, sua própria natureza, e que estas características próprias,
inerentes, inalienáveis não devem ser reprimidas com o risco de não se alcançar
uma maturidade plena e adulta (PORTO e HUZAK, 2005).
19




      Portanto, desde os tempos remotos e até no século XVI, essa fase de vida
não era reconhecida como infância e a criança era vista como um pequeno adulto,
convivendo desde cedo com o trabalho e as preocupações comuns aos adultos.
Somente a partir do século XVII a criança passou a ser olhada como criança. Nessa
época os poderes públicos e a Igreja passaram a combater o infanticídio.
Atualmente, é uma fase reconhecida por todos e inclusive já tem até uma educação
personalizada. Esse reconhecimento ocorreu no século XIX que foi chamado de “o
século da criança” na Europa. No século XX surgiu a declaração dos direitos da
criança (1959) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), afirma Heywood
(2004).


      A infância é ao mesmo tempo, “uma fase de crescimento e preparação para
assumir a autonomia futura, e uma fase de vida em si mesma plena, quando temos
diante de nós, o humano ‘sob forma’ infantil”. (WINNICOTT, 1975, p. 13). É um
período da vida em que o ser humano não precisa ainda produzir sua sobrevivência,
é um tempo útil de preparação para a vida produtiva.


      Essa fase da vida do ser humano é mais longa e incomparavelmente mais
complexa que a dos animais. É o tempo em que a criança deve ser introduzida na
riqueza da cultura humana, reproduzindo para si qualidades especificamente
humanas.


                     Nesse período a criança já vive uma atividade intensa de formação
                     de funções psíquicas, capacidades e habilidades que não são
                     visíveis a olhos que entendem o desenvolvimento dessas funções e
                     qualidades humanas como sendo naturalmente dado. Com isso,
                     esse período não pode ser encurtado ou obstaculizado pela
                     antecipação de tarefas para cuja realização justamente se formam as
                     bases nessa idade (SCHWARTZMAN, 2001, p. 16)


      Segundo Schwartzman (2001, p. 18) uma das características qualitativas do
desenvolvimento infantil “envolve a distinção de dois planos de desenvolvimento,
estreitamente vinculados, mas não idênticos e freqüentemente confundidos,
constituídos pelo desenvolvimento funcional e pelo desenvolvimento geral ou
evolutivo”. O desenvolvimento funcional acontece com a assimilação dos
conhecimentos que acarretam mudanças pontuais que não levam a transformações
significativas no desenvolvimento geral da personalidade.
20




       O segundo plano de desenvolvimento (o desenvolvimento geral ou Evolutivo)
se refere à reestruturação do sistema de relações da criança com as demais
pessoas e à passagem a novos níveis de atividade, permitindo a formação de novos
níveis de compreensão da realidade e acarretando transformações significativas na
personalidade da criança, afirma Rizzini (1999).


       De acordo com Javeau (2005, p. 385) A infância deve ser considerada “uma
população com pleno direito (científico), com seus traços culturais, seus ritos, suas
linguagens, suas ‘imagens-ações’, com suas estruturas e seus modelos de ações”.


       Para Piaget (1982) a infância está dividida em três períodos: o período
sensório-motor que começa no nascimento e chega até aos 24 meses de idade, o
período pré-operacional de 2 a 7 anos e o período das operações concretas de 7 a
12 anos.


       No período sensório-motor acontece a formação dos esquemas que
permitirão organização inicial dos estímulos ambientais, Uma das funções da
inteligência será, portanto, nesta fase, a diferenciação entre os objetos externos e o
próprio corpo, pois nele irá ocorrer a organização psicológicas básica em todos os
aspectos (perceptivo, motor, intelectual, afetivo, social ).


       No período pré-operacional ocorre o desenvolvimento da linguagem, mas
existe a ausência do pensamento conceitual. O período das operações concretas é
marcado por grandes aquisições intelectuais, e a criança tem um conhecimento real,
correto e adequado de objetos e situações da realidade externa. As ações físicas
passam a ser internalizadas, passam a ocorrer mentalmente.


       Uma fase influencia as demais fases e por isso, tudo o que acontece na
infância pode alterar o comportamento do adulto. Toda e qualquer experiência vivida
na infância influencia a estrutura nervosa e fica guardada na memória. Cada período
de vida pode ser um aperfeiçoamento ou não, do período anterior e uma preparação
para o posterior. Então, tudo o que acontece na infância irá repercutir, positiva ou
negativamente, na vida adulta (GHIRALDELLI, 1997).
21




         Na infância verifica-se a necessidade que a criança sente em brincar e esse
ato é indispensável à saúde física, emocional e intelectual da criança. A brincadeira
contribui para tornar um adulto eficiente e equilibrado. Ao brincar, a criança
descobre, aprende, cria e adquire habilidades, além de ter estimulada a sua
curiosidade, autonomia e autoconfiança. As brincadeiras infantis desenvolvem a
linguagem, o pensamento e a atenção.


                      A qualidade de oportunidades que estão sendo oferecidas à criança
                      através de brincadeiras e brinquedos garante que suas
                      potencialidades e sua afetividade se harmonizem. As situações
                      problemas contidas na manipulação dos jogos e brincadeiras fazem
                      a criança crescer através da procura de soluções e de alternativas. O
                      desempenho psicomotor da criança enquanto brinca alcança níveis
                      que só mesmo a motivação intrínseca consegue. Ao mesmo tempo
                      favorece a concentração, a atenção, o engajamento e a imaginação.
                      Como conseqüência a criança fica mais calma, relaxada e aprende a
                      pensar, estimulando sua inteligência (CORAZZA, 2002, p. 36).


         Além disso, o ato de brincar contribui para o processo de socialização das
crianças, fazendo com que elas realizem atividades coletivas, influenciando
positivamente a aprendizagem e a aquisição de novos conhecimentos. Por todos
esses motivos é importante que a criança tenha respeitado o direito de viver a sua
infância, dedicando todo seu tempo para aprender novos conhecimentos. É
necessário que ela brinque, estude e viva como criança. Quando o círculo da
infância é rompido, surgem conseqüências desastrosas para o desenvolvimento da
criança. O que ocorre na infância vai refletir na vida adulta, ressalta Agambem
(2005)


         Segundo Postman (1999) a criança é sempre vista como dependente do
adulto, livre ainda das implicações trazidas pelo mundo do trabalho, por isso mesmo,
é tratada como ser incompleto que precisa ser educado sob a lógica do sistema
econômico/cultural. Entretanto, em virtude de contextos familiares diferenciados
como pais que trabalham fora, pais separados, escolas de tempo integral,
conturbadas     relações   entre   escola   e   família,   escassez   de    passeios    ou
acompanhamento a programas de adulto, longos períodos em frente à TV, as
crianças têm sido compelidas a assumirem responsabilidades sobre si mesmas.
22




      Agambem (1999) também enfatiza que a criança atualmente, é impelida a um
precoce amadurecimento. As brincadeiras de rua e os brinquedos manuais já não
estão mais disponíveis para ela. Até no vestuário percebe-se a pressa em adultizar
uma criança, porque as crianças são vestidas com roupas sensuais, salto alto, usam
maquiagem e acessórios exagerados. Tudo isso leva a crer que a concepção de
infância dos dias atuais, apesar de tudo o que já foi feito, é semelhante à da Idade
Média, quando a criança era olhada como um adulto em miniatura. É importante
então que a escola lute contra a adultização da criança, para que ela usufrua o
período da infância.


II.2 A escola e seu processo de emancipação


      Acredita-se, afirma Romanelli (1997), que a escola surgiu em Atenas no ano
de 600 a.C. Nessa época existiam os mestres e o pedagogo, e este era um escravo
cujo trabalho era conduzir o aluno para a vida e para o saber.


                       A educação durante o Império Romano, era comunitária e os reis
                       aravam a terra junto com os seus servos, os filhos eram educados
                       pela mãe até os sete anos e depois passavam a ser
                       responsabilidade dos pais. Com o enriquecimento da nobreza, as
                       terras foram e o nobre passou a se preocupar com as regras dos
                       impérios, dividindo a educação em classes sociais. O Mestre escola
                       vendia a educação como se fosse mercadoria em suas lojas de
                       ensino dentro de mercados (ROMANELLI, 1997, p. 47).


      Em Roma, afirma Freitas (2003), o ensino primário surgiu no Século V a.C., o
ensino secundário apareceu em meados do século III a. C. e o ensino superior por
volta do Século I a.C. A primeira escola surgiu em Roma no século VI d.C. Com a
criação da escola surgiram as hierarquias sociais e a educação tornou-se um ensino
que inventa a pedagogia, transformando “todos” em educador. O saber era
transmitido desigualmente, promovendo a diferença.


      No Brasil, a escola surgiu com a vinda da Companhia de Jesus ao Brasil em
1549, quando os jesuítas começaram a colonização e evangelização dos índios.
Quinze dias depois da chegada desses religiosos, já funcionava uma escola que
ensinava a ler e escrever. Inicialmente, eles ministraram a educação elementar para
a população índia e branca em geral (salvo as mulheres), educação média para os
23




homens de classe dominante, parte da qual continuou nos colégios preparando-se
para o ingresso na classe sacerdotal, e educação superior religiosa só para esta
última. As escolas nessa época preocupavam-se apenas em alfabetizar o aluno, ou
seja, em ensinar a ler e escrever corretamente. (ROMANELLI, 1997, p. 35).


      O espaço escolar é um ambiente no qual se desenrolam as diversas relações
entre alunos, professores e equipe técnica. Ele foi criado para ensinar conteúdos e
dotar os alunos de habilidades necessárias à sua participação na sociedade em que
vive. Conduz o aluno na compreensão da sua realidade, contribuindo para a sua
transformação. Assim, todos os alunos têm direito a formação escolar e a realizar
seus projetos.


      A escola deve ser um espaço privilegiado, rico em recursos que promova a
aprendizagem, num ambiente onde os alunos possam construir os seus
conhecimentos segundo os estilos individuais de aprendizagem que os caracteriza.
Cabe a ela dotar o aluno de capacidades que permitam no seu futuro profissional
aprender qualquer assunto que lhe interesse.


      Ela   deve   prover   os   indivíduos    "não   só,   nem   principalmente,   de
conhecimentos, idéias, habilidades e capacidades formais, mas também, de
disposições, atitudes, interesses e pautas de comportamento" (SACRISTÁN &
GOMÉZ, 2000, p. 36). Além disso, deve priorizar a socialização do aluno,
preparando-o para se incorporar no mundo do trabalho e na vida pública.


      Para Sacristán e Gómez (2000) a escola possui diversas funções como:
função reprodutora, educativa, compensatória e transformadora. A função
reprodutora é a socialização do aluno, a função educativa é a inserção de
conhecimentos, a função compensatória é neutralizar as desigualdades e a função
transformadora é a reconstrução de conhecimentos, atitudes e conduta dos alunos.
Através da escola o indivíduo se emancipa, ao promover mudanças no seu interior e
na sociedade em que vive contribuindo para a transformação social e se
capacitando para o trabalho.
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II.3 O trabalho emancipador e o trabalho infantil degradador

      Desde o início dos tempos os homens vêm trabalhando, cada qual em suas
habilidades, compromissos ou propensões. Do homem da caverna até os dias
atuais, eles lutam pela sua sobrevivência física e propagação da espécie, pela
dignidade e melhores condições de vida.


II.4 O trabalho emancipando o homem


      O ato de trabalhar é tão antigo quanto o próprio homem. Cipola (2001, p. 18)
refere que o “segundo texto grego mais antigo, cerca de cem anos mais novo que os
poemas épicos de Homero, é um poema de Hesíodo (800 a.C.), intitulado ‘Os
Trabalhos e os Dias’, que canta o trabalho de um agricultor”. Nos tempos antigos o
trabalho era uma atividade própria dos escravos e tanto as autoridades como as
pessoas de bem não deviam trabalhar.


                    No começo dos tempos, o trabalho era a luta constante para
                    sobreviver (acepção bíblica). A necessidade de comer de se abrigar,
                    etc. era que determinava a necessidade de trabalhar. O avanço da
                    agricultura, de seus instrumentos e ferramentas trouxe progressos ao
                    trabalho. O advento do arado representou uma das primeiras
                    revoluções no mundo do trabalho. Mais tarde, a Revolução Industrial
                    viria a afetar também não só o valor e as formas de trabalho, como
                    sua organização e até o aparecimento de políticas sociais (RIZZINI,
                    1999, p. 44).


      De acordo com Ariés (1981) nos tempos primitivos, na Babilônia, Egito, Israel,
e outros países, havia o trabalho escravo e o trabalho livre executado por artesãos.
Existiam o escravizador e o escravo. As sociedades escravistas dos tempos antigos
foram a egípcia, a grega e a romana. Nesse tempo, todas as atividades eram
realizadas por escravos. Havia também os artesãos e estes não tinham patrão,
trabalhavam por conta própria. Na Idade Média o trabalho era realizado pelo servo,
que era um pouco mais livre que os escravos. O servo podia sair das terras do seu
senhor e ir para onde quisesse desde que não tivesse dívidas a pagar. Na servidão,
o servo não trabalhava para receber uma remuneração, mas para ter o direito de
morar nas terras do seu senhor.
25




      Com o advento da modernidade, acabaram a escravidão e a servidão e todos
precisaram trabalhar para sobreviver. Aliás, o trabalho está intimamente ligado à
essência do homem, ele não é apenas um instrumento gerador de renda, mas, um
ato necessário à realização do homem. O trabalho é um fator da organização
econômica, política e social. Ele estrutura não somente a relação do homem com o
mundo, mas também as suas relações sociais.


      A palavra “trabalho” origina-se do latim tripallium, o nome de um instrumento
com o qual se castigavam os escravos no tempo do Império Romano (ESTERCI,
1994). Essa palavra se refere a todas as atividades humanas, ou seja, todo ato
humano é trabalho. É trabalho a atividade realizada pela mulher que cuida da casa e
dos filhos, é trabalho a composição de um poema, é trabalho o que o operário faz
nas indústrias, é trabalho o processo de ensino realizado pelos professores. Ele está
intimamente associado à existência humana por que além de satisfazer as
necessidades de sobrevivência do homem, contribui para a “estruturação psíquica, a
transformação do ambiente em que ele vive e também a sua realização pessoal”,
afirma Furtado (1995). Logo:


                     A essência do homem é a sua atividade produtiva. O homem, entre
                     todos os seres, é o que foi destinado a trabalhar e arrancar da
                     natureza para que ele possa existir, o que tem de produzir suas
                     condições materiais de vida, enquanto os animais reproduzem sua
                     existência de acordo com a natureza. Se, portanto, a sua essência
                     está nessa capacidade transformadora, a história será a história dos
                     seres humanos reais, portanto, as representações, os conceitos, as
                     idéias são produtos da atividade humana, de acordo com o modo
                     como é organizada a atividade produtiva (FURTADO, 1995, p. 46).


      Sempre foi dito que o trabalho dignifica o homem, é essencial ao seu
aprimoramento, crescimento, aprendizagem, subsistência. É uma lei da natureza,
por isso mesmo que constitui uma necessidade. O espírito trabalha, assim como o
corpo, por isso o trabalho não se constitui apenas em ocupações materiais, as
atividades podem ser também intelectuais ou morais (SENTO-SÉ, 2000).


      Acredita-se que o ato de trabalhar aperfeiçoa a inteligência humana. Como
afirma Esterci (1994, p. 48) "Sem o trabalho, o homem permanece na sua infância
26




intelectual; ele proporciona a alimentação, a segurança, o bem-estar”. As
necessidades básicas de qualquer cidadão provêm do trabalho digno, e todos têm
direito a ele. Ele é uma conseqüência da natureza corpórea do homem. O trabalho é
honra, é dignidade, é alavanca que impulsiona o progresso e engrandece o espírito
humano.


      Geralmente, afirma Furtado (1995), o trabalho é visto apenas como uma
maneira de se ganhar dinheiro e adquirir conforto e poder, por que o dinheiro traz
como conseqüência o poder. Quando se pensa dessa forma, o trabalho se torna um
fardo, uma tortura, acarretando desequilíbrios físicos e mentais. Essa é uma visão
materialista do ato de trabalhar, na qual ele funciona apenas como um meio de
subsistência biológica. Entretanto, ele possui além dessa, uma outra função que é a
da valorização e aperfeiçoamento pessoal, por que através dele o homem
desenvolve sua capacidade de pensar, de sentir, de crescer interiormente.


      Ele propicia um sentido para a vida para a vida humana, dignifica-a, mas, o
homem não deve idolatrá-lo procurando nele o único sentido de sua vida, por que a
partir daí, ele se tornará uma escravidão e ao invés de dignificá-lo passa a ultrajá-lo.
Toda atividade deve ser sempre organizada e desenvolvida no pleno respeito da
dignidade humana e ao serviço do bem comum. Portanto:

                     O homem trabalha porque precisa prover a sua subsistência. Mas, ao
                     mesmo tempo, ele trabalha para ser digno, para ser valorizado como
                     pessoa. Quando o homem não trabalha está destruindo sua
                     esperança e ignorando seu talento e colocando em risco o seu futuro
                     (FURTADO, 1995, p. 58).

      Alguns economistas dizem que a fonte de toda riqueza é o trabalho. Porém,
ele é mais do que isso: é a realização de toda vida humana, é sinal de caráter,
orgulho e satisfação. É a satisfação do dever cumprido, é a manifestação da
dignidade humana.


      Martins (1993, p. 77) salienta que para Karl Marx “o trabalho é uma
manifestação, a única manifestação da liberdade humana, da capacidade humana
de criar a própria forma de existência específica”. Continua afirmando Marx que o
27




trabalho desperta as forças da natureza e que quanto mais o homem se apodera
dessas forças naturais, mais a natureza contribui com os interesses humanos.
II.4.1 O trabalho infantil


      O termo criança relaciona-se a brincadeiras e aprendizagem, jamais a
trabalho. O trabalho infantil refere-se ao conjunto de atividades realizadas por
crianças para possibilitar sua sobrevivência ou a de outros, estejam ou não
recebendo remuneração. Ele é exercido por qualquer pessoa (criança ou
adolescente) abaixo de 16 anos de idade e impede que ela aproveite sua infância,
que freqüente a escola, que se desenvolva e tenha boa educação, como também
causa sérios problemas físicos ou psicológicos (CAVALIERI, 2000).


      Qualquer atividade realizada por crianças abaixo de 16 anos com o objetivo
de usufruir renda, é considerada como trabalho infantil. Ele afasta as crianças das
brincadeiras e da vida escolar fazendo com que ela amadureça precocemente. Está
presente no cotidiano das menos e das mais favorecidas economicamente, de forma
diferenciada. As crianças menos favorecidas trabalham em atividades fisicamente
penosas ao passo que as mais favorecidas trabalham atuando na televisão, nas
passarelas, e até mesmo junto aos pais ajudando-os em seus negócios. Entretanto
estas duas maneiras de trabalhar prejudicam as crianças, impedindo-as de se
desenvolverem.


      Será que toda atividade realizada por uma criança é considerada como
trabalho? Não. O trabalho infantil que é condenado pela Constituição Federal
Brasileira é o que corresponde a atividades produtivas, remuneradas ou não, com o
intuito de buscar renda para se manter. Se a criança, em sua casa, arruma seus
brinquedos, ajuda a mãe nas tarefas domésticas, ajuda o pai em tarefas simples
como lhe levar a marmita no trabalho, mas que vai à escola regularmente, não está
exercendo o trabalho infantil. Entretanto, se ela realiza essas atividades diariamente
nas casas dos outros, durante o dia todo, e se essas atividades produtivas se
sobrepõem às educativas, está caracterizado o trabalho infantil.


      Porto e Huzak (2005) enfatizam que é considerado trabalho infantil quando a
jornada se estende por todo o dia, não dando à criança a oportunidade de freqüentar
28




regularmente a escola, colocando-a muitas vezes em contato com produtos
químicos, equipamentos perigosos e outros perigos de rua. São trabalhadores
infantis aqueles que vivem nas ruas vendendo bugigangas, engraxando sapatos,
catando lixo nos lixões, lavando carros e exercendo outras atividades. Essas
crianças não terão chances de estudar e serão certamente adultos desempregados
ou subempregados.


      No Brasil, afirma Schwartzman (2001), a Constituição determina que até os
16 anos incompletos, crianças e adolescentes estão proibidos de trabalhar, exceto o
trabalho exercido como aprendiz, permitido a partir dos 14 anos, nas atividades que
apresentem os requisitos legais para a aprendizagem profissional. Mas nem sempre
foi assim por que:


                     Por volta do século XIII, encontramos também os primórdios da
                     profissionalização de crianças que entre oito e dez anos de idade
                     eram entregues aos mestres artesãos e às meninas eram ensinados
                     ofícios que as tornariam boas donas de casa (ARIÉS, 1981, p. 62).


      No século XVI, as caravelas portuguesas utilizavam crianças para serem
grumetes e pajens nos navios. Outro dado terrível é que 4% dos negros trazidos
como escravos eram crianças para trabalhar nas lavouras, para serem carregadores,
mensageiros, pajens e saco de pancadas das crianças brancas. (ARIÉS, 1981).


      França, Bélgica e Estados Unidos apresentavam altas taxas de crianças
trabalhando por volta de 1830 a 1840. Em meados de 1861 um censo realizado na
Inglaterra mostrou que quase 37% dos meninos e 21% das meninas de 10 a 14
anos trabalhavam nas indústrias têxteis e nas minas de carvão (DEL PRIORI, 2000).
Nas fábricas têxteis de São Paulo, nos anos de 1901 a 1905, 23% dos operários
eram crianças.


      O trabalho infantil, reconhecidamente ilegal até os 15 anos pela Constituição
Brasileira, “acompanha a própria trajetória do país enquanto colônia, quando
crianças descendentes de negros e índios eram obrigadas a incrementar a mão-de-
obra das fazendas” (DEL PRIORI, 2000).
29




      No Brasil, as primeiras menções ao trabalhão realizado por crianças se
referem à época da escravidão, quando os filhos dos escravos acompanhavam seus
pais nas diversas atividades que exigiam esforços muito superiores às suas
possibilidades físicas. No final do século XIX, com o surgimento da industrialização,
15% dos empregados na indústria eram formados por crianças e adolescentes. Um
quarto da mão-de-obra empregada no setor têxtil de São Paulo eram crianças. No
século XX, na capital paulista, 40% dos trabalhadores do setor têxtil eram crianças e
jovens (OIT, 2003).


      Ainda segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2003), 70%
das atividades infantis são desempenhadas na agricultura, pesca e caça; 13% no
comércio atacado e varejo; 10% nos serviços domésticos; 4% nos serviços de
transportes, armazenamentos e comunicação, e os 3% restantes são atribuídos à
construção e a mineração (Figura 1).



                                       4,00%   3,00%
                         10,00%


               13,00%




                                                                            70,00%




           Agricultura, Caça e Pesca                   Atacado e varejo
           Serviços domésticos                         Transportes, armazenamento e comunicação
           Construção e Mineração


        Figura 1. Distribuição por setor do trabalho infantil.
        Fonte: OIT (2003)

       Atualmente existem crianças trabalhando como engraxates, o vendedor de
gibis e de beijus e até como vendedores de drogas. Além dessas atividades existem
crianças envolvidas com o tráfico de drogas, delitos e prostituição, mas é difícil
precisar quantas nisso por que são atividades clandestinas.


      Conforme relatos de Martins (1979), a mão-de-obra infantil aumentou depois
da Revolução Industrial.            Segundo ele, para trabalhar com máquinas não se
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necessita de força muscular, o que permite a contratação de mulheres e crianças.
Logo:
                      [...] de poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores, a
                      maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o
                      número de assalariados, colocando todos os membros da família do
                      trabalhador, sem distinção do sexo e de idade, sob o domínio direto
                      do capital... (CALVEZ, 1966, p. 78).


        Entretanto Kassouf (1999) garante que com o crescimento da livre indústria e
das empresas no século XVII, as crianças já eram submetidas a longas jornadas de
trabalho, bem antes da revolução Industrial.


        Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) demonstram que
atualmente cerca de 200 milhões de crianças trabalham em todo o mundo, sendo
que 126 milhões realizam atividades perigosas (CORAZZA, 2002). No século XXI
muitas crianças têm que trabalhar para sobreviver e isso é degradante para qualquer
país, por que a criança deveria ter tempo livre para brincar e investir na sua
formação. A globalização, afirma Pires (1988), é vista por muitos como um incentivo
ao trabalho infantil, com a imagem de multinacionais contratando crianças para suas
fábricas. Pires (1988, p. 13) afirma: “Os pais não colocam seus filhos para trabalhar
por maldade ou indiferença, mas somente por necessidade”.


        Este fato é contrário à Lei Federal nº. 8.069/90 de 23 de julho de 1990, afirma
Cavalieri (2000), que garante às crianças o direito à educação, a brincadeiras e à
proteção, além do convívio familiar e comunitário. O Estado, a família e a sociedade
civil são responsáveis por garantir esses direitos, prega a Constituição Brasileira:


        Art. 4. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder
Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização
e à convivência familiar e comunitária.


        Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menor de catorze anos de idade, salvo
na condição de aprendiz.
31




                      A legislação de cada país é que determina até que idade o indivíduo
                      é considerado criança. Na Inglaterra a idade mínima é de 13 anos,
                      na Bélgica e na maioria dos países da América Latina é de14 e em
                      países como Suíça, Alemanha, Itália e Chile a idade mínima é 15
                      anos (ANTUNES, 2003, p. 88).


         Nos países subdesenvolvidos onde muitas famílias ficam à margem da
concentração de renda nacional, onde impera a pobreza e os problemas
econômicos, os índices de crianças que trabalham é muito alto. Nesse caso, os pais
suprem suas necessidades básicas mediante a utilização da mão de obra infantil.
Então, percebe-se que o maior motivo que faz com que a criança precise trabalhar é
a pobreza, conseqüência do desemprego. Outras causas mais freqüentes que
tentam explicar a alocação da criança para o trabalho é a escolaridade dos pais, a
idade em que os pais começaram a trabalhar e o local de residência (CAVALIERI,
2000).


         O desemprego conduz à falta de condição para suprir as necessidades
básicas de uma família (alimentação, moradia) e em virtude disso, muitas famílias se
vêem obrigadas a mandar seus filhos para as ruas a fim de fazerem bicos ou
mendigar, com o intuito de ajudar na sua sobrevivência. Acontece que o trabalho
realizado por crianças, interfere na freqüência e aproveitamento da escola.


         Estudos realizados por Cavalieri (2000) indicam que há diferenças entre as
taxas de escolarização das crianças e adolescentes ocupados e dos não-ocupados.
Este estudo estimou que o percentual de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos de
idade, ocupados, sem instrução ou com menos de um ano de estudo (28,0%) era
superior ao dos não-ocupados (15,7%). O percentual dos ocupados com 8 a 10 anos
de estudo (10,0%) era inferior ao dos não-ocupados (14,2%).


         A correlação entre trabalho infantil e a freqüência escolar é bastante
significativa, pois a quantidade de crianças que não estudam e trabalham é
praticamente o dobro das que apenas estudam. Martins (1993) salienta que o
trabalho infantil marginaliza a criança porque ela não pode viver sua infância
(brincando e aprendendo) e nem é preparada para se tornar uma cidadã plena, ou
seja, ela perde sua infância e a oportunidade de uma boa educação.
32




      Ghiraldelli   (1997)   informa   que   dados   do   CEPAL    relacionam    que
aproximadamente uma em cada 10 crianças entre 10 e 14 anos, trabalha no Brasil.
Essas crianças têm menor oportunidade de freqüentar a escola regularmente e,
mesmo quando conseguem freqüentar não tem tempo para estudar, o que aumenta
a repetência e a evasão. Outra conseqüência do trabalho infantil é a baixa
escolaridade que limita as oportunidades de emprego qualificado e sem qualificação
a remuneração é mais baixa.


      O que acontece então quando os pais colocam suas crianças para trabalhar?
Há uma redução no rendimento escolar e prováveis problemas de saúde em uma
fase adulta da vida. Ocorre um aumento imediato de renda na família, mas, em
contrapartida, haverá a perda de uma melhor remuneração futura porque as
crianças não puderam estudar e nem se capacitar a melhores empregos. Assim,
continuará o ciclo repetitivo de pobreza já experimentado pelos pais. Isto acontece
em todo o mundo como enfatiza Freitas (2003, p. 112):


                     Na África os conhecidos como "Mercadores de homens" compram
                     crianças por um dinheiro miserável e as obrigam a trabalhar em
                     plantações de algodão e cacau. As meninas são humilhadas, sofrem
                     abuso e muitas vezes machucadas se algo não está de acordo com
                     as famílias dos ricos.


      De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(IBGE, 2004) 5,3 milhões de crianças na faixa de 5 a 16 anos trabalham em todo o
país, sendo que destes, 75% estavam na agricultura. No Brasil, na região do semi-
árido, no período do plantio e colheita, milhares de crianças brasileiras que residem
em zonas rurais são afastadas da escola para trabalharem na lavoura.


      Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2004)
é na área rural que se concentra o maior uso da mão-de-obra infantil. Conforme a
PNAD (2006)1 53% dos meninos e 46,5% das meninas, de 05 a 15 anos, que
trabalham no Brasil, vivem no meio rural e trabalham na área agrícola. O maior
número de crianças trabalhadoras do Brasil, encontra-se no estado da Bahia. Para
se ter uma idéia 9,13% das crianças baianas trabalha para sobreviver, enquanto que
a média no Brasil se encontra em 6,33% (IBGE, 2004)
33




      No mundo inteiro cerca de 350 milhões de crianças, na faixa etária de 5 a 17
anos, trabalham para prover a sua subsistência, informam a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa Internacional de Eliminação do
Trabalho Infantil (IPEC, 2005). A maior parte dessas crianças vive na Ásia, África e
Oriente Médio.

II.4.2 Fatores que ocasionam o trabalho infantil

      Vários estudos foram realizados por economistas, afirma Kassouf (2001),
para entender porque as crianças precisam trabalhar. Eles deduziram que os fatores
predisponentes à realização do trabalho infantil são: a pobreza, cultura, grau de
escolaridade dos pais das crianças, tamanho da família, local de residência, idade
em que os pais começaram a trabalhar, sexo do responsável pela família e a renda
da família (KASSOUF, 2001).


      A pobreza é citada como um dos fatores mais importantes porque nas nações
ricas quase inexiste o trabalho infantil. Vários estudos mostram que o aumento da
renda familiar reduz a probabilidade de a criança trabalhar e aumenta a de estudar.
A cultura, ou seja, o meio social ao qual os pais pertencem, determina a maneira de
pensar, pois alguns pais mesmo tendo boa situação financeira acham normal seus
filhos trabalharem em novelas, em programas infantis na TV. Quanto maior a
escolaridade dos pais menor é a taxa das crianças que trabalham, por que eles
entendem que o trabalho atrapalha a freqüência escolar (KASSOUF, 2001).


      Quanto à estrutura familiar, quanto maior é o número de filhos, mais
necessidade os pais têm de colocá-los para trabalhar ainda crianças. Isso acontece
nas famílias pobres. Com relação ao sexo do responsável pela família, vê-se que
crianças de família chefiada por uma mulher têm maior probabilidade de trabalhar.
Em relação ao local de residência, as crianças da zona rural trabalham mais do que
as crianças da zona urbana. Outro ponto determinante do trabalho infantil é a
entrada precoce dos pais no mercado de trabalho, isto é, pais que trabalharam
desde crianças, são mais propensos a colocar os filhos para trabalhar.
34




II.4.3 Conseqüências do trabalho infantil


      Os efeitos danosos do trabalho realizado por crianças se refletem sobre a
educação, o salário e a saúde. O trabalho exercido durante a infância impede a
aquisição de educação, conforme foi comprovado pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (PNAD, 2003). Nesta pesquisa ficou evidenciado que quanto
mais jovem a pessoa começa a trabalhar, menor é o seu salário na fase adulta. Isto
acontece por que o jovem não pode freqüentar a escola e não adquiriu
conhecimentos que o capacitasse a um melhor emprego (KASSOUF, 2001).


      De acordo com os dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (SAEB, 2003) em teste aplicado aos alunos de escolas públicas e privadas,
ficou comprovado que o trabalho infantil fora do domicilio da criança diminui
consideravelmente o desempenho escolar (cerca de 20%). Os alunos que
trabalhavam obtiveram menos pontos do que os que só estudavam. As atividades
realizadas pelas crianças para sobreviver provocam impactos sobre a performance
escolar e consequentemente, sobre seu futuro.


      Em relação à saúde da criança, o trabalho infantil altera o estado de saúde
tanto na fase inicial da vida como na fase adulta. Para Martins (1993) existem
diferenças físicas, biológicas e anatômicas entre as crianças e os adultos; elas são
mais vulneráveis ao calor, produtos químicos e ao barulho, e podem, sofrer danos
irreversíveis em seu organismo. Além disso, os equipamentos dos locais de trabalho
não foram idealizados para crianças e podem acarretar fadiga e acidentes. Por
exemplo: uma criança que trabalha carregando peso sofre deformações em sua
coluna vertebral.


      O trabalho precoce, seja qual for, prejudica o psicológico da criança, uma vez
que ela não vivencia a fase mais pura de sua vida: a infância! Ela não tem tempo
para brincar, para realizar todas as atividades que são peculiares a esse período de
vida. Por exemplo, o trabalho realizado em novelas retira da criança o seu tempo de
brincar; pode até não prejudicar sua freqüência às aulas, mas não lhe deixa tempo
para o lazer.
35




       O combate ao trabalho infantil é tão relevante que foi criado um dia para
promover a conscientização sobre sua ilegalidade: do dia 12 de junho é consagrado
ao Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil (DMCTI). Em prol dessa luta também foi
criado no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente que promoveu mudanças
significativas nas políticas públicas sobre os direitos da criança. Foram criados
também programas governamentais como o Bolsa-Escola e o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) implantado em 1996 (RIZZINI, 1999).


       O objetivo do programa PETI é retirar crianças, na faixa etária de 7 a 14 anos,
do mercado de trabalho e conduzi-las à jornada escolar ampliada, na qual elas são
obrigadas a freqüentar as aulas e a participarem de atividades culturais e esportivas.
Além do PETI, várias organizações governamentais e não-governamentais têm
programas para crianças envolvidas no trabalho precoce, retirando-as e as
conduzindo para a escola. Após a segunda guerra mundial foi criada a Organização
Internacional do Trabalho pela Conferência da Paz, que também se engaja na luta
ao trabalho infantil (JAVEAU, 2005).


II.4.4 O aluno que trabalha


       Para se falar do aluno que também trabalha, deve-se inicialmente, falar da
importância da educação e da escola em sua vida. Para Sacristán e Gómez (2000)
educação é um processo de atuação de uma comunidade sobre o desenvolvimento
do indivíduo a fim de que ele possa atuar em uma sociedade pronta para a busca da
aceitação dos objetivos coletivos. Para isso, deve-se considerar o homem no plano
físico e intelectual, consciente das suas possibilidades e limitações, e capaz de
compreender a realidade do mundo que o cerca.


       Educação é o “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual
e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração
individual e social”, ressalta Calvez (1966, p. 88).


       A Constituição Brasileira ressalta que a educação, é um direito de todos e
dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada com a colaboração da
36




sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.


       De acordo com Corazza (2002) educação é um processo, que ocorre
gradativamente (uma série de acontecimentos, uma somatória) de desenvolvimento
da capacidade física, intelectual e moral do ser humano. Por isso é importante que a
criança e o adolescente sejam educados, freqüentem a escola, para aconteça o seu
desenvolvimento físico e intelectual. Muitos educadores e organizações que
combatem o trabalho infantil são taxativos em afirmar que ele prejudica o
aproveitamento escolar da criança, além de sua capacidade de criar, tornando-as
adultos precoces.


       Acredita-se que é o progressivo empobrecimento da classe trabalhadora,
onde se verifica a necessidade de incorporar mais membros da família no mercado
de trabalho. Quem mais sofre com essa situação é o aluno da escola pública. Mas, o
que acontece com esse aluno que precisa trabalhar ainda tão cedo? Ele chega à
escola, cansado e mal alimentado o que limita o seu potencial, pois tem menos
tempo ou quase nenhum para se preparar para as avaliações, para preparar suas
atividades extra-classe. Geralmente, ele dorme tarde, acorda cedo, alimenta-se mal,
trabalha mais de oito horas por dia e já chega à escola em precárias condições
físicas e intelectuais.


       Devido a chegarem já cansados na sala de aula, os alunos que trabalham não
apresentam um aproveitamento ideal das aulas. Por isso Postman (1999) ressalta
que a criança e o adolescente devem ser considerados seres em formação e como
tal, afastados do mercado de trabalho e direcionados para a escola. O lugar deles é
na escola e não na fábrica, na lavoura ou em qualquer tipo de atividade econômica
que prejudique psicológica e fisicamente o seu desenvolvimento (MARTINS, 1993).


       Muitas pessoas acham que é melhor a criança trabalhar do que ficar nas ruas,
o que segundo estudos já realizados por Sento Sé (2000) não corresponde à
verdade por que seja na rua ou no trabalho precoce, a criança está sujeita a muitos
perigos em função de sua imaturidade.
37




                         Nas ruas, crianças e adolescentes podem se envolver com
                         exploração sexual, tráfico de drogas e outras mazelas que venham a
                         comprometer seu desenvolvimento psico-social. No trabalho, dentre
                         outros males, carregamento de peso e permanência em posturas
                         viciosas provocam deformações, principalmente nos ossos longos e
                         coluna vertebral, aliados à nutrição deficiente, os esforços excessivos
                         também podem prejudicar a formação e o crescimento da
                         musculatura (SENTO SÉ, 2000, p. 44).


          Quando um trabalho é exercido por longos anos desde muito cedo, durante
muitas horas por dia, acaba prejudicando o desenvolvimento físico, psicológico,
intelectual e social das crianças. Um estudo realizado por Esterci (1994) demonstrou
que muitas crianças sentiam dores musculares por conta de postura, e sofriam
também com asma e danos psíquicos, em virtude do trabalho precoce. A
“representação de mundo das crianças vai se construindo na rua e não na escola,
longe do modelo de desenvolvimento instituído pela sociedade. Mais tarde, ela pode
estar reproduzindo às violações a que foram expostas precocemente”, explicou
Esterci (1994, p. 71).


          Para Pires (1998) são três os motivos históricos que levam as crianças
brasileiras a serem exploradas no trabalho, “entre eles estão a necessidade de
contribuir na renda da família, as crenças que o trabalho é um aprendizado para o
futuro e que é melhor a criança trabalhar que ficar na rua ou não ter atividade”. O
que se percebe é que normalmente os trabalhadores infantis não são crianças que
vivem na rua, eles têm família, freqüentam a escola e pelo menos o pai, a mãe ou
irmãos mais velhos também trabalham.


          Pires (1998) salienta que a “exposição da criança ao trabalho precoce
compromete o desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente”.
Estando ainda em formação, seus organismos estão predispostos aos agentes
agressivos presentes nos ambientes de trabalho, podendo adquirir sérias
debilidades, prejudicando o crescimento e desenvolvimento, comprometendo seu
futuro.
38




                                    CAPÍTULO III


                                   METODOLOGIA




III.1 Tipo de pesquisa utilizada


       Elegemos para essa pesquisa a abordagem qualitativa, por definir-se como
de relevância social por aproximar-nos de uma realidade, pois através da percepção
da complexidade é que nos questionamos e buscamos desvendar os significados do
trabalho infantil.
       Esse tipo de pesquisa nos leva a uma melhor análise do objeto estudado, pois
Ludke (1986. apud BOGDAM e BIKELEN, 1982) diz que:


                     A pesquisa qualitativa ou naturalista envolve a obtenção de dados
                     descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação
                     estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa
                     em retratar a perspectiva dos participantes (p. 13).


       Por meio da pesquisa qualitativa pode-se perceber, refletir, através do objeto
estudado, as expectativas, e os anseios através do contato direto com a realidade
dos sujeitos pesquisados, pois essa pesquisa caracteriza-se como de relevância
social através da aproximação da realidade a ser estudada, e Ludke ( 1985 ) apud
Bogdan e Biklen (1982 ) através das características básicas que configuram esse
tipo de pesquisa, afirmam que:


       O interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar
como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações
cotidianas. (p.12)


III.2 Lócus da pesquisa


       Este estudo foi realizado nas comunidades denominadas Fazenda Gameleira
e Fazenda Várzea de Cima, situadas no município de Pindobaçu, Bahia. O
município esta situado no centro norte baiano, mais especificamente no microrregião
39




de senhor do Bonfim e faz fronteiras com os municípios de Campo Formoso, Antonio
Gonçalves, Mirangaba, Filadélfia e Saúde. O número de crianças pesquisadas foram
seis na Fazenda Gameleira, e cinco na Fazenda Várzea de Cima.


III.3 Sujeitos envolvidos


      Inicialmente registrou-se 11 crianças sendo 06 meninos e 05 meninas, cuja
faixa etária variava de 10 a 15 anos. Em seguida, contatou-se com essas crianças
para fazer o convite para participar da pesquisa. Tomou-se então essa amostra de
11 alunos que estudam e trabalham para responderem ao questionário, no sentido
de apreender um pouco da realidade daqueles que vivem cotidianamente envolvidos
com a questão do trabalho e do estudo.


III.3.1 Instrumentos utilizados


      A coleta de dados foi norteada por meio de questionário fechado onde se
buscou a definição do perfil dos sujeitos pesquisados e, entrevistas estruturadas que
foram analisadas após a interpretação das transcrições, onde procuramos através
dos questionamentos verificar como as crianças vêem o trabalho no seu cotidiano.


III.3.2 Questionário fechado


      Marconi Lakatos (1996) define questionário como: “... um instrumento de
coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas que devem ser
respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador” (p. 88).


      Partindo desse pressuposto é que elegemos o questionário, pela necessidade
de levantar dados suficientes para traçar o perfil dos sujeitos pesquisados, buscando
delinear os sujeitos em seus aspectos peculiares.


III.3.3 Entrevista


      Segundo Goode e Hatt (1968), mas de que outros instrumentos de pesquisa,
que em geral estabelecem uma relação hierárquica entre o pesquisador e o
40




pesquisado, na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma
atmosfera de influencia recíproca entre quem pergunta e responde.


      A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas, é que ela permite a
captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados tópicos como pontua Goode e Hatt
(1968):


                     Como se realiza de maneira exclusiva, seja com indivíduos ou com
                     grupos, a entrevista permite correções, esclarecimentos e
                     adaptações que a tornem sobre maneira eficaz na obtenção das
                     informações desejadas. Enquanto outros instrumentos têm seu
                     destino selado no momento em que sai das mãos do pesquisador
                     que os elaborou, a entrevista ganha vida ao se iniciar o dialogo entre
                     o entrevistador e o entrevistado (Goode e Hatt).


      Esse instrumento de pesquisa nos leva a uma interação mais próxima com os
sujeitos pesquisados, desvendando o objeto de estudo.


III.3.4 Coleta de dados


      O trabalho de campo teve início através de visitas às Fazendas pesquisadas.
Foi realizado um levantamento inicial do número de crianças que trabalhavam e das
que estudavam e trabalhavam e em seguida, foi aplicado o questionário no período
de 15 a 30 de maio de 2008. Os dados obtidos foram analisados e discutidos no
capítulo “Análise dos Resultados Obtidos”.
41




                                          CAPÍTULO IV


                       ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS

      O trabalho infantil nas Fazendas Gameleira e Várzea de Cima, situadas em
Pindobaçu, Bahia, é uma realidade, como ficou comprovado nos dados obtidos
neste estudo. Portanto, neste capítulo serão abordados os resultados e verificadas
as suas conseqüências.


IV.1 Perfil dos alunos que participaram do estudo


      Após leituras das transcrições do material, foi realizada uma análise do
conteúdo a partir de categorias definidas, como sexo, idade, série freqüentada, turno
em que as crianças trabalham, freqüência da escola, local de residência e filiação.
Com a codificação dessas unidades em gráficos, foi delineado um perfil das
crianças.

      Presenciaram-se nas comunidades da Fazenda Gameleira e Várzea de Cima,
alunos com idade anticonstitucional para o trabalho, mas que estavam trabalhando;
dos 11 alunos que participaram da pesquisa, 45% se encontravam na faixa etária de
13 a 16 anos, 46% possuíam de 11 a 12 anos e os demais (9%) se situavam de 08 a
10 anos (Figura 01).




                                                             9,00%


              45,00%




                                                                                 46,00%




                         De 5 a 10 anos    De 11 a 12 anos     De 13 a 16 anos

      Figura 02. Faixa etária dos alunos que participaram da pesquisa
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados
42




       O trabalho infanto-juvenil, que no Brasil abrange a faixa etária de 06 a 16
anos, faz com que a criança assuma responsabilidades de adulto, como a luta pela
própria sobrevivência e do grupo familiar, transformando-se em adulto quando ainda
está em formação. Ao se relacionar com o mundo do trabalho, passa a ser obrigada
a ter responsabilidades que não são próprias para a sua idade e que lhe
desoportuniza a garantia dos direitos elementares como escolarização, lazer,
esporte e enfim, de sua preparação para a vida adulta. Nessa faixa de idade, a
criança não deve pensar no trabalho como fonte de sobrevivência, não deve se
envolver com os problemas da fase adulta, ao contrário, deve lhe ser assegurada a
vivência de sua infância e puberdade, para que tenha um desenvolvimento
completo.


       Entre os pesquisados, a maioria é de meninos, sem que haja, entretanto,
diferenças notáveis entre os sexos, pois 55% pertenciam ao sexo masculino e 45%
ao sexo feminino (Figura 02).




                                                                45,00%



               55,00%




                                   Feminino   Masculino

       Figura 03. Gênero dos participantes da pesquisa
       Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


       Do total da amostra, 9% freqüentam da 1ª à 4ª série do Fundamental I, 73%
está cursando da 5ª à 8ª série do Ensino fundamental II, e 18% não estuda (Figura
03).
43




                           18,00%                              9,00%




                                                                73,00%




                 1ª a 4ª Série do Fundamental I   5ª a 8ª Série fundamental II    Não estudam


      Figura    04.     Série       freqüentada            pelas        crianças/trabalhadores   das
                        comunidades de Gameleira e Várzea de Cima, em
                        Pindobaçu, Bahia
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


      Quanto ao turno em que trabalha (Figura 4), a maioria (46%) dos alunos
afirmou que é na parte da tarde (vespertino), porque vão à escola pela manhã.
Outros (36%) disseram ser no turno matutino, e as crianças que não estudam (18%),
trabalham o dia todo.




                           18,00%

                                                                                      36,00%




                            46,00%




                               Turno matutino     Turno vespertino   O dia todo

      Figura 04. Turno no qual as crianças trabalham
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados
44




      Portanto, estas últimas não podem freqüentar a escola por que o trabalho
ocupa todo seu tempo. Quanto às crianças que trabalham apenas um turno, são
prejudicadas também em seus estudos porque não lhes sobra tempo para fazer as
atividades e nem repassar os conteúdos que foram vistos na escola.


      Quanto ao local em que residem, 64% das crianças moram na Fazenda
Gameleira e as demais (36%) na Fazenda Várzea de Cima (Figura 5), que são
comunidades relativamente pobres, o que contribui para o trabalho infantil.




                 36,00%




                                                                   64,00%




                              Fazenda Gameleira   Várzea de Cima

      Figura 05. Comunidades onde moram as crianças entrevistadas
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


      Com relação aos pais, 91% das crianças são filhos de pais vivos e apenas 9%
são órfãos (Figura 6), o que não justificaria o fato das crianças precisarem trabalhar,
mas considerando-se a pobreza da região, os pais são às vezes, forçados a lançar
mão do trabalho para seus filhos.
45




                                                      9,00%




                              91,00%




                           Crianças orfãs   Crianças com pais vivos

      Figura 06. Quanto aos pais estarem vivos
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


IV. 2 O posicionamento dos alunos entrevistados


      A análise dos conteúdos dos discursos foi embasada nas temáticas descritas
nos capítulos anteriores, onde se pretendeu discutir e relacionar os conteúdos com
referenciais de autores que estudaram estas questões. Este trabalho apresenta
resultados produzidos por uma investigação que teve como propósito analisar
discursos sobre a exploração do trabalho infantil nas comunidades da Gameleira e
Várzea de Cima, do município de Pindobaçu, no Estado da Bahia.


IV.2.1 Com relação aos motivos pelos quais as crianças trabalham e quais as
atividades realizadas


      Buscando responder à questão porque as crianças trabalham e que
atividades realizam no decorrer deste trabalho, procurou-se verificar as causas que
levam essas crianças a trabalharem ainda tão novas. A análise das entrevistas
recolhidas permite afirmar que 73% das crianças disseram trabalhar porque
precisam ajudar o pai nas despesas da casa. As demais crianças (27%) não
conseguiram explicar suas razões (Figura 7a).
46




                   27,00%




                                                                           73,00%




                  Para ajudar o pai na renda da casa   Outras razões não especificada

      Figura 7a. Causas do trabalho realizado pelas crianças entrevistadas
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados



      Por acreditar que as atividades que realizam no seu dia a dia Quanto a
atividade que elas realizam, a maioria (55%) informou que é atividade agropecuária,
outras (36%) disseram ser atividade doméstica (dentro e fora de seu lar) e uma
minoria (9%) disse vender geladinho (Figura 7b).




                36,00%




                                                                                  55,00%


                            9,00%




                   Atividade agropecuária   Vende geladinho    Atividades domésticas

      Figura 7b. Atividades realizadas pelas crianças trabalhadoras
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados
47




      O fato das crianças trabalharem para ajudar o pai nas despesas, demonstra o
quadro de pobreza da comunidade onde moram. A pobreza contribui para o ingresso
precoce de crianças no mundo do trabalho. Como a baixa renda é insuficiente para a
subsistência das famílias, elas incluem todos os seus membros (inclusive as
crianças) no mercado de trabalho para complementar a renda familiar.


      Estes resultados são enfatizados pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT,1993), ao afirmar que as crianças são utilizadas em diversas modalidades de
emprego no campo, na cidade, no lar, na rua, em artesanatos, no comércio, em
plantações, minas e fábricas.


      O maior percentual de crianças trabalha em atividades agropecuárias, como
se pode ver acima. Realmente, nas leituras realizadas para fundamentação teórica,
fala-se que é na área rural onde persiste maior incidência de trabalhadores mirins,
que vão ao campo ajudar seus pais na colheita e nos cuidados com o gado. A
utilização de mão de obra infantil na agricultura acontece porque os pais exercem
também atividades na lavoura e, como precisam produzir mais para serem pagos,
iniciam precocemente suas crianças no trabalho, não se importando com a
educação das mesmas.


      Um dos resultados acima condiz com a afirmação de Kassouf (2001) quando
ele informa que as atividades realizadas dentro de casa em troca de teto, comida e
roupa, são caracterizadas como trabalho infantil. O autor ainda diz que esse tipo de
trabalho acarreta uma série de seqüelas nas crianças, como problemas de coluna
por excesso de peso, riscos de acidentes com facas e outros instrumentos e até
espancamentos. Provoca também danos psicológicos, por terem que abandonar
suas famílias e irem morar em outra casa, onde não são tratados como membros da
família. Eles se sentem excluídos pelos proprietários da casa onde trabalham, por
não receberem o afeto necessário à sua faixa de idade.
48




IV.2.2 Quanto à questão: “Você gosta do trabalho que realiza? Quanto ganha
por dia com o seu trabalho?”


      Quando questionadas sobre a questão de gostar do trabalho que executam,
as crianças entrevistadas, 55% disseram que gostam de trabalhar e apenas 45%
delas responderam que não gostam e que adorariam ficar brincando ou estudando
(Figura 8a).




               45,00%



                                                                          55,00%




                          Gostam do trabalho que reaslizam   Não gostam

     Figura 8a. Opinião das crianças sobre gostar ou não do trabalho que
                 executam
       Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


      Quanto ao pagamento que recebem, os valores divergiram de uma para
outra, cada valor correspondendo a 9% dos entrevistados. O maior percentual (55%)
de crianças afirmou que não recebem nada, trabalham fazendo serviços domésticos
dentro do próprio lar, ajudando a mãe que trabalha fora (Figura 8b).
49




                                       9,00%                    9,00%
                        9,00%                                                9,00%

                9,00%




                                                                55,00%




           De R$ 5,00 a R$ 8,00   De R$ 5.00 a R$ 6,00   Nada     R$ 12,00   R$ 10,00   R$ 50,00

      Figura 8b. Valor recebido pelas crianças como pagamento pelo seu
                  trabalho
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


      Percebe-se pelos dados acima que as crianças se consideram responsáveis,
sentem-se provedores da família, gostam de seu trabalho porque conseguem
ganhar algum dinheiro e se sentem importantes por isso. No início até estranham o
fato de trabalhar, mas quando começam a ganhar algum dinheiro se entusiasmam e
passa a gostar do que fazem. Geralmente elas dizem que gostam de trabalhar, mas
dizem também que ficam muito cansadas na escola e acabam faltando bastante.


      Acontece que as sociedades humanas são marcadas pela desigualdade
social, possuindo um modelo econômico que oferece espaços e até incentiva a
incorporação da mão-de-obra infanto-juvenil, privilegiando o lucro acima dos valores
humanos. Além disso, o desemprego e a pobreza fazem com que os pais coloquem
seus filhos para trabalhar desde pequenos, para sobreviver.


      O valor recebido pelas crianças fica aquém dos valores recebidos pelos
adultos, variando de R$ 5,00 até R$ 50,00. Geralmente elas dão todo o valor para a
família ou então ficam com a metade do dinheiro para uso próprio. E mesmo aquelas
crianças que ficam com algum dinheiro, é para comprar caderno, livro, tênis, roupas.
Ou seja, de qualquer forma compram coisas para a sua sobrevivência. Como se
pode observar as crianças são mal remuneradas e, no entanto, fazem o serviço de
50




um adulto. É por isso que muitos empregadores preferem empregar crianças, para
terem menos despesas com pagamento de salários.


IV.2.3 Quanto à idade em que começaram a trabalhar


      As crianças entrevistadas começaram a trabalhar muito cedo, como
comprovam os resultados obtidos: 25% iniciaram seu trabalho aos seis anos, 17%
com oito anos de idade, 25% aos 10 anos, 25% com 11 anos e 8% a partir dos 12
anos de idade (Figura 9).




                       25,00%                                               25,00%




                                                                               17,00%
                       25,00%
                                                          8,00%




            Começam a trabalhar com 6 anos de idade   Com 8 anos de idade
            Com 12 anos de idsde                      Desde os 10 anos
            Com 11 anos

      Figura 9. Idade em que as crianças começaram a trabalhar
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


      A entrada precoce das crianças no mercado de trabalho está associada à
pobreza de suas famílias. Diante desta situação, questiona-se como estas crianças
podem chegar a um estágio de cidadania, se a educação a qual lhes é necessária, é
obstruída pela sua condição de trabalhadores infantis. De acordo com Ghiraldelli
(1997, p. 45) “o trabalho infantil é uma das formas mais cruéis de se negar o futuro
ao ser humano”.


      Ghiraldelli (1997) ressalta ainda que tendo que trabalhar desde cedo, a
criança perde a infância para ajudar no sustento da família e com isso deixa de
estudar, de brincar e de se tornar um cidadão apto a enfrentar os enormes desafios
do mundo que o cerca.
51




IV.2.4 Em resposta à questão: O que você gostaria de fazer se não tivesse que
trabalhar?”


        Algumas respostas para esta questão foram variadas, mas todas tinham um
ponto em comum: brincar! Outras respostas coincidiram no item - estudar. É por isso
que muitos autores enfatizam que um dos prejuízos que o trabalho precoce traz para
a criança é a perda de sua infância, a perda dos momentos de lazer, a ausência das
brincadeiras. Eis algumas respostas encontradas:


        “Brincar com meus amigos”; “Tomar banho no rio e jogar bola”; “Usava todo
meu tempo apenas para passear”; “Jogar bola”; “Estudar e andar de bicicleta”;
“Estudar, brincar de bola e andar de bicicleta”; “Ficar dormindo o dia todo e
brincando”; “Passear e estudar”.


        Pelas respostas observadas, percebe-se que até as crianças acham
importante estudar. A escola é insubstituível para a socialização e o aprendizado em
geral, afirma Martins (1993). Percebe-se ainda que elas sentem falta de viver sua
infância, quando mencionam que gostariam de jogar bola, nadar no rio, andar de
bicicleta e estudar, ou seja: brincar!


        Postman (1999, p. 18) ressalta que


                       Toda criança tem o direito de viver a sua infância. As atividades que
                       predominam nesse período são as que envolvem movimento e
                       criação de significados, fazendo com que a criança se desenvolva
                       como um ser de cultura. Atividades como desenhar, brincar de faz-
                       de-conta, cantar, dançar, ouvir histórias, são muito importantes para
                       a criança porque ela é um ser em formação de sua identidade.


        As brincadeiras são tão importantes quanto o estudo. Quando as crianças
brincam conseguem encontrar respostas a várias indagações, podem sanar
dificuldades de aprendizagem, bem como interagir com as outras crianças. Ao
brincar a criança está exercitando suas potencialidades, adquire conhecimento sem
medo,     desenvolve     a   sociabilidade,    desenvolve-se      intelectual,   social   e
emocionalmente. O ato de brincar é fundamental para a formação da criança em
todas as etapas da sua vida.
52




      Ao se iniciarem precocemente no mercado de trabalho as crianças e os
adolescentes não têm acesso ao lazer nem a recreação, são literalmente excluídas
do mundo lúdico e prazeroso e isso lhes faz muita falta, afirma Postman (1999).


IV.2.5 Motivos pelos quais as crianças não estudam



      As duas crianças trabalhadoras que não freqüentam a escola e participaram
desta pesquisa, quando se perguntou as razões que as levavam a não estudar,
responderam:


                     Porque não gosto de estudar (CRIANÇA 1).

                     Porque acho difícil trabalhar e estudar ao mesmo tempo (CRIANÇA
                     2).


      Às vezes acontece uma criança que trabalha dizer que não gosta da escola.
O problema é que como não pode freqüentar devidamente o espaço escolar, ela não
se sente atraída por ele e pouco consegue se identificar com os rituais da escola,
chegando mesmo a dizer que a escola não é boa para ela, que nasceu mesmo foi
para trabalhar. A partir do convívio no mundo do trabalho e sem freqüentar a escola,
ela vai aprendendo a não se sentir capaz, se sentindo pouco "inteligente",
acreditando não ser capaz de aprender os conteúdos escolares, por isso não gosta
de estudar.


      Várias crianças desistem da escola por que não conseguem acompanhar os
seus colegas, em virtude do trabalho que realizam. As respostas acima são
corroboradas por Ghiraldelli (1997) quando ele diz que a criança trabalhadora
permanece, em muitos casos, por anos e anos em uma mesma série. O processo de
repetir faz com que ela internalize a sua própria incompetência. Ninguém precisa
dizer isto para ela. Através de seu insucesso ela vai achando que aquele não é o
melhor lugar para ela e abandona a escola.
53




IV.2.6 Quanto à repetição de série pelas crianças que estudam



      No que se refere aos efeitos do trabalho sobre a escolarização, os prejuízos
citados são a repetência e a evasão, conforme os dados obtidos, onde 78% dos
entrevistados afirmou que já repetiu a mesma série pelo menos uma vez. Apenas
22% deles disseram nunca ter “perdido de ano”, ou seja, nunca repetiram a série
estudada (Figura 10).




                        22,00%




                                                                       78,00%




                             Já repetiu o ano   Nunca repetiu ano escolar

      Figura 10. Índice de repetência dos alunos pesquisados
      Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


      Uma das crianças que não estuda informou que já estudou e que desistiu na
3ª série do fundamental I.


      Estes resultados confirmam que o trabalho infantil acarreta dificuldades de
aprendizado, desde as tarefas simples até as mais complexas como interpretação
de textos, aumentando a repetência e a evasão escolar. Geralmente as crianças que
trabalham são reprovadas de duas a quatro vezes na mesma série, porque mal
aprendem a escrever. O tempo dedicado ao trabalho impede até que o aluno faça as
atividades escolares.


      Quem mais sofre com a reprovação é o aluno porque ele passa a se criticar
ou se depreciar e com isso sua auto-estima é rebaixada. A reprovação não deve ser
vista como punição, mas como uma oportunidade para o aluno cumprir o que não
54




conseguiu em um ano, mas geralmente os alunos não entendem assim e
abandonam a escola. Segundo Schwartzman (2001) o abandono escolar impede a
formação profissional, criando problemas sociais. A defasagem escolar provocada
pela repetência é desgastante e impede a dedicação aos estudos.

IV.2.7 Quanto ao futuro das crianças


       Muitos dos meninos que participaram da presente pesquisa, querem ser
policiais (40%) e pedreiros (20%) e as meninas, professora (20%), veterinária (10%)
e atriz (10%) (Figura 11).




                                     10,00%
                                                                         20,00%
                     10,00%




                20,00%

                                                                         40,00%




              Quero ser professora   Meu sonho é ser policial   Ser pedreiro   Veterinária   Atriz

       Figura 11. Os sonhos das crianças trabalhadoras que participaram da
                  pesquisa
       Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados


       São os planos que eles têm para seu futuro. Acontece que, ao exercerem
atividades de trabalho conjuntamente com a escola, seus sonhos dificilmente serão
atingidos. O trabalho infantil não dignifica a criança, ao contrário, a escraviza.


       Quando ela tem que trabalhar, está deixando para trás seus sonhos, suas
fantasias para compactuar com um mundo insensível. Segundo Postman (1999) a
necessidade do trabalho tem que ser ensinada às crianças com o passar do tempo,
contudo, se são forçadas a trabalhar acabam amadurecendo cedo demais. Perdem
a infância e toda a beleza que existe nela. Muitas deixam de freqüentar a escola.
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Monografia Rosemaide Pedagogia 2003

  • 1. 0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII CRIANÇAS QUE TRABALHAM E ESTUDAM EM UMA ESCOLA DE PINDOBAÇU – BAHIA ROSEMAIDE FERREIRA DA SILVA SENHOR DO BONFIM – BAHIA 2009
  • 2. 1 ROSEMAIDE FERREIRA DA SILVA CRIANÇAS QUE TRABALHAM E ESTUDAM EM UMA ESCOLA DE PINDOBAÇU – BAHIA Trabalho monográfico apresentado como pré-requisito para conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia, Habilitação nas séries iniciais, do Ensino Fundamental, pelo Departamento de Ensino – Campus VII, do Estado da Bahia. Orientadora: Simone Wanderley SENHOR DO BONFIM – BAHIA 2009
  • 3. 2 ROSEMAIDE FERREIRA DA SILVA CRIANÇAS QUE TRABALHAM E ESTUDAM EM UMA ESCOLA DE PINDOBAÇU – BAHIA Aprovada em _______/________/__________ ______________________________________________ Orientador _______________________________________________ Avaliador _______________________________________________ Avaliador
  • 4. 3 A Deus, amigo de todas as horas. Aos colegas da turma de pedagogia 2003, em especial as minhas amigas Edileuza, Eneandra e Vanessa por compartilhar os momentos de aflição, angústias e alegrias. Aos meus familiares, Beatriz, Charlene, Daniel, Maria e Rosa. Ao querido Heliton por estar presente em minha vida em todos os momentos. Aos alunos, que contribuíram comigo para realização desta pesquisa. Muito obrigada!
  • 5. 4 AGRADECIMENTOS Ao Departamento de Educação Campus VII. Aos funcionários, a cada professor que contribuiu com seu conhecimento para realização deste trabalho, em especial ao professor Ozelito, as professoras Simone Wanderley, Rita Braz, Fani Quitéria. Obrigada!
  • 6. 5 Trabalho infantil é a última forma de escravidão do mundo. (STREEP, M.)
  • 7. 6 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Distribuição por setor do trabalho infantil Figura 02. Gênero dos participantes da pesquisa Figura 03 Série freqüentada pelas crianças/trabalhadores das comunidades de Gameleira e Várzea de Cima, em Pindobaçu, Bahia Figura 04 Turno no qual as crianças trabalham Figura 05. Comunidades onde moram as crianças entrevistadas Figura 06 Quanto aos pais estarem vivos Figura 07a. Causas do trabalho realizado pelas crianças entrevistadas Figura 7b Atividades realizadas pelas crianças trabalhadoras Figura 8 a. Opinião das crianças sobre gostar ou não do trabalho que executam Figura 8b. Valor recebido pelas crianças como pagamento pelo seu trabalho Figura 9. Idade em que as crianças começaram a trabalhar Figura 10. Índice de repetência dos alunos pesquisados Figura 11. Os sonhos das crianças trabalhadoras que participaram da pesquisa Figura 12. Conseqüências do trabalho infantil sobre a freqüência escolar
  • 8. 7 LISTA DE ABREVIATURAS DMCTI – Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEC – Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil OIT – Organização Internacional do Trabalho ONGs – Organizações Não Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PNAD – Pesquisa Nacional de Amostragem e Domicílio SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica TV – Televisão
  • 9. 8 RESUMO Em todo o mundo verifica-se o grande número de crianças que trabalham e estudam. No Brasil, existe uma quantidade significativa de crianças e adolescentes que realizam as duas atividades: estudo e trabalho. De acordo com dados divulgados pala pesquisa nacional de amostra de domicílios (PNAD), (2007) cerca de 12% das crianças e adolescentes na faixa etária de oito a désseis anos estudam e trabalham. Logo, esta pesquisa investiga a visão que as crianças têm sobre trabalho. Para tanto foi coletado dados no período de 15 a 30 de maio de 2008, através de questionários aplicados as onze crianças, residentes na Fazenda Gameleira e Fazenda Várzea de Cima, situados no município de Pindobaçu, Bahia. Tomamos como referencia no conceito das palavras chave autores como: Porto Huzak (2005), Martins (1979), Kassouf (1999), Corazza (2002), Pires (1988), Postman(1999), Agambem (2005), Esterci (1994), entre outros. Elegemos para o desenvolvimento deste trabalho, a pesquisa qualitativa por fornecer uma melhor compreensão e por nos aproximar da realidade pesquisada, os instrumentos para a coleta de dados foram questionários fechado e entrevista estruturada. Ao analisar os dados obtidos nesta pesquisa, os resultados apontaram à existência do trabalho infantil nestas comunidades, e percebe-se a importância da renda gerada pelas crianças no orçamento familiar, como também se comprovou que rendimento escolar é afetado por esta situação. Palavras-chave: trabalho infantil, renda e rendimento escolar.
  • 10. 9 SUMARIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 CAPÍTULO I CRIANÇA TRABALHANDO: CONSTRUÇÃO OU DEGRADAÇÃO? ........................ 14 CAPÍTULO II A INFÂNCIA, A EDUCAÇÃO, O TRABALHO EMANCIPADOR E O TRABALHO INFANTIL .................................................................................................................. 17 II.1 Considerações sobre a infância....................................................................... 17 II.2 A escola e seu processo de emancipação....................................................... 22 II.3 O trabalho emancipador e o trabalho infantil degradador ................................ 24 II.4 O trabalho emancipando o homem .................................................................. 24 II.4.1 O trabalho infantil ...................................................................................... 27 II.4.2 Fatores que ocasionam o trabalho infantil................................................. 33 II.4.3 Conseqüências do trabalho infantil ........................................................... 34 II.4.4 O aluno que trabalha ................................................................................. 35 CAPÍTULO III METODOLOGIA........................................................................................................ 38 III.1 Tipo de pesquisa utilizada .............................................................................. 38 III.2 Lócus da pesquisa .......................................................................................... 38 III.3 Sujeitos envolvidos ......................................................................................... 39 III.3.1 Instrumentos utilizados............................................................................. 39 III.3.2 Questionário fechado ............................................................................... 39 III.3.3 Entrevista ................................................................................................. 39 III.3.4 Coleta de dados ....................................................................................... 40 CAPÍTULO IV ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS ................................................................ 41 IV.1 Perfil dos alunos que participaram do estudo................................................. 41 IV. 2 O posicionamento dos alunos entrevistados ................................................. 45 IV.2.1 Com relação aos motivos pelos quais as crianças trabalham e quais as atividades realizadas .......................................................................................... 45 IV.2.2 Quanto à questão: “Você gosta do trabalho que realiza? Quanto ganha por dia com o seu trabalho?”.............................................................................. 48
  • 11. 10 IV.2.3 Quanto à idade em que começaram a trabalhar...................................... 50 IV.2.4 Em resposta à questão: O que você gostaria de fazer se não tivesse que trabalhar?” .......................................................................................................... 51 IV.2.5 Motivos pelos quais as crianças não estudam ......................................... 52 IV.2.6 Quanto à repetição de série pelas crianças que estudam ....................... 53 IV.2.7 Quanto ao futuro das crianças ................................................................. 54 IV.2.8 Em relação às conseqüências do trabalho infantil para o rendimento escolar................................................................................................................ 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 57 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59 APÊNDICE ................................................................................................................ 62 APÊNDICE A............................................................................................................. 63 QUESTIONÁRIO APLICADO ÀS CRIANÇAS QUE ESTUDAM E TRABALHAM, RESIDENTES NAS FAZENDAS GAMELEIRA E VARZEA DE CIMA, PINDOBAÇU, BAHIA ....................................................................................................................... 63
  • 12. 11 INTRODUÇÃO Para que se adquira a cidadania propriamente dita, para que o homem pertencente a uma sociedade democrática atinja o estágio de cidadão, são necessárias duas condições básicas: a educação e trabalho. O trabalho é toda atividade praticada pelo homem, é o ato humano realizado com o intuito de gerar fonte de renda e de subsistência. Ele existe desde o momento que o homem começou a transformar a natureza e o ambiente ao seu redor, desde o momento em que começou a fazer utensílios e ferramentas. Portanto trabalho é o esforço humano dotado de um propósito e que envolve a transformação da natureza através do dispêndio de capacidades físicas e mentais. Em virtude disso, o trabalho é uma atividade que não foi criada para ser exercida por crianças e adolescentes abaixo de 14 anos. Nessa faixa de idade eles devem estar freqüentando a sala de aula e se preparando para futuramente, ocupar uma vaga no mercado de trabalho. Quando uma criança ou adolescente trabalha para se manter ou ajudar sua família financeiramente, está caracterizado o trabalho infantil, tão combatido pelos governos e Organizações Não Governamentais (ONGs) de diversas nações. Nesta pesquisa foi abordado o trabalho infantil, um tema tão polêmico e cheio de controvérsias porque afasta o aluno da escola. A ausência da criança na escola e o trabalho infantil são fenômenos que andam juntos. A educação elementar não existe nos países onde a incidência do trabalho infantil é muito grande e quando existe, a qualidade do ensino é deficiente. No Brasil atualmente existem milhões de crianças que trabalham e estão fora das salas de aula. Existem também crianças que trabalham e estão freqüentando a escola, embora precariamente. As primeiras evidências do trabalho infantil ocorreram por ocasião da escravidão no Brasil que durou quatro séculos, quando os filhos dos escravos faziam o mesmo trabalho que seus pais. Quando surgiu o processo da industrialização, continuou a exploração do trabalho executado pela criança, que perdura até os dias de hoje.
  • 13. 12 Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostragem e Domicílio (PNAD) (IBGE, 1995), crianças de 10 a 14 anos, de um total de 17,6 milhões, trabalham atualmente no Brasil,. Este fato conduz a uma baixa escolaridade, principalmente nos Estados da região Nordeste. O trabalho infantil não se explica por unicausalidade. Fatores como a pobreza, a cultura, carência de ofertas de escolaridade de qualidade e inexistência de políticas públicas perseverantes, se interagem de tal maneira que em certas circunstâncias há predomínio de uns sobre os outros. Existe também o fato do trabalho infantil ser relativamente normal, quando se trata de crianças trabalhando em emissoras de TV como cantores e atores mirins. Nesse caso especificamente, o fator que leva essas crianças a trabalharem é a cultura, pois os pais dessas crianças acham que não tem nada demais e que esse trabalho que elas realizam não prejudica em nada o seu desenvolvimento. Ledo engano. Seja qual for o tipo de trabalho, ele prejudica sim, o desenvolvimento harmonioso da criança. Neste caso, as crianças deixaram de viver o período de sua infância e assumiram responsabilidades de adultos. Este estudo ficou estruturado em quatro capítulos. No primeiro capítulo procurou-se trabalhar a educação e o trabalho infantil. Relacionou-se a justificativa e os objetivos da pesquisa, as questões norteadoras e o local estudado. A intenção foi verificar o que há de real na questão do trabalho infantil e o que realmente se verifica nesta prática. No segundo capítulo faz-se uma abordagem sobre a infância, a educação, e a escola, traça-se considerações sobre a fase da infância, sobre a escola e seu processo de emancipação. Como também o trabalho emancipador e o trabalho infantil degradador, falando-se sobre o trabalho em geral e sobre o trabalho infantil, sobre as suas causas e conseqüências, sobre o aluno trabalhador. Verifica-se como o trabalho infantil interfere nos direitos sociais .
  • 14. 13 No capítulo três são enumerados os passos que foram seguidos na elaboração da presente pesquisa: o local estudado, os sujeitos e instrumentos e a coleta dos dados. O capítulo quatro analisa e discute os resultados obtidos através da aplicação dos questionários, fazendo-se um perfil dos alunos que trabalham e citando-se o seu posicionamento diante do trabalho que realizam. Para finalizar, nas considerações finais, são citadas as conclusões a que se chegou após analisar os dados contidos nos questionários.
  • 15. 14 CAPÍTULO I CRIANÇA TRABALHANDO: CONSTRUÇÃO OU DEGRADAÇÃO? A educação é um processo contínuo de construção do homem, é um processo de aprendizagem que se estende por toda a vida. Educar é permitir ao homem o desenvolvimento de sua capacidade física, intelectual e moral, visando à sua melhor integração individual e social. Em termos gerais a educação é o processo de atuação de uma comunidade sobre o desenvolvimento do indivíduo. E essa atuação, geralmente, é exercida pela escola. A escola é um lugar de aprendizagem onde são elaboradas as formas para desenvolver atitudes e valores e adquirir competências. Ela desempenha um papel importante no processo de formação de cidadãos, preparando-os para viverem em uma sociedade da informação e do conhecimento. Ela prepara o aluno para “futuramente”, disputar o mercado de trabalho e prover sua subsistência. Atividade consciente e voluntária, pelos quais os homens exteriorizam no mundo fins destinados a modifica-los, de maneira a produzir valores ou bens social ou individualmente úteis e satisfazer suas necessidades (RUSS, 1994, p 297). Segundo Russ, o trabalho pode ser compreendido como algo relevante para adultos, e não para crianças que estão no período de formação e desenvolvimento. Para que a criança se desenvolva harmonicamente, torna-se necessário que ela se dedique exclusivamente à sua educação, à escola, à sua aprendizagem. Isso significa que a criança não deve trabalhar, não deve desviar o foco de sua formação, pois para isso existem os adultos. É a família que deve amparar a criança e não o contrário. O trabalho infantil, ou seja, o trabalho remunerado exercido por crianças e adolescentes, abaixo da idade mínima legal permitida pela legislação de um país, é anticonstitucional e anti-educacional. O trabalho realizado na faixa etária abaixo de 14 anos obstrui o desenvolvimento educacional das crianças, concorrendo para
  • 16. 15 diminuir o tempo em que as crianças devem se dedicar às atividades escolares e extra-escolares. É anticonstitucional por que no Brasil, o inciso XXXIII do Art. 7º da Constituição Federal proíbe terminantemente a realização de qualquer trabalho aos menores de 14 anos. Atualmente, constata-se uma tolerância cada vez menor, por parte da sociedade, com o trabalho infantil. A imprensa sempre divulga casos de abusos de crianças que trabalham sem jornada definida ou remuneração adequada. A atividade laboral exercida em idade muito jovem, impede ou dificulta o acesso à educação formal. A evasão escolar e o trabalho infantil andam juntos. Nos países em que a incidência do trabalho infantil é maior, a freqüência escolar é muito baixa e precária. Geralmente o trabalho infantil possui jornada abusiva (muitas horas seguidas) e remuneração muito baixa, em condições de risco elevado, deixando o jovem trabalhador exausto e sem condições de assistir as aulas. As conseqüências nefastas do trabalho (para ajudar no orçamento familiar) realizado pelas crianças são: comprometimento do desempenho escolar por que elas não dispõem de tempo para um estudo extra-escolar, tempo este que é necessário para a preparação de seu conhecimento; o desequilíbrio de desempenho entre as crianças que trabalham e as crianças que possuem tempo integral para estudar, o que contribui para a evasão escolar; obstrução do tempo necessário à aprendizagem, que é constituído pelas horas que a criança passa na escola e pelas horas em que ela realiza suas tarefas extra-classe, necessárias ao aprimoramento do seu conhecimento. Além disso, a longo prazo, as crianças ao se tornarem adultos, vão entrar no mercado de trabalho com pouca ou nenhuma qualificação, o que lhes privará de obter uma renda que satisfaça as suas necessidades materiais. Diante desses fatos é que se justificou a execução deste estudo. Nas comunidades de Gameleira e Várzea de Cima, situadas na cidade de Pindobaçu, existem crianças que trabalham como também crianças que estudam e ao mesmo tempo trabalham para ajudar no orçamento de suas famílias. Então
  • 17. 16 surgiram assim algumas inquietações: Porque essas crianças trabalham? Será que elas conseguem conciliar o estudo e o trabalho? Como será o seu desempenho escolar? Qual a sua postura diante disso? Estas são as questões geradoras do presente trabalho monográfico. A questão a ser testada é a de que o trabalho precoce não é necessário para uma vida bem-sucedida. Ele não qualifica e, portanto, é inútil como mecanismo de promoção social. O trabalho precoce exercido pelas crianças que estão freqüentando a escola impede que elas realizem as tarefas adequadas à sua idade como se apropriar dos conhecimentos, e de viver plenamente sua infância. Enfim, o trabalho infantil não se justifica e não é solução para nada, ao contrário, é um problema dos grandes. Na execução deste trabalho, o objetivo geral foi verificar qual a visão que as crianças trabalhadoras rurais têm sobre o trabalho. Com objetivos específicos visou- se: – Identificar qual a visão que as crianças têm sobre trabalho infantil; – Identificar as causas que levam as crianças a trabalharem; – Investigar se as crianças gostam de trabalhar.
  • 18. 17 CAPÍTULO II A INFÂNCIA, A EDUCAÇÃO, O TRABALHO EMANCIPADOR E O TRABALHO INFANTIL II.1 Considerações sobre a infância A definição de infância difere de um país para outro. Em alguns países ela é relacionada apenas à idade cronológica e em outros está relacionada aos fatores sociais e culturais, além de se considerar a idade. Com relação ao trabalho infantil, a faixa etária segue a legislação de cada país, ou seja, cada nação determina a partir de que faixa etária é considerado trabalho infantil. No Brasil, o período da vida humana que se inicia no nascimento e vai até aos doze anos é chamado de infância. Nesse período acontece um acentuado desenvolvimento físico, e psíquico e onde são firmadas as bases da personalidade. É um período no qual a criança cresce fisicamente e matura-se psicologicamente. Todas as crianças possuem algumas necessidades físico-psicológicas que precisam ser cumpridas e atendidas para que a criança cresça normalmente. Entretanto: Criança e adolescente foram, por muito tempo, segmentos ignorados enquanto pessoas. A história deste grupo aponta para uma trajetória marcada pela violência adultocêntricas, onde o abandono era prática aceita e o infanticídio era uma das formas usadas para suprimir da sociedade pessoas vistas como ‘inadequadas’ aos padrões sócio- econômicos, culturais e morais da época (ÁRIES, 1981, p. 57). As crianças, nos tempos antigos, eram abandonadas, eram sacrificadas e oferecidas aos deuses para aplacar a sua ira. O infanticídio era um procedimento normal em algumas sociedades medievais. Em Esparta e em Roma, as crianças deficientes eram eliminadas; na Idade Média, elas eram abandonadas como estratégia de controle do direito à herança; outras eram doadas aos mosteiros para evitar a fragmentação da propriedade e garantir a sucessão dinástica (WINNICOTT, 1975).
  • 19. 18 Áries (1981) salienta que o abandono de crianças contava com a complacência das autoridades e até da Igreja que era conivente com essa situação. As formas de violência praticadas contra as crianças eram perversas pois elas podiam ser vendidas como escravas, podiam ser usadas na mendicância (sendo inclusive mutiladas para despertar maior piedade) ou então entregues a mosteiros. Nas sociedades ocidentais, as crianças nos séculos VI, VII, eram frequentemente vítima de práticas de infanticídio e abandono. A primeira lei que proibia o infanticídio data de 374 d.C. Os gregos diziam que a infância era um período fantástico para o aprendizado e que era uma fase privilegiada da vida humana. No período da Idade Média não há um conceito exato de adulto e muito menos de criança e a infância se estendia apenas até os sete anos. Nesta época não existia o mundo da infância, as crianças freqüentavam festas em que homens e mulheres alcoolizados se comportavam vulgarmente, sem pudor na frente dos menores. A criança, nesse período era invisível (ÁRIES, 1981). A idéia de infância, afirmam Porto e Huzak (2005), foi concretizada a partir da invenção da imprensa por Gutemberg, em meados do século XV. Por volta do século XVIII foram criados dois conceitos sobre a infância. Em um deles, a criança era vista como uma “folha em branco” a ser preenchida a caminho da maturidade. Tudo se constituía num processo de desenvolvimento do aprendizado, nada importando o biológico. O outro conceito dizia que a criança era importante em si mesma, um cidadão em potencial. No final do século XIX, estabelece-se uma discussão que fundamenta até os dias de hoje os debates sobre a infância. Defendia-se que a criança não era uma tabula rasa, devendo-se levar em conta as exigências feitas pela sua natureza, pois do contrário poderiam ocorrer disfunções de sua personalidade. A partir disso ela passou a ser entendida como possuidora de suas próprias regras de desenvolvimento, sua própria natureza, e que estas características próprias, inerentes, inalienáveis não devem ser reprimidas com o risco de não se alcançar uma maturidade plena e adulta (PORTO e HUZAK, 2005).
  • 20. 19 Portanto, desde os tempos remotos e até no século XVI, essa fase de vida não era reconhecida como infância e a criança era vista como um pequeno adulto, convivendo desde cedo com o trabalho e as preocupações comuns aos adultos. Somente a partir do século XVII a criança passou a ser olhada como criança. Nessa época os poderes públicos e a Igreja passaram a combater o infanticídio. Atualmente, é uma fase reconhecida por todos e inclusive já tem até uma educação personalizada. Esse reconhecimento ocorreu no século XIX que foi chamado de “o século da criança” na Europa. No século XX surgiu a declaração dos direitos da criança (1959) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), afirma Heywood (2004). A infância é ao mesmo tempo, “uma fase de crescimento e preparação para assumir a autonomia futura, e uma fase de vida em si mesma plena, quando temos diante de nós, o humano ‘sob forma’ infantil”. (WINNICOTT, 1975, p. 13). É um período da vida em que o ser humano não precisa ainda produzir sua sobrevivência, é um tempo útil de preparação para a vida produtiva. Essa fase da vida do ser humano é mais longa e incomparavelmente mais complexa que a dos animais. É o tempo em que a criança deve ser introduzida na riqueza da cultura humana, reproduzindo para si qualidades especificamente humanas. Nesse período a criança já vive uma atividade intensa de formação de funções psíquicas, capacidades e habilidades que não são visíveis a olhos que entendem o desenvolvimento dessas funções e qualidades humanas como sendo naturalmente dado. Com isso, esse período não pode ser encurtado ou obstaculizado pela antecipação de tarefas para cuja realização justamente se formam as bases nessa idade (SCHWARTZMAN, 2001, p. 16) Segundo Schwartzman (2001, p. 18) uma das características qualitativas do desenvolvimento infantil “envolve a distinção de dois planos de desenvolvimento, estreitamente vinculados, mas não idênticos e freqüentemente confundidos, constituídos pelo desenvolvimento funcional e pelo desenvolvimento geral ou evolutivo”. O desenvolvimento funcional acontece com a assimilação dos conhecimentos que acarretam mudanças pontuais que não levam a transformações significativas no desenvolvimento geral da personalidade.
  • 21. 20 O segundo plano de desenvolvimento (o desenvolvimento geral ou Evolutivo) se refere à reestruturação do sistema de relações da criança com as demais pessoas e à passagem a novos níveis de atividade, permitindo a formação de novos níveis de compreensão da realidade e acarretando transformações significativas na personalidade da criança, afirma Rizzini (1999). De acordo com Javeau (2005, p. 385) A infância deve ser considerada “uma população com pleno direito (científico), com seus traços culturais, seus ritos, suas linguagens, suas ‘imagens-ações’, com suas estruturas e seus modelos de ações”. Para Piaget (1982) a infância está dividida em três períodos: o período sensório-motor que começa no nascimento e chega até aos 24 meses de idade, o período pré-operacional de 2 a 7 anos e o período das operações concretas de 7 a 12 anos. No período sensório-motor acontece a formação dos esquemas que permitirão organização inicial dos estímulos ambientais, Uma das funções da inteligência será, portanto, nesta fase, a diferenciação entre os objetos externos e o próprio corpo, pois nele irá ocorrer a organização psicológicas básica em todos os aspectos (perceptivo, motor, intelectual, afetivo, social ). No período pré-operacional ocorre o desenvolvimento da linguagem, mas existe a ausência do pensamento conceitual. O período das operações concretas é marcado por grandes aquisições intelectuais, e a criança tem um conhecimento real, correto e adequado de objetos e situações da realidade externa. As ações físicas passam a ser internalizadas, passam a ocorrer mentalmente. Uma fase influencia as demais fases e por isso, tudo o que acontece na infância pode alterar o comportamento do adulto. Toda e qualquer experiência vivida na infância influencia a estrutura nervosa e fica guardada na memória. Cada período de vida pode ser um aperfeiçoamento ou não, do período anterior e uma preparação para o posterior. Então, tudo o que acontece na infância irá repercutir, positiva ou negativamente, na vida adulta (GHIRALDELLI, 1997).
  • 22. 21 Na infância verifica-se a necessidade que a criança sente em brincar e esse ato é indispensável à saúde física, emocional e intelectual da criança. A brincadeira contribui para tornar um adulto eficiente e equilibrado. Ao brincar, a criança descobre, aprende, cria e adquire habilidades, além de ter estimulada a sua curiosidade, autonomia e autoconfiança. As brincadeiras infantis desenvolvem a linguagem, o pensamento e a atenção. A qualidade de oportunidades que estão sendo oferecidas à criança através de brincadeiras e brinquedos garante que suas potencialidades e sua afetividade se harmonizem. As situações problemas contidas na manipulação dos jogos e brincadeiras fazem a criança crescer através da procura de soluções e de alternativas. O desempenho psicomotor da criança enquanto brinca alcança níveis que só mesmo a motivação intrínseca consegue. Ao mesmo tempo favorece a concentração, a atenção, o engajamento e a imaginação. Como conseqüência a criança fica mais calma, relaxada e aprende a pensar, estimulando sua inteligência (CORAZZA, 2002, p. 36). Além disso, o ato de brincar contribui para o processo de socialização das crianças, fazendo com que elas realizem atividades coletivas, influenciando positivamente a aprendizagem e a aquisição de novos conhecimentos. Por todos esses motivos é importante que a criança tenha respeitado o direito de viver a sua infância, dedicando todo seu tempo para aprender novos conhecimentos. É necessário que ela brinque, estude e viva como criança. Quando o círculo da infância é rompido, surgem conseqüências desastrosas para o desenvolvimento da criança. O que ocorre na infância vai refletir na vida adulta, ressalta Agambem (2005) Segundo Postman (1999) a criança é sempre vista como dependente do adulto, livre ainda das implicações trazidas pelo mundo do trabalho, por isso mesmo, é tratada como ser incompleto que precisa ser educado sob a lógica do sistema econômico/cultural. Entretanto, em virtude de contextos familiares diferenciados como pais que trabalham fora, pais separados, escolas de tempo integral, conturbadas relações entre escola e família, escassez de passeios ou acompanhamento a programas de adulto, longos períodos em frente à TV, as crianças têm sido compelidas a assumirem responsabilidades sobre si mesmas.
  • 23. 22 Agambem (1999) também enfatiza que a criança atualmente, é impelida a um precoce amadurecimento. As brincadeiras de rua e os brinquedos manuais já não estão mais disponíveis para ela. Até no vestuário percebe-se a pressa em adultizar uma criança, porque as crianças são vestidas com roupas sensuais, salto alto, usam maquiagem e acessórios exagerados. Tudo isso leva a crer que a concepção de infância dos dias atuais, apesar de tudo o que já foi feito, é semelhante à da Idade Média, quando a criança era olhada como um adulto em miniatura. É importante então que a escola lute contra a adultização da criança, para que ela usufrua o período da infância. II.2 A escola e seu processo de emancipação Acredita-se, afirma Romanelli (1997), que a escola surgiu em Atenas no ano de 600 a.C. Nessa época existiam os mestres e o pedagogo, e este era um escravo cujo trabalho era conduzir o aluno para a vida e para o saber. A educação durante o Império Romano, era comunitária e os reis aravam a terra junto com os seus servos, os filhos eram educados pela mãe até os sete anos e depois passavam a ser responsabilidade dos pais. Com o enriquecimento da nobreza, as terras foram e o nobre passou a se preocupar com as regras dos impérios, dividindo a educação em classes sociais. O Mestre escola vendia a educação como se fosse mercadoria em suas lojas de ensino dentro de mercados (ROMANELLI, 1997, p. 47). Em Roma, afirma Freitas (2003), o ensino primário surgiu no Século V a.C., o ensino secundário apareceu em meados do século III a. C. e o ensino superior por volta do Século I a.C. A primeira escola surgiu em Roma no século VI d.C. Com a criação da escola surgiram as hierarquias sociais e a educação tornou-se um ensino que inventa a pedagogia, transformando “todos” em educador. O saber era transmitido desigualmente, promovendo a diferença. No Brasil, a escola surgiu com a vinda da Companhia de Jesus ao Brasil em 1549, quando os jesuítas começaram a colonização e evangelização dos índios. Quinze dias depois da chegada desses religiosos, já funcionava uma escola que ensinava a ler e escrever. Inicialmente, eles ministraram a educação elementar para a população índia e branca em geral (salvo as mulheres), educação média para os
  • 24. 23 homens de classe dominante, parte da qual continuou nos colégios preparando-se para o ingresso na classe sacerdotal, e educação superior religiosa só para esta última. As escolas nessa época preocupavam-se apenas em alfabetizar o aluno, ou seja, em ensinar a ler e escrever corretamente. (ROMANELLI, 1997, p. 35). O espaço escolar é um ambiente no qual se desenrolam as diversas relações entre alunos, professores e equipe técnica. Ele foi criado para ensinar conteúdos e dotar os alunos de habilidades necessárias à sua participação na sociedade em que vive. Conduz o aluno na compreensão da sua realidade, contribuindo para a sua transformação. Assim, todos os alunos têm direito a formação escolar e a realizar seus projetos. A escola deve ser um espaço privilegiado, rico em recursos que promova a aprendizagem, num ambiente onde os alunos possam construir os seus conhecimentos segundo os estilos individuais de aprendizagem que os caracteriza. Cabe a ela dotar o aluno de capacidades que permitam no seu futuro profissional aprender qualquer assunto que lhe interesse. Ela deve prover os indivíduos "não só, nem principalmente, de conhecimentos, idéias, habilidades e capacidades formais, mas também, de disposições, atitudes, interesses e pautas de comportamento" (SACRISTÁN & GOMÉZ, 2000, p. 36). Além disso, deve priorizar a socialização do aluno, preparando-o para se incorporar no mundo do trabalho e na vida pública. Para Sacristán e Gómez (2000) a escola possui diversas funções como: função reprodutora, educativa, compensatória e transformadora. A função reprodutora é a socialização do aluno, a função educativa é a inserção de conhecimentos, a função compensatória é neutralizar as desigualdades e a função transformadora é a reconstrução de conhecimentos, atitudes e conduta dos alunos. Através da escola o indivíduo se emancipa, ao promover mudanças no seu interior e na sociedade em que vive contribuindo para a transformação social e se capacitando para o trabalho.
  • 25. 24 II.3 O trabalho emancipador e o trabalho infantil degradador Desde o início dos tempos os homens vêm trabalhando, cada qual em suas habilidades, compromissos ou propensões. Do homem da caverna até os dias atuais, eles lutam pela sua sobrevivência física e propagação da espécie, pela dignidade e melhores condições de vida. II.4 O trabalho emancipando o homem O ato de trabalhar é tão antigo quanto o próprio homem. Cipola (2001, p. 18) refere que o “segundo texto grego mais antigo, cerca de cem anos mais novo que os poemas épicos de Homero, é um poema de Hesíodo (800 a.C.), intitulado ‘Os Trabalhos e os Dias’, que canta o trabalho de um agricultor”. Nos tempos antigos o trabalho era uma atividade própria dos escravos e tanto as autoridades como as pessoas de bem não deviam trabalhar. No começo dos tempos, o trabalho era a luta constante para sobreviver (acepção bíblica). A necessidade de comer de se abrigar, etc. era que determinava a necessidade de trabalhar. O avanço da agricultura, de seus instrumentos e ferramentas trouxe progressos ao trabalho. O advento do arado representou uma das primeiras revoluções no mundo do trabalho. Mais tarde, a Revolução Industrial viria a afetar também não só o valor e as formas de trabalho, como sua organização e até o aparecimento de políticas sociais (RIZZINI, 1999, p. 44). De acordo com Ariés (1981) nos tempos primitivos, na Babilônia, Egito, Israel, e outros países, havia o trabalho escravo e o trabalho livre executado por artesãos. Existiam o escravizador e o escravo. As sociedades escravistas dos tempos antigos foram a egípcia, a grega e a romana. Nesse tempo, todas as atividades eram realizadas por escravos. Havia também os artesãos e estes não tinham patrão, trabalhavam por conta própria. Na Idade Média o trabalho era realizado pelo servo, que era um pouco mais livre que os escravos. O servo podia sair das terras do seu senhor e ir para onde quisesse desde que não tivesse dívidas a pagar. Na servidão, o servo não trabalhava para receber uma remuneração, mas para ter o direito de morar nas terras do seu senhor.
  • 26. 25 Com o advento da modernidade, acabaram a escravidão e a servidão e todos precisaram trabalhar para sobreviver. Aliás, o trabalho está intimamente ligado à essência do homem, ele não é apenas um instrumento gerador de renda, mas, um ato necessário à realização do homem. O trabalho é um fator da organização econômica, política e social. Ele estrutura não somente a relação do homem com o mundo, mas também as suas relações sociais. A palavra “trabalho” origina-se do latim tripallium, o nome de um instrumento com o qual se castigavam os escravos no tempo do Império Romano (ESTERCI, 1994). Essa palavra se refere a todas as atividades humanas, ou seja, todo ato humano é trabalho. É trabalho a atividade realizada pela mulher que cuida da casa e dos filhos, é trabalho a composição de um poema, é trabalho o que o operário faz nas indústrias, é trabalho o processo de ensino realizado pelos professores. Ele está intimamente associado à existência humana por que além de satisfazer as necessidades de sobrevivência do homem, contribui para a “estruturação psíquica, a transformação do ambiente em que ele vive e também a sua realização pessoal”, afirma Furtado (1995). Logo: A essência do homem é a sua atividade produtiva. O homem, entre todos os seres, é o que foi destinado a trabalhar e arrancar da natureza para que ele possa existir, o que tem de produzir suas condições materiais de vida, enquanto os animais reproduzem sua existência de acordo com a natureza. Se, portanto, a sua essência está nessa capacidade transformadora, a história será a história dos seres humanos reais, portanto, as representações, os conceitos, as idéias são produtos da atividade humana, de acordo com o modo como é organizada a atividade produtiva (FURTADO, 1995, p. 46). Sempre foi dito que o trabalho dignifica o homem, é essencial ao seu aprimoramento, crescimento, aprendizagem, subsistência. É uma lei da natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade. O espírito trabalha, assim como o corpo, por isso o trabalho não se constitui apenas em ocupações materiais, as atividades podem ser também intelectuais ou morais (SENTO-SÉ, 2000). Acredita-se que o ato de trabalhar aperfeiçoa a inteligência humana. Como afirma Esterci (1994, p. 48) "Sem o trabalho, o homem permanece na sua infância
  • 27. 26 intelectual; ele proporciona a alimentação, a segurança, o bem-estar”. As necessidades básicas de qualquer cidadão provêm do trabalho digno, e todos têm direito a ele. Ele é uma conseqüência da natureza corpórea do homem. O trabalho é honra, é dignidade, é alavanca que impulsiona o progresso e engrandece o espírito humano. Geralmente, afirma Furtado (1995), o trabalho é visto apenas como uma maneira de se ganhar dinheiro e adquirir conforto e poder, por que o dinheiro traz como conseqüência o poder. Quando se pensa dessa forma, o trabalho se torna um fardo, uma tortura, acarretando desequilíbrios físicos e mentais. Essa é uma visão materialista do ato de trabalhar, na qual ele funciona apenas como um meio de subsistência biológica. Entretanto, ele possui além dessa, uma outra função que é a da valorização e aperfeiçoamento pessoal, por que através dele o homem desenvolve sua capacidade de pensar, de sentir, de crescer interiormente. Ele propicia um sentido para a vida para a vida humana, dignifica-a, mas, o homem não deve idolatrá-lo procurando nele o único sentido de sua vida, por que a partir daí, ele se tornará uma escravidão e ao invés de dignificá-lo passa a ultrajá-lo. Toda atividade deve ser sempre organizada e desenvolvida no pleno respeito da dignidade humana e ao serviço do bem comum. Portanto: O homem trabalha porque precisa prover a sua subsistência. Mas, ao mesmo tempo, ele trabalha para ser digno, para ser valorizado como pessoa. Quando o homem não trabalha está destruindo sua esperança e ignorando seu talento e colocando em risco o seu futuro (FURTADO, 1995, p. 58). Alguns economistas dizem que a fonte de toda riqueza é o trabalho. Porém, ele é mais do que isso: é a realização de toda vida humana, é sinal de caráter, orgulho e satisfação. É a satisfação do dever cumprido, é a manifestação da dignidade humana. Martins (1993, p. 77) salienta que para Karl Marx “o trabalho é uma manifestação, a única manifestação da liberdade humana, da capacidade humana de criar a própria forma de existência específica”. Continua afirmando Marx que o
  • 28. 27 trabalho desperta as forças da natureza e que quanto mais o homem se apodera dessas forças naturais, mais a natureza contribui com os interesses humanos. II.4.1 O trabalho infantil O termo criança relaciona-se a brincadeiras e aprendizagem, jamais a trabalho. O trabalho infantil refere-se ao conjunto de atividades realizadas por crianças para possibilitar sua sobrevivência ou a de outros, estejam ou não recebendo remuneração. Ele é exercido por qualquer pessoa (criança ou adolescente) abaixo de 16 anos de idade e impede que ela aproveite sua infância, que freqüente a escola, que se desenvolva e tenha boa educação, como também causa sérios problemas físicos ou psicológicos (CAVALIERI, 2000). Qualquer atividade realizada por crianças abaixo de 16 anos com o objetivo de usufruir renda, é considerada como trabalho infantil. Ele afasta as crianças das brincadeiras e da vida escolar fazendo com que ela amadureça precocemente. Está presente no cotidiano das menos e das mais favorecidas economicamente, de forma diferenciada. As crianças menos favorecidas trabalham em atividades fisicamente penosas ao passo que as mais favorecidas trabalham atuando na televisão, nas passarelas, e até mesmo junto aos pais ajudando-os em seus negócios. Entretanto estas duas maneiras de trabalhar prejudicam as crianças, impedindo-as de se desenvolverem. Será que toda atividade realizada por uma criança é considerada como trabalho? Não. O trabalho infantil que é condenado pela Constituição Federal Brasileira é o que corresponde a atividades produtivas, remuneradas ou não, com o intuito de buscar renda para se manter. Se a criança, em sua casa, arruma seus brinquedos, ajuda a mãe nas tarefas domésticas, ajuda o pai em tarefas simples como lhe levar a marmita no trabalho, mas que vai à escola regularmente, não está exercendo o trabalho infantil. Entretanto, se ela realiza essas atividades diariamente nas casas dos outros, durante o dia todo, e se essas atividades produtivas se sobrepõem às educativas, está caracterizado o trabalho infantil. Porto e Huzak (2005) enfatizam que é considerado trabalho infantil quando a jornada se estende por todo o dia, não dando à criança a oportunidade de freqüentar
  • 29. 28 regularmente a escola, colocando-a muitas vezes em contato com produtos químicos, equipamentos perigosos e outros perigos de rua. São trabalhadores infantis aqueles que vivem nas ruas vendendo bugigangas, engraxando sapatos, catando lixo nos lixões, lavando carros e exercendo outras atividades. Essas crianças não terão chances de estudar e serão certamente adultos desempregados ou subempregados. No Brasil, afirma Schwartzman (2001), a Constituição determina que até os 16 anos incompletos, crianças e adolescentes estão proibidos de trabalhar, exceto o trabalho exercido como aprendiz, permitido a partir dos 14 anos, nas atividades que apresentem os requisitos legais para a aprendizagem profissional. Mas nem sempre foi assim por que: Por volta do século XIII, encontramos também os primórdios da profissionalização de crianças que entre oito e dez anos de idade eram entregues aos mestres artesãos e às meninas eram ensinados ofícios que as tornariam boas donas de casa (ARIÉS, 1981, p. 62). No século XVI, as caravelas portuguesas utilizavam crianças para serem grumetes e pajens nos navios. Outro dado terrível é que 4% dos negros trazidos como escravos eram crianças para trabalhar nas lavouras, para serem carregadores, mensageiros, pajens e saco de pancadas das crianças brancas. (ARIÉS, 1981). França, Bélgica e Estados Unidos apresentavam altas taxas de crianças trabalhando por volta de 1830 a 1840. Em meados de 1861 um censo realizado na Inglaterra mostrou que quase 37% dos meninos e 21% das meninas de 10 a 14 anos trabalhavam nas indústrias têxteis e nas minas de carvão (DEL PRIORI, 2000). Nas fábricas têxteis de São Paulo, nos anos de 1901 a 1905, 23% dos operários eram crianças. O trabalho infantil, reconhecidamente ilegal até os 15 anos pela Constituição Brasileira, “acompanha a própria trajetória do país enquanto colônia, quando crianças descendentes de negros e índios eram obrigadas a incrementar a mão-de- obra das fazendas” (DEL PRIORI, 2000).
  • 30. 29 No Brasil, as primeiras menções ao trabalhão realizado por crianças se referem à época da escravidão, quando os filhos dos escravos acompanhavam seus pais nas diversas atividades que exigiam esforços muito superiores às suas possibilidades físicas. No final do século XIX, com o surgimento da industrialização, 15% dos empregados na indústria eram formados por crianças e adolescentes. Um quarto da mão-de-obra empregada no setor têxtil de São Paulo eram crianças. No século XX, na capital paulista, 40% dos trabalhadores do setor têxtil eram crianças e jovens (OIT, 2003). Ainda segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2003), 70% das atividades infantis são desempenhadas na agricultura, pesca e caça; 13% no comércio atacado e varejo; 10% nos serviços domésticos; 4% nos serviços de transportes, armazenamentos e comunicação, e os 3% restantes são atribuídos à construção e a mineração (Figura 1). 4,00% 3,00% 10,00% 13,00% 70,00% Agricultura, Caça e Pesca Atacado e varejo Serviços domésticos Transportes, armazenamento e comunicação Construção e Mineração Figura 1. Distribuição por setor do trabalho infantil. Fonte: OIT (2003) Atualmente existem crianças trabalhando como engraxates, o vendedor de gibis e de beijus e até como vendedores de drogas. Além dessas atividades existem crianças envolvidas com o tráfico de drogas, delitos e prostituição, mas é difícil precisar quantas nisso por que são atividades clandestinas. Conforme relatos de Martins (1979), a mão-de-obra infantil aumentou depois da Revolução Industrial. Segundo ele, para trabalhar com máquinas não se
  • 31. 30 necessita de força muscular, o que permite a contratação de mulheres e crianças. Logo: [...] de poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção do sexo e de idade, sob o domínio direto do capital... (CALVEZ, 1966, p. 78). Entretanto Kassouf (1999) garante que com o crescimento da livre indústria e das empresas no século XVII, as crianças já eram submetidas a longas jornadas de trabalho, bem antes da revolução Industrial. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) demonstram que atualmente cerca de 200 milhões de crianças trabalham em todo o mundo, sendo que 126 milhões realizam atividades perigosas (CORAZZA, 2002). No século XXI muitas crianças têm que trabalhar para sobreviver e isso é degradante para qualquer país, por que a criança deveria ter tempo livre para brincar e investir na sua formação. A globalização, afirma Pires (1988), é vista por muitos como um incentivo ao trabalho infantil, com a imagem de multinacionais contratando crianças para suas fábricas. Pires (1988, p. 13) afirma: “Os pais não colocam seus filhos para trabalhar por maldade ou indiferença, mas somente por necessidade”. Este fato é contrário à Lei Federal nº. 8.069/90 de 23 de julho de 1990, afirma Cavalieri (2000), que garante às crianças o direito à educação, a brincadeiras e à proteção, além do convívio familiar e comunitário. O Estado, a família e a sociedade civil são responsáveis por garantir esses direitos, prega a Constituição Brasileira: Art. 4. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e à convivência familiar e comunitária. Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menor de catorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.
  • 32. 31 A legislação de cada país é que determina até que idade o indivíduo é considerado criança. Na Inglaterra a idade mínima é de 13 anos, na Bélgica e na maioria dos países da América Latina é de14 e em países como Suíça, Alemanha, Itália e Chile a idade mínima é 15 anos (ANTUNES, 2003, p. 88). Nos países subdesenvolvidos onde muitas famílias ficam à margem da concentração de renda nacional, onde impera a pobreza e os problemas econômicos, os índices de crianças que trabalham é muito alto. Nesse caso, os pais suprem suas necessidades básicas mediante a utilização da mão de obra infantil. Então, percebe-se que o maior motivo que faz com que a criança precise trabalhar é a pobreza, conseqüência do desemprego. Outras causas mais freqüentes que tentam explicar a alocação da criança para o trabalho é a escolaridade dos pais, a idade em que os pais começaram a trabalhar e o local de residência (CAVALIERI, 2000). O desemprego conduz à falta de condição para suprir as necessidades básicas de uma família (alimentação, moradia) e em virtude disso, muitas famílias se vêem obrigadas a mandar seus filhos para as ruas a fim de fazerem bicos ou mendigar, com o intuito de ajudar na sua sobrevivência. Acontece que o trabalho realizado por crianças, interfere na freqüência e aproveitamento da escola. Estudos realizados por Cavalieri (2000) indicam que há diferenças entre as taxas de escolarização das crianças e adolescentes ocupados e dos não-ocupados. Este estudo estimou que o percentual de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos de idade, ocupados, sem instrução ou com menos de um ano de estudo (28,0%) era superior ao dos não-ocupados (15,7%). O percentual dos ocupados com 8 a 10 anos de estudo (10,0%) era inferior ao dos não-ocupados (14,2%). A correlação entre trabalho infantil e a freqüência escolar é bastante significativa, pois a quantidade de crianças que não estudam e trabalham é praticamente o dobro das que apenas estudam. Martins (1993) salienta que o trabalho infantil marginaliza a criança porque ela não pode viver sua infância (brincando e aprendendo) e nem é preparada para se tornar uma cidadã plena, ou seja, ela perde sua infância e a oportunidade de uma boa educação.
  • 33. 32 Ghiraldelli (1997) informa que dados do CEPAL relacionam que aproximadamente uma em cada 10 crianças entre 10 e 14 anos, trabalha no Brasil. Essas crianças têm menor oportunidade de freqüentar a escola regularmente e, mesmo quando conseguem freqüentar não tem tempo para estudar, o que aumenta a repetência e a evasão. Outra conseqüência do trabalho infantil é a baixa escolaridade que limita as oportunidades de emprego qualificado e sem qualificação a remuneração é mais baixa. O que acontece então quando os pais colocam suas crianças para trabalhar? Há uma redução no rendimento escolar e prováveis problemas de saúde em uma fase adulta da vida. Ocorre um aumento imediato de renda na família, mas, em contrapartida, haverá a perda de uma melhor remuneração futura porque as crianças não puderam estudar e nem se capacitar a melhores empregos. Assim, continuará o ciclo repetitivo de pobreza já experimentado pelos pais. Isto acontece em todo o mundo como enfatiza Freitas (2003, p. 112): Na África os conhecidos como "Mercadores de homens" compram crianças por um dinheiro miserável e as obrigam a trabalhar em plantações de algodão e cacau. As meninas são humilhadas, sofrem abuso e muitas vezes machucadas se algo não está de acordo com as famílias dos ricos. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2004) 5,3 milhões de crianças na faixa de 5 a 16 anos trabalham em todo o país, sendo que destes, 75% estavam na agricultura. No Brasil, na região do semi- árido, no período do plantio e colheita, milhares de crianças brasileiras que residem em zonas rurais são afastadas da escola para trabalharem na lavoura. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2004) é na área rural que se concentra o maior uso da mão-de-obra infantil. Conforme a PNAD (2006)1 53% dos meninos e 46,5% das meninas, de 05 a 15 anos, que trabalham no Brasil, vivem no meio rural e trabalham na área agrícola. O maior número de crianças trabalhadoras do Brasil, encontra-se no estado da Bahia. Para se ter uma idéia 9,13% das crianças baianas trabalha para sobreviver, enquanto que a média no Brasil se encontra em 6,33% (IBGE, 2004)
  • 34. 33 No mundo inteiro cerca de 350 milhões de crianças, na faixa etária de 5 a 17 anos, trabalham para prover a sua subsistência, informam a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC, 2005). A maior parte dessas crianças vive na Ásia, África e Oriente Médio. II.4.2 Fatores que ocasionam o trabalho infantil Vários estudos foram realizados por economistas, afirma Kassouf (2001), para entender porque as crianças precisam trabalhar. Eles deduziram que os fatores predisponentes à realização do trabalho infantil são: a pobreza, cultura, grau de escolaridade dos pais das crianças, tamanho da família, local de residência, idade em que os pais começaram a trabalhar, sexo do responsável pela família e a renda da família (KASSOUF, 2001). A pobreza é citada como um dos fatores mais importantes porque nas nações ricas quase inexiste o trabalho infantil. Vários estudos mostram que o aumento da renda familiar reduz a probabilidade de a criança trabalhar e aumenta a de estudar. A cultura, ou seja, o meio social ao qual os pais pertencem, determina a maneira de pensar, pois alguns pais mesmo tendo boa situação financeira acham normal seus filhos trabalharem em novelas, em programas infantis na TV. Quanto maior a escolaridade dos pais menor é a taxa das crianças que trabalham, por que eles entendem que o trabalho atrapalha a freqüência escolar (KASSOUF, 2001). Quanto à estrutura familiar, quanto maior é o número de filhos, mais necessidade os pais têm de colocá-los para trabalhar ainda crianças. Isso acontece nas famílias pobres. Com relação ao sexo do responsável pela família, vê-se que crianças de família chefiada por uma mulher têm maior probabilidade de trabalhar. Em relação ao local de residência, as crianças da zona rural trabalham mais do que as crianças da zona urbana. Outro ponto determinante do trabalho infantil é a entrada precoce dos pais no mercado de trabalho, isto é, pais que trabalharam desde crianças, são mais propensos a colocar os filhos para trabalhar.
  • 35. 34 II.4.3 Conseqüências do trabalho infantil Os efeitos danosos do trabalho realizado por crianças se refletem sobre a educação, o salário e a saúde. O trabalho exercido durante a infância impede a aquisição de educação, conforme foi comprovado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 2003). Nesta pesquisa ficou evidenciado que quanto mais jovem a pessoa começa a trabalhar, menor é o seu salário na fase adulta. Isto acontece por que o jovem não pode freqüentar a escola e não adquiriu conhecimentos que o capacitasse a um melhor emprego (KASSOUF, 2001). De acordo com os dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB, 2003) em teste aplicado aos alunos de escolas públicas e privadas, ficou comprovado que o trabalho infantil fora do domicilio da criança diminui consideravelmente o desempenho escolar (cerca de 20%). Os alunos que trabalhavam obtiveram menos pontos do que os que só estudavam. As atividades realizadas pelas crianças para sobreviver provocam impactos sobre a performance escolar e consequentemente, sobre seu futuro. Em relação à saúde da criança, o trabalho infantil altera o estado de saúde tanto na fase inicial da vida como na fase adulta. Para Martins (1993) existem diferenças físicas, biológicas e anatômicas entre as crianças e os adultos; elas são mais vulneráveis ao calor, produtos químicos e ao barulho, e podem, sofrer danos irreversíveis em seu organismo. Além disso, os equipamentos dos locais de trabalho não foram idealizados para crianças e podem acarretar fadiga e acidentes. Por exemplo: uma criança que trabalha carregando peso sofre deformações em sua coluna vertebral. O trabalho precoce, seja qual for, prejudica o psicológico da criança, uma vez que ela não vivencia a fase mais pura de sua vida: a infância! Ela não tem tempo para brincar, para realizar todas as atividades que são peculiares a esse período de vida. Por exemplo, o trabalho realizado em novelas retira da criança o seu tempo de brincar; pode até não prejudicar sua freqüência às aulas, mas não lhe deixa tempo para o lazer.
  • 36. 35 O combate ao trabalho infantil é tão relevante que foi criado um dia para promover a conscientização sobre sua ilegalidade: do dia 12 de junho é consagrado ao Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil (DMCTI). Em prol dessa luta também foi criado no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente que promoveu mudanças significativas nas políticas públicas sobre os direitos da criança. Foram criados também programas governamentais como o Bolsa-Escola e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) implantado em 1996 (RIZZINI, 1999). O objetivo do programa PETI é retirar crianças, na faixa etária de 7 a 14 anos, do mercado de trabalho e conduzi-las à jornada escolar ampliada, na qual elas são obrigadas a freqüentar as aulas e a participarem de atividades culturais e esportivas. Além do PETI, várias organizações governamentais e não-governamentais têm programas para crianças envolvidas no trabalho precoce, retirando-as e as conduzindo para a escola. Após a segunda guerra mundial foi criada a Organização Internacional do Trabalho pela Conferência da Paz, que também se engaja na luta ao trabalho infantil (JAVEAU, 2005). II.4.4 O aluno que trabalha Para se falar do aluno que também trabalha, deve-se inicialmente, falar da importância da educação e da escola em sua vida. Para Sacristán e Gómez (2000) educação é um processo de atuação de uma comunidade sobre o desenvolvimento do indivíduo a fim de que ele possa atuar em uma sociedade pronta para a busca da aceitação dos objetivos coletivos. Para isso, deve-se considerar o homem no plano físico e intelectual, consciente das suas possibilidades e limitações, e capaz de compreender a realidade do mundo que o cerca. Educação é o “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social”, ressalta Calvez (1966, p. 88). A Constituição Brasileira ressalta que a educação, é um direito de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada com a colaboração da
  • 37. 36 sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. De acordo com Corazza (2002) educação é um processo, que ocorre gradativamente (uma série de acontecimentos, uma somatória) de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano. Por isso é importante que a criança e o adolescente sejam educados, freqüentem a escola, para aconteça o seu desenvolvimento físico e intelectual. Muitos educadores e organizações que combatem o trabalho infantil são taxativos em afirmar que ele prejudica o aproveitamento escolar da criança, além de sua capacidade de criar, tornando-as adultos precoces. Acredita-se que é o progressivo empobrecimento da classe trabalhadora, onde se verifica a necessidade de incorporar mais membros da família no mercado de trabalho. Quem mais sofre com essa situação é o aluno da escola pública. Mas, o que acontece com esse aluno que precisa trabalhar ainda tão cedo? Ele chega à escola, cansado e mal alimentado o que limita o seu potencial, pois tem menos tempo ou quase nenhum para se preparar para as avaliações, para preparar suas atividades extra-classe. Geralmente, ele dorme tarde, acorda cedo, alimenta-se mal, trabalha mais de oito horas por dia e já chega à escola em precárias condições físicas e intelectuais. Devido a chegarem já cansados na sala de aula, os alunos que trabalham não apresentam um aproveitamento ideal das aulas. Por isso Postman (1999) ressalta que a criança e o adolescente devem ser considerados seres em formação e como tal, afastados do mercado de trabalho e direcionados para a escola. O lugar deles é na escola e não na fábrica, na lavoura ou em qualquer tipo de atividade econômica que prejudique psicológica e fisicamente o seu desenvolvimento (MARTINS, 1993). Muitas pessoas acham que é melhor a criança trabalhar do que ficar nas ruas, o que segundo estudos já realizados por Sento Sé (2000) não corresponde à verdade por que seja na rua ou no trabalho precoce, a criança está sujeita a muitos perigos em função de sua imaturidade.
  • 38. 37 Nas ruas, crianças e adolescentes podem se envolver com exploração sexual, tráfico de drogas e outras mazelas que venham a comprometer seu desenvolvimento psico-social. No trabalho, dentre outros males, carregamento de peso e permanência em posturas viciosas provocam deformações, principalmente nos ossos longos e coluna vertebral, aliados à nutrição deficiente, os esforços excessivos também podem prejudicar a formação e o crescimento da musculatura (SENTO SÉ, 2000, p. 44). Quando um trabalho é exercido por longos anos desde muito cedo, durante muitas horas por dia, acaba prejudicando o desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e social das crianças. Um estudo realizado por Esterci (1994) demonstrou que muitas crianças sentiam dores musculares por conta de postura, e sofriam também com asma e danos psíquicos, em virtude do trabalho precoce. A “representação de mundo das crianças vai se construindo na rua e não na escola, longe do modelo de desenvolvimento instituído pela sociedade. Mais tarde, ela pode estar reproduzindo às violações a que foram expostas precocemente”, explicou Esterci (1994, p. 71). Para Pires (1998) são três os motivos históricos que levam as crianças brasileiras a serem exploradas no trabalho, “entre eles estão a necessidade de contribuir na renda da família, as crenças que o trabalho é um aprendizado para o futuro e que é melhor a criança trabalhar que ficar na rua ou não ter atividade”. O que se percebe é que normalmente os trabalhadores infantis não são crianças que vivem na rua, eles têm família, freqüentam a escola e pelo menos o pai, a mãe ou irmãos mais velhos também trabalham. Pires (1998) salienta que a “exposição da criança ao trabalho precoce compromete o desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente”. Estando ainda em formação, seus organismos estão predispostos aos agentes agressivos presentes nos ambientes de trabalho, podendo adquirir sérias debilidades, prejudicando o crescimento e desenvolvimento, comprometendo seu futuro.
  • 39. 38 CAPÍTULO III METODOLOGIA III.1 Tipo de pesquisa utilizada Elegemos para essa pesquisa a abordagem qualitativa, por definir-se como de relevância social por aproximar-nos de uma realidade, pois através da percepção da complexidade é que nos questionamos e buscamos desvendar os significados do trabalho infantil. Esse tipo de pesquisa nos leva a uma melhor análise do objeto estudado, pois Ludke (1986. apud BOGDAM e BIKELEN, 1982) diz que: A pesquisa qualitativa ou naturalista envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes (p. 13). Por meio da pesquisa qualitativa pode-se perceber, refletir, através do objeto estudado, as expectativas, e os anseios através do contato direto com a realidade dos sujeitos pesquisados, pois essa pesquisa caracteriza-se como de relevância social através da aproximação da realidade a ser estudada, e Ludke ( 1985 ) apud Bogdan e Biklen (1982 ) através das características básicas que configuram esse tipo de pesquisa, afirmam que: O interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas. (p.12) III.2 Lócus da pesquisa Este estudo foi realizado nas comunidades denominadas Fazenda Gameleira e Fazenda Várzea de Cima, situadas no município de Pindobaçu, Bahia. O município esta situado no centro norte baiano, mais especificamente no microrregião
  • 40. 39 de senhor do Bonfim e faz fronteiras com os municípios de Campo Formoso, Antonio Gonçalves, Mirangaba, Filadélfia e Saúde. O número de crianças pesquisadas foram seis na Fazenda Gameleira, e cinco na Fazenda Várzea de Cima. III.3 Sujeitos envolvidos Inicialmente registrou-se 11 crianças sendo 06 meninos e 05 meninas, cuja faixa etária variava de 10 a 15 anos. Em seguida, contatou-se com essas crianças para fazer o convite para participar da pesquisa. Tomou-se então essa amostra de 11 alunos que estudam e trabalham para responderem ao questionário, no sentido de apreender um pouco da realidade daqueles que vivem cotidianamente envolvidos com a questão do trabalho e do estudo. III.3.1 Instrumentos utilizados A coleta de dados foi norteada por meio de questionário fechado onde se buscou a definição do perfil dos sujeitos pesquisados e, entrevistas estruturadas que foram analisadas após a interpretação das transcrições, onde procuramos através dos questionamentos verificar como as crianças vêem o trabalho no seu cotidiano. III.3.2 Questionário fechado Marconi Lakatos (1996) define questionário como: “... um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador” (p. 88). Partindo desse pressuposto é que elegemos o questionário, pela necessidade de levantar dados suficientes para traçar o perfil dos sujeitos pesquisados, buscando delinear os sujeitos em seus aspectos peculiares. III.3.3 Entrevista Segundo Goode e Hatt (1968), mas de que outros instrumentos de pesquisa, que em geral estabelecem uma relação hierárquica entre o pesquisador e o
  • 41. 40 pesquisado, na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influencia recíproca entre quem pergunta e responde. A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas, é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos como pontua Goode e Hatt (1968): Como se realiza de maneira exclusiva, seja com indivíduos ou com grupos, a entrevista permite correções, esclarecimentos e adaptações que a tornem sobre maneira eficaz na obtenção das informações desejadas. Enquanto outros instrumentos têm seu destino selado no momento em que sai das mãos do pesquisador que os elaborou, a entrevista ganha vida ao se iniciar o dialogo entre o entrevistador e o entrevistado (Goode e Hatt). Esse instrumento de pesquisa nos leva a uma interação mais próxima com os sujeitos pesquisados, desvendando o objeto de estudo. III.3.4 Coleta de dados O trabalho de campo teve início através de visitas às Fazendas pesquisadas. Foi realizado um levantamento inicial do número de crianças que trabalhavam e das que estudavam e trabalhavam e em seguida, foi aplicado o questionário no período de 15 a 30 de maio de 2008. Os dados obtidos foram analisados e discutidos no capítulo “Análise dos Resultados Obtidos”.
  • 42. 41 CAPÍTULO IV ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS O trabalho infantil nas Fazendas Gameleira e Várzea de Cima, situadas em Pindobaçu, Bahia, é uma realidade, como ficou comprovado nos dados obtidos neste estudo. Portanto, neste capítulo serão abordados os resultados e verificadas as suas conseqüências. IV.1 Perfil dos alunos que participaram do estudo Após leituras das transcrições do material, foi realizada uma análise do conteúdo a partir de categorias definidas, como sexo, idade, série freqüentada, turno em que as crianças trabalham, freqüência da escola, local de residência e filiação. Com a codificação dessas unidades em gráficos, foi delineado um perfil das crianças. Presenciaram-se nas comunidades da Fazenda Gameleira e Várzea de Cima, alunos com idade anticonstitucional para o trabalho, mas que estavam trabalhando; dos 11 alunos que participaram da pesquisa, 45% se encontravam na faixa etária de 13 a 16 anos, 46% possuíam de 11 a 12 anos e os demais (9%) se situavam de 08 a 10 anos (Figura 01). 9,00% 45,00% 46,00% De 5 a 10 anos De 11 a 12 anos De 13 a 16 anos Figura 02. Faixa etária dos alunos que participaram da pesquisa Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados
  • 43. 42 O trabalho infanto-juvenil, que no Brasil abrange a faixa etária de 06 a 16 anos, faz com que a criança assuma responsabilidades de adulto, como a luta pela própria sobrevivência e do grupo familiar, transformando-se em adulto quando ainda está em formação. Ao se relacionar com o mundo do trabalho, passa a ser obrigada a ter responsabilidades que não são próprias para a sua idade e que lhe desoportuniza a garantia dos direitos elementares como escolarização, lazer, esporte e enfim, de sua preparação para a vida adulta. Nessa faixa de idade, a criança não deve pensar no trabalho como fonte de sobrevivência, não deve se envolver com os problemas da fase adulta, ao contrário, deve lhe ser assegurada a vivência de sua infância e puberdade, para que tenha um desenvolvimento completo. Entre os pesquisados, a maioria é de meninos, sem que haja, entretanto, diferenças notáveis entre os sexos, pois 55% pertenciam ao sexo masculino e 45% ao sexo feminino (Figura 02). 45,00% 55,00% Feminino Masculino Figura 03. Gênero dos participantes da pesquisa Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados Do total da amostra, 9% freqüentam da 1ª à 4ª série do Fundamental I, 73% está cursando da 5ª à 8ª série do Ensino fundamental II, e 18% não estuda (Figura 03).
  • 44. 43 18,00% 9,00% 73,00% 1ª a 4ª Série do Fundamental I 5ª a 8ª Série fundamental II Não estudam Figura 04. Série freqüentada pelas crianças/trabalhadores das comunidades de Gameleira e Várzea de Cima, em Pindobaçu, Bahia Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados Quanto ao turno em que trabalha (Figura 4), a maioria (46%) dos alunos afirmou que é na parte da tarde (vespertino), porque vão à escola pela manhã. Outros (36%) disseram ser no turno matutino, e as crianças que não estudam (18%), trabalham o dia todo. 18,00% 36,00% 46,00% Turno matutino Turno vespertino O dia todo Figura 04. Turno no qual as crianças trabalham Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados
  • 45. 44 Portanto, estas últimas não podem freqüentar a escola por que o trabalho ocupa todo seu tempo. Quanto às crianças que trabalham apenas um turno, são prejudicadas também em seus estudos porque não lhes sobra tempo para fazer as atividades e nem repassar os conteúdos que foram vistos na escola. Quanto ao local em que residem, 64% das crianças moram na Fazenda Gameleira e as demais (36%) na Fazenda Várzea de Cima (Figura 5), que são comunidades relativamente pobres, o que contribui para o trabalho infantil. 36,00% 64,00% Fazenda Gameleira Várzea de Cima Figura 05. Comunidades onde moram as crianças entrevistadas Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados Com relação aos pais, 91% das crianças são filhos de pais vivos e apenas 9% são órfãos (Figura 6), o que não justificaria o fato das crianças precisarem trabalhar, mas considerando-se a pobreza da região, os pais são às vezes, forçados a lançar mão do trabalho para seus filhos.
  • 46. 45 9,00% 91,00% Crianças orfãs Crianças com pais vivos Figura 06. Quanto aos pais estarem vivos Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados IV. 2 O posicionamento dos alunos entrevistados A análise dos conteúdos dos discursos foi embasada nas temáticas descritas nos capítulos anteriores, onde se pretendeu discutir e relacionar os conteúdos com referenciais de autores que estudaram estas questões. Este trabalho apresenta resultados produzidos por uma investigação que teve como propósito analisar discursos sobre a exploração do trabalho infantil nas comunidades da Gameleira e Várzea de Cima, do município de Pindobaçu, no Estado da Bahia. IV.2.1 Com relação aos motivos pelos quais as crianças trabalham e quais as atividades realizadas Buscando responder à questão porque as crianças trabalham e que atividades realizam no decorrer deste trabalho, procurou-se verificar as causas que levam essas crianças a trabalharem ainda tão novas. A análise das entrevistas recolhidas permite afirmar que 73% das crianças disseram trabalhar porque precisam ajudar o pai nas despesas da casa. As demais crianças (27%) não conseguiram explicar suas razões (Figura 7a).
  • 47. 46 27,00% 73,00% Para ajudar o pai na renda da casa Outras razões não especificada Figura 7a. Causas do trabalho realizado pelas crianças entrevistadas Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados Por acreditar que as atividades que realizam no seu dia a dia Quanto a atividade que elas realizam, a maioria (55%) informou que é atividade agropecuária, outras (36%) disseram ser atividade doméstica (dentro e fora de seu lar) e uma minoria (9%) disse vender geladinho (Figura 7b). 36,00% 55,00% 9,00% Atividade agropecuária Vende geladinho Atividades domésticas Figura 7b. Atividades realizadas pelas crianças trabalhadoras Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados
  • 48. 47 O fato das crianças trabalharem para ajudar o pai nas despesas, demonstra o quadro de pobreza da comunidade onde moram. A pobreza contribui para o ingresso precoce de crianças no mundo do trabalho. Como a baixa renda é insuficiente para a subsistência das famílias, elas incluem todos os seus membros (inclusive as crianças) no mercado de trabalho para complementar a renda familiar. Estes resultados são enfatizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT,1993), ao afirmar que as crianças são utilizadas em diversas modalidades de emprego no campo, na cidade, no lar, na rua, em artesanatos, no comércio, em plantações, minas e fábricas. O maior percentual de crianças trabalha em atividades agropecuárias, como se pode ver acima. Realmente, nas leituras realizadas para fundamentação teórica, fala-se que é na área rural onde persiste maior incidência de trabalhadores mirins, que vão ao campo ajudar seus pais na colheita e nos cuidados com o gado. A utilização de mão de obra infantil na agricultura acontece porque os pais exercem também atividades na lavoura e, como precisam produzir mais para serem pagos, iniciam precocemente suas crianças no trabalho, não se importando com a educação das mesmas. Um dos resultados acima condiz com a afirmação de Kassouf (2001) quando ele informa que as atividades realizadas dentro de casa em troca de teto, comida e roupa, são caracterizadas como trabalho infantil. O autor ainda diz que esse tipo de trabalho acarreta uma série de seqüelas nas crianças, como problemas de coluna por excesso de peso, riscos de acidentes com facas e outros instrumentos e até espancamentos. Provoca também danos psicológicos, por terem que abandonar suas famílias e irem morar em outra casa, onde não são tratados como membros da família. Eles se sentem excluídos pelos proprietários da casa onde trabalham, por não receberem o afeto necessário à sua faixa de idade.
  • 49. 48 IV.2.2 Quanto à questão: “Você gosta do trabalho que realiza? Quanto ganha por dia com o seu trabalho?” Quando questionadas sobre a questão de gostar do trabalho que executam, as crianças entrevistadas, 55% disseram que gostam de trabalhar e apenas 45% delas responderam que não gostam e que adorariam ficar brincando ou estudando (Figura 8a). 45,00% 55,00% Gostam do trabalho que reaslizam Não gostam Figura 8a. Opinião das crianças sobre gostar ou não do trabalho que executam Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados Quanto ao pagamento que recebem, os valores divergiram de uma para outra, cada valor correspondendo a 9% dos entrevistados. O maior percentual (55%) de crianças afirmou que não recebem nada, trabalham fazendo serviços domésticos dentro do próprio lar, ajudando a mãe que trabalha fora (Figura 8b).
  • 50. 49 9,00% 9,00% 9,00% 9,00% 9,00% 55,00% De R$ 5,00 a R$ 8,00 De R$ 5.00 a R$ 6,00 Nada R$ 12,00 R$ 10,00 R$ 50,00 Figura 8b. Valor recebido pelas crianças como pagamento pelo seu trabalho Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados Percebe-se pelos dados acima que as crianças se consideram responsáveis, sentem-se provedores da família, gostam de seu trabalho porque conseguem ganhar algum dinheiro e se sentem importantes por isso. No início até estranham o fato de trabalhar, mas quando começam a ganhar algum dinheiro se entusiasmam e passa a gostar do que fazem. Geralmente elas dizem que gostam de trabalhar, mas dizem também que ficam muito cansadas na escola e acabam faltando bastante. Acontece que as sociedades humanas são marcadas pela desigualdade social, possuindo um modelo econômico que oferece espaços e até incentiva a incorporação da mão-de-obra infanto-juvenil, privilegiando o lucro acima dos valores humanos. Além disso, o desemprego e a pobreza fazem com que os pais coloquem seus filhos para trabalhar desde pequenos, para sobreviver. O valor recebido pelas crianças fica aquém dos valores recebidos pelos adultos, variando de R$ 5,00 até R$ 50,00. Geralmente elas dão todo o valor para a família ou então ficam com a metade do dinheiro para uso próprio. E mesmo aquelas crianças que ficam com algum dinheiro, é para comprar caderno, livro, tênis, roupas. Ou seja, de qualquer forma compram coisas para a sua sobrevivência. Como se pode observar as crianças são mal remuneradas e, no entanto, fazem o serviço de
  • 51. 50 um adulto. É por isso que muitos empregadores preferem empregar crianças, para terem menos despesas com pagamento de salários. IV.2.3 Quanto à idade em que começaram a trabalhar As crianças entrevistadas começaram a trabalhar muito cedo, como comprovam os resultados obtidos: 25% iniciaram seu trabalho aos seis anos, 17% com oito anos de idade, 25% aos 10 anos, 25% com 11 anos e 8% a partir dos 12 anos de idade (Figura 9). 25,00% 25,00% 17,00% 25,00% 8,00% Começam a trabalhar com 6 anos de idade Com 8 anos de idade Com 12 anos de idsde Desde os 10 anos Com 11 anos Figura 9. Idade em que as crianças começaram a trabalhar Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados A entrada precoce das crianças no mercado de trabalho está associada à pobreza de suas famílias. Diante desta situação, questiona-se como estas crianças podem chegar a um estágio de cidadania, se a educação a qual lhes é necessária, é obstruída pela sua condição de trabalhadores infantis. De acordo com Ghiraldelli (1997, p. 45) “o trabalho infantil é uma das formas mais cruéis de se negar o futuro ao ser humano”. Ghiraldelli (1997) ressalta ainda que tendo que trabalhar desde cedo, a criança perde a infância para ajudar no sustento da família e com isso deixa de estudar, de brincar e de se tornar um cidadão apto a enfrentar os enormes desafios do mundo que o cerca.
  • 52. 51 IV.2.4 Em resposta à questão: O que você gostaria de fazer se não tivesse que trabalhar?” Algumas respostas para esta questão foram variadas, mas todas tinham um ponto em comum: brincar! Outras respostas coincidiram no item - estudar. É por isso que muitos autores enfatizam que um dos prejuízos que o trabalho precoce traz para a criança é a perda de sua infância, a perda dos momentos de lazer, a ausência das brincadeiras. Eis algumas respostas encontradas: “Brincar com meus amigos”; “Tomar banho no rio e jogar bola”; “Usava todo meu tempo apenas para passear”; “Jogar bola”; “Estudar e andar de bicicleta”; “Estudar, brincar de bola e andar de bicicleta”; “Ficar dormindo o dia todo e brincando”; “Passear e estudar”. Pelas respostas observadas, percebe-se que até as crianças acham importante estudar. A escola é insubstituível para a socialização e o aprendizado em geral, afirma Martins (1993). Percebe-se ainda que elas sentem falta de viver sua infância, quando mencionam que gostariam de jogar bola, nadar no rio, andar de bicicleta e estudar, ou seja: brincar! Postman (1999, p. 18) ressalta que Toda criança tem o direito de viver a sua infância. As atividades que predominam nesse período são as que envolvem movimento e criação de significados, fazendo com que a criança se desenvolva como um ser de cultura. Atividades como desenhar, brincar de faz- de-conta, cantar, dançar, ouvir histórias, são muito importantes para a criança porque ela é um ser em formação de sua identidade. As brincadeiras são tão importantes quanto o estudo. Quando as crianças brincam conseguem encontrar respostas a várias indagações, podem sanar dificuldades de aprendizagem, bem como interagir com as outras crianças. Ao brincar a criança está exercitando suas potencialidades, adquire conhecimento sem medo, desenvolve a sociabilidade, desenvolve-se intelectual, social e emocionalmente. O ato de brincar é fundamental para a formação da criança em todas as etapas da sua vida.
  • 53. 52 Ao se iniciarem precocemente no mercado de trabalho as crianças e os adolescentes não têm acesso ao lazer nem a recreação, são literalmente excluídas do mundo lúdico e prazeroso e isso lhes faz muita falta, afirma Postman (1999). IV.2.5 Motivos pelos quais as crianças não estudam As duas crianças trabalhadoras que não freqüentam a escola e participaram desta pesquisa, quando se perguntou as razões que as levavam a não estudar, responderam: Porque não gosto de estudar (CRIANÇA 1). Porque acho difícil trabalhar e estudar ao mesmo tempo (CRIANÇA 2). Às vezes acontece uma criança que trabalha dizer que não gosta da escola. O problema é que como não pode freqüentar devidamente o espaço escolar, ela não se sente atraída por ele e pouco consegue se identificar com os rituais da escola, chegando mesmo a dizer que a escola não é boa para ela, que nasceu mesmo foi para trabalhar. A partir do convívio no mundo do trabalho e sem freqüentar a escola, ela vai aprendendo a não se sentir capaz, se sentindo pouco "inteligente", acreditando não ser capaz de aprender os conteúdos escolares, por isso não gosta de estudar. Várias crianças desistem da escola por que não conseguem acompanhar os seus colegas, em virtude do trabalho que realizam. As respostas acima são corroboradas por Ghiraldelli (1997) quando ele diz que a criança trabalhadora permanece, em muitos casos, por anos e anos em uma mesma série. O processo de repetir faz com que ela internalize a sua própria incompetência. Ninguém precisa dizer isto para ela. Através de seu insucesso ela vai achando que aquele não é o melhor lugar para ela e abandona a escola.
  • 54. 53 IV.2.6 Quanto à repetição de série pelas crianças que estudam No que se refere aos efeitos do trabalho sobre a escolarização, os prejuízos citados são a repetência e a evasão, conforme os dados obtidos, onde 78% dos entrevistados afirmou que já repetiu a mesma série pelo menos uma vez. Apenas 22% deles disseram nunca ter “perdido de ano”, ou seja, nunca repetiram a série estudada (Figura 10). 22,00% 78,00% Já repetiu o ano Nunca repetiu ano escolar Figura 10. Índice de repetência dos alunos pesquisados Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados Uma das crianças que não estuda informou que já estudou e que desistiu na 3ª série do fundamental I. Estes resultados confirmam que o trabalho infantil acarreta dificuldades de aprendizado, desde as tarefas simples até as mais complexas como interpretação de textos, aumentando a repetência e a evasão escolar. Geralmente as crianças que trabalham são reprovadas de duas a quatro vezes na mesma série, porque mal aprendem a escrever. O tempo dedicado ao trabalho impede até que o aluno faça as atividades escolares. Quem mais sofre com a reprovação é o aluno porque ele passa a se criticar ou se depreciar e com isso sua auto-estima é rebaixada. A reprovação não deve ser vista como punição, mas como uma oportunidade para o aluno cumprir o que não
  • 55. 54 conseguiu em um ano, mas geralmente os alunos não entendem assim e abandonam a escola. Segundo Schwartzman (2001) o abandono escolar impede a formação profissional, criando problemas sociais. A defasagem escolar provocada pela repetência é desgastante e impede a dedicação aos estudos. IV.2.7 Quanto ao futuro das crianças Muitos dos meninos que participaram da presente pesquisa, querem ser policiais (40%) e pedreiros (20%) e as meninas, professora (20%), veterinária (10%) e atriz (10%) (Figura 11). 10,00% 20,00% 10,00% 20,00% 40,00% Quero ser professora Meu sonho é ser policial Ser pedreiro Veterinária Atriz Figura 11. Os sonhos das crianças trabalhadoras que participaram da pesquisa Fonte: Questionário fechado aplicado aos entrevistados São os planos que eles têm para seu futuro. Acontece que, ao exercerem atividades de trabalho conjuntamente com a escola, seus sonhos dificilmente serão atingidos. O trabalho infantil não dignifica a criança, ao contrário, a escraviza. Quando ela tem que trabalhar, está deixando para trás seus sonhos, suas fantasias para compactuar com um mundo insensível. Segundo Postman (1999) a necessidade do trabalho tem que ser ensinada às crianças com o passar do tempo, contudo, se são forçadas a trabalhar acabam amadurecendo cedo demais. Perdem a infância e toda a beleza que existe nela. Muitas deixam de freqüentar a escola.