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ALMIRANTE
Incrível, Fantástico, Extraordinário!
Casos verídicos de terror e assombração
Edição de O Cruzeiro, outubro de 1951
Prefácio
Eis aqui um livro nos moldes de tantos que têm surgido em todo o mundo.
Este apresenta, entretanto, um indiscutível mérito sobre os demais.
Os livros de assunto fantasmagórico relatam fatos ocorridos em épocas remotas ou indicam
vagamente, às vezes somente por simples iniciais, seus protagonistas, suas testemunhas e os
lugares onde os episódios se desenrolaram. Dessa maneira ficam impossibilitadas todas as
investigações dos estudiosos.
Neste volume figuram nomes, endereços, datas, profissões e todos os detalhes indispensáveis aos
que, porventura, desejem tirar a limpo a veracidade de qualquer narrativa.
Os fatos aqui publicados foram transmitidos no programa Incrível, Fantástico, Extraordinário!
da rádio Tupi do Rio de Janeiro e, a despeito da vasta publicidade de que se viram cercados, jamais
sofreram a mais leve contestação.
É interessante notar que esta iniciativa não está, e nunca esteve, sob qualquer influência religiosa.
Os fatos irradiados e agora trazidos à publicação foram escolhidos sem o menor intuito de ressaltar
ou favorecer a crença ou a descrença em qualquer doutrina.
Aqui podem ser encontrados episódios de fundo nitidamente católico ao lado de fatos narrados à
inconfundível maneira espírita, acontecimentos de cunho declaradamente fetichista, formando
parelha com narrativas envoltas em negro mistério, mas surpreendente pela lógica do desfecho.
A fim de que ficasse evidente a absoluta imparcialidade no tocante às várias doutrinas religiosas,
as narrações foram expurgadas de todas as expressões peculiares nas obras que abordam
fenômenos da natureza destes, onde os relatos geralmente aparecem pontilhados de terminologia
nem sempre a alcance do grande público.
Para que não se perdesse o sabor dos vários estilos as narrativas deste livro correspondem quase
literalmente à forma epistolar de nossos informantes. Tais casos nos chegaram em cartas vindas
de todos os recantos do Brasil, algumas escritas em estilo invejável, denotando o elevado grau de
cultura dos missivistas, e outras de maneira simplória e ingênua do povo, onde, aliás, a sinceridade
melhor transparece, justamente através do próprio desconhecimento dos vocábulos ou das mais
comezinhas regras gramaticais.
A fim de que a exatidão em nada sofresse na transferência do estilo epistolar ao da narrativa,
tomamos a precaução de submeter a redação definitiva de todos os episódios à apreciação de seus
remetentes. Assim, foram retificados os possíveis enganos de nomes, datas, etc., bem como
evitados possíveis desvirtuamentos de interpretação. Com isso os fatos tiveram também a valiosa
confirmação de sua veracidade.
Os problemas anímicos, psíquicos, mentais, etc., estão cada vez mais despertando a atenção dos
estudiosos em todo o mundo. Técnicas modernas de investigação apoiadas em rigorosas bases
científicas submetem, hoje em dia, tais fenômenos à luz de experimentos quase infalíveis,
dissecando cada fato, cada manifestação, e oferecendo laudos impressionantes que, por vezes,
destroem as teorias mais consagradas.
Certamente que, a tais investigadores, têm sido facultados campos irrestritos para seus estudos. As
cobaias, contudo, nunca são demais nos laboratórios. É o que, com este livro, podemos oferecer
aos estudiosos.
A volumosa correspondência que o programa de rádio provocou até hoje nos deu ensejo a certas
observações curiosas que não podemos deixar de revelar.
Inúmeras são as cartas que descrevem, oferecendo provas concretas, situações absolutamente
idênticas em que se viram envolvidas pessoas diversas, em épocas diferentes e lugares variados.
Se diria até que os fenômenos anímicos podem ser submetidos a uma classificação folclórica e
enquadrados em ciclos perfeitamente definidos.
Para melhor expor nossa observação, nesse particular, daremos, a seguir, rápida descrição dos
episódios que mais se repetem na contribuição de nossos informantes, cuja veracidade é, na
maioria das vezes, posta acima de qualquer dúvida pela abundância de prova que oferece.
1 • A procissão da meia-noite, da qual se destaca um vulto que entrega uma vela ao temerário que
a assiste da janela, lhe pedindo que a guarde até o dia seguinte. No outro dia, no lugar da vela é
encontrado um osso humano.
2 • Um recém-nascido aparece como que abandonado numa estrada, é recolhido por alguém que
ali transita em hora tardia. Levado no colo o recém-nascido começa a pesar desmesuradamente se
transformando em monstro horroroso, cabeludo e dentuço. Quem o transporta o atira ao chão
saindo em disparada até encontrar alguém que caminha em sentido contrário. Satisfeito por deparar
companhia na estrada deserta lhe conta o medonho encontro e ao se referir aos dentes ouve do
outro a pergunta: Eram dentes maiores que os meus? Só então o desconhecido foi observado e
mostrou presas de 20cm saindo da boca.
3 • O encontro com uma criatura de beleza deslumbrante, noite alta, que assediada pelos galanteios
procura fugir ora enveredando em ruas escuras onde acaba parando e mostrando ser uma horrenda
caveira, ora conduzindo o perseguidor sem que este o pressinta, à proximidade dum cemitério onde
lhe faz cena idêntica à anterior, lhe indica como morada o número de determinada sepultura ou lhe
faz qualquer surpreendente revelação, geralmente ligada a falta de cumprimento de promessa.
4 • Um indivíduo se vê atraído por linda jovem e com ela passa uma noite de delícia em certa casa
abandonada ou escuso recanto de rua. No dia imediato, verificando ter se esquecido dalgum objeto
(geralmente um relógio) que ficara pendurado ou depositado num móvel qualquer. Volta a aquele
lugar e constata que é um cemitério e que seu relógio ali está sobre uma das campas ou que a casa
em questão se acha fechada, desabitada há anos. Forçada a porta, tudo lá dentro, a não ser o estado
de abandono e a poeira, corresponde ao que fora visto na noite anterior e o relógio é encontrado
exatamente no ponto indicado por quem o deixou. Em tais casos, geralmente, a vítima enlouquece.
5 • Uma criatura sem trabalho, em risco de passar fome, tem providencial encontro com um amável
desconhecido que lhe fornece indicação de casa onde poderá obter emprego. Ali termina
verificando que seu informante era parente morto. Na maioria das vezes filho de quem a emprega.
Essa variante oferece curiosos pontos de contato com o conhecido episódio do médico procurado
em condição singular por um desconhecido a fim de que vá atender certa doente. Depois de a
salvar reconhece, por acaso, num retrato, a pessoa que o chamara. Se trata invariavelmente de
parente da enferma, falecido há tempo.
6 • As incontáveis partidas em que indivíduos audaciosos promovem a invasão dum cemitério na
meia-noite em ponto com algum propósito pilhérico e que, por qualquer razão inesperada,
terminam a debandar assustados, tendo um deles (quase sempre o mais valente) encontrado morte
horrenda, vítima do pavor por ter ficado aprisionado casualmente, pela roupa, a uma pedra tumular
ou à própria faca ou espada que ele mesmo cravara no chão, em cumprimento do pacto firmado
com os amigos.
7 • Um caminhão transporta um féretro vazio em estrada deserta. Em ponto distante recolhe um
caminhante que pede condução. A viagem prossegue e, devido à chuva que começa a cair, o
passageiro procura abrigo dentro do caixão. Adiante novo caminhante é recolhido e se senta ao
lado do ataúde. Instantes depois vê, apavorado, sua tampa se abrir e aquela voz cavernosa indagar:
A chuva já parou?
8 • Se crescente a tudo isso o infindável número de histórias das mais variadas e estapafúrdias
aventuras de espectros que perseguem pessoas e só as deixam em paz depois que elas rezam
determinada oração ou se ocultam em pontos estratégicos provocando a quase invariável frase dos
fantasmas logrados: Foi o que te valeu!
Com este livro não pretendemos, senão, oferecer um subsídio que tanto pode servir aos crentes
como aos descrentes.
A existência da alma é problema milenar que tem preocupado a humanidade, confundindo, com
seus insondáveis mistérios, sábios e ignorantes que vêem inutilizadas hoje suas indestrutíveis
teorias de ontem.
Com justa razão, pois, sem afirmar nem negar, preferimos sempre classificar cada um dos
depoimentos contidos neste livro, prudentemente abrangendo tudo como incrível!, como
fantástico! ou como extraordinário!
Índice
A locomotiva fantasma...................................................................................................................09
A perseguição da sombra................................................................................................................11
Assobios na mata............................................................................................................................13
O casarão mal-assombrado.............................................................................................................15
Passageiros fantasmas....................................................................................................................17
Instruções salvadoras.....................................................................................................................19
O Saci Pererê..................................................................................................................................21
Protesto de cadáver.........................................................................................................................24
O fantasma decapitado...................................................................................................................26
A negra Mariana.............................................................................................................................29
Impenetrável mistério.....................................................................................................................30
Um enterro fantástico.....................................................................................................................32
Chuva de pedra...............................................................................................................................34
Destino implacável.........................................................................................................................37
A mulher de branco........................................................................................................................38
Um judas do outro mundo...............................................................................................................40
Terra mal-adquirida........................................................................................................................42
O piano de Carlos Gomes...............................................................................................................44
Os fósforos salvadores....................................................................................................................50
A escuridão apavora os mortos.......................................................................................................52
A mão do Diabo..............................................................................................................................55
Desapareceu da cova......................................................................................................................57
Um morto que socorre os vivos......................................................................................................58
O negrinho de Itaguaí.....................................................................................................................60
A comunicação impossível.............................................................................................................62
O recado do fantasma.....................................................................................................................64
O mistério da caçada.......................................................................................................................66
O sonho profético...........................................................................................................................67
O pianista fantasma........................................................................................................................69
Uma estranha coincidência.............................................................................................................71
Visita de morto...............................................................................................................................72
O pilão de ipê..................................................................................................................................74
O fantasma de um vivo...................................................................................................................76
O noivo de dona Maricota...............................................................................................................78
Cumpriu a promessa.......................................................................................................................80
A careta da morta............................................................................................................................81
Manuel perna-de-pau.....................................................................................................................82
Sobrou um......................................................................................................................................84
O Diabo atende logo.......................................................................................................................86
Um fumante incontentável.............................................................................................................88
Voltou para pedir perdão................................................................................................................89
Passageiros do além........................................................................................................................91
A missa encomendada....................................................................................................................94
O moleque endiabrado....................................................................................................................95
A proteção do morto.......................................................................................................................98
O indispensável perdão................................................................................................................100
O galho de jaqueira.......................................................................................................................103
Calafrio........................................................................................................................................104
Visão do passado..........................................................................................................................106
Ninguém morre na véspera...........................................................................................................107
O tesouro enterrado......................................................................................................................109
A companheira macabra...............................................................................................................112
O canoeiro providencial...............................................................................................................115
Os três caçadores..........................................................................................................................116
Uma visão apavorante..................................................................................................................118
Despedida de amigos....................................................................................................................119
O Credo........................................................................................................................................121
O fantasma do hotel......................................................................................................................123
O abraço milagroso......................................................................................................................125
O Boitatá......................................................................................................................................126
Sonho premonitório......................................................................................................................128
A valsa inacabada.........................................................................................................................130
Fixou a hora da morte!..................................................................................................................132
O cavaleiro sem cabeça................................................................................................................134
A cruz da sepultura.......................................................................................................................137
A moça de azul.............................................................................................................................139
O aviso da morte...........................................................................................................................141
Ouvindo o pensamento.................................................................................................................143
O empregadinho zeloso................................................................................................................145
Mistérios da reencarnação............................................................................................................146
A locomotiva fantasma
Foi em Castelo, Espírito Santo.
No dia 14 de março de 1946, meu pai, Manoel Carias, saiu muito cedo de casa. Ia levar à estação
da estrada de ferro uma encomenda de pessoa da família residente em Cachoeiro de Itapemirim.
Não era a primeira vez que meu pai fazia tal coisa. Freqüentemente até se servia dos préstimos
dum velho maquinista seu conhecido que se encarregava de fazer chegar as encomendas ao
destino.
O trem, que era misto, partia às 5 horas e 30 minutos tendo meu pai chegado à estação um quarto
de hora antes, pouco mais ou menos. Se dirigiu à máquina mas vendo que havia ninguém dentro
resolveu esperar que o amigo chegasse. Decerto tinha ido tomar um café.
Mas o tempo foi passando: 5, 8, 10 minutos. Já estava na hora da locomotiva ir apanhar a
composição, e nada do maquinista chegar. Nisto se ouviu o apito do manobreiro ordenando que a
máquina se pusesse em movimento, indo se encostar nos vagões pro engate.
Meu pai, que conhecia o serviço, ainda pensou com seus botões:
— Terá de esperar que o maquinista chegue.
No mesmo instante, porém, e com certo espanto, notou que a locomotiva começava a se
movimentar caminhando à composição. Depois ouviu aquele ruído surdo tão característico do
entrechoque dos engates e viu a locomotiva voltar vagarosamente sem esperar sinal. O manobreiro
gritou:
— Êêêê! Como é isto? Ficaste maluco, seu maquinista? Tens de esperar o sinal! Voltes, que não
engatou!
Mas a locomotiva foi seguindo adiante, sempre em marcha lenta. Passou por meu pai e foi
estacionar exatamente no local donde havia saído. O manobreiro veio correndo tomar satisfação.
— Então, como é? Isto é a casa da sogra ou...
Mas, ao subir os degraus da máquina, parou meio desconcertado, murmurando:
— Diabo! Essa gente saltou sem eu ver... ou este negócio estava andando sozinho!
E saiu ruminando palavras enquanto voltava a seu lugar.
Já passava das 5 horas e 30 minutos quando o maquinista, que, por um motivo qualquer, perdera
o horário, chegava esbaforido. Meu pai se dirigiu a ele a fim de lhe entregar a encomenda. Viu,
porém, que não era seu velho conhecido e sim um outro que subiu à máquina apressadamente e
tratou de cumprir sua obrigação. Nisto se aproximava o manobreiro, a quem meu pai perguntou:
— Maquinista novo?
— Sim, esta peste que chegou com quase 10 minutos de atraso!
— E o outro? O que eu conhecia?
— O outro? Pois não sabe? Morreu, coitado, há oito dias, num desastre na linha Coutinho–Alegre.
E ajuntou suspirando:
— Aquele sim. Era eu dar o sinal e a locomotiva fazia logo o que tinha de fazer!
Moacyr Carias
Rua Xavier dos Pássaros 175
Piedade, Distrito Federal
A perseguição da sombra
Quero contar um autêntico caso extraordinário que se passou comigo no ano de 1942 quando eu
morava em Tomás Coelho à avenida João Ribeiro 672.
Sendo sócio de Vicente de Carvalho A. C., era e sou bastante conhecido no local, freqüentando
sempre reunião e festa.
Assim é que em todos os sábados ia aos bailes sendo dos que ficavam até o fim.
Certa vez, na meia-noite, saindo duma dessas reuniões dançantes em companhia dalguns amigos,
nos dirigimos ao varejo da estação a fim de tomar café.
Após ligeira palestra cada qual seguiu seu caminho tendo eu tomado o rumo da avenida Automóvel
Clube.
Embora a noite estivesse escura e não houvesse iluminação naquele local, eu caminhava
despreocupadamente estrada afora.
Justamente quando passava no local denominado Juramento notei que uma sombra escura seguia
a meu lado direito. Mesmo vendo que não havia luar naquela noite parei a fim de me certificar se
se tratava de minha própria sombra: Movimentei os braços e a sombra no chão não se mexeu, ficou
imóvel!
Ali parado, sentindo um terrível calafrio, monologuei desta forma:
— Aí, em meu lado direito, não adianta!
Imediatamente vi com a maior surpresa que a sombra deu uma volta por trás de mim e passou a
meu lado esquerdo.
Continuei a andar, já apavorado, sempre com o vulto a meu lado. Parei e disse:
— Aí, em meu lado esquerdo, também não adianta!
E comecei a me benzer e a rezar.
Só então vi perfeitamente que a sombra se afastava de meu lado tomando a direção duma moita de
capim que se achava na beira da estrada, sumindo ali dentro, provocando enorme barulho.
Aliviado, tirei um cigarro e comecei a fumar.
Dentro em pouco chegava a casa, batendo na porta e sendo atendido por meu pai que ao me ver
ainda pálido e trêmulo perguntou o que acontecera.
Contei o ocorrido e meu velho então me disse:
— Tomes cuidado, rapaz, do contrário ainda verás assombração nessas horas tardias da noite.
E, desde então, jamais desprezei aquele aviso sensato.
Darcy Ferreira (arrendatário do bar da LBA)
Rua Carolina Amado 324
Vaz Lobo, Distrito Federal
Assobios na mata
Em 1888 foi nomeada professora numa freguesia de Socorro (Santo Amaro) dona Joaquina
Moreira que ali se mudou levando em sua companhia a irmã e o filho desta, seu sobrinho Artur
Moreira Rodrigues, e meu pai, que contava então 8 anos e era tratado na intimidade pelo tradicional
apelido baiano de Ioiô.
Meu pai é muito conhecido na Bahia, em cuja capital reside à rua Marquês de Maricá, avenida
Xangai 27. Tem dois filhos residentes aqui no Rio e foi ele o principal protagonista do fato verídico
que aqui relato.
Se aproximavam os festejos de nossa senhora do Socorro e a professora encomendara um vestido
a certa modista que morava num arraial distante de nome São Paulo.
Era véspera da festa e nada do vestido chegar. Notando a preocupação de sua tia que se lamentava
de não ter um portador para ir buscar a encomenda, Ioiô se ofereceu. Não era tanto pelo serviço
que iria prestar mas pelo prazer de ir cavalgando a Mineira, mula que sempre desejara montar.
Entretanto só a muito custo, depois de pedir com enorme insistência, Ioiô conseguiu de sua tia a
almejada licença. E às seis horas da tarde tomava a estrada em direção ao arraial.
O prazer que lhe causava o passeio fez com que nem receasse atravessar o enorme bambuzal que
lhe surgiu a meio-caminho.
Na casa da modista foi informado de que o vestido não estava pronto e Ioiô se empenhou para que
a costureira o terminasse o quanto antes a fim de que pudesse regressar com alguma luz.
Só às 20 horas, porém, o vestido ficou pronto e o menino imediatamente se pôs a caminho de volta.
Seguiu estrada afora num trote picado mas já agora tomado de preocupação devido ao adiantado
da hora...
Tudo correu bem até o lugar chamado Catiúba, quando sua atenção foi despertada por um assobio
muito forte vindo da mata.
O menino sentiu um arrepio percorrer o corpo e apertou ainda mais o trote da mula.
Viajou assim mais alguns instantes quando um novo assobio, mais forte e mais próximo se fez
ouvir. Logo a seguir sentiu que alguém trepara na garupa do animal que, ao sentir o peso estranho,
estremeceu violentamente desandando em galope mais veloz ainda.
Adiante um terceiro silvo... Dessa vez a mula manifestou tamanho susto que desembestou tentando
se desviar da estrada se embrenhando na mataria.
Para manter o animal na estrada, assim como para lhe imprimir mais velocidade, Ioiô dava
lambadas violentas atirando o chicote por cima da cabeça no intuito de atingir a personagem que
sentia colada em suas costas...
Felizmente, pouco além, o animal foi dar na cancela da fazendola dum senhor chamado Macário
que, se achando providencialmente perto, acudiu o menino puxando a mula pela rédea. Lá
chegando o menino nem pôde apear, quase desfalecido estava, pedindo com voz apavorada que o
deixassem no escuro, pois tinha medo de luz!
Com a lufa-lufa causada por sua chegada naquele estado, ninguém se lembrou da mula que ficou
defronte a porta. Somente Macário, num hábito muito comum no interior, em dado momento lhe
tirou os arreios os deixou de lado certo de que Mineira, por instinto, se encaminharia à cocheira
ou ao pasto a fim de passar a noite.
No dia seguinte, logo cedo, ao sair à missa passando pela residência da professora, Macário foi
encontrar a mula parada, em pé, na mesma posição em que a deixara na véspera. Admirado gritou
pro interior da casa:
— Professora, esta mula ainda não saiu daqui?
Enquanto ninguém acudia o fazendeiro, intrigado com a absoluta imobilidade do animal, se pôs a
o observar de perto. Parecia uma estátua, olhos parados.
Então, a fim de a tirar daquela estranha paralisação, Macário lhe encostou um dedo.
Foi a conta: a mula se estatelou ao chão.
Estava morta.
Este relato, enviado pelo filho,
foi confirmado pelo próprio
Artur Moreira Rodrigues
O casarão mal-assombrado
Antônio José de Souza é nome dum amigo de nossa família, morador à rua Ambiré Cavalcanti
(Rio Comprido) e que ainda reside ali.
Me contou que há oito anos atrás, quando ele e sua esposa Maria das Dores, a filha Maria José e
uma comadre Maria Célia passaram a residir no número 193 daquela rua foram vítimas duma série
de caso extraordinário.
Essa casa, que ficava no alto, perto da caixa d’água e na beira do morro de São Carlos, em cujo
despenhadeiro se encontrava uma chácara com enorme área arborizada. Essa área separava
justamente a rua Ambiré Cavalcanti do morro de São Carlos.
O prédio era construção antiga, com altos e baixos, sendo que a família ocupava o sobrado donde
se podia apreciar a vastidão da chácara que se estendia embaixo, tendo dum lado um abismo e do
outro o morro de São Carlos.
A residência era ótima e seria a habitação ideal se não houvesse ocorrido o que passo a narrar.
Em todas as noites a família era atormentada de maneira inexplicada, pois assim que se recolhia
começava a cair pedra no telhado como se o próprio Belzebu se empenhasse em arrasar aquela
vivenda. Enquanto isso se ouvia o ruído característico de forte ventania que parecia varrer o
arvoredo lá embaixo na chácara.
Era horrível aquela situação: as pedras caindo sobre o telhado e a ventania zunindo nas árvores.
Assim se passavam as noites sem que a família não mais conhecesse a tranqüilidade do sono.
Certa vez alguém se lembrou dum crucifixo que havia em casa. Talvez com ele poderiam se ver
livres de tamanha perseguição!
Na noite, quando as pedras começavam a cair no telhado e a bater nas janelas num fragor
ensurdecedor, saíram todos ao quintal, um deles empunhando o crucifixo e uma vela acesa e se
concentrando em orações fervorosas. Tudo então silenciou completamente.
Entretanto o processo serviu somente para acalmar provisoriamente os fenômenos, pois mal a
família reingressava na casa e recomeçavam os rumores com todo o cortejo de fato anormal.
Se as pessoas tornavam ao quintal repetindo as exortações, novamente tudo silenciava.
Muito embora os cães pertencentes a uma família que morava no lado oposto (ou seja, no morro
de São Carlos) não parassem de latir soltando uivos lancinantes como se alguém os estivesse
chicoteando.
Vários meses decorreram assim sem que qualquer solução fosse dada ao problema.
Antônio José de Souza, certo dia, no auge do desespero se lembrou de fazer uma promessa a nossa
senhora das Dores, venerada na capela do Largo do Rio Comprido: faria uma caminhada de joelhos
até o Senhor Morto na Sexta-feira da Paixão.
Cumprida a promessa, a partir daquele dia a casa ficou definitivamente livre daquela perseguição
diabólica.
Neuza Gomes
Rua Guaicurus 104
Rio Comprido, Distrito Federal
Passageiros fantasmas
Há oito anos passados residia eu em Campina Grande, Paraíba, onde fui testemunha de tudo o que
passo a relatar.
Existe uma estrada de rodagem que liga aquela cidade à de Patos, dela distante 140km.
A viagem nessa estrada é longa e bastante arriscada, principalmente entre Juazeirinho e Patos,
ligadas pela serra da Viração, onde se encontra a passagem mais perigosa do percurso, um
despenhadeiro de mais de 200 metros. Nesse local ocorreram até hoje nada menos de 183 desastres
fatais.
Certa vez, pelas 9 e meia da noite, me achava em companhia de amigos tomando cerveja no bar
Petrópolis, situados na praça Campina Grande e bem diante do ponto onde estacionavam os carros
de aluguel, quando nossa atenção foi despertada por um automóvel que chegava em grande
velocidade freando bruscamente diante do estabelecimento.
Imediatamente o carro ficou cercado de curiosos, motoristas de praça, freqüentadores do bar e
outras pessoas. Vimos então que seu chofer estava transfigurado e que alguma coisa de anormal
lhe acontecera, pois além de sua palidez o homem não conseguia articular palavra.
Foi carregado ao bar onde lhe deram um pouco d’água mas só depois de longo tempo se reanimou.
Com dificuldade, a princípio dando mostra de grande pavor, o chofer passou a contar o que lhe
sucedera, tal como reproduzo abaixo:
Foi uma coisa terrível! Peguei uma família que queria ir até Patos e ali segui muito bem. Deixei
os fregueses e providenciei para regressar o mais cedo possível, já pensando na travessia da serra
na noite. Jantei no hotel, depois mandei encher o tanque de gasolina e, às 18 horas, como não
aparecia passageiro algum para volta, vim sozinho. Ao chegar à descida do morro da Viração o
motor parou de repente. Desci e fui ver o que havia. Era uma das velas que estava frouxa. Reparado
o defeito entrei novamente no carro. Mal bati a porta senti duas pancadinhas no ombro direito. Me
virando vi dois homens altos vestidos de branco.
Tomei um susto tremendo, pois não tinha visto pessoa alguma na estrada, onde tudo estava deserto.
Mal, entretanto, olhei atrás, um daqueles passageiros me disse com voz fanhosa, cujo som ainda
tenho gravado nos ouvidos:
— Sigas a toda velocidade sem olhares atrás, pois temos de chegar a Campina Grande antes das
dez horas!
É fácil imaginar como arranquei a toda velocidade, chegando feito um doido. Nem sei como não
rolei num barranco. Suava frio e nem coragem tinha para olhar o espelho e me certificar de que os
dois cavalheiros permaneciam sentados. Só aqui, na estrada de Campina Grande, foi que arrisquei
uma olhadela para constatar, com espanto, que não havia viva alma no banco traseiro! Vim tocando
na estrada a mais de 100km/h.
Não me lembrando de mais algo, nem como parei aqui.
Aquele motorista, ao que se soube, jurou nunca mais atravessar sozinho, no dia ou na noite, o
assombrado trecho da serra da Viração e decerto cumpriu a promessa!
Geraldo Quirino
Avenida dos Democráticos 320
Distrito Federal
Instruções salvadoras
A intervenção sobrenatural em assuntos materiais e prosaicos é o tema que se extrai da ocorrência
que aqui venho relatar.
Se passou com uma figura muito conhecida em sua cidade, o tabelião Sidney Simões, no tempo
em que viajava com seu pai, Alvim Simões, fabricante da conhecida tinta de escrever Simões.
É necessário esclarecer que todos na família em questão professavam o espiritismo, sendo comuns
sessões realizadas em sua residência, onde se verificavam os mais variados fenômenos.
Certa vez se achava o senhor Alvim em Belo Horizonte em companhia do filho, hospedados num
hotel, quando, sem esperar, recebeu um chamado urgente de Timbuí, sua cidade.
Embora não houvesse concluído seu negócio na capital mineira, tanto assim que as tintas que
esperava colocar ali estavam ainda em duas grandes latas prontas para transladação aos vidros em
que seriam entregues, o velho Simões resolveu partir. Antes, porém, recomendou ao filho:
— Sidney, não mexas na tinta que está nas latas. Ao voltar resolverei tudo.
O filho, que conhecia perfeitamente o negócio, ficou entregando à freguesia somente a tinta
engarrafada, aguardando a volta do pai para que ele decidisse sobre as latas.
Já se haviam passado uns 15 dias quando, de volta duma sessão de cinema, chegando ao quarto, lá
pelas 11 horas da noite, se preparava para dormir quando ouviu uma voz pronunciar seu nome:
— Sidney.
Disse então consigo mesmo:
— Ué! Parece que ouvi alguém me chamar.
Novamente o fato se repetiu:
— Sidney.
O moço compreendeu que se tratava de alguma entidade do além e nada viu de extraordinário no
fato, pois estava acostumado a tais fenômenos. E travou o seguinte diálogo com a personagem
invisível:
— Que queres comigo, irmão?
— Amanhã, bem cedo, trates de engarrafar toda a tinta. Ouviste?
— Por quê?
— Porque a tinta se perderá, visto que as latas vazarão.
— Mas, como é que será? Não tenho garrafa.
— Vás amanhã bem cedo até o fim da rua da Bahia e lá encontrarás um bar ainda aberto onde
poderás encontrar os litros de que necessitas.
— Mas, a que horas isso?
— Às 4 da manhã!
— É muito cedo e não conheço pessoa alguma ali. Depois, será difícil que eu acorde nessa hora.
— Não te incomodes. Te chamarei.
Sidney não se impressionou com o acontecido e tratou de dormir. Lá pelas tantas foi despertado
pela voz:
— Sidney, Sidney!
Olhou o relógio e viu que eram precisamente 4 horas da manhã. Se levantou, se vestiu e seguiu ao
lugar indicado. Lá estava, realmente, ainda aberto, um bar que nunca vira antes.
Se dirigiu ao proprietário, que se achava atrás do balcão e lhe perguntou:
— Tens litros para vender?
Obteve resposta favorável mas percebeu imediatamente a estranheza do proprietário do bar, vendo
aparecer naquela hora matinal um freguês excêntrico procurando litros vazios.
Como se mostrasse curioso, Sidney concordou em contar o que lhe acontecera. Sem ocultar seu
espanto o botequineiro acedeu em mandar imediatamente os 40 litros ao freguês.
Ao receber, Sidney entrou imediatamente em atividade e ao esvaziar o conteúdo da primeira lata
observou que a mesma já principiava a vazar um pouco de tinta pelo fundo. Verificou a segunda e
constatou o mesmo fato. Para se certificar melhor, estando ambas vazias, as levou a uma torneira
e as encheu de água. Foi o bastante para que o fundo das latas se desprendesse completamente.
Depois disso seu primeiro cuidado foi escrever ao pai narrando o que sucedera. Todavia, antes da
missiva ter chegado ao destino, recebia ele de Alvim Simões uma carta comunicando já saber de
tudo o que ocorrera com o filho em Belo Horizonte!
Albércio Machado
Timbuí, Espírito Santo
O Saci Pererê
O presente caso ocorreu no município de Santa Maria Madalena, estado do Rio, e é absolutamente
verídico. Quem o contou ao informante foi o doutor Manuel Verbicário, prefeito municipal e
clínico em Santa Maria Madalena.
Existe em Madalena, a 16 quilômetros de distância da cidade, extensa região montanhosa e
devoluta, com flora e fauna deslumbrantes, denominada Moribeca.
Nessa terra, patrimônio do estado, inteiramente desabitada, proliferam onça, queixada, ofídios
perigosíssimos, bem como plantas e orquídeas que constituem autênticas raridades.
Nas matas de Moribeca, tentadas por caçadores e botânicos, ninguém se atreve a penetrar sozinho,
não só pelo risco de se perder, senão pelo de ser morto de surpresa pelas feras que as habitam. Daí
se organizarem verdadeiras expedições, qualquer que seja o objetivo dos que ali vão.
Faz poucos anos vivia em Madalena notável botânico, o doutor Santos Lima, recém-falecido, que
se fez perseverante investigador das matas da Moribeca em busca de exemplares de sua flora
opulenta com que enriquecia o horto do qual era diretor. Nessa busca, que durava muitos dias,
levava em sua companhia alguns trabalhadores de sua repartição.
Para facilidade e comodidade das pesquisas havia até sido construído no mais cerrado da mata um
pequeno rancho onde os excursionistas pernoitavam a seguro de ataque de fera e inseto.
Numa daquelas excursões, na noite, reunida a turma no rancho (que ainda lá existe), estabelecida
a palestra em volta do fogo, o assunto se encaminhou ao tema preferido, ou seja, fenômenos
sobrenaturais, coisas em que a gente humilde do interior acredita piamente.
O doutor Santos Lima, em sua simplicidade de sábio, ouvia delicadamente os companheiros e com
isso se distraía, deixando assim correr a noite que na Moribeca é interminável, principalmente pelo
frio ali permanente. Entre as mais estranhas e inconcebíveis narrativas, disse um dos trabalhadores
cujo nome não importa:
— Pois olhai, de minha parte garanto: Quem quiser duvidar da existência do Saci Pererê que
duvide, não eu que já o vi. E mais: Sei que, se alguém gritar seu nome na noite em lugar deserto
ele aparecerá!
Os circunstantes se entreolharam assombrados ante a categórica afirmativa do companheiro. Nesse
instante doutor Santos Lima interveio:
— Meu rapaz, o que estás dizendo é fruto de tua imaginação. O Saci Pererê, o Lobisomem, o Mão-
pelada e outras entidades não existem, nunca existiram. Os homens é que as inventaram para
desassossego das pessoas simples e crédulas.
— Existem, doutor! — Disse um.
— Já vi, doutor Santos Lima! — Garantiu outro.
— Pois bem, — interrompeu o botânico — segundo dizes, se alguém chamar o Saci Pererê na
noite, em lugar ermo, ele aparece. Não é? Pois vou te provar o contrário.
E, ato contínuo, abrindo a janelinha do rancho, pôs as mãos à boca em concha e, no silêncio
impressionante da noite, gritou ao seio da mata misteriosa:
— Sa-ci... Pe-re-rê!... Ó Sa-ci... Pe-re-rê!...
Decorridos alguns segundos, com surpresa tremenda de todos os circunstantes, se ouviu
distintamente, partida do seio da floresta, uma voz estranha respondendo a distância:
— Ê-e-e-i-i-i-m...
A resposta, como é bem de ver, surpreendeu tremendamente a todos. Nesse número o próprio
doutor Santos Lima, pois em tal lugar e em tal hora da noite não era possível haver pessoa por ser
comum se encontrarem na manhã as pegadas deixadas pelas onças em toda parte, até mesmo em
torno do rancho.
Reposto do susto, dono já de si mesmo, doutor Santos Lima não se deixou abater pelo imprevisto
e, de novo à janelinha do rancho e com maior força de seus pulmões, fez a invocação à entidade
sobrenatural:
— Sa-ci... Pe-re-rê!... Ó Sa-ci... Pe-re-rê!...
Dois segundos, não mais aterradoramente, a voz misteriosa, agora mais precisa e mais nítida,
acudiu ao chamado:
— Já... á... á vô... ô... ou...
Difícil, quase impossível, foi ao saudoso doutor Santos Lima conter sua turma, tal o terror pânico
de que esta ficou possuída, sendo certo que nenhum deles permitiria que o chefe voltasse a se
comunicar com a entidade ameaçadora.
Dramáticos instantes se passaram então. Todas as atenções se voltaram ao exterior na espera da
estranha aparição. E a expectativa era ainda maior porque logo após a última resposta um galope
começara a ser ouvido ao longe.
Pouco a pouco, cada vez mais claro, o tropel se ia aproximando, já não havendo dúvida de que,
fosse o que fosse, se dirigia ao rancho.
No interior, à luz do braseiro, ninguém falava.
E o som dos cascos era já perfeitamente distinto.
— Ploc ploc ploc ploc...
E foi chegando, chegando, até estacar súbito no terreiro fronteiriço ao rancho. Incontinenti, uma
voz desconhecida, que pareceu lúgubre no silêncio tétrico da noite, entrando pelas frinchas do
rancho berrou:
— Doutor...!
O grito soou indistinto, quase irreconhecível. O pavor crescia dentro da casinhola. E a voz, agora
mais humana, descansada, completou:
— Doutor Santos Lima. Telegrama!
Era um empregado do horto florestal, indiferente às crendices do sertão, que, tendo recebido na
tarde um despacho pro diretor com nota de urgente, afrontava a noite dentro da Moribeca para o
levar ao destinatário. Ouvindo os brados do botânico, sem os entender e supondo que se
destinavam somente a o orientar, dera as respostas que tanto haviam amedrontado o pessoal no
interior do rancho...
Eurípedes Dutra Ribeiro
Rua Mariz e Barros 382
Niterói, Rio de Janeiro
Protesto de cadáver
O fato que passo a relatar se deu na antiga cidade de Águas Virtuosas, hoje Lambari, Minas Gerais.
Juram por sua autenticidade, além de quem o escreve, o senhor Armando Gomes de Marais e o
senhor Antônio Coveiro, figura muito conhecida no lugar. Toda a população da cidade poderá
ainda atestar a veracidade do medonho episódio.
Damião de Carvalho, moço ainda, apesar de pacato e trabalhador, por circunstâncias ou fatos
ocorridos em tempos passados, ficara com a fama de valentão.
No dia 11 de agosto de 1921 (do ano não estou bem certo), mais ou menos às duas horas da tarde,
um indivíduo de nome Feliciano, pouco conhecido no lugar, assassinou Damião de Carvalho bem
defronte o armazém do comerciante João Bandurra.
Se realizaram as diligências policiais e o criminoso foi preso.
Na cidade não se falava noutra coisa. Todos se mostravam consternados com a morte do infeliz
rapaz, pois Damião, visto pertencer a uma antiga família local, era bastante estimado a despeito da
fama que lhe era atribuída. Além do mais se casara há pouco tempo, o que era indício de sua
regeneração.
Por todos esses motivos o enterro, no dia seguinte, teve enorme concorrência.
Chegando ao cemitério, na presença de quantos ali se achavam, o caixão, contornado por duas
cordas, como era costume, e seguradas estas em suas extremidades por quatro homens, foi
descendo lentamente a dentro da cova.
De repente os que se empenhavam naquela tarefa arregalaram os olhos e se puseram a olhar
espantados uns aos outros. Pareciam querer falar mas não articulavam palavra. Estavam todos
extremamente pálidos. O que estaria acontecendo?
Longo tempo estiveram assim, mudos, paralisados, até que um deles, criando ânimo, rompeu
aquele silêncio que já estava se tornando amedrontador e disse com voz sumida:
— O caixão ficou leve!
Um espanto cresceu ao redor. Num relance todos se aglomeraram mais na curiosidade daquele
incrível acontecimento.
Os coveiros, nervosos, com gestos rápidos, suspenderam o caixão. E, entre aclamações de espanto,
gritos histéricos e demonstrações de pavor, todos viram que o cadáver estava no fundo da
sepultura!
Houve um ligeiro tumulto na assistência, um princípio de pânico. Vozes balbuciavam orações
enquanto outras tentavam justificar o fato, descambando ao terreno da lenda e superstição. Houve
mesmo quem exclamasse pateticamente:
— Ele pede justiça! Quando um morto sai do caixão é porque pede justiça!
Mil indagações se cruzaram de repente. E, à medida que eram passadas em revista as circunstâncias
do tenebroso transporte, o terror ia crescendo em toda gente.
O fundo do caixão estava intato, o que foi verificado pelo próprio Armando de Morais, que o havia
construído!
O cadeado, entretanto, e as argolas que prendiam a tampa à parte inferior davam mostras de terem
sido arrancados violentamente por uma mão poderosa!
Mesmo, porém, que estivessem frouxas as argolas e se tivessem desprendido a um solavanco
maior, como poderia o cadáver ter se evadido se a tampa presa como estava pelas duas cordas que
circundavam o caixão nunca se poderia ter aberto o suficiente para dar passagem ao corpo?!
E mesmo que tal houvesse acontecido, argumento definitivo, como é que nenhum daqueles que
observavam a descida à cova não notou o mais ligeiro estremecimento nas cordas ou no ataúde?
As conjeturas se unificaram numa só frase que corria de boca em boca:
— Ele não queria ser enterrado!
Décio dos Santos
Rua Ricardo Silva 30, Turiaçu
Distrito Federal
O fantasma decapitado
O caso que vou relatar se passou comigo mesmo, por volta do ano de 1927, quando residia com
minha família no lugar denominado Porto do Velho, município de São Gonçalo, Rio de Janeiro.
Meu pai, Manoel Fogaça, possuía ali uma indústria na qual juntos trabalhávamos.
Certa vez, numa quinta-feira, fui dar um passeio até a ponte das barcas, Niterói e, ali chegando,
resolvi ir a uma sessão no cinema Royal, hoje demolido.
Assisti calmamente, na segunda sessão, a passagem do filme cujo nome não me recordo mas que
tinha como artista principal Harry Carrey.
Ao sair, chegando à praça Martim Afonso, verifiquei que o bonde das 23:10h, da linha Alcântara,
já havia seguido seu destino.
Tendo perdido essa condução, aliás a última que passava no Porto do Velho naquela hora, não tive
remédio senão seguir no bonde de Neves.
Ao saltar no fim dessa linha, já passava da meia-noite e meia, vi um botequim aberto.
Entrei, tomei um café e fiquei pensando na longa caminhada que teria de empreender até Porto do
Velho.
Me recordava também de certas coisas anormais contadas por pessoas de minha zona referentes à
rua que eu teria de percorrer e, principalmente, a uma certa ponte de tábua, muito velha, que se
denominava ponte das Brandoas, onde, segundo diziam, qualquer pessoa que ali passasse a alta
hora da noite ouvia gemido, via assombração e coisas mais.
A rua a que me refiro se chama Alberto Torres. É muito longa e, de certo trecho a diante, deserta
e perigosa.
Quando o relógio do botequim assinalava uma hora da madrugada o dono se aproximou e me disse
com seu sotaque lusitano:
— Como é, rapaz? Vou fechar o boteco.
Confesso que estava temeroso de enfrentar algum perigo e, ao sair, caminhei até o portão da oficina
Hime na esperança de que aparecesse alguém que me servisse de companhia até Porto do Velho.
Finalmente, depois de aguardar meia hora, saiu da oficina um rapaz que deixara o serviço naquela
hora. Passou por mim e seguiu seu caminho.
Não tive dúvida em o seguir e tomar a mesma direção até o alcançar. O cumprimentei e fomos
conversando até a avenida Paiva (justamente a metade do caminho) quando esse companheiro
parou para se despedir. Declarando morar ali no fim da avenida, me perguntou:
— Onde moras?
Tendo eu lhe dito onde residia me declarou:
— Tens muita coragem em atravessar a ponte das Brandoas nesta hora! Eu, por coisa alguma,
passaria ali agora.
Depois de sua saída fiquei pensando se devia prosseguir viagem, quando, num rasgo de coragem,
considerei que um homem é um homem e me pus a caminho.
Ao passar na malsinada ponte um arrepio me percorreu todo o corpo e foi nessa situação que a
atravessei sem, entretanto, ter visto ou ouvido algo extraordinário.
Supunha, então, haver vencido o maior obstáculo. Entretanto, mais adiante, depois do cruzamento
da linha Leopoldina com a Cantareira, próximo a um pequeno pontilhão sobre o qual passam os
trilhos daquela companhia, divisei uma claridade.
Me aproximei. Verifiquei se tratar de quatro velas acesas nos cantos dum lençol branco estendido
no chão. Ao lado, de pé, olhando atentamente o lençol, estava um homem alto vestindo um longo
capote preto que ia até os pés e trazendo na cabeça um grande chapéu da mesma cor.
Ao ver aquele quadro o que mais me impressionou foi observar que o homem mais parecia uma
múmia, imóvel como estátua.
Com dificuldade consegui passar no local. Porém, adiante, já em Porto do Velho, próximo a minha
residência, bem no meio do cruzamento das linhas de trem, se repetiu a mesma cena: vi as velas,
o lençol e o homem de capote e chapéu preto!
Ao enfrentar aquele quadro em tudo semelhante ao anterior, ainda mais horrorizado fiquei, mas
não havia outro caminho.
Fui seguindo na extremidade oposta e, ao passar pelo vulto, tentei ver a fisionomia do homem.
Não consegui divisar o rosto da estranha personagem porque o grande chapéu encobria a metade
da cabeça.
Logo que consegui me distanciar daquele macabro local ouvi uma voz me chamar e caí na tolice
de olhar atrás. Bem próximo a mim estava o tal homem. Com o chapéu numa mão e uma vela na
outra, mas... sem cabeça!
Ao ver tão horripilante figura corri desabaladamente em direção a minha casa ouvindo em minha
retaguarda repetidas gargalhadas e longos assobios.
Cheguei a casa metendo os pés na porta da sala de jantar que minha mãe sempre deixava escorada
com uma cadeira para que eu, ao chegar, não perturbasse o sono dos demais.
Fazendo uma barulhada infernal caí desacordado sobre o assoalho.
Meus pais e irmãos, despertados pelo estrépito, acudiram a ver o que acontecera comigo e me
socorreram. Só após recuperar o sentido, ainda cheio de pavor, pude contar o sucedido.
Na manhã seguinte, ainda de nervo abalado, fui por, curiosidade, verificar os lugares onde havia
passado na véspera, para ver se existia algum indício anormal.
Nenhum vestígio de cera de vela. Nada que relembrasse o que vira com meus próprios olhos!
Todavia, no pontilhão, já rodeado por muitas pessoas, jazia o cadáver dum homem que o trem da
Leopoldina apanhara naquela noite. O corpo estava coberto com um lençol branco colocado por
pessoas caridosas logo após o desastre.
Minha curiosidade fez com que me aproximasse e levantasse o lençol. Assombrado verifiquei que
ali estava um corpo com a cabeça esmigalhada. Se tratava dum homem alto, trajando roupa e
capote pretos, tendo ao lado um grande chapéu também preto.
Floriano Fogaça
Rua Costa Mendes 18, apto 101
Ramos, Distrito Federal
A negra Mariana
Este caso ocorreu mais ou menos em 1945. Eu estava de férias e fui passar uns dias numa granja
no interior curitibano, residência dum colega.
Numa noite minha coleguinha e seu irmão saíram para visitar uma pessoa que aniversariava e
preferi ficar fazendo companhia a sua mãe, dona Rosinha, que se achava só, pois seu marido estava
viajando. Me sentei na varanda em companhia da idosa senhora conversando ou lendo um
romance. Após algum tempo vi que dona Rosinha adormecera na cadeira de balanço. Continuei
minha leitura e, instantes depois, percebi que havia alguém parado no portão da velha casa.
A fim de não gritar dali e acordar a senhora deixei de lado o romance. Desci a escada e fui até o
portão. Lá encontrei uma preta velha, sorriso nos lábios, que me cumprimentou amavelmente e
indagou:
— Mecê está morando aqui agora?
Expliquei a razão de minha presença ali e indaguei se procurava alguém.
— Não... Sou a nega Mariana... Já morei aí. Só quiria sabê si dona Rosinha tá passando bem da
perna.
Eu não sabia de qualquer doença de dona Rosinha, por isso me prontifiquei logo a ir a chamar. E,
apesar da preta me pedir que não o fizesse, eu já tinha subido à varanda e acordado a senhora. Mas,
ao indicar o portão onde deixara a visitante, vi mais ninguém.
Fiquei boquiaberta. Desci correndo, investiguei bem em toda direção mas não enxerguei alguma
pessoa.
Voltando a perto de dona Rosinha, esta me acusou de estar imaginando coisa mas quando
mencionei o nome que a preta me dera e me referi a seu desejo de saber do estado de sua perna, a
senhora se mostrou assustada. E o que revelou, então, me deixou com um frio na espinha:
— Tenho, de fato, aqui na perna uma ferida já quase cicatrizada proveniente de variz. A negra
Mariana sabia disso. Foi uma criada muito boa que viveu conosco muito tempo. Morreu há um
ano, mais ou menos.
Nancy Kendrick de Lima
Rua 29 de Agosto 223
Curitiba, Paraná
Impenetrável mistério
O que venho a contar aqui se passou comigo mesmo em Barra Mansa, Rio de Janeiro, numa casa
que ficava à rua Jansen de Melo.
Foi assim: em 1935 eu era o operador do cinema Éden. Após a sessão que terminava sempre às
21:30h costumava ir em companhia de amigos até o bar São Luís e dali rumava até casa.
Numa noite fiquei até mais tarde na rua e só me recolhi por volta das 23h. Entrei no quarto, despi
o paletó e o dependurei, como de costume, na própria chave da porta, que eu trancava
sistematicamente. Depois tirei o cigarro e o fósforo, os coloquei sobre a mesinha de cabeceira,
verifiquei se a janela estava bem fechada, fiz minhas orações e me deitei.
Ao lado de meu quarto havia outros dois cômodos. No primeiro dormia meu irmão com sua esposa
e dois filhos. No segundo três primos. Na parte de cima da casa moravam meus tios.
Em certa altura, quando já estava ferrado no sono, fui despertado de maneira brusca.
Era como se tivesse levado um bruto empurrão e tive a impressão perfeita de que uma força
estranha me atirara por uma ribanceira. Estava tudo escuro. Procurei o interruptor de luz mas não
houve meio de o encontrar.
Eu estava como tolhido em meu movimento. Um aprisionamento nos músculos limitava a ação de
meus braços, de minhas pernas, de meu corpo todo. Tinha vaga noção de que uma mudança radical
se operara em meu leito a meu redor. Impotente para sair dali, para me levantar e vencer o torpor,
gritei com imensa dificuldade:
— Acordai, gente!
Não tardou que meu irmão se levantasse e viesse me atender. Tinha consciência de tudo e não
podia compreender como conseguira ele entrar em meu quarto se eu havia fechado a porta por
dentro a chave.
Se eu estava espantado, porém, a surpresa de meu irmão não era menor, pois me via deitado sob a
mesa na sala de visita! Minha cabeça pousava num de meus próprios travesseiros mas eu estava
coberto com uma colcha que antes se achava no quarto onde dormiam meus três primos.
Da beira do travesseiro até a porta de meu quarto o cigarro e o fósforo espalhados no chão faziam
um verdadeiro rastro.
Tudo aquilo me dava impressão de acesso de sonambulismo. Estranheza era maior pelo fato de
que eu nunca fora sonâmbulo. Meu irmão estava pálido, trêmulo e não dizia palavra. Juntei a roupa,
apanhei o cigarro e o fósforo e me dispus a voltar ao quarto. Quando bati a mão na maçaneta da
porta senti um calafrio no corpo todo: A porta estava fechada por dentro!
Meu pavor não teve limite. Sob o olhar estarrecido de meu irmão gritei alucinadamente até acordar
todos na casa. Até os vizinhos acudiram ante tamanho alarde e em pouco a sala estava superlotada.
— Tem gente dentro de meu quarto! — Gritava eu aflito.
Na verdade era só o que se podia supor com a porta e a janela fechadas por dentro! Era aquela a
única hipótese lógica.
— Tem gente aí dentro! — Repetia eu cada vez mais agitado.
Os vizinhos logo se preveniram. Alguns foram buscar arma e ficaram distribuídos uns fora
fiscalizando a janela e outros dentro tomando conta da porta.
Um de meus primos foi buscar o machado e o meteu na porta. Em poucos instantes a madeira
cedeu aos golpes do ferro e a porta rodou violentamente nas dobradiças. Mas voltou incontinenti
como impulsionada por alguém que estivesse atrás.
— Tem gente, sim! É ladrão! Saias daí, bandido! — Todos gritavam ferozes.
A porta foi novamente empurrada a dentro e fez o mesmo movimento de retorno. A cena se repetiu
algumas vezes e, como não passasse daquilo, alguns se encorajaram e entraram no quarto.
Uma gargalhada estourou em todas as bocas. Atrás da porta, a fazendo voltar insistentemente,
estava um velho e inofensivo colchão.
— Rá-rá-rá-rá! — Gargalharam todos.
Mas no meio da risota geral eu fazia minhas observações. Minha seriedade contagiou toda gente.
Em pouco tempo quietos, cabisbaixos, todos se curvaram ao peso daquele estarrecedor mistério.
E não era para menos.
A porta, mesmo toda despedaçada, mostrava a lingüeta da fechadura a fora, sinal de que estava
fechada por dentro, com a chave ainda no lugar. A janela, conforme todos constataram, estava
hermeticamente fechada por dentro. E, da porta até a mesinha de cabeceira, o fósforos e o cigarro
espalhados no chão continuavam o misterioso rastro que se estendera pela sala de visita até minha
cabeceira.
Por muito tempo o comentário nas ruas de Barra Mansa foi exclusivamente em torno daquele
espantoso fato: O homem que fora atirado através da porta fechada!
Giovanni Carneiro
Rua Godofredo Viana 64
Jacarepaguá, Distrito Federal
Um enterro fantástico
Em 1937 era eu ainda muito novo e residia na cidade de Magé, em cuja estação meu pai possuía
um bufê onde eu o ajudava.
Todos os dias esperávamos o último trem, que chegava a Magé às 18h. Nas sextas-feiras
permanecíamos a postos até as dez da noite, quando passava o noturno campista.
Me lembro bem que, numa dessas sextas-feiras, quando estávamos esperando o noturno, papai
verificou que não havia mais fósforo e me mandou comprar.
O único bar que podia atender naquela hora ficava na rua doutor Siqueira, no largo Jaú.
Da estação até o largo há um bom pedaço marginando o cemitério.
Confesso que não me agradou muito a ordem de papai mas não podia discutir determinação
superior.
E lá fui passando no lado do cemitério até chegar ao bar.
Ao me aproximar do bar encontrei no meio da rua um bando de criança brincando e fazendo
enorme algazarra.
Nada vi de mais naquilo, apesar da hora tardia da noite, e decerto por ver tanta criança brincando
ali foi que não estranhei o que aconteceu logo depois.
Vi um enterro com quatro homens carregando um caixão mas continuei meu caminho até o bar
onde comprei o fósforo e voltei. Lá estavam no mesmo lugar as crianças brincando alegremente.
O cortejo fúnebre, porém, já se distanciara um tanto e eu, não resistindo à curiosidade, tratei de o
alcançar.
Assim que me aproximei dos quatro homens percebi que, se eu atrasava os passos eles faziam o
mesmo, se os apressava eles se adiantavam no mesmo ritmo.
Repeti essa experiência duas ou três vezes antes de alcançarmos a entrada do cemitério.
Vi, nesse momento, que o portão se abria sozinho e que os homens entrando nele foram ao meio
do cemitério, depuseram o ataúde no chão, acenderam velas e vieram a fora esfregando os braços.
O que me encheu de medo e me deixou com arrepio no corpo foi que tudo isso se passou em
poucos segundos!
Nada mais vi. Quando dei em mim estava sentado na estação, cercado de gente que perguntava o
que me acontecera.
Só depois dalgum tempo pude contar o que vira.
Papai, para se certificar do fato, no dia imediato procurou o coveiro, que naquele tempo era um
velhote conhecido como Antonico, e lhe perguntou se havia efetuado algum enterro na véspera,
na noite.
— Não fiz enterro algum ontem na noite e nem emprestei a chave do cemitério a alguém.
Edésio Cardoso
Travessa Alberto Torres 198, São Gonçalo
Niterói, Rio de Janeiro
Chuva de pedra
Há dois anos morava eu com minha mulher e duas filhas menores, Elza e Ziza, na rua Alzira
Valdetaro 60, em Sampaio. A casa era de propriedade duma senhora chamada Maria Italiana que
ocupava a parte da frente.
Jamais notáramos coisa alguma de anormal até que, numa tarde, entre as 6h e 6:30h, quando me
sentava à mesa para jantar, ouvi certos ruídos nítidos semelhantes aos de pedrinhas batendo num
prato.
Nossa mesa ficava encostava na parede e isso fez com que pensássemos haver algum rato ou
qualquer outro bicho localizado no forro fazendo caírem as pedras.
Entretanto, como nada houvéssemos visto, somente ouvido o pequeno rumor, fomos dormir sem
atribuir caráter extraordinário ao fato. A noite transcorreu em absoluta normalidade.
No dia seguinte, na mesma hora, quando estávamos à mesa, novamente voltou a ser ouvido o
mesmo ruído de pedrinhas batendo num prato.
Fizemos uma busca mais atenta, sem resultado prático. E assim se encerrou o episódio daquela
noite.
No terceiro dia, na mesma hora, se repetindo o inexplicável ruído, já o espanto nos dominava.
Perguntei a minha mulher, Liberata, se tinha ouvido.
— Ouvi sim, João!
Como lhe indagasse donde achava que provinham tais pedras, Liberata protestou:
— Mas que pedras, João? Onde é que estão as pedras? A gente procura e nada acha.
Propus, então, a minha mulher, que tirasse a mesa daquele lugar e a colocasse no lado oposto, com
o que ela concordou.
Todavia, quando fomos jantar, no dia imediato, já com a mesa em nova posição, o mesmo barulho
se produziu.
Começou a ter lugar, daí por diante, naquela casa, uma febre de experiências quanto à posição
diária da mesa, tudo para fugirmos daquele som enervante. A colocamos, finalmente, no centro da
sala.
Ao nos sentarmos pro jantar do dia seguinte estrondou um ruído muito mais forte, como se uma
pedra maior houvesse caído e partido um dos pratos.
Considerei que podia ser brincadeira de alguém que estivesse lá fora e combinei fecharmos a janela
para maior certeza. Assim foi feito. Um fenômeno estranho e apavorante logo nos deixou
estarrecidos: Era como se alguém atirasse pedras e mais pedras nas paredes!
Nada se via mas o ruído era tão nítido e insistente que Liberata, apavorada, correu a chamar dona
Maria Italiana assim como outros vizinhos.
O espantoso é que quando minha mulher voltou com toda essa gente já o ruído cessara
completamente.
Daí a diante não conhecemos mais sossego à hora do jantar. Já não nos sentávamos à mesa:
comíamos em pé com o prato na mão!
Nem assim o barulho cessou.
Nessa altura a notícia do fenômeno se espalhara e era sem-conta o número de pessoas que ali
afluíam na hora costumeira para presenciar tais fatos.
Por fim a notícia chegou ao conhecimento do 190 distrito policial, que designou o investigador de
apelido Cai Nágua para apurar o que ocorria.
Cai Nágua combinou comigo comparecer a casa na tardinha acompanhado de vários subordinados
seus que tomaram posições estratégicas na redondeza observando tudo e se dispondo a deter
qualquer indivíduo suspeito.
O investigador se fechou em casa conosco, verificando tudo internamente para afinal se sentar
absolutamente certo da eficácia de suas medidas.
— Fiques descansado, seu João. — Disse ele — Como vês: até agora nada aconteceu.
Tudo está quieto e o que havia era brincadeira com o senhor. Naturalmente de pessoas
desocupadas. Mas agora, com a polícia, a coisa muda de figura!
Mal o zeloso Cai Nágua acabara de pronunciar tais palavras, se pôs a fazer gestos como quem se
defende de ataques inesperados vindos de várias direções. Entretanto nada se via que justificasse
tal atitude.
Na ânsia de verificar quem seria, fora de casa, o promotor daquele bombardeio, Cai Nágua abriu
a porta e se defrontou com um repórter do Diário Carioca, o qual ainda pôde presenciar alguma
coisa do fenômeno.
Tal repórter, pelo que chegou a perceber, concluiu imediatamente que aquilo não era caso de
polícia.
Diante disso o investigador se retirou com seus homens e o repórter se aprestou para concluir sua
reportagem que foi estampada no Diário Carioca de dezembro de 1929.
A publicação da notícia fez com que afluísse à casa mal-assombrada em que residíamos.
De minha parte já me achava disposto a me mudar, quando, em certa tarde, uma velha
desconhecida passou ali e, vendo o ajuntamento, quis saber do que se tratava.
Informada de tudo, me falou:
— És a dona da casa?
Como lhe respondesse que era o inquilino me perguntou:
— Queres que dê um jeito nisso?
— Isso nem se pergunta! — Respondi — Podes conseguir isso?
— Farei o possível. Amanhã voltarei.
No outro dia, conforme prometera, a velha voltou. Me pediu um copo limpo com água e uma vela.
Em seguida rezou algumas orações, introduziu a vela acesa equilibrada dentro do copo cheio
d’água e me mandou o colocar sobre o parapeito dum arco que separava as duas salas.
Feito isso a desconhecida afirmou com impressionante convicção:
— Agora fiques descansado porque nada mais haverá!
Quando, no dia seguinte, fomos ver o copo, este se achava completamente vazio e seco. Não havia
nele vestígio de água nem de vela, como se tudo se tivesse evaporado misteriosamente.
Em verdade, a partir de então, não mais se registraram os fenômenos auditivos e a paz voltou a
nossa casa.
Além do testemunho da imprensa, muita gente presenciou aqueles surpreendentes fenômenos, dos
quais eu e minha mulher Liberata Pereira do Nascimento, fomos as principais testemunhas.
João Meneses do Nascimento,
mecânico das caixas registradoras National S. A.
Rua Veríssimo Machado 43
Rocha Miranda, Distrito Federal
Destino implacável
Por volta do ano de 1928 eu trabalhava como marceneiro no instituto Dona Escolástica Rosa, à
avenida Bartolomeu de Gusmão 111, em Santos, onde fui também educado.
Entre meus colegas de profissão havia um de nome Antônio Ventura, que exercia seu mister
trabalhando numa serra de desdobro. Essas serras são assim chamadas porque se destinam a dividir
as toras de madeira em pranchas e tabuados, se empregando, conforme o caso, cinco ou seis serras
que são fixadas a um braço e agem em sentido vertical.
Em certa manhã Antônio Ventura se apresentou ao chefe da serraria, Graciano Morales, já falecido,
que exerceu longos anos essa função naquele colégio, e lhe comunicou que não desejava trabalhar
naquele dia por ter um pressentimento de que algo de mau iria se dar. E justificou esse estado de
espírito contando o sonho que tivera naquela noite: Uma prancha se desprendia do guindaste e caía
sobre ele o esmagando.
O chefe, sem querer insistir, ponderou ao Ventura que não tivesse preocupação devido a um
simples sonho e, como não houvesse muito serviço, o aconselhou a que ao menos aproveitasse o
dia para a limpeza e lubrificação da máquina, sem lidar com as toras de madeira.
Se encontrava o infeliz companheiro entregue à execução do serviço de limpeza da máquina
quando uma das peças anteriormente desmontadas (justamente a que prende as serras e que pesa
aproximadamente 200kg) tombou, sem se saber como, e o colheu em cheio causando morte quase
imediata.
Nem é necessário dizer que a consternação foi geral, não somente da parte de seus colegas como
da própria administração do instituto, que contava o Antônio Ventura como um de seus bons
servidores.
Este fato, de tão estranha coincidência, pode ser comprovado ainda pelo senhor Alcides Pinto,
atualmente funcionário da Brazilian Warrante, de Santos.
Laudelino Pinto de Oliveira
São José dos Campos, São Paulo
A mulher de branco
Há dois ou três anos, aproximadamente, quando em nossa casa ainda não tínhamos luz elétrica,
mamãe, em certa noite, se levantou e procurou acender o lampião utilizando um isqueiro.
Como esse acendedor falhasse ela desistiu de seu intento e, sem qualquer idéia de temor, abriu a
janela do quarto a fim de ver como estava a noite.
Foi muita sua surpresa ao ver o vulto duma mulher defronte a casa número 491, ao lado da nossa.
Essa criatura estava toda vestida de branco, de calção e blusa da mesma cor e com o cabelo
comprido e solto. Mamãe, porém, não conseguiu ver o rosto.
Aguçando o olhar notou que a mulher desaparecera pela cerca da frente sem utilizar o portão que
se achava fechado.
Logo depois surgiu na entrada do prédio vizinho, onde há uma cerca de bambu. E repetiu esse
trajeto duas ou três vezes!
Mamãe fechou a janela e olhou o mostrador fosforescente do relógio: Era justamente meia-noite.
Quando, no dia seguinte, nos contou o que se passara, ninguém acreditou, e até meu irmão mais
velho, Zoco, lhe disse:
— Mas mamãe, a senhora, uma criatura idosa, contando uma coisa dessa!
Passaram os dias e, certa vez, Zoco foi fazer um passeio com um colega. Na volta ficaram os dois
conversando perto da casa até tarde da noite.
Meu irmão se despediu do colega e, quando se dispunha a entrar em casa, viu aquele mesmo vulto
de mulher toda de branco, tal como acontecera a mamãe.
Chamou papai, que ainda estava acordado por ter vindo duma briga de galo. O velho, chegando à
porta, declarou nada ver de anormal.
No outro dia, entretanto, me coube a vez: Vi a estranha mulher dando três de suas voltas
misteriosas e depois entrei em casa seriamente impressionado.
Finalmente, papai, indo na alta madrugada ao matadouro de Santa Cruz, onde trabalha, mais tarde
confessou ter visto a mulher de branco.
E não fomos somente nós, da família, pois nossa vizinha Mercedes, seu marido Cliantes e sua irmã
Sinhá, todos viram e tornaram a ver a estranha figura.
Minha mãe se chamava Jacinta, meu pai Mateus de Sá Freire, e todos podem atestar a veracidade
do que aqui estou relatando, sem que algum de nós possa explicar o estranho fenômeno do
aparecimento daquela mulher de branco com o cabelo comprido e solto, dando voltas em torno da
casa vizinha.
Anastásia da Silveira Freire
rua Felipe Cardoso 493
Santa Cruz, Rio de Janeiro
Um judas do outro mundo
O remetente deste episódio é bastante relacionado nos meios artísticos e radiofônicos. Trabalha
em palco e circo e, não raro, colabora em jornal e programa radiofônico, onde inúmera produção
sua figurou com sucesso. É autor dum pequeno livro de poesia intitulado Goiambês.
Trabalhava eu como secretário do circo-teatro Norip, instalado em Paul, bairro de Vitória.
Ali estava substituindo o José Brito Coelho, antigo secretário do circo, que falecera dias antes, na
Santa Casa de Vitória.
Havia grande consternação na casa de espetáculos, pois o José era, não só bom companheiro, como
excelente secretário, além da artista de mérito invulgar.
Naquela noite o circo apanhara uma de suas maiores enchentes. Era o último espetáculo naquela
praça e estava para ser representada a peça sacra Vida, paixão e morte de N. S. Jesus Cristo.
Me achava eu no controle da transmissão, pronto para fazer rodar os vários discos de música
especializada, bem como produzir ao microfone os ruídos para cenas como a do enforcamento de
Judas, toda sincronizada com trovão e rajada de vento.
Já havia soado o segundo sinal. O velho Norip, diretor do circo, dava suas últimas ordens. Dona
Guety, sua filha, verificava as roupas das várias personagens.
Foi quando vi entrar na barraca-camarim um vulto envergando traje marrom, se encaminhando ao
espelho onde os artistas davam os últimos retoques em sua maquiagem. Traje de tal cor, naquela
representação, só mesmo o de Judas.
– Já deu o segundo sinal! – gritei, advertindo a personagem, que supus fosse dona Guety.
Quem era não respondeu. Deu alguns passos à frente e sumiu de maneira inexplicada.
Fiquei surpreso. Saí imediatamente do estúdio de transmissão e fui até o palco. Ali estavam todos
os artistas participantes da peça.
— Quem foi que esteve, agorinha mesmo, no camarim? — Indaguei.
Todas as respostas foram negativas. E meu espanto cresceu ao ver dona Guety com uma vestimenta
branca.
– Quem esteve no camarim, vestido de marrom, agora mesmo? – Repeti.
– Só se foi Walter Ciricola, que fará o Judas. — Me disseram.
Realmente. De marrom, naquela representação, só o traje de Judas. Procurei Walter no mesmo
instante. Lá estava ele, à volta com uma cortina. Sua indumentária era igual à do vulto.
— Foi tu quem esteve agora no camarim?
— Eu não. Estou aqui há um tempo enorme consertando esta cortina que enguiçou.
Naquele instante soava o terceiro sinal. Cada um tomou sua posição. Voltei a meu posto.
A representação ia correndo sem incidente. Se aproximava a cena culminante do enforcamento de
Judas. Uma apreensão tomava todos os protagonistas. Walter Ciricola era excelente acrobata mas
péssimo declamador. Fora apanhado pro papel a fim de salvar a renda infalível daquela peça
tradicional.
Em todo caso lá ia ele sem maior tropeço. Faltava, entretanto, o grande momento que exige do
intérprete excepcional qualidade histriônica que todos sabiam faltar ao inexperiente ginasta.
Foi com crescente surpresa que todos perceberam a transfiguração por que passou o Ciricola. As
palavras saíam de sua boca com segurança e vigor de inflexão impressionantes. Sua gesticulação
assumia proporções incomuns, num desembaraço só visto antes em José Brito Coelho.
Se diria que ali não estava Walter Ciricola e sim o próprio Zé Coelho, representando seu papel
preferido que lhe granjeara vibrantes aplausos em toda sua carreira.
Eu estava impressionado. Às vezes parecia perceber na voz de Walter inflexões e timbre de Zé
Coelho. Os gestos de ambos tinham semelhanças pasmosas. A própria maneira de preferir certos
pontos do tablado para declamar sua fala era a de Zé Coelho.
No final, antes de fazer qualquer comentário sobre o que observara, ouvi dos demais artistas
expressão de entusiasmo e assombro:
— Vistes como o Walter no papel de Judas até parecia o Zé Coelho?
Um calafrio passou pela espinha de todos nós.
José Coelho voltara para representar mais uma vez o papel que nunca abandonara em toda a
existência do circo-teatro Norip.
Esse fato poderá ser testemunhado por todos que trabalhavam naquele espetáculo, entre eles a
família Camargo, as irmãs Chulvis, Pedro Duara, Júlio Norip e sua família.
Roberto Silva
Distrito Federal
Terra mal-adquirida
Em certa noite de setembro de 1935 Fernando Tolentino foi despertado por um barulho vindo da
cozinha como se alguém estivesse lavando panela. Depois ouviu o rumor inconfundível de alguém
soprando o fogo e logo a seguir um forte cheiro de queijo assado encheu toda a casa.
Fernando Tolentino alugara recentemente aquela fazenda.
Pensou logo que fossem seus dois vaqueiros, Miguel e Ariel, que se levantavam sempre muito
cedo. Raciocinou, porém, que não podia ser algum dos dois, pois eles dormiam em dependência
separada da casa da fazenda e esta se achava inteiramente trancada por dentro.
Por desencargo de consciência os chamou.
— Ariel! Miguel!
Não obtendo resposta, e como o barulho continuou, acordou sua mulher e ambos foram até a
cozinha verificar o que havia. Assim que chegaram o ruído cessou dando lugar a uma ventania tão
forte que ambos mal podiam respirar.
Percebendo se tratar dalgum fenômeno sobrenatural voltaram ao quarto e nada mais aconteceu no
resto daquela noite.
No dia seguinte e por muito tempo ainda a barulheira se repetiu sempre de maneira igual mas
nunca mais os dois foram até a cozinha, deixando de observar se a ventania continuava.
Numa noite, entretanto, os ruídos mudaram completamente de feição: Ao lado do quarto do casal
havia outro muito grande onde o antigo morador, proprietário de fazenda, deixara inúmeros objetos
seus guardados. Dali partia um som inexplicável semelhante ao que produziria um animal roendo
vorazmente alguma coisa.
Durante a noite inteira o insuportável som se fez ouvir parecendo apenas variar de local, ora mais
próximo ora mais afastado. E só cessou no raiar do dia.
Fernando Tolentino se dirigiu ao quarto vizinho, interessado em descobrir a causa do insólito
rumor. O que viu o encheu de pavor.
As quatro paredes do quarto estavam totalmente destruídas, só restando delas o engradado de
madeira que sustentava o reboco. O único ponto em que a parede conservava seu revestimento
normal era no lugar em que estava dependurado um quadro com a estampa de Nossa Senhora!
Apreensivo com o rumo daqueles fenômenos, Fernando Tolentino resolveu chamar um padre para
benzer a casa. Ao anoitecer daquele mesmo dia ali chegavam o padre Davino Morais, vigário da
paróquia, e seu sacristão, Geraldo Romão, que me narrou os acontecimentos aqui descritos.
Logo que o sacerdote principiou a benzer os cômodos, várias vozes se fizeram ouvir do lado de
fora, como que vindas de diversas direções em redor da casa. A princípio eram sons imperceptíveis
mas depois se faziam entender claramente, repetindo sempre a mesma frase:
— Foi terra mal-adquirida... Foi terra mal-adquirida...
O vozerio perdurou até que findassem as orações e, terminadas estas, uma forte ventania zuniu lá
fora se afastando sempre até desaparecer completamente.
Também, depois daquele dia, a paz voltou à aquela casa e nunca mais seus moradores foram
perseguidos por fenômenos de qualquer espécie.
Geraldo de Sena Gonçalves
Rua Monsenhor Pinheiro 57
São João Evangelista, Minas Gerais
O piano de Carlos Gomes
Ao fato extraordinário que vamos narrar está ligado o nome imortal de Carlos Gomes.
Nome imortal, sem sombra de dúvida, porque nele se perpetua a glória imperecível do maior gênio
musical das Américas, que abriu os olhos à luz da vida e os cerrou até sempre na terra abençoada
do Brasil que tanto exaltou e soube amar.
Devemos seu conhecimento a um jornalista paraense pertencente ao grupo dos profissionais da
velha-guarda com um exercício de mais de quarenta anos no ministério da imprensa.
Iniciando seu raciocínio jornalístico em 1906, no Pará, como repórter da Folha do Norte, jornal
fundado por doutor Enéas Martins e hoje de propriedade de Paulo Maranhão, tem ele exercido sua
atividade profissional em vários estados da federação, no Pará, no Amazonas, no Maranhão, no
Ceará, em São Paulo e, nos últimos anos, no Rio de Janeiro, como redator de A Manhã e do
venerando Jornal do Commércio desta capital.
Em 1917, de regresso do Amazonas, João Alfredo de Mendonça reassumiu, em Belém, o cargo de
redator-secretário da Folha do Norte.
Em certo dia foi convidado a assistir a reinauguração do cassino Paraense, cuja sede fora instalada
na praça da República, onde, ao centro, avulta imponente o majestoso teatro da Paz. Num dos
ângulos do salão principal da sede do clube ficava localizada a pequena orquestra que animava
dança e da qual fazia parte um piano de meia-cauda em que tocava um pianista português apelidado
Manjerico, alcunha que lhe adviera de sua preferência pela execução constante da música duma
revista com aquele nome.
No grupo de jornalistas presentes à noitada alegre surgiu de repente uma notícia sensacional: O
piano que se encontrava nos salões boêmios do cassino era, nada mais, nada menos, que o piano
de Carlos Gomes!
Comentários, dúvidas, opiniões e controvérsias se cruzaram de pronto em torno da revelação. Não
faltou quem fornecesse um detalhe interessante: O piano fora adquirido duma família pobre,
residente no bairro da cidade velha, que o vendera por dez réis de mel coado a Otávio de Morais
Rego, um dos diretores do cassino.
Uma profanação, uma irreverência imperdoável à memória do grande criador de beleza, a presença
do precioso instrumento num salão de cabaré.
J. Eustáquio de Azevedo, autor da Antologia Amazônica, e Rocha Moreira, autor de Pã, poetas
de valor, ambos redatores da Folha do Norte, escreveram nesse jornal inspiradas crônicas
lamentando o destino do piano-relíquia.
João Alfredo, porém, por mero palpite de repórter, não prestava crédito à atoarda e fundamentava
sua opinião num argumento simples: O piano do cassino, embora denotasse ser um instrumento
velho, com alguns anos de uso, não oferecia na aparência, em sua estrutura, na disposição de suas
linhas, uma perfeita semelhança com o piano reproduzido em parte no quadro magnífico que fixa
os últimos momentos de Carlos Gomes, obra dos pintores italianos Doménico de Angelis e Giovani
Capoanezi, grande tela que figura na pinacoteca da prefeitura municipal de Belém.
O assunto, por sua natureza, despertava justificado interesse, e o secretário da Folha do Norte
iniciou pessoalmente uma sindicância a respeito do paradeiro real do piano de Carlos Gomes.
Na capital paraense residiam naquele tempo dois ilustres artistas, contemporâneos e amigos do
grande operista de Lo Schiavo e Condor. Eram eles o maestro italiano Ettore Bosio, há muito
radicado no Pará, autor de várias composições, entre as quais O duque de Vizeu, ópera de assunto
português louvada pelo próprio autor de O Guarani, que em carta de apresentação do maestro
Bosio ao empresário F. Brito, do Rio, o considerava egrégio autor e musicista de primeira ordem;
o outro era que, como representante da Associação Lírica do Pará, firmava com Carlos Gomes, em
Milão, no ano de 1895, contrato pruma temporada lírica no Pará.
A esses dois maestros, seus amigos pessoais, se dirigiu João Alfredo de Mendonça, ouvindo de
ambos interessantes informações sobre o destino do precioso instrumento, as quais constituíram
matéria duma ampla entrevista publicada na Folha do Norte e transcrita em jornais da Paraíba,
Bahia e Minas Gerais, e que pode ser assim resumida:
Após o falecimento de Carlos Gomes, ocorrido em Belém, em 16 de setembro de 1896,
foi seu piano removido de sua residência na travessa Quintino Bocaiúva, antiga travessa do
Príncipe, prédio de propriedade do major Antônio Pedro Borralho, herói da guerra do Paraguai,
fundador do clube republicano do Pará e tio materno de João Alfredo, à sede da escola de Belas
Artes, onde funcionava o conservatório musical do Paraná que tomou depois o nome de Instituto
Carlos Gomes. Ali permaneceu o piano até quando foi extinto o conservatório pelo governador
Augusto Montenegro em seu primeiro período de governo, de 1901 a 1905.
Ao que se sabe o doutor Augusto Montenegro, que realizou no Pará em dois quatriênios uma obra
fecunda de administrador, não gostava de música, tanto assim que a pretexto de economia
extinguiu o Instituto Carlos Gomes, então dirigido pelo maestro paraense Meneleu Campos, e
todas as bandas de música da gloriosa polícia do Pará, a brigada militar do estado de que era
regente o maestro italiano Luís Maria Smido.
Fechado o conservatório foi o piano removido ao palácio do governo e colocado numa das salas
da secretaria geral. Algum tempo depois foram iniciadas grandes obras de readaptação do palácio,
sendo o instrumento novamente transferido a outro local, desta vez o teatro da Paz, em cujo amplo
foyer ficou instalado.
Sucedeu que concluída a reforma do palácio, foram atacadas as obras de remodelação do teatro da
Paz, e o piano mais uma vez mudou de lugar. Retirado do salão nobre foi encafuado (é este o termo
exato) num desvão escuro do próprio teatro, no prolongamento das torrinhas, quase junto ao teto
do chamado Paraíso, onde o esqueceram durante longos anos, pois, terminada a remodelação do
edifício e colocados no foyer os bustos em mármore do genial Carlos Gomes e do maestro paraense
Henrique Gurjão, autor da ópera Idália, ninguém mais se lembrou da preciosa relíquia deixada
pelo primeiro.
Em face dessas informações não foi fácil a pesquisa definitiva. Numa visita à escura cafua,
presentes Ettore Bosio, João Alfredo, Eustáquio de Azevedo, Jaime Nobre, exímio flautista
paraense, e outras pessoas, foi descoberto em seu esconderijo o verdadeiro piano de Carlos Gomes,
que não era, em absoluto, o meia-cauda que se encontrava no cassino.
É preciso recordar, nessa altura da narrativa, que era então governador do Pará, pela segunda vez,
o doutor Lauro Sodré, o mesmo insigne paraense e devotado republicano que em 1880, então
segundo tenente, saudara Carlos Gomes em nome da escola militar da praia vermelha, no teatro
Lírico do Rio, e que anos mais tarde, como primeiro governador constitucional do Pará, acolhera
o grande compositor, já no declínio de sua gloriosa e atormentada existência, o nomeando em 1895
diretor do conservatório musical que mais tarde tomaria seu nome.
Na data em que fora encontrado o piano de Carlos Gomes, o secretário da Folha do Norte era,
também na segunda vez, presidente da Associação de Imprensa do Pará, que se desdobrara do
antigo Círculo dos Repórteres do Pará.
Atravessava, então, a associação o período áureo de sua existência, promovendo solenes
comemorações das grandes datas da pátria, acolhendo festivamente viajantes ilustres que
passavam no Pará, escritores e artistas, literatos, pintores, concertistas que iam a Belém fazer
conferência, exposição e recital.
Assim sendo, não podia a associação de imprensa ficar indiferente à sorte dum objeto que era uma
autêntica relíquia e, nessa compreensão, seu presidente tratou de obter a necessária autorização do
governador do estado para que o piano ficasse confiado à guarda da referida associação, sendo
prontamente atendido em sua patriótica pretensão.
Transferido do esconço em que se achava à sede da associação, foi o piano ali submetido a
cuidadosa limpeza reclamada pelo estado lastimável em que se encontrava, com as cordas quase
todas despedaçadas, as camurças totalmente destruídas pelas baratas, as teclas descoladas, os
metais estragados pela ferrugem. Era uma devastação quase integral e, para dar uma idéia exata
dessa ruína, basta dizer que o lixo retirado do interior do piano (caliça, argamassa, pedaço de feltro,
corda de cobre, teia de aranha, traça, barata, morcego e rato morto) deu para encher um caixote de
cerveja.
Restaurado por competente artífice, Abraão Matias, afinador e consertador de piano, que tinha em
Belém um estabelecimento especializado, foi o instrumento colocado solenemente no salão de
honra da associação, coberto com a bandeira brasileira e ostentando sobre o tampo um cartão de
prata com a seguinte inscrição:
Este piano pertenceu ao insigne maestro brasileiro Antônio Carlos Gomes, genial autor de O
Guarani e de outras óperas, falecido nesta capital em 16 de setembro de 1896. Sua guarda foi
confiada à Associação de Imprensa do Pará pelo excelentíssimo senhor doutor Lauro Sodré,
governador do estado.
É desnecessário dizer que o piano de Carlos Gomes constituiu objeto de respeitosa veneração da
parte dos diretores, associados e visitantes da associação. Velado pelo símbolo augusto da pátria,
não era franqueado a execução musical, fechado a chave de prata que cerrava o teclado, guardada
no cofre da associação, sob responsabilidade do tesoureiro, senhor J. J. Monteiro de Paiva, mais
tarde oficial de gabinete do ministro Lira Castro, quando titular da pasta de agricultura. Somente
uma vez se abriu uma exceção, em favor do maestro baiano Manuel Augusto, hoje diretor do
conservatório musical de Recife, que em visita à associação, lhe sendo mostrado o piano, pediu
que lhe fosse concedida honra de dedilhar aquelas teclas que haviam sido sagradas pelos dedos de
Carlos Gomes. Satisfeito o pedido, Manuel Augusto, de pé, em respeitoso silêncio, executou os
acordes vibrantes da protofonia de O Guarani, os encerrando com os primeiros compassos do
Hino Nacional Brasileiro.
Eis, afinal, a parte principal do fato narrado por João Alfredo de Mendonça.
Certo dia, ao entardecer, se achava o secretário da Folha do Norte atarefado com o amanho do
jornal pro dia seguinte quando foi procurado na redação pelo velho Cunha, o porteiro da
associação, que comunicava ao presidente uma surpreendente novidade.
— Doutor. Nesta madrugada alguém entrou na associação e tocou no piano de Carlos Gomes!
— Que história é essa, seu Cunha? — Indagou João Alfredo — Com certeza estás sonhando.
— Não, senhor, doutor Mendonça. Hoje, quando fui abrir a sede para fazer a limpeza, um chofer
que faz ponto na praça da República, diante do Grande Hotel, me garantiu que por volta de três
horas da manhã, estacionado à porta do City Club esperando os últimos fregueses, ouviu sons de
piano que partiam do prédio da associação.
— É impossível! — Interrompeu João Alfredo espantado.
— E tem mais. Chamou a atenção de seus colegas e também ouviram a música que partia dali.
O porteiro Cunha era homem de absoluta probidade, digno da confiança e da estima de todos os
diretores por sua conduta exemplar e zelo inexcedível com que desempenhava sua modesta mas
trabalhosa função. Não era de crer que se houvesse descuidado no dever deixando o prédio mal
fechado ou consentindo que alguém pernoitasse ali sem conhecimento da diretoria. A associação
ficava aberta das 14h até pouco depois da meia-noite, no máximo até uma hora da manhã. Sua
sede estava instalada em prédio dum só pavimento, com um porão habitável, situado à praça da
República, no centro do quarteirão, limitado pelas ruas Caetano Rufino e Macapá, ficando ao lado
esquerdo o palacete da família do extinto desembargador Napoleão de Oliveira e o cinema
Olímpia. No lado direito, contíguo, o amplo edifício da rotisseria Suíça e do teatro Éden. No alto
o moderno edifício da rotisseria estava instalado o City Club, ponto de reunião da boemia elegante
de Belém.
Seus freqüentadores permaneciam ali até altas horas, ficando à porta do clube vários carros de
praça esperando noctívagos. Alguns desses autos ocupavam o trecho fronteiro à associação e, daí,
a informação prestada pelo chofer ao velho Cunha.
O fato, como era natural, foi comentado entre diretores e sócios do grêmio jornalístico e todos
verificaram se achar o piano sem alteração, fechado como costume. A chave no cofre do tesoureiro,
a bandeira nacional na mesma disposição e o prédio sem vestígio de arrombamento ou presença
de estranho.
Com certeza tudo não passava de ilusão auditiva do primeiro chofer ou dalgum gracejo contra o
bondoso Cunha.
Mas a verdade é que o presidente quis ver e ouvir pessoalmente o que de real haveria no estranho
fato.
Nada viu... mas ouviu algo...
Na madrugada seguinte, cerca de três e meia, postados em silêncio no trecho do jardim fronteiro à
sede da associação completamente fechada e com a luz apagada, João Alfredo e alguns
companheiros de diretoria: Herácito Ferreira, J. J. Monteiro de Paiva, Júlio Lobato, entre outros,
perceberam um vago ruído que parecia vir do prédio da sede social. Se aproximaram e
permaneceram sob as janelas da sala, que davam à rua. O ruído não vinha do porão, vinha do alto,
da sala onde estava o piano de Carlos Gomes.
A princípio som distante como abafado por uma surdina. Depois mais audível, mais nítido, em
tonalidade suave, melancólica, numa seqüência de acorde soturno, lento, demorado, como um
murmúrio distante mas perfeitamente melódico. Depois o silêncio.
Não havia nem podia haver dúvida: O som partia do piano que estava no salão.
Os ouvintes daquele estranho noturno, comovidos e perplexos diante do fato inacreditável, abriram
o prédio, acenderam a luz e penetraram na sede do grêmio.
O piano de Carlos Gomes estava fechado. A chave de prata continuava no cofre. A bandeira
brasileira, sem ruga, completamente estendida sobre o instrumento, continuava a velar a relíquia
preciosa que foi deixada pelo maior gênio musical das Américas.
João Alfred de Mendonça, em complemento à narrativa acima, posteriormente à irradiação, nos
enviou as seguintes notas elucidantes:
A sociedade que guarda hoje o piano de Carlos Gomes é o Centro de Ciência, Letra e Arte de
Campinas.
A senhora Ítala Gomes Vaz de Carvalho, em seu livro Vida de Carlos Gomes, diz na página 255:
Centro de Ciência, Letra e Arte de Campinas reuniu e conserva numerosas cartas, documentos e
autógrafos musicais de Carlos Gomes, assim como o piano que o acompanhava sempre ao longo
de sua vida artística, no qual compusera todas suas óperas, a partir da Fosca, graças ainda à
generosa condescendência do doutor Lauro Sodré, que prontamente acedeu ao pedido do centro
quando este exteriorizara o desejo de possuir como relíquia o piano de Carlos Gomes que figurava
no museu do Pará desde a morte do maestro. Era o grande piano de concerto, prêmio do
Conservatório de Milão, em que minha mãe, Adelina Peri, dava recital quando ainda solteira. Ao
se casar o levou à nova residência e Carlos Gomes o adotou, o preferindo sempre a todos os outros
instrumentos similares que teve em seguida.
Há dois pontos a retificar nas assertivas da autora da biografia de seu glorioso pai:
1º) Não foi o doutor Lauro Sodré quem satisfez o pedido do Centro Artístico Campineiro quando
da transferência do piano de Belém a Campinas. Sua Excelência, como se verifica na narrativa
acima, confiou o piano à guarda carinhosa da Associação de Imprensa do Pará, que o mandou
restaurar e o conservou como preciosa relíquia até quando o senhor doutor Dionísio Bentes,
governador do Pará de 1925 a 1929, retirou o piano do poder da associação e o remeteu a
Campinas.
2º) O piano de Carlos Gomes nunca esteve no Museu do Pará, como disse dona Ítala.
O Pará tem o grande Museu Paraense Emílio Goeldi, de etnografia e história natural, que, por sua
finalidade não se prestaria a guardar preciosidade histórica.
Nota final: Pelo que se depreende do interessante artigo Visita à cidade natal de Carlos Gomes,
publicado na Revista Brasileira de Música pelo senhor Alberto Pizarro Jacobina em 1936, não
figura mais no piano o cartão de prata que a Associação de Imprensa do Pará mandara colocar na
tampa do instrumento.
João Alfredo de Mendonça
Rua Santa Clara 27
Distrito Federal
Os fósforos salvadores
Sacrovir de Lauro, funcionário da prefeitura de Madalena, Rio de Janeiro, e que ali reside com sua
família, certo dia contou a mim e a outros amigos um fato ocorrido consigo há algum tempo e de
cuja veracidade não há que duvidar.
Tinha ele um cunhado que era débil mental. Seu apelido era Leléo e se tornara muito querido por
todos em razão de ser muito dócil e inofensivo.
Em certa noite muito chuvosa, pelas 9 horas, bateram à porta e o próprio Lauro foi abrir. Era um
colono da fazenda da Vargem Grande, que dista uns 4 quilômetros da cidade.
O homem trazia um recado do proprietário da fazenda, seu amigo Ascendino.
— Seu Ascendino mandou dizer que o Leléo chegou lá todo molhado mas quando o convidaram
a pernoitar na fazenda se recusou. Quis vir embora a toda força mas não quer companhia,
preferindo vir sozinho.
Sacrovir de Lauro se dispôs imediatamente a ir até Vargem Grande, embora isso representasse um
transtorno. Mas temia que o cunhado regressando sozinho se perdesse em noite tão chuvosa e
escura.
Acompanhado pelo colono seguiu a Vargem grande, decorrendo a viagem de ida sem incidente.
Para voltar, como não havia levado lanterna, lhe arranjaram um archote feito de trapo velho
embebido em querosene e introduzido num gomo de bambu.
Foi ainda Ascendino quem cedeu a caixa de fósforo ao amigo, tendo a mesma uns 10 palitos.
Dessa forma Sacrovir de Lauro partiu trazendo em sua companhia o Leléo. Mal haviam caminhado
uns 500 metros, foram fustigados por um ventinho frio que espalhava a chuva e impedia que o
archote permanecesse aceso por muito tempo.
Daí a pouco não restava mais fósforo e a caminhada se tornou um suplício, pois era feita em plena
escuridão, sem que pudessem saber onde pisavam.
Sacrovir não tardou a perceber que havia perdido o caminho. Abandonara a estrada que marginava
um ribeirão que com a chuva devia estar quase transbordando, o que representava um certo perigo.
Sem saber a que lado enveredar, Sacrovir de Lauro parou e segurou o cunhado pelo braço enquanto
manifestava sua aflição em voz alta, como se fosse possível ao pobre demente alcançar o motivo
de seu nervosismo.
— Minha Nossa Senhora! A gente perdida aqui, sem saber onde está. O fósforo acabou. Se alguém
aparecesse... Alguém que cedesse uns palitos para eu acender o archote...
Mal acabara de pronunciar tais palavras, ouviu pertinho de si, na escuridão, uma voz que dizia,
enquanto fazia chocalhar uma caixa de fósforo:
— Aqui está o fósforo.
Instintivamente estendeu a mão e apanhou a caixa. Raciocinando, porém, perguntou:
— Quem está me dando este fósforo?
Renovou a pergunta por mais duas vezes mas ninguém lhe respondeu. Só se ouvia o ruído da chuva
que não cessara de cair.
Sofregamente riscou um palito da caixa que misteriosamente lhe chegara às mãos e acendeu o
archote! Mas, quando levantou o archote, clareando ao redor, viu a sua frente algo que o deixou
estarrecido.
Mais um passo e ambos teriam caído no riacho que ali corria silenciosamente apesar da velocidade
da água naquela noite.
Foram baldados o esforço e investigação para descobrir o providencial indivíduo que, naquele
ponto afastado da estrada, forneceu a Sacrovir de Lauro a caixa de fósforo que salvou, e a Leléo,
de morte certa!
J. Almeida Santos
Madalena, Rio de Janeiro
A escuridão apavora os mortos
Devo o conhecimento deste caso a uma prima recém-chegada da Itália, que reside à rua Doutor
Pedro Mascarenhas 67, Catumbi, e que poderá confirmar a qualquer tempo.
Minha prima, que se chama Cesira de Maria, morava numa localidade da Calábria, denominada
Scigliano (província de Cosenza).
Transcorria o mês de agosto de 1941 e as coisas lá não estavam boas devido a guerra há pouco
deflagrada.
A carestia da vida e a falta de habitação já se faziam sentir intensamente. Minha prima e sua
filhinha Fernanda, de 12 anos de idade, precisavam mudar de residência porque falecera o esposo
e pai as deixando em completo desamparo.
A viúva devia procurar acomodação menos dispendiosa enquanto trabalhava sem descanso em sua
profissão de parteira.
Depois de longa e extenuante procura foi informada de que a 15 quilômetros da pequena
localidade, denominada Paese, havia uma casa desocupada para alugar.
Daqui a diante prefiro reproduzir as palavras de Cesira o mais fielmente possível.
Ao saber dessa oportunidade imediatamente rumei ao lugar a fim de ver a casa e lá chegando não
pude dominar a má impressão pelo fato de ser o prédio de altos e baixos de construção antiga e
situado em local bastante isolado.
Seu aspecto exterior era, positivamente, melancólico, pois era circundado por um muro alto em
forma de ferradura que se elevava até o segundo pavimento.
O interior era de meter medo, tendo corredores compridos e numerosos quartos, sendo servido por
escadas muito estreitas em forma de caracol.
A mobília estava muito velha, apodrecida e gasta, não só pelo abandono como pela ação do tempo.
Ora, a casa era grande demais para mim e, naturalmente, seu aluguel seria muito alto. Entretanto,
a título de curiosidade fui procurar o proprietário, a fim de conhecer as condições.
Com espanto ouvi me pedir apenas 300 liras mensais! Em vista disso aceitei de pronto o negócio
muito embora só necessitasse ocupar um cômodo daquele casarão.
Duas semanas mais tarde estávamos perfeitamente acomodadas num dos quartos situados no
primeiro pavimento, o qual era perfeitamente independente porque tinha uma saída ao quintal.
Incrível! Fantástico! Extraordinário! (1951)
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Incrível! Fantástico! Extraordinário! (1951)

  • 1.
  • 2. ALMIRANTE Incrível, Fantástico, Extraordinário! Casos verídicos de terror e assombração Edição de O Cruzeiro, outubro de 1951
  • 3. Prefácio Eis aqui um livro nos moldes de tantos que têm surgido em todo o mundo. Este apresenta, entretanto, um indiscutível mérito sobre os demais. Os livros de assunto fantasmagórico relatam fatos ocorridos em épocas remotas ou indicam vagamente, às vezes somente por simples iniciais, seus protagonistas, suas testemunhas e os lugares onde os episódios se desenrolaram. Dessa maneira ficam impossibilitadas todas as investigações dos estudiosos. Neste volume figuram nomes, endereços, datas, profissões e todos os detalhes indispensáveis aos que, porventura, desejem tirar a limpo a veracidade de qualquer narrativa. Os fatos aqui publicados foram transmitidos no programa Incrível, Fantástico, Extraordinário! da rádio Tupi do Rio de Janeiro e, a despeito da vasta publicidade de que se viram cercados, jamais sofreram a mais leve contestação. É interessante notar que esta iniciativa não está, e nunca esteve, sob qualquer influência religiosa. Os fatos irradiados e agora trazidos à publicação foram escolhidos sem o menor intuito de ressaltar ou favorecer a crença ou a descrença em qualquer doutrina. Aqui podem ser encontrados episódios de fundo nitidamente católico ao lado de fatos narrados à inconfundível maneira espírita, acontecimentos de cunho declaradamente fetichista, formando parelha com narrativas envoltas em negro mistério, mas surpreendente pela lógica do desfecho. A fim de que ficasse evidente a absoluta imparcialidade no tocante às várias doutrinas religiosas, as narrações foram expurgadas de todas as expressões peculiares nas obras que abordam fenômenos da natureza destes, onde os relatos geralmente aparecem pontilhados de terminologia nem sempre a alcance do grande público. Para que não se perdesse o sabor dos vários estilos as narrativas deste livro correspondem quase literalmente à forma epistolar de nossos informantes. Tais casos nos chegaram em cartas vindas de todos os recantos do Brasil, algumas escritas em estilo invejável, denotando o elevado grau de cultura dos missivistas, e outras de maneira simplória e ingênua do povo, onde, aliás, a sinceridade melhor transparece, justamente através do próprio desconhecimento dos vocábulos ou das mais comezinhas regras gramaticais. A fim de que a exatidão em nada sofresse na transferência do estilo epistolar ao da narrativa, tomamos a precaução de submeter a redação definitiva de todos os episódios à apreciação de seus remetentes. Assim, foram retificados os possíveis enganos de nomes, datas, etc., bem como evitados possíveis desvirtuamentos de interpretação. Com isso os fatos tiveram também a valiosa confirmação de sua veracidade.
  • 4. Os problemas anímicos, psíquicos, mentais, etc., estão cada vez mais despertando a atenção dos estudiosos em todo o mundo. Técnicas modernas de investigação apoiadas em rigorosas bases científicas submetem, hoje em dia, tais fenômenos à luz de experimentos quase infalíveis, dissecando cada fato, cada manifestação, e oferecendo laudos impressionantes que, por vezes, destroem as teorias mais consagradas. Certamente que, a tais investigadores, têm sido facultados campos irrestritos para seus estudos. As cobaias, contudo, nunca são demais nos laboratórios. É o que, com este livro, podemos oferecer aos estudiosos. A volumosa correspondência que o programa de rádio provocou até hoje nos deu ensejo a certas observações curiosas que não podemos deixar de revelar. Inúmeras são as cartas que descrevem, oferecendo provas concretas, situações absolutamente idênticas em que se viram envolvidas pessoas diversas, em épocas diferentes e lugares variados. Se diria até que os fenômenos anímicos podem ser submetidos a uma classificação folclórica e enquadrados em ciclos perfeitamente definidos. Para melhor expor nossa observação, nesse particular, daremos, a seguir, rápida descrição dos episódios que mais se repetem na contribuição de nossos informantes, cuja veracidade é, na maioria das vezes, posta acima de qualquer dúvida pela abundância de prova que oferece. 1 • A procissão da meia-noite, da qual se destaca um vulto que entrega uma vela ao temerário que a assiste da janela, lhe pedindo que a guarde até o dia seguinte. No outro dia, no lugar da vela é encontrado um osso humano. 2 • Um recém-nascido aparece como que abandonado numa estrada, é recolhido por alguém que ali transita em hora tardia. Levado no colo o recém-nascido começa a pesar desmesuradamente se transformando em monstro horroroso, cabeludo e dentuço. Quem o transporta o atira ao chão saindo em disparada até encontrar alguém que caminha em sentido contrário. Satisfeito por deparar companhia na estrada deserta lhe conta o medonho encontro e ao se referir aos dentes ouve do outro a pergunta: Eram dentes maiores que os meus? Só então o desconhecido foi observado e mostrou presas de 20cm saindo da boca. 3 • O encontro com uma criatura de beleza deslumbrante, noite alta, que assediada pelos galanteios procura fugir ora enveredando em ruas escuras onde acaba parando e mostrando ser uma horrenda caveira, ora conduzindo o perseguidor sem que este o pressinta, à proximidade dum cemitério onde lhe faz cena idêntica à anterior, lhe indica como morada o número de determinada sepultura ou lhe faz qualquer surpreendente revelação, geralmente ligada a falta de cumprimento de promessa. 4 • Um indivíduo se vê atraído por linda jovem e com ela passa uma noite de delícia em certa casa abandonada ou escuso recanto de rua. No dia imediato, verificando ter se esquecido dalgum objeto (geralmente um relógio) que ficara pendurado ou depositado num móvel qualquer. Volta a aquele lugar e constata que é um cemitério e que seu relógio ali está sobre uma das campas ou que a casa em questão se acha fechada, desabitada há anos. Forçada a porta, tudo lá dentro, a não ser o estado
  • 5. de abandono e a poeira, corresponde ao que fora visto na noite anterior e o relógio é encontrado exatamente no ponto indicado por quem o deixou. Em tais casos, geralmente, a vítima enlouquece. 5 • Uma criatura sem trabalho, em risco de passar fome, tem providencial encontro com um amável desconhecido que lhe fornece indicação de casa onde poderá obter emprego. Ali termina verificando que seu informante era parente morto. Na maioria das vezes filho de quem a emprega. Essa variante oferece curiosos pontos de contato com o conhecido episódio do médico procurado em condição singular por um desconhecido a fim de que vá atender certa doente. Depois de a salvar reconhece, por acaso, num retrato, a pessoa que o chamara. Se trata invariavelmente de parente da enferma, falecido há tempo. 6 • As incontáveis partidas em que indivíduos audaciosos promovem a invasão dum cemitério na meia-noite em ponto com algum propósito pilhérico e que, por qualquer razão inesperada, terminam a debandar assustados, tendo um deles (quase sempre o mais valente) encontrado morte horrenda, vítima do pavor por ter ficado aprisionado casualmente, pela roupa, a uma pedra tumular ou à própria faca ou espada que ele mesmo cravara no chão, em cumprimento do pacto firmado com os amigos. 7 • Um caminhão transporta um féretro vazio em estrada deserta. Em ponto distante recolhe um caminhante que pede condução. A viagem prossegue e, devido à chuva que começa a cair, o passageiro procura abrigo dentro do caixão. Adiante novo caminhante é recolhido e se senta ao lado do ataúde. Instantes depois vê, apavorado, sua tampa se abrir e aquela voz cavernosa indagar: A chuva já parou? 8 • Se crescente a tudo isso o infindável número de histórias das mais variadas e estapafúrdias aventuras de espectros que perseguem pessoas e só as deixam em paz depois que elas rezam determinada oração ou se ocultam em pontos estratégicos provocando a quase invariável frase dos fantasmas logrados: Foi o que te valeu! Com este livro não pretendemos, senão, oferecer um subsídio que tanto pode servir aos crentes como aos descrentes. A existência da alma é problema milenar que tem preocupado a humanidade, confundindo, com seus insondáveis mistérios, sábios e ignorantes que vêem inutilizadas hoje suas indestrutíveis teorias de ontem. Com justa razão, pois, sem afirmar nem negar, preferimos sempre classificar cada um dos depoimentos contidos neste livro, prudentemente abrangendo tudo como incrível!, como fantástico! ou como extraordinário!
  • 6. Índice A locomotiva fantasma...................................................................................................................09 A perseguição da sombra................................................................................................................11 Assobios na mata............................................................................................................................13 O casarão mal-assombrado.............................................................................................................15 Passageiros fantasmas....................................................................................................................17 Instruções salvadoras.....................................................................................................................19 O Saci Pererê..................................................................................................................................21 Protesto de cadáver.........................................................................................................................24 O fantasma decapitado...................................................................................................................26 A negra Mariana.............................................................................................................................29 Impenetrável mistério.....................................................................................................................30 Um enterro fantástico.....................................................................................................................32 Chuva de pedra...............................................................................................................................34 Destino implacável.........................................................................................................................37 A mulher de branco........................................................................................................................38 Um judas do outro mundo...............................................................................................................40 Terra mal-adquirida........................................................................................................................42 O piano de Carlos Gomes...............................................................................................................44 Os fósforos salvadores....................................................................................................................50 A escuridão apavora os mortos.......................................................................................................52 A mão do Diabo..............................................................................................................................55 Desapareceu da cova......................................................................................................................57
  • 7. Um morto que socorre os vivos......................................................................................................58 O negrinho de Itaguaí.....................................................................................................................60 A comunicação impossível.............................................................................................................62 O recado do fantasma.....................................................................................................................64 O mistério da caçada.......................................................................................................................66 O sonho profético...........................................................................................................................67 O pianista fantasma........................................................................................................................69 Uma estranha coincidência.............................................................................................................71 Visita de morto...............................................................................................................................72 O pilão de ipê..................................................................................................................................74 O fantasma de um vivo...................................................................................................................76 O noivo de dona Maricota...............................................................................................................78 Cumpriu a promessa.......................................................................................................................80 A careta da morta............................................................................................................................81 Manuel perna-de-pau.....................................................................................................................82 Sobrou um......................................................................................................................................84 O Diabo atende logo.......................................................................................................................86 Um fumante incontentável.............................................................................................................88 Voltou para pedir perdão................................................................................................................89 Passageiros do além........................................................................................................................91 A missa encomendada....................................................................................................................94 O moleque endiabrado....................................................................................................................95 A proteção do morto.......................................................................................................................98 O indispensável perdão................................................................................................................100 O galho de jaqueira.......................................................................................................................103
  • 8. Calafrio........................................................................................................................................104 Visão do passado..........................................................................................................................106 Ninguém morre na véspera...........................................................................................................107 O tesouro enterrado......................................................................................................................109 A companheira macabra...............................................................................................................112 O canoeiro providencial...............................................................................................................115 Os três caçadores..........................................................................................................................116 Uma visão apavorante..................................................................................................................118 Despedida de amigos....................................................................................................................119 O Credo........................................................................................................................................121 O fantasma do hotel......................................................................................................................123 O abraço milagroso......................................................................................................................125 O Boitatá......................................................................................................................................126 Sonho premonitório......................................................................................................................128 A valsa inacabada.........................................................................................................................130 Fixou a hora da morte!..................................................................................................................132 O cavaleiro sem cabeça................................................................................................................134 A cruz da sepultura.......................................................................................................................137 A moça de azul.............................................................................................................................139 O aviso da morte...........................................................................................................................141 Ouvindo o pensamento.................................................................................................................143 O empregadinho zeloso................................................................................................................145 Mistérios da reencarnação............................................................................................................146
  • 9. A locomotiva fantasma Foi em Castelo, Espírito Santo. No dia 14 de março de 1946, meu pai, Manoel Carias, saiu muito cedo de casa. Ia levar à estação da estrada de ferro uma encomenda de pessoa da família residente em Cachoeiro de Itapemirim. Não era a primeira vez que meu pai fazia tal coisa. Freqüentemente até se servia dos préstimos dum velho maquinista seu conhecido que se encarregava de fazer chegar as encomendas ao destino. O trem, que era misto, partia às 5 horas e 30 minutos tendo meu pai chegado à estação um quarto de hora antes, pouco mais ou menos. Se dirigiu à máquina mas vendo que havia ninguém dentro resolveu esperar que o amigo chegasse. Decerto tinha ido tomar um café. Mas o tempo foi passando: 5, 8, 10 minutos. Já estava na hora da locomotiva ir apanhar a composição, e nada do maquinista chegar. Nisto se ouviu o apito do manobreiro ordenando que a máquina se pusesse em movimento, indo se encostar nos vagões pro engate. Meu pai, que conhecia o serviço, ainda pensou com seus botões: — Terá de esperar que o maquinista chegue. No mesmo instante, porém, e com certo espanto, notou que a locomotiva começava a se movimentar caminhando à composição. Depois ouviu aquele ruído surdo tão característico do entrechoque dos engates e viu a locomotiva voltar vagarosamente sem esperar sinal. O manobreiro gritou: — Êêêê! Como é isto? Ficaste maluco, seu maquinista? Tens de esperar o sinal! Voltes, que não engatou! Mas a locomotiva foi seguindo adiante, sempre em marcha lenta. Passou por meu pai e foi estacionar exatamente no local donde havia saído. O manobreiro veio correndo tomar satisfação. — Então, como é? Isto é a casa da sogra ou... Mas, ao subir os degraus da máquina, parou meio desconcertado, murmurando: — Diabo! Essa gente saltou sem eu ver... ou este negócio estava andando sozinho! E saiu ruminando palavras enquanto voltava a seu lugar. Já passava das 5 horas e 30 minutos quando o maquinista, que, por um motivo qualquer, perdera o horário, chegava esbaforido. Meu pai se dirigiu a ele a fim de lhe entregar a encomenda. Viu, porém, que não era seu velho conhecido e sim um outro que subiu à máquina apressadamente e tratou de cumprir sua obrigação. Nisto se aproximava o manobreiro, a quem meu pai perguntou:
  • 10. — Maquinista novo? — Sim, esta peste que chegou com quase 10 minutos de atraso! — E o outro? O que eu conhecia? — O outro? Pois não sabe? Morreu, coitado, há oito dias, num desastre na linha Coutinho–Alegre. E ajuntou suspirando: — Aquele sim. Era eu dar o sinal e a locomotiva fazia logo o que tinha de fazer! Moacyr Carias Rua Xavier dos Pássaros 175 Piedade, Distrito Federal
  • 11. A perseguição da sombra Quero contar um autêntico caso extraordinário que se passou comigo no ano de 1942 quando eu morava em Tomás Coelho à avenida João Ribeiro 672. Sendo sócio de Vicente de Carvalho A. C., era e sou bastante conhecido no local, freqüentando sempre reunião e festa. Assim é que em todos os sábados ia aos bailes sendo dos que ficavam até o fim. Certa vez, na meia-noite, saindo duma dessas reuniões dançantes em companhia dalguns amigos, nos dirigimos ao varejo da estação a fim de tomar café. Após ligeira palestra cada qual seguiu seu caminho tendo eu tomado o rumo da avenida Automóvel Clube. Embora a noite estivesse escura e não houvesse iluminação naquele local, eu caminhava despreocupadamente estrada afora. Justamente quando passava no local denominado Juramento notei que uma sombra escura seguia a meu lado direito. Mesmo vendo que não havia luar naquela noite parei a fim de me certificar se se tratava de minha própria sombra: Movimentei os braços e a sombra no chão não se mexeu, ficou imóvel! Ali parado, sentindo um terrível calafrio, monologuei desta forma: — Aí, em meu lado direito, não adianta! Imediatamente vi com a maior surpresa que a sombra deu uma volta por trás de mim e passou a meu lado esquerdo. Continuei a andar, já apavorado, sempre com o vulto a meu lado. Parei e disse: — Aí, em meu lado esquerdo, também não adianta! E comecei a me benzer e a rezar. Só então vi perfeitamente que a sombra se afastava de meu lado tomando a direção duma moita de capim que se achava na beira da estrada, sumindo ali dentro, provocando enorme barulho. Aliviado, tirei um cigarro e comecei a fumar. Dentro em pouco chegava a casa, batendo na porta e sendo atendido por meu pai que ao me ver ainda pálido e trêmulo perguntou o que acontecera.
  • 12. Contei o ocorrido e meu velho então me disse: — Tomes cuidado, rapaz, do contrário ainda verás assombração nessas horas tardias da noite. E, desde então, jamais desprezei aquele aviso sensato. Darcy Ferreira (arrendatário do bar da LBA) Rua Carolina Amado 324 Vaz Lobo, Distrito Federal
  • 13. Assobios na mata Em 1888 foi nomeada professora numa freguesia de Socorro (Santo Amaro) dona Joaquina Moreira que ali se mudou levando em sua companhia a irmã e o filho desta, seu sobrinho Artur Moreira Rodrigues, e meu pai, que contava então 8 anos e era tratado na intimidade pelo tradicional apelido baiano de Ioiô. Meu pai é muito conhecido na Bahia, em cuja capital reside à rua Marquês de Maricá, avenida Xangai 27. Tem dois filhos residentes aqui no Rio e foi ele o principal protagonista do fato verídico que aqui relato. Se aproximavam os festejos de nossa senhora do Socorro e a professora encomendara um vestido a certa modista que morava num arraial distante de nome São Paulo. Era véspera da festa e nada do vestido chegar. Notando a preocupação de sua tia que se lamentava de não ter um portador para ir buscar a encomenda, Ioiô se ofereceu. Não era tanto pelo serviço que iria prestar mas pelo prazer de ir cavalgando a Mineira, mula que sempre desejara montar. Entretanto só a muito custo, depois de pedir com enorme insistência, Ioiô conseguiu de sua tia a almejada licença. E às seis horas da tarde tomava a estrada em direção ao arraial. O prazer que lhe causava o passeio fez com que nem receasse atravessar o enorme bambuzal que lhe surgiu a meio-caminho. Na casa da modista foi informado de que o vestido não estava pronto e Ioiô se empenhou para que a costureira o terminasse o quanto antes a fim de que pudesse regressar com alguma luz. Só às 20 horas, porém, o vestido ficou pronto e o menino imediatamente se pôs a caminho de volta. Seguiu estrada afora num trote picado mas já agora tomado de preocupação devido ao adiantado da hora... Tudo correu bem até o lugar chamado Catiúba, quando sua atenção foi despertada por um assobio muito forte vindo da mata. O menino sentiu um arrepio percorrer o corpo e apertou ainda mais o trote da mula. Viajou assim mais alguns instantes quando um novo assobio, mais forte e mais próximo se fez ouvir. Logo a seguir sentiu que alguém trepara na garupa do animal que, ao sentir o peso estranho, estremeceu violentamente desandando em galope mais veloz ainda. Adiante um terceiro silvo... Dessa vez a mula manifestou tamanho susto que desembestou tentando se desviar da estrada se embrenhando na mataria.
  • 14. Para manter o animal na estrada, assim como para lhe imprimir mais velocidade, Ioiô dava lambadas violentas atirando o chicote por cima da cabeça no intuito de atingir a personagem que sentia colada em suas costas... Felizmente, pouco além, o animal foi dar na cancela da fazendola dum senhor chamado Macário que, se achando providencialmente perto, acudiu o menino puxando a mula pela rédea. Lá chegando o menino nem pôde apear, quase desfalecido estava, pedindo com voz apavorada que o deixassem no escuro, pois tinha medo de luz! Com a lufa-lufa causada por sua chegada naquele estado, ninguém se lembrou da mula que ficou defronte a porta. Somente Macário, num hábito muito comum no interior, em dado momento lhe tirou os arreios os deixou de lado certo de que Mineira, por instinto, se encaminharia à cocheira ou ao pasto a fim de passar a noite. No dia seguinte, logo cedo, ao sair à missa passando pela residência da professora, Macário foi encontrar a mula parada, em pé, na mesma posição em que a deixara na véspera. Admirado gritou pro interior da casa: — Professora, esta mula ainda não saiu daqui? Enquanto ninguém acudia o fazendeiro, intrigado com a absoluta imobilidade do animal, se pôs a o observar de perto. Parecia uma estátua, olhos parados. Então, a fim de a tirar daquela estranha paralisação, Macário lhe encostou um dedo. Foi a conta: a mula se estatelou ao chão. Estava morta. Este relato, enviado pelo filho, foi confirmado pelo próprio Artur Moreira Rodrigues
  • 15. O casarão mal-assombrado Antônio José de Souza é nome dum amigo de nossa família, morador à rua Ambiré Cavalcanti (Rio Comprido) e que ainda reside ali. Me contou que há oito anos atrás, quando ele e sua esposa Maria das Dores, a filha Maria José e uma comadre Maria Célia passaram a residir no número 193 daquela rua foram vítimas duma série de caso extraordinário. Essa casa, que ficava no alto, perto da caixa d’água e na beira do morro de São Carlos, em cujo despenhadeiro se encontrava uma chácara com enorme área arborizada. Essa área separava justamente a rua Ambiré Cavalcanti do morro de São Carlos. O prédio era construção antiga, com altos e baixos, sendo que a família ocupava o sobrado donde se podia apreciar a vastidão da chácara que se estendia embaixo, tendo dum lado um abismo e do outro o morro de São Carlos. A residência era ótima e seria a habitação ideal se não houvesse ocorrido o que passo a narrar. Em todas as noites a família era atormentada de maneira inexplicada, pois assim que se recolhia começava a cair pedra no telhado como se o próprio Belzebu se empenhasse em arrasar aquela vivenda. Enquanto isso se ouvia o ruído característico de forte ventania que parecia varrer o arvoredo lá embaixo na chácara. Era horrível aquela situação: as pedras caindo sobre o telhado e a ventania zunindo nas árvores. Assim se passavam as noites sem que a família não mais conhecesse a tranqüilidade do sono. Certa vez alguém se lembrou dum crucifixo que havia em casa. Talvez com ele poderiam se ver livres de tamanha perseguição! Na noite, quando as pedras começavam a cair no telhado e a bater nas janelas num fragor ensurdecedor, saíram todos ao quintal, um deles empunhando o crucifixo e uma vela acesa e se concentrando em orações fervorosas. Tudo então silenciou completamente. Entretanto o processo serviu somente para acalmar provisoriamente os fenômenos, pois mal a família reingressava na casa e recomeçavam os rumores com todo o cortejo de fato anormal. Se as pessoas tornavam ao quintal repetindo as exortações, novamente tudo silenciava. Muito embora os cães pertencentes a uma família que morava no lado oposto (ou seja, no morro de São Carlos) não parassem de latir soltando uivos lancinantes como se alguém os estivesse chicoteando. Vários meses decorreram assim sem que qualquer solução fosse dada ao problema.
  • 16. Antônio José de Souza, certo dia, no auge do desespero se lembrou de fazer uma promessa a nossa senhora das Dores, venerada na capela do Largo do Rio Comprido: faria uma caminhada de joelhos até o Senhor Morto na Sexta-feira da Paixão. Cumprida a promessa, a partir daquele dia a casa ficou definitivamente livre daquela perseguição diabólica. Neuza Gomes Rua Guaicurus 104 Rio Comprido, Distrito Federal
  • 17. Passageiros fantasmas Há oito anos passados residia eu em Campina Grande, Paraíba, onde fui testemunha de tudo o que passo a relatar. Existe uma estrada de rodagem que liga aquela cidade à de Patos, dela distante 140km. A viagem nessa estrada é longa e bastante arriscada, principalmente entre Juazeirinho e Patos, ligadas pela serra da Viração, onde se encontra a passagem mais perigosa do percurso, um despenhadeiro de mais de 200 metros. Nesse local ocorreram até hoje nada menos de 183 desastres fatais. Certa vez, pelas 9 e meia da noite, me achava em companhia de amigos tomando cerveja no bar Petrópolis, situados na praça Campina Grande e bem diante do ponto onde estacionavam os carros de aluguel, quando nossa atenção foi despertada por um automóvel que chegava em grande velocidade freando bruscamente diante do estabelecimento. Imediatamente o carro ficou cercado de curiosos, motoristas de praça, freqüentadores do bar e outras pessoas. Vimos então que seu chofer estava transfigurado e que alguma coisa de anormal lhe acontecera, pois além de sua palidez o homem não conseguia articular palavra. Foi carregado ao bar onde lhe deram um pouco d’água mas só depois de longo tempo se reanimou. Com dificuldade, a princípio dando mostra de grande pavor, o chofer passou a contar o que lhe sucedera, tal como reproduzo abaixo: Foi uma coisa terrível! Peguei uma família que queria ir até Patos e ali segui muito bem. Deixei os fregueses e providenciei para regressar o mais cedo possível, já pensando na travessia da serra na noite. Jantei no hotel, depois mandei encher o tanque de gasolina e, às 18 horas, como não aparecia passageiro algum para volta, vim sozinho. Ao chegar à descida do morro da Viração o motor parou de repente. Desci e fui ver o que havia. Era uma das velas que estava frouxa. Reparado o defeito entrei novamente no carro. Mal bati a porta senti duas pancadinhas no ombro direito. Me virando vi dois homens altos vestidos de branco. Tomei um susto tremendo, pois não tinha visto pessoa alguma na estrada, onde tudo estava deserto. Mal, entretanto, olhei atrás, um daqueles passageiros me disse com voz fanhosa, cujo som ainda tenho gravado nos ouvidos: — Sigas a toda velocidade sem olhares atrás, pois temos de chegar a Campina Grande antes das dez horas! É fácil imaginar como arranquei a toda velocidade, chegando feito um doido. Nem sei como não rolei num barranco. Suava frio e nem coragem tinha para olhar o espelho e me certificar de que os dois cavalheiros permaneciam sentados. Só aqui, na estrada de Campina Grande, foi que arrisquei
  • 18. uma olhadela para constatar, com espanto, que não havia viva alma no banco traseiro! Vim tocando na estrada a mais de 100km/h. Não me lembrando de mais algo, nem como parei aqui. Aquele motorista, ao que se soube, jurou nunca mais atravessar sozinho, no dia ou na noite, o assombrado trecho da serra da Viração e decerto cumpriu a promessa! Geraldo Quirino Avenida dos Democráticos 320 Distrito Federal
  • 19. Instruções salvadoras A intervenção sobrenatural em assuntos materiais e prosaicos é o tema que se extrai da ocorrência que aqui venho relatar. Se passou com uma figura muito conhecida em sua cidade, o tabelião Sidney Simões, no tempo em que viajava com seu pai, Alvim Simões, fabricante da conhecida tinta de escrever Simões. É necessário esclarecer que todos na família em questão professavam o espiritismo, sendo comuns sessões realizadas em sua residência, onde se verificavam os mais variados fenômenos. Certa vez se achava o senhor Alvim em Belo Horizonte em companhia do filho, hospedados num hotel, quando, sem esperar, recebeu um chamado urgente de Timbuí, sua cidade. Embora não houvesse concluído seu negócio na capital mineira, tanto assim que as tintas que esperava colocar ali estavam ainda em duas grandes latas prontas para transladação aos vidros em que seriam entregues, o velho Simões resolveu partir. Antes, porém, recomendou ao filho: — Sidney, não mexas na tinta que está nas latas. Ao voltar resolverei tudo. O filho, que conhecia perfeitamente o negócio, ficou entregando à freguesia somente a tinta engarrafada, aguardando a volta do pai para que ele decidisse sobre as latas. Já se haviam passado uns 15 dias quando, de volta duma sessão de cinema, chegando ao quarto, lá pelas 11 horas da noite, se preparava para dormir quando ouviu uma voz pronunciar seu nome: — Sidney. Disse então consigo mesmo: — Ué! Parece que ouvi alguém me chamar. Novamente o fato se repetiu: — Sidney. O moço compreendeu que se tratava de alguma entidade do além e nada viu de extraordinário no fato, pois estava acostumado a tais fenômenos. E travou o seguinte diálogo com a personagem invisível: — Que queres comigo, irmão? — Amanhã, bem cedo, trates de engarrafar toda a tinta. Ouviste? — Por quê?
  • 20. — Porque a tinta se perderá, visto que as latas vazarão. — Mas, como é que será? Não tenho garrafa. — Vás amanhã bem cedo até o fim da rua da Bahia e lá encontrarás um bar ainda aberto onde poderás encontrar os litros de que necessitas. — Mas, a que horas isso? — Às 4 da manhã! — É muito cedo e não conheço pessoa alguma ali. Depois, será difícil que eu acorde nessa hora. — Não te incomodes. Te chamarei. Sidney não se impressionou com o acontecido e tratou de dormir. Lá pelas tantas foi despertado pela voz: — Sidney, Sidney! Olhou o relógio e viu que eram precisamente 4 horas da manhã. Se levantou, se vestiu e seguiu ao lugar indicado. Lá estava, realmente, ainda aberto, um bar que nunca vira antes. Se dirigiu ao proprietário, que se achava atrás do balcão e lhe perguntou: — Tens litros para vender? Obteve resposta favorável mas percebeu imediatamente a estranheza do proprietário do bar, vendo aparecer naquela hora matinal um freguês excêntrico procurando litros vazios. Como se mostrasse curioso, Sidney concordou em contar o que lhe acontecera. Sem ocultar seu espanto o botequineiro acedeu em mandar imediatamente os 40 litros ao freguês. Ao receber, Sidney entrou imediatamente em atividade e ao esvaziar o conteúdo da primeira lata observou que a mesma já principiava a vazar um pouco de tinta pelo fundo. Verificou a segunda e constatou o mesmo fato. Para se certificar melhor, estando ambas vazias, as levou a uma torneira e as encheu de água. Foi o bastante para que o fundo das latas se desprendesse completamente. Depois disso seu primeiro cuidado foi escrever ao pai narrando o que sucedera. Todavia, antes da missiva ter chegado ao destino, recebia ele de Alvim Simões uma carta comunicando já saber de tudo o que ocorrera com o filho em Belo Horizonte! Albércio Machado Timbuí, Espírito Santo
  • 21. O Saci Pererê O presente caso ocorreu no município de Santa Maria Madalena, estado do Rio, e é absolutamente verídico. Quem o contou ao informante foi o doutor Manuel Verbicário, prefeito municipal e clínico em Santa Maria Madalena. Existe em Madalena, a 16 quilômetros de distância da cidade, extensa região montanhosa e devoluta, com flora e fauna deslumbrantes, denominada Moribeca. Nessa terra, patrimônio do estado, inteiramente desabitada, proliferam onça, queixada, ofídios perigosíssimos, bem como plantas e orquídeas que constituem autênticas raridades. Nas matas de Moribeca, tentadas por caçadores e botânicos, ninguém se atreve a penetrar sozinho, não só pelo risco de se perder, senão pelo de ser morto de surpresa pelas feras que as habitam. Daí se organizarem verdadeiras expedições, qualquer que seja o objetivo dos que ali vão. Faz poucos anos vivia em Madalena notável botânico, o doutor Santos Lima, recém-falecido, que se fez perseverante investigador das matas da Moribeca em busca de exemplares de sua flora opulenta com que enriquecia o horto do qual era diretor. Nessa busca, que durava muitos dias, levava em sua companhia alguns trabalhadores de sua repartição. Para facilidade e comodidade das pesquisas havia até sido construído no mais cerrado da mata um pequeno rancho onde os excursionistas pernoitavam a seguro de ataque de fera e inseto. Numa daquelas excursões, na noite, reunida a turma no rancho (que ainda lá existe), estabelecida a palestra em volta do fogo, o assunto se encaminhou ao tema preferido, ou seja, fenômenos sobrenaturais, coisas em que a gente humilde do interior acredita piamente. O doutor Santos Lima, em sua simplicidade de sábio, ouvia delicadamente os companheiros e com isso se distraía, deixando assim correr a noite que na Moribeca é interminável, principalmente pelo frio ali permanente. Entre as mais estranhas e inconcebíveis narrativas, disse um dos trabalhadores cujo nome não importa: — Pois olhai, de minha parte garanto: Quem quiser duvidar da existência do Saci Pererê que duvide, não eu que já o vi. E mais: Sei que, se alguém gritar seu nome na noite em lugar deserto ele aparecerá! Os circunstantes se entreolharam assombrados ante a categórica afirmativa do companheiro. Nesse instante doutor Santos Lima interveio: — Meu rapaz, o que estás dizendo é fruto de tua imaginação. O Saci Pererê, o Lobisomem, o Mão- pelada e outras entidades não existem, nunca existiram. Os homens é que as inventaram para desassossego das pessoas simples e crédulas. — Existem, doutor! — Disse um.
  • 22. — Já vi, doutor Santos Lima! — Garantiu outro. — Pois bem, — interrompeu o botânico — segundo dizes, se alguém chamar o Saci Pererê na noite, em lugar ermo, ele aparece. Não é? Pois vou te provar o contrário. E, ato contínuo, abrindo a janelinha do rancho, pôs as mãos à boca em concha e, no silêncio impressionante da noite, gritou ao seio da mata misteriosa: — Sa-ci... Pe-re-rê!... Ó Sa-ci... Pe-re-rê!... Decorridos alguns segundos, com surpresa tremenda de todos os circunstantes, se ouviu distintamente, partida do seio da floresta, uma voz estranha respondendo a distância: — Ê-e-e-i-i-i-m... A resposta, como é bem de ver, surpreendeu tremendamente a todos. Nesse número o próprio doutor Santos Lima, pois em tal lugar e em tal hora da noite não era possível haver pessoa por ser comum se encontrarem na manhã as pegadas deixadas pelas onças em toda parte, até mesmo em torno do rancho. Reposto do susto, dono já de si mesmo, doutor Santos Lima não se deixou abater pelo imprevisto e, de novo à janelinha do rancho e com maior força de seus pulmões, fez a invocação à entidade sobrenatural: — Sa-ci... Pe-re-rê!... Ó Sa-ci... Pe-re-rê!... Dois segundos, não mais aterradoramente, a voz misteriosa, agora mais precisa e mais nítida, acudiu ao chamado: — Já... á... á vô... ô... ou... Difícil, quase impossível, foi ao saudoso doutor Santos Lima conter sua turma, tal o terror pânico de que esta ficou possuída, sendo certo que nenhum deles permitiria que o chefe voltasse a se comunicar com a entidade ameaçadora. Dramáticos instantes se passaram então. Todas as atenções se voltaram ao exterior na espera da estranha aparição. E a expectativa era ainda maior porque logo após a última resposta um galope começara a ser ouvido ao longe. Pouco a pouco, cada vez mais claro, o tropel se ia aproximando, já não havendo dúvida de que, fosse o que fosse, se dirigia ao rancho. No interior, à luz do braseiro, ninguém falava. E o som dos cascos era já perfeitamente distinto. — Ploc ploc ploc ploc...
  • 23. E foi chegando, chegando, até estacar súbito no terreiro fronteiriço ao rancho. Incontinenti, uma voz desconhecida, que pareceu lúgubre no silêncio tétrico da noite, entrando pelas frinchas do rancho berrou: — Doutor...! O grito soou indistinto, quase irreconhecível. O pavor crescia dentro da casinhola. E a voz, agora mais humana, descansada, completou: — Doutor Santos Lima. Telegrama! Era um empregado do horto florestal, indiferente às crendices do sertão, que, tendo recebido na tarde um despacho pro diretor com nota de urgente, afrontava a noite dentro da Moribeca para o levar ao destinatário. Ouvindo os brados do botânico, sem os entender e supondo que se destinavam somente a o orientar, dera as respostas que tanto haviam amedrontado o pessoal no interior do rancho... Eurípedes Dutra Ribeiro Rua Mariz e Barros 382 Niterói, Rio de Janeiro
  • 24. Protesto de cadáver O fato que passo a relatar se deu na antiga cidade de Águas Virtuosas, hoje Lambari, Minas Gerais. Juram por sua autenticidade, além de quem o escreve, o senhor Armando Gomes de Marais e o senhor Antônio Coveiro, figura muito conhecida no lugar. Toda a população da cidade poderá ainda atestar a veracidade do medonho episódio. Damião de Carvalho, moço ainda, apesar de pacato e trabalhador, por circunstâncias ou fatos ocorridos em tempos passados, ficara com a fama de valentão. No dia 11 de agosto de 1921 (do ano não estou bem certo), mais ou menos às duas horas da tarde, um indivíduo de nome Feliciano, pouco conhecido no lugar, assassinou Damião de Carvalho bem defronte o armazém do comerciante João Bandurra. Se realizaram as diligências policiais e o criminoso foi preso. Na cidade não se falava noutra coisa. Todos se mostravam consternados com a morte do infeliz rapaz, pois Damião, visto pertencer a uma antiga família local, era bastante estimado a despeito da fama que lhe era atribuída. Além do mais se casara há pouco tempo, o que era indício de sua regeneração. Por todos esses motivos o enterro, no dia seguinte, teve enorme concorrência. Chegando ao cemitério, na presença de quantos ali se achavam, o caixão, contornado por duas cordas, como era costume, e seguradas estas em suas extremidades por quatro homens, foi descendo lentamente a dentro da cova. De repente os que se empenhavam naquela tarefa arregalaram os olhos e se puseram a olhar espantados uns aos outros. Pareciam querer falar mas não articulavam palavra. Estavam todos extremamente pálidos. O que estaria acontecendo? Longo tempo estiveram assim, mudos, paralisados, até que um deles, criando ânimo, rompeu aquele silêncio que já estava se tornando amedrontador e disse com voz sumida: — O caixão ficou leve! Um espanto cresceu ao redor. Num relance todos se aglomeraram mais na curiosidade daquele incrível acontecimento. Os coveiros, nervosos, com gestos rápidos, suspenderam o caixão. E, entre aclamações de espanto, gritos histéricos e demonstrações de pavor, todos viram que o cadáver estava no fundo da sepultura!
  • 25. Houve um ligeiro tumulto na assistência, um princípio de pânico. Vozes balbuciavam orações enquanto outras tentavam justificar o fato, descambando ao terreno da lenda e superstição. Houve mesmo quem exclamasse pateticamente: — Ele pede justiça! Quando um morto sai do caixão é porque pede justiça! Mil indagações se cruzaram de repente. E, à medida que eram passadas em revista as circunstâncias do tenebroso transporte, o terror ia crescendo em toda gente. O fundo do caixão estava intato, o que foi verificado pelo próprio Armando de Morais, que o havia construído! O cadeado, entretanto, e as argolas que prendiam a tampa à parte inferior davam mostras de terem sido arrancados violentamente por uma mão poderosa! Mesmo, porém, que estivessem frouxas as argolas e se tivessem desprendido a um solavanco maior, como poderia o cadáver ter se evadido se a tampa presa como estava pelas duas cordas que circundavam o caixão nunca se poderia ter aberto o suficiente para dar passagem ao corpo?! E mesmo que tal houvesse acontecido, argumento definitivo, como é que nenhum daqueles que observavam a descida à cova não notou o mais ligeiro estremecimento nas cordas ou no ataúde? As conjeturas se unificaram numa só frase que corria de boca em boca: — Ele não queria ser enterrado! Décio dos Santos Rua Ricardo Silva 30, Turiaçu Distrito Federal
  • 26. O fantasma decapitado O caso que vou relatar se passou comigo mesmo, por volta do ano de 1927, quando residia com minha família no lugar denominado Porto do Velho, município de São Gonçalo, Rio de Janeiro. Meu pai, Manoel Fogaça, possuía ali uma indústria na qual juntos trabalhávamos. Certa vez, numa quinta-feira, fui dar um passeio até a ponte das barcas, Niterói e, ali chegando, resolvi ir a uma sessão no cinema Royal, hoje demolido. Assisti calmamente, na segunda sessão, a passagem do filme cujo nome não me recordo mas que tinha como artista principal Harry Carrey. Ao sair, chegando à praça Martim Afonso, verifiquei que o bonde das 23:10h, da linha Alcântara, já havia seguido seu destino. Tendo perdido essa condução, aliás a última que passava no Porto do Velho naquela hora, não tive remédio senão seguir no bonde de Neves. Ao saltar no fim dessa linha, já passava da meia-noite e meia, vi um botequim aberto. Entrei, tomei um café e fiquei pensando na longa caminhada que teria de empreender até Porto do Velho. Me recordava também de certas coisas anormais contadas por pessoas de minha zona referentes à rua que eu teria de percorrer e, principalmente, a uma certa ponte de tábua, muito velha, que se denominava ponte das Brandoas, onde, segundo diziam, qualquer pessoa que ali passasse a alta hora da noite ouvia gemido, via assombração e coisas mais. A rua a que me refiro se chama Alberto Torres. É muito longa e, de certo trecho a diante, deserta e perigosa. Quando o relógio do botequim assinalava uma hora da madrugada o dono se aproximou e me disse com seu sotaque lusitano: — Como é, rapaz? Vou fechar o boteco. Confesso que estava temeroso de enfrentar algum perigo e, ao sair, caminhei até o portão da oficina Hime na esperança de que aparecesse alguém que me servisse de companhia até Porto do Velho. Finalmente, depois de aguardar meia hora, saiu da oficina um rapaz que deixara o serviço naquela hora. Passou por mim e seguiu seu caminho.
  • 27. Não tive dúvida em o seguir e tomar a mesma direção até o alcançar. O cumprimentei e fomos conversando até a avenida Paiva (justamente a metade do caminho) quando esse companheiro parou para se despedir. Declarando morar ali no fim da avenida, me perguntou: — Onde moras? Tendo eu lhe dito onde residia me declarou: — Tens muita coragem em atravessar a ponte das Brandoas nesta hora! Eu, por coisa alguma, passaria ali agora. Depois de sua saída fiquei pensando se devia prosseguir viagem, quando, num rasgo de coragem, considerei que um homem é um homem e me pus a caminho. Ao passar na malsinada ponte um arrepio me percorreu todo o corpo e foi nessa situação que a atravessei sem, entretanto, ter visto ou ouvido algo extraordinário. Supunha, então, haver vencido o maior obstáculo. Entretanto, mais adiante, depois do cruzamento da linha Leopoldina com a Cantareira, próximo a um pequeno pontilhão sobre o qual passam os trilhos daquela companhia, divisei uma claridade. Me aproximei. Verifiquei se tratar de quatro velas acesas nos cantos dum lençol branco estendido no chão. Ao lado, de pé, olhando atentamente o lençol, estava um homem alto vestindo um longo capote preto que ia até os pés e trazendo na cabeça um grande chapéu da mesma cor. Ao ver aquele quadro o que mais me impressionou foi observar que o homem mais parecia uma múmia, imóvel como estátua. Com dificuldade consegui passar no local. Porém, adiante, já em Porto do Velho, próximo a minha residência, bem no meio do cruzamento das linhas de trem, se repetiu a mesma cena: vi as velas, o lençol e o homem de capote e chapéu preto! Ao enfrentar aquele quadro em tudo semelhante ao anterior, ainda mais horrorizado fiquei, mas não havia outro caminho. Fui seguindo na extremidade oposta e, ao passar pelo vulto, tentei ver a fisionomia do homem. Não consegui divisar o rosto da estranha personagem porque o grande chapéu encobria a metade da cabeça. Logo que consegui me distanciar daquele macabro local ouvi uma voz me chamar e caí na tolice de olhar atrás. Bem próximo a mim estava o tal homem. Com o chapéu numa mão e uma vela na outra, mas... sem cabeça! Ao ver tão horripilante figura corri desabaladamente em direção a minha casa ouvindo em minha retaguarda repetidas gargalhadas e longos assobios.
  • 28. Cheguei a casa metendo os pés na porta da sala de jantar que minha mãe sempre deixava escorada com uma cadeira para que eu, ao chegar, não perturbasse o sono dos demais. Fazendo uma barulhada infernal caí desacordado sobre o assoalho. Meus pais e irmãos, despertados pelo estrépito, acudiram a ver o que acontecera comigo e me socorreram. Só após recuperar o sentido, ainda cheio de pavor, pude contar o sucedido. Na manhã seguinte, ainda de nervo abalado, fui por, curiosidade, verificar os lugares onde havia passado na véspera, para ver se existia algum indício anormal. Nenhum vestígio de cera de vela. Nada que relembrasse o que vira com meus próprios olhos! Todavia, no pontilhão, já rodeado por muitas pessoas, jazia o cadáver dum homem que o trem da Leopoldina apanhara naquela noite. O corpo estava coberto com um lençol branco colocado por pessoas caridosas logo após o desastre. Minha curiosidade fez com que me aproximasse e levantasse o lençol. Assombrado verifiquei que ali estava um corpo com a cabeça esmigalhada. Se tratava dum homem alto, trajando roupa e capote pretos, tendo ao lado um grande chapéu também preto. Floriano Fogaça Rua Costa Mendes 18, apto 101 Ramos, Distrito Federal
  • 29. A negra Mariana Este caso ocorreu mais ou menos em 1945. Eu estava de férias e fui passar uns dias numa granja no interior curitibano, residência dum colega. Numa noite minha coleguinha e seu irmão saíram para visitar uma pessoa que aniversariava e preferi ficar fazendo companhia a sua mãe, dona Rosinha, que se achava só, pois seu marido estava viajando. Me sentei na varanda em companhia da idosa senhora conversando ou lendo um romance. Após algum tempo vi que dona Rosinha adormecera na cadeira de balanço. Continuei minha leitura e, instantes depois, percebi que havia alguém parado no portão da velha casa. A fim de não gritar dali e acordar a senhora deixei de lado o romance. Desci a escada e fui até o portão. Lá encontrei uma preta velha, sorriso nos lábios, que me cumprimentou amavelmente e indagou: — Mecê está morando aqui agora? Expliquei a razão de minha presença ali e indaguei se procurava alguém. — Não... Sou a nega Mariana... Já morei aí. Só quiria sabê si dona Rosinha tá passando bem da perna. Eu não sabia de qualquer doença de dona Rosinha, por isso me prontifiquei logo a ir a chamar. E, apesar da preta me pedir que não o fizesse, eu já tinha subido à varanda e acordado a senhora. Mas, ao indicar o portão onde deixara a visitante, vi mais ninguém. Fiquei boquiaberta. Desci correndo, investiguei bem em toda direção mas não enxerguei alguma pessoa. Voltando a perto de dona Rosinha, esta me acusou de estar imaginando coisa mas quando mencionei o nome que a preta me dera e me referi a seu desejo de saber do estado de sua perna, a senhora se mostrou assustada. E o que revelou, então, me deixou com um frio na espinha: — Tenho, de fato, aqui na perna uma ferida já quase cicatrizada proveniente de variz. A negra Mariana sabia disso. Foi uma criada muito boa que viveu conosco muito tempo. Morreu há um ano, mais ou menos. Nancy Kendrick de Lima Rua 29 de Agosto 223 Curitiba, Paraná
  • 30. Impenetrável mistério O que venho a contar aqui se passou comigo mesmo em Barra Mansa, Rio de Janeiro, numa casa que ficava à rua Jansen de Melo. Foi assim: em 1935 eu era o operador do cinema Éden. Após a sessão que terminava sempre às 21:30h costumava ir em companhia de amigos até o bar São Luís e dali rumava até casa. Numa noite fiquei até mais tarde na rua e só me recolhi por volta das 23h. Entrei no quarto, despi o paletó e o dependurei, como de costume, na própria chave da porta, que eu trancava sistematicamente. Depois tirei o cigarro e o fósforo, os coloquei sobre a mesinha de cabeceira, verifiquei se a janela estava bem fechada, fiz minhas orações e me deitei. Ao lado de meu quarto havia outros dois cômodos. No primeiro dormia meu irmão com sua esposa e dois filhos. No segundo três primos. Na parte de cima da casa moravam meus tios. Em certa altura, quando já estava ferrado no sono, fui despertado de maneira brusca. Era como se tivesse levado um bruto empurrão e tive a impressão perfeita de que uma força estranha me atirara por uma ribanceira. Estava tudo escuro. Procurei o interruptor de luz mas não houve meio de o encontrar. Eu estava como tolhido em meu movimento. Um aprisionamento nos músculos limitava a ação de meus braços, de minhas pernas, de meu corpo todo. Tinha vaga noção de que uma mudança radical se operara em meu leito a meu redor. Impotente para sair dali, para me levantar e vencer o torpor, gritei com imensa dificuldade: — Acordai, gente! Não tardou que meu irmão se levantasse e viesse me atender. Tinha consciência de tudo e não podia compreender como conseguira ele entrar em meu quarto se eu havia fechado a porta por dentro a chave. Se eu estava espantado, porém, a surpresa de meu irmão não era menor, pois me via deitado sob a mesa na sala de visita! Minha cabeça pousava num de meus próprios travesseiros mas eu estava coberto com uma colcha que antes se achava no quarto onde dormiam meus três primos. Da beira do travesseiro até a porta de meu quarto o cigarro e o fósforo espalhados no chão faziam um verdadeiro rastro. Tudo aquilo me dava impressão de acesso de sonambulismo. Estranheza era maior pelo fato de que eu nunca fora sonâmbulo. Meu irmão estava pálido, trêmulo e não dizia palavra. Juntei a roupa, apanhei o cigarro e o fósforo e me dispus a voltar ao quarto. Quando bati a mão na maçaneta da porta senti um calafrio no corpo todo: A porta estava fechada por dentro!
  • 31. Meu pavor não teve limite. Sob o olhar estarrecido de meu irmão gritei alucinadamente até acordar todos na casa. Até os vizinhos acudiram ante tamanho alarde e em pouco a sala estava superlotada. — Tem gente dentro de meu quarto! — Gritava eu aflito. Na verdade era só o que se podia supor com a porta e a janela fechadas por dentro! Era aquela a única hipótese lógica. — Tem gente aí dentro! — Repetia eu cada vez mais agitado. Os vizinhos logo se preveniram. Alguns foram buscar arma e ficaram distribuídos uns fora fiscalizando a janela e outros dentro tomando conta da porta. Um de meus primos foi buscar o machado e o meteu na porta. Em poucos instantes a madeira cedeu aos golpes do ferro e a porta rodou violentamente nas dobradiças. Mas voltou incontinenti como impulsionada por alguém que estivesse atrás. — Tem gente, sim! É ladrão! Saias daí, bandido! — Todos gritavam ferozes. A porta foi novamente empurrada a dentro e fez o mesmo movimento de retorno. A cena se repetiu algumas vezes e, como não passasse daquilo, alguns se encorajaram e entraram no quarto. Uma gargalhada estourou em todas as bocas. Atrás da porta, a fazendo voltar insistentemente, estava um velho e inofensivo colchão. — Rá-rá-rá-rá! — Gargalharam todos. Mas no meio da risota geral eu fazia minhas observações. Minha seriedade contagiou toda gente. Em pouco tempo quietos, cabisbaixos, todos se curvaram ao peso daquele estarrecedor mistério. E não era para menos. A porta, mesmo toda despedaçada, mostrava a lingüeta da fechadura a fora, sinal de que estava fechada por dentro, com a chave ainda no lugar. A janela, conforme todos constataram, estava hermeticamente fechada por dentro. E, da porta até a mesinha de cabeceira, o fósforos e o cigarro espalhados no chão continuavam o misterioso rastro que se estendera pela sala de visita até minha cabeceira. Por muito tempo o comentário nas ruas de Barra Mansa foi exclusivamente em torno daquele espantoso fato: O homem que fora atirado através da porta fechada! Giovanni Carneiro Rua Godofredo Viana 64 Jacarepaguá, Distrito Federal
  • 32. Um enterro fantástico Em 1937 era eu ainda muito novo e residia na cidade de Magé, em cuja estação meu pai possuía um bufê onde eu o ajudava. Todos os dias esperávamos o último trem, que chegava a Magé às 18h. Nas sextas-feiras permanecíamos a postos até as dez da noite, quando passava o noturno campista. Me lembro bem que, numa dessas sextas-feiras, quando estávamos esperando o noturno, papai verificou que não havia mais fósforo e me mandou comprar. O único bar que podia atender naquela hora ficava na rua doutor Siqueira, no largo Jaú. Da estação até o largo há um bom pedaço marginando o cemitério. Confesso que não me agradou muito a ordem de papai mas não podia discutir determinação superior. E lá fui passando no lado do cemitério até chegar ao bar. Ao me aproximar do bar encontrei no meio da rua um bando de criança brincando e fazendo enorme algazarra. Nada vi de mais naquilo, apesar da hora tardia da noite, e decerto por ver tanta criança brincando ali foi que não estranhei o que aconteceu logo depois. Vi um enterro com quatro homens carregando um caixão mas continuei meu caminho até o bar onde comprei o fósforo e voltei. Lá estavam no mesmo lugar as crianças brincando alegremente. O cortejo fúnebre, porém, já se distanciara um tanto e eu, não resistindo à curiosidade, tratei de o alcançar. Assim que me aproximei dos quatro homens percebi que, se eu atrasava os passos eles faziam o mesmo, se os apressava eles se adiantavam no mesmo ritmo. Repeti essa experiência duas ou três vezes antes de alcançarmos a entrada do cemitério. Vi, nesse momento, que o portão se abria sozinho e que os homens entrando nele foram ao meio do cemitério, depuseram o ataúde no chão, acenderam velas e vieram a fora esfregando os braços. O que me encheu de medo e me deixou com arrepio no corpo foi que tudo isso se passou em poucos segundos! Nada mais vi. Quando dei em mim estava sentado na estação, cercado de gente que perguntava o que me acontecera.
  • 33. Só depois dalgum tempo pude contar o que vira. Papai, para se certificar do fato, no dia imediato procurou o coveiro, que naquele tempo era um velhote conhecido como Antonico, e lhe perguntou se havia efetuado algum enterro na véspera, na noite. — Não fiz enterro algum ontem na noite e nem emprestei a chave do cemitério a alguém. Edésio Cardoso Travessa Alberto Torres 198, São Gonçalo Niterói, Rio de Janeiro
  • 34. Chuva de pedra Há dois anos morava eu com minha mulher e duas filhas menores, Elza e Ziza, na rua Alzira Valdetaro 60, em Sampaio. A casa era de propriedade duma senhora chamada Maria Italiana que ocupava a parte da frente. Jamais notáramos coisa alguma de anormal até que, numa tarde, entre as 6h e 6:30h, quando me sentava à mesa para jantar, ouvi certos ruídos nítidos semelhantes aos de pedrinhas batendo num prato. Nossa mesa ficava encostava na parede e isso fez com que pensássemos haver algum rato ou qualquer outro bicho localizado no forro fazendo caírem as pedras. Entretanto, como nada houvéssemos visto, somente ouvido o pequeno rumor, fomos dormir sem atribuir caráter extraordinário ao fato. A noite transcorreu em absoluta normalidade. No dia seguinte, na mesma hora, quando estávamos à mesa, novamente voltou a ser ouvido o mesmo ruído de pedrinhas batendo num prato. Fizemos uma busca mais atenta, sem resultado prático. E assim se encerrou o episódio daquela noite. No terceiro dia, na mesma hora, se repetindo o inexplicável ruído, já o espanto nos dominava. Perguntei a minha mulher, Liberata, se tinha ouvido. — Ouvi sim, João! Como lhe indagasse donde achava que provinham tais pedras, Liberata protestou: — Mas que pedras, João? Onde é que estão as pedras? A gente procura e nada acha. Propus, então, a minha mulher, que tirasse a mesa daquele lugar e a colocasse no lado oposto, com o que ela concordou. Todavia, quando fomos jantar, no dia imediato, já com a mesa em nova posição, o mesmo barulho se produziu. Começou a ter lugar, daí por diante, naquela casa, uma febre de experiências quanto à posição diária da mesa, tudo para fugirmos daquele som enervante. A colocamos, finalmente, no centro da sala. Ao nos sentarmos pro jantar do dia seguinte estrondou um ruído muito mais forte, como se uma pedra maior houvesse caído e partido um dos pratos.
  • 35. Considerei que podia ser brincadeira de alguém que estivesse lá fora e combinei fecharmos a janela para maior certeza. Assim foi feito. Um fenômeno estranho e apavorante logo nos deixou estarrecidos: Era como se alguém atirasse pedras e mais pedras nas paredes! Nada se via mas o ruído era tão nítido e insistente que Liberata, apavorada, correu a chamar dona Maria Italiana assim como outros vizinhos. O espantoso é que quando minha mulher voltou com toda essa gente já o ruído cessara completamente. Daí a diante não conhecemos mais sossego à hora do jantar. Já não nos sentávamos à mesa: comíamos em pé com o prato na mão! Nem assim o barulho cessou. Nessa altura a notícia do fenômeno se espalhara e era sem-conta o número de pessoas que ali afluíam na hora costumeira para presenciar tais fatos. Por fim a notícia chegou ao conhecimento do 190 distrito policial, que designou o investigador de apelido Cai Nágua para apurar o que ocorria. Cai Nágua combinou comigo comparecer a casa na tardinha acompanhado de vários subordinados seus que tomaram posições estratégicas na redondeza observando tudo e se dispondo a deter qualquer indivíduo suspeito. O investigador se fechou em casa conosco, verificando tudo internamente para afinal se sentar absolutamente certo da eficácia de suas medidas. — Fiques descansado, seu João. — Disse ele — Como vês: até agora nada aconteceu. Tudo está quieto e o que havia era brincadeira com o senhor. Naturalmente de pessoas desocupadas. Mas agora, com a polícia, a coisa muda de figura! Mal o zeloso Cai Nágua acabara de pronunciar tais palavras, se pôs a fazer gestos como quem se defende de ataques inesperados vindos de várias direções. Entretanto nada se via que justificasse tal atitude. Na ânsia de verificar quem seria, fora de casa, o promotor daquele bombardeio, Cai Nágua abriu a porta e se defrontou com um repórter do Diário Carioca, o qual ainda pôde presenciar alguma coisa do fenômeno. Tal repórter, pelo que chegou a perceber, concluiu imediatamente que aquilo não era caso de polícia. Diante disso o investigador se retirou com seus homens e o repórter se aprestou para concluir sua reportagem que foi estampada no Diário Carioca de dezembro de 1929.
  • 36. A publicação da notícia fez com que afluísse à casa mal-assombrada em que residíamos. De minha parte já me achava disposto a me mudar, quando, em certa tarde, uma velha desconhecida passou ali e, vendo o ajuntamento, quis saber do que se tratava. Informada de tudo, me falou: — És a dona da casa? Como lhe respondesse que era o inquilino me perguntou: — Queres que dê um jeito nisso? — Isso nem se pergunta! — Respondi — Podes conseguir isso? — Farei o possível. Amanhã voltarei. No outro dia, conforme prometera, a velha voltou. Me pediu um copo limpo com água e uma vela. Em seguida rezou algumas orações, introduziu a vela acesa equilibrada dentro do copo cheio d’água e me mandou o colocar sobre o parapeito dum arco que separava as duas salas. Feito isso a desconhecida afirmou com impressionante convicção: — Agora fiques descansado porque nada mais haverá! Quando, no dia seguinte, fomos ver o copo, este se achava completamente vazio e seco. Não havia nele vestígio de água nem de vela, como se tudo se tivesse evaporado misteriosamente. Em verdade, a partir de então, não mais se registraram os fenômenos auditivos e a paz voltou a nossa casa. Além do testemunho da imprensa, muita gente presenciou aqueles surpreendentes fenômenos, dos quais eu e minha mulher Liberata Pereira do Nascimento, fomos as principais testemunhas. João Meneses do Nascimento, mecânico das caixas registradoras National S. A. Rua Veríssimo Machado 43 Rocha Miranda, Distrito Federal
  • 37. Destino implacável Por volta do ano de 1928 eu trabalhava como marceneiro no instituto Dona Escolástica Rosa, à avenida Bartolomeu de Gusmão 111, em Santos, onde fui também educado. Entre meus colegas de profissão havia um de nome Antônio Ventura, que exercia seu mister trabalhando numa serra de desdobro. Essas serras são assim chamadas porque se destinam a dividir as toras de madeira em pranchas e tabuados, se empregando, conforme o caso, cinco ou seis serras que são fixadas a um braço e agem em sentido vertical. Em certa manhã Antônio Ventura se apresentou ao chefe da serraria, Graciano Morales, já falecido, que exerceu longos anos essa função naquele colégio, e lhe comunicou que não desejava trabalhar naquele dia por ter um pressentimento de que algo de mau iria se dar. E justificou esse estado de espírito contando o sonho que tivera naquela noite: Uma prancha se desprendia do guindaste e caía sobre ele o esmagando. O chefe, sem querer insistir, ponderou ao Ventura que não tivesse preocupação devido a um simples sonho e, como não houvesse muito serviço, o aconselhou a que ao menos aproveitasse o dia para a limpeza e lubrificação da máquina, sem lidar com as toras de madeira. Se encontrava o infeliz companheiro entregue à execução do serviço de limpeza da máquina quando uma das peças anteriormente desmontadas (justamente a que prende as serras e que pesa aproximadamente 200kg) tombou, sem se saber como, e o colheu em cheio causando morte quase imediata. Nem é necessário dizer que a consternação foi geral, não somente da parte de seus colegas como da própria administração do instituto, que contava o Antônio Ventura como um de seus bons servidores. Este fato, de tão estranha coincidência, pode ser comprovado ainda pelo senhor Alcides Pinto, atualmente funcionário da Brazilian Warrante, de Santos. Laudelino Pinto de Oliveira São José dos Campos, São Paulo
  • 38. A mulher de branco Há dois ou três anos, aproximadamente, quando em nossa casa ainda não tínhamos luz elétrica, mamãe, em certa noite, se levantou e procurou acender o lampião utilizando um isqueiro. Como esse acendedor falhasse ela desistiu de seu intento e, sem qualquer idéia de temor, abriu a janela do quarto a fim de ver como estava a noite. Foi muita sua surpresa ao ver o vulto duma mulher defronte a casa número 491, ao lado da nossa. Essa criatura estava toda vestida de branco, de calção e blusa da mesma cor e com o cabelo comprido e solto. Mamãe, porém, não conseguiu ver o rosto. Aguçando o olhar notou que a mulher desaparecera pela cerca da frente sem utilizar o portão que se achava fechado. Logo depois surgiu na entrada do prédio vizinho, onde há uma cerca de bambu. E repetiu esse trajeto duas ou três vezes! Mamãe fechou a janela e olhou o mostrador fosforescente do relógio: Era justamente meia-noite. Quando, no dia seguinte, nos contou o que se passara, ninguém acreditou, e até meu irmão mais velho, Zoco, lhe disse: — Mas mamãe, a senhora, uma criatura idosa, contando uma coisa dessa! Passaram os dias e, certa vez, Zoco foi fazer um passeio com um colega. Na volta ficaram os dois conversando perto da casa até tarde da noite. Meu irmão se despediu do colega e, quando se dispunha a entrar em casa, viu aquele mesmo vulto de mulher toda de branco, tal como acontecera a mamãe. Chamou papai, que ainda estava acordado por ter vindo duma briga de galo. O velho, chegando à porta, declarou nada ver de anormal. No outro dia, entretanto, me coube a vez: Vi a estranha mulher dando três de suas voltas misteriosas e depois entrei em casa seriamente impressionado. Finalmente, papai, indo na alta madrugada ao matadouro de Santa Cruz, onde trabalha, mais tarde confessou ter visto a mulher de branco. E não fomos somente nós, da família, pois nossa vizinha Mercedes, seu marido Cliantes e sua irmã Sinhá, todos viram e tornaram a ver a estranha figura.
  • 39. Minha mãe se chamava Jacinta, meu pai Mateus de Sá Freire, e todos podem atestar a veracidade do que aqui estou relatando, sem que algum de nós possa explicar o estranho fenômeno do aparecimento daquela mulher de branco com o cabelo comprido e solto, dando voltas em torno da casa vizinha. Anastásia da Silveira Freire rua Felipe Cardoso 493 Santa Cruz, Rio de Janeiro
  • 40. Um judas do outro mundo O remetente deste episódio é bastante relacionado nos meios artísticos e radiofônicos. Trabalha em palco e circo e, não raro, colabora em jornal e programa radiofônico, onde inúmera produção sua figurou com sucesso. É autor dum pequeno livro de poesia intitulado Goiambês. Trabalhava eu como secretário do circo-teatro Norip, instalado em Paul, bairro de Vitória. Ali estava substituindo o José Brito Coelho, antigo secretário do circo, que falecera dias antes, na Santa Casa de Vitória. Havia grande consternação na casa de espetáculos, pois o José era, não só bom companheiro, como excelente secretário, além da artista de mérito invulgar. Naquela noite o circo apanhara uma de suas maiores enchentes. Era o último espetáculo naquela praça e estava para ser representada a peça sacra Vida, paixão e morte de N. S. Jesus Cristo. Me achava eu no controle da transmissão, pronto para fazer rodar os vários discos de música especializada, bem como produzir ao microfone os ruídos para cenas como a do enforcamento de Judas, toda sincronizada com trovão e rajada de vento. Já havia soado o segundo sinal. O velho Norip, diretor do circo, dava suas últimas ordens. Dona Guety, sua filha, verificava as roupas das várias personagens. Foi quando vi entrar na barraca-camarim um vulto envergando traje marrom, se encaminhando ao espelho onde os artistas davam os últimos retoques em sua maquiagem. Traje de tal cor, naquela representação, só mesmo o de Judas. – Já deu o segundo sinal! – gritei, advertindo a personagem, que supus fosse dona Guety. Quem era não respondeu. Deu alguns passos à frente e sumiu de maneira inexplicada. Fiquei surpreso. Saí imediatamente do estúdio de transmissão e fui até o palco. Ali estavam todos os artistas participantes da peça. — Quem foi que esteve, agorinha mesmo, no camarim? — Indaguei. Todas as respostas foram negativas. E meu espanto cresceu ao ver dona Guety com uma vestimenta branca. – Quem esteve no camarim, vestido de marrom, agora mesmo? – Repeti. – Só se foi Walter Ciricola, que fará o Judas. — Me disseram.
  • 41. Realmente. De marrom, naquela representação, só o traje de Judas. Procurei Walter no mesmo instante. Lá estava ele, à volta com uma cortina. Sua indumentária era igual à do vulto. — Foi tu quem esteve agora no camarim? — Eu não. Estou aqui há um tempo enorme consertando esta cortina que enguiçou. Naquele instante soava o terceiro sinal. Cada um tomou sua posição. Voltei a meu posto. A representação ia correndo sem incidente. Se aproximava a cena culminante do enforcamento de Judas. Uma apreensão tomava todos os protagonistas. Walter Ciricola era excelente acrobata mas péssimo declamador. Fora apanhado pro papel a fim de salvar a renda infalível daquela peça tradicional. Em todo caso lá ia ele sem maior tropeço. Faltava, entretanto, o grande momento que exige do intérprete excepcional qualidade histriônica que todos sabiam faltar ao inexperiente ginasta. Foi com crescente surpresa que todos perceberam a transfiguração por que passou o Ciricola. As palavras saíam de sua boca com segurança e vigor de inflexão impressionantes. Sua gesticulação assumia proporções incomuns, num desembaraço só visto antes em José Brito Coelho. Se diria que ali não estava Walter Ciricola e sim o próprio Zé Coelho, representando seu papel preferido que lhe granjeara vibrantes aplausos em toda sua carreira. Eu estava impressionado. Às vezes parecia perceber na voz de Walter inflexões e timbre de Zé Coelho. Os gestos de ambos tinham semelhanças pasmosas. A própria maneira de preferir certos pontos do tablado para declamar sua fala era a de Zé Coelho. No final, antes de fazer qualquer comentário sobre o que observara, ouvi dos demais artistas expressão de entusiasmo e assombro: — Vistes como o Walter no papel de Judas até parecia o Zé Coelho? Um calafrio passou pela espinha de todos nós. José Coelho voltara para representar mais uma vez o papel que nunca abandonara em toda a existência do circo-teatro Norip. Esse fato poderá ser testemunhado por todos que trabalhavam naquele espetáculo, entre eles a família Camargo, as irmãs Chulvis, Pedro Duara, Júlio Norip e sua família. Roberto Silva Distrito Federal
  • 42. Terra mal-adquirida Em certa noite de setembro de 1935 Fernando Tolentino foi despertado por um barulho vindo da cozinha como se alguém estivesse lavando panela. Depois ouviu o rumor inconfundível de alguém soprando o fogo e logo a seguir um forte cheiro de queijo assado encheu toda a casa. Fernando Tolentino alugara recentemente aquela fazenda. Pensou logo que fossem seus dois vaqueiros, Miguel e Ariel, que se levantavam sempre muito cedo. Raciocinou, porém, que não podia ser algum dos dois, pois eles dormiam em dependência separada da casa da fazenda e esta se achava inteiramente trancada por dentro. Por desencargo de consciência os chamou. — Ariel! Miguel! Não obtendo resposta, e como o barulho continuou, acordou sua mulher e ambos foram até a cozinha verificar o que havia. Assim que chegaram o ruído cessou dando lugar a uma ventania tão forte que ambos mal podiam respirar. Percebendo se tratar dalgum fenômeno sobrenatural voltaram ao quarto e nada mais aconteceu no resto daquela noite. No dia seguinte e por muito tempo ainda a barulheira se repetiu sempre de maneira igual mas nunca mais os dois foram até a cozinha, deixando de observar se a ventania continuava. Numa noite, entretanto, os ruídos mudaram completamente de feição: Ao lado do quarto do casal havia outro muito grande onde o antigo morador, proprietário de fazenda, deixara inúmeros objetos seus guardados. Dali partia um som inexplicável semelhante ao que produziria um animal roendo vorazmente alguma coisa. Durante a noite inteira o insuportável som se fez ouvir parecendo apenas variar de local, ora mais próximo ora mais afastado. E só cessou no raiar do dia. Fernando Tolentino se dirigiu ao quarto vizinho, interessado em descobrir a causa do insólito rumor. O que viu o encheu de pavor. As quatro paredes do quarto estavam totalmente destruídas, só restando delas o engradado de madeira que sustentava o reboco. O único ponto em que a parede conservava seu revestimento normal era no lugar em que estava dependurado um quadro com a estampa de Nossa Senhora! Apreensivo com o rumo daqueles fenômenos, Fernando Tolentino resolveu chamar um padre para benzer a casa. Ao anoitecer daquele mesmo dia ali chegavam o padre Davino Morais, vigário da paróquia, e seu sacristão, Geraldo Romão, que me narrou os acontecimentos aqui descritos.
  • 43. Logo que o sacerdote principiou a benzer os cômodos, várias vozes se fizeram ouvir do lado de fora, como que vindas de diversas direções em redor da casa. A princípio eram sons imperceptíveis mas depois se faziam entender claramente, repetindo sempre a mesma frase: — Foi terra mal-adquirida... Foi terra mal-adquirida... O vozerio perdurou até que findassem as orações e, terminadas estas, uma forte ventania zuniu lá fora se afastando sempre até desaparecer completamente. Também, depois daquele dia, a paz voltou à aquela casa e nunca mais seus moradores foram perseguidos por fenômenos de qualquer espécie. Geraldo de Sena Gonçalves Rua Monsenhor Pinheiro 57 São João Evangelista, Minas Gerais
  • 44. O piano de Carlos Gomes Ao fato extraordinário que vamos narrar está ligado o nome imortal de Carlos Gomes. Nome imortal, sem sombra de dúvida, porque nele se perpetua a glória imperecível do maior gênio musical das Américas, que abriu os olhos à luz da vida e os cerrou até sempre na terra abençoada do Brasil que tanto exaltou e soube amar. Devemos seu conhecimento a um jornalista paraense pertencente ao grupo dos profissionais da velha-guarda com um exercício de mais de quarenta anos no ministério da imprensa. Iniciando seu raciocínio jornalístico em 1906, no Pará, como repórter da Folha do Norte, jornal fundado por doutor Enéas Martins e hoje de propriedade de Paulo Maranhão, tem ele exercido sua atividade profissional em vários estados da federação, no Pará, no Amazonas, no Maranhão, no Ceará, em São Paulo e, nos últimos anos, no Rio de Janeiro, como redator de A Manhã e do venerando Jornal do Commércio desta capital. Em 1917, de regresso do Amazonas, João Alfredo de Mendonça reassumiu, em Belém, o cargo de redator-secretário da Folha do Norte. Em certo dia foi convidado a assistir a reinauguração do cassino Paraense, cuja sede fora instalada na praça da República, onde, ao centro, avulta imponente o majestoso teatro da Paz. Num dos ângulos do salão principal da sede do clube ficava localizada a pequena orquestra que animava dança e da qual fazia parte um piano de meia-cauda em que tocava um pianista português apelidado Manjerico, alcunha que lhe adviera de sua preferência pela execução constante da música duma revista com aquele nome. No grupo de jornalistas presentes à noitada alegre surgiu de repente uma notícia sensacional: O piano que se encontrava nos salões boêmios do cassino era, nada mais, nada menos, que o piano de Carlos Gomes! Comentários, dúvidas, opiniões e controvérsias se cruzaram de pronto em torno da revelação. Não faltou quem fornecesse um detalhe interessante: O piano fora adquirido duma família pobre, residente no bairro da cidade velha, que o vendera por dez réis de mel coado a Otávio de Morais Rego, um dos diretores do cassino. Uma profanação, uma irreverência imperdoável à memória do grande criador de beleza, a presença do precioso instrumento num salão de cabaré. J. Eustáquio de Azevedo, autor da Antologia Amazônica, e Rocha Moreira, autor de Pã, poetas de valor, ambos redatores da Folha do Norte, escreveram nesse jornal inspiradas crônicas lamentando o destino do piano-relíquia.
  • 45. João Alfredo, porém, por mero palpite de repórter, não prestava crédito à atoarda e fundamentava sua opinião num argumento simples: O piano do cassino, embora denotasse ser um instrumento velho, com alguns anos de uso, não oferecia na aparência, em sua estrutura, na disposição de suas linhas, uma perfeita semelhança com o piano reproduzido em parte no quadro magnífico que fixa os últimos momentos de Carlos Gomes, obra dos pintores italianos Doménico de Angelis e Giovani Capoanezi, grande tela que figura na pinacoteca da prefeitura municipal de Belém. O assunto, por sua natureza, despertava justificado interesse, e o secretário da Folha do Norte iniciou pessoalmente uma sindicância a respeito do paradeiro real do piano de Carlos Gomes. Na capital paraense residiam naquele tempo dois ilustres artistas, contemporâneos e amigos do grande operista de Lo Schiavo e Condor. Eram eles o maestro italiano Ettore Bosio, há muito radicado no Pará, autor de várias composições, entre as quais O duque de Vizeu, ópera de assunto português louvada pelo próprio autor de O Guarani, que em carta de apresentação do maestro Bosio ao empresário F. Brito, do Rio, o considerava egrégio autor e musicista de primeira ordem; o outro era que, como representante da Associação Lírica do Pará, firmava com Carlos Gomes, em Milão, no ano de 1895, contrato pruma temporada lírica no Pará. A esses dois maestros, seus amigos pessoais, se dirigiu João Alfredo de Mendonça, ouvindo de ambos interessantes informações sobre o destino do precioso instrumento, as quais constituíram matéria duma ampla entrevista publicada na Folha do Norte e transcrita em jornais da Paraíba, Bahia e Minas Gerais, e que pode ser assim resumida: Após o falecimento de Carlos Gomes, ocorrido em Belém, em 16 de setembro de 1896, foi seu piano removido de sua residência na travessa Quintino Bocaiúva, antiga travessa do Príncipe, prédio de propriedade do major Antônio Pedro Borralho, herói da guerra do Paraguai, fundador do clube republicano do Pará e tio materno de João Alfredo, à sede da escola de Belas Artes, onde funcionava o conservatório musical do Paraná que tomou depois o nome de Instituto Carlos Gomes. Ali permaneceu o piano até quando foi extinto o conservatório pelo governador Augusto Montenegro em seu primeiro período de governo, de 1901 a 1905. Ao que se sabe o doutor Augusto Montenegro, que realizou no Pará em dois quatriênios uma obra fecunda de administrador, não gostava de música, tanto assim que a pretexto de economia extinguiu o Instituto Carlos Gomes, então dirigido pelo maestro paraense Meneleu Campos, e todas as bandas de música da gloriosa polícia do Pará, a brigada militar do estado de que era regente o maestro italiano Luís Maria Smido. Fechado o conservatório foi o piano removido ao palácio do governo e colocado numa das salas da secretaria geral. Algum tempo depois foram iniciadas grandes obras de readaptação do palácio, sendo o instrumento novamente transferido a outro local, desta vez o teatro da Paz, em cujo amplo foyer ficou instalado. Sucedeu que concluída a reforma do palácio, foram atacadas as obras de remodelação do teatro da Paz, e o piano mais uma vez mudou de lugar. Retirado do salão nobre foi encafuado (é este o termo exato) num desvão escuro do próprio teatro, no prolongamento das torrinhas, quase junto ao teto
  • 46. do chamado Paraíso, onde o esqueceram durante longos anos, pois, terminada a remodelação do edifício e colocados no foyer os bustos em mármore do genial Carlos Gomes e do maestro paraense Henrique Gurjão, autor da ópera Idália, ninguém mais se lembrou da preciosa relíquia deixada pelo primeiro. Em face dessas informações não foi fácil a pesquisa definitiva. Numa visita à escura cafua, presentes Ettore Bosio, João Alfredo, Eustáquio de Azevedo, Jaime Nobre, exímio flautista paraense, e outras pessoas, foi descoberto em seu esconderijo o verdadeiro piano de Carlos Gomes, que não era, em absoluto, o meia-cauda que se encontrava no cassino. É preciso recordar, nessa altura da narrativa, que era então governador do Pará, pela segunda vez, o doutor Lauro Sodré, o mesmo insigne paraense e devotado republicano que em 1880, então segundo tenente, saudara Carlos Gomes em nome da escola militar da praia vermelha, no teatro Lírico do Rio, e que anos mais tarde, como primeiro governador constitucional do Pará, acolhera o grande compositor, já no declínio de sua gloriosa e atormentada existência, o nomeando em 1895 diretor do conservatório musical que mais tarde tomaria seu nome. Na data em que fora encontrado o piano de Carlos Gomes, o secretário da Folha do Norte era, também na segunda vez, presidente da Associação de Imprensa do Pará, que se desdobrara do antigo Círculo dos Repórteres do Pará. Atravessava, então, a associação o período áureo de sua existência, promovendo solenes comemorações das grandes datas da pátria, acolhendo festivamente viajantes ilustres que passavam no Pará, escritores e artistas, literatos, pintores, concertistas que iam a Belém fazer conferência, exposição e recital. Assim sendo, não podia a associação de imprensa ficar indiferente à sorte dum objeto que era uma autêntica relíquia e, nessa compreensão, seu presidente tratou de obter a necessária autorização do governador do estado para que o piano ficasse confiado à guarda da referida associação, sendo prontamente atendido em sua patriótica pretensão. Transferido do esconço em que se achava à sede da associação, foi o piano ali submetido a cuidadosa limpeza reclamada pelo estado lastimável em que se encontrava, com as cordas quase todas despedaçadas, as camurças totalmente destruídas pelas baratas, as teclas descoladas, os metais estragados pela ferrugem. Era uma devastação quase integral e, para dar uma idéia exata dessa ruína, basta dizer que o lixo retirado do interior do piano (caliça, argamassa, pedaço de feltro, corda de cobre, teia de aranha, traça, barata, morcego e rato morto) deu para encher um caixote de cerveja. Restaurado por competente artífice, Abraão Matias, afinador e consertador de piano, que tinha em Belém um estabelecimento especializado, foi o instrumento colocado solenemente no salão de honra da associação, coberto com a bandeira brasileira e ostentando sobre o tampo um cartão de prata com a seguinte inscrição: Este piano pertenceu ao insigne maestro brasileiro Antônio Carlos Gomes, genial autor de O Guarani e de outras óperas, falecido nesta capital em 16 de setembro de 1896. Sua guarda foi
  • 47. confiada à Associação de Imprensa do Pará pelo excelentíssimo senhor doutor Lauro Sodré, governador do estado. É desnecessário dizer que o piano de Carlos Gomes constituiu objeto de respeitosa veneração da parte dos diretores, associados e visitantes da associação. Velado pelo símbolo augusto da pátria, não era franqueado a execução musical, fechado a chave de prata que cerrava o teclado, guardada no cofre da associação, sob responsabilidade do tesoureiro, senhor J. J. Monteiro de Paiva, mais tarde oficial de gabinete do ministro Lira Castro, quando titular da pasta de agricultura. Somente uma vez se abriu uma exceção, em favor do maestro baiano Manuel Augusto, hoje diretor do conservatório musical de Recife, que em visita à associação, lhe sendo mostrado o piano, pediu que lhe fosse concedida honra de dedilhar aquelas teclas que haviam sido sagradas pelos dedos de Carlos Gomes. Satisfeito o pedido, Manuel Augusto, de pé, em respeitoso silêncio, executou os acordes vibrantes da protofonia de O Guarani, os encerrando com os primeiros compassos do Hino Nacional Brasileiro. Eis, afinal, a parte principal do fato narrado por João Alfredo de Mendonça. Certo dia, ao entardecer, se achava o secretário da Folha do Norte atarefado com o amanho do jornal pro dia seguinte quando foi procurado na redação pelo velho Cunha, o porteiro da associação, que comunicava ao presidente uma surpreendente novidade. — Doutor. Nesta madrugada alguém entrou na associação e tocou no piano de Carlos Gomes! — Que história é essa, seu Cunha? — Indagou João Alfredo — Com certeza estás sonhando. — Não, senhor, doutor Mendonça. Hoje, quando fui abrir a sede para fazer a limpeza, um chofer que faz ponto na praça da República, diante do Grande Hotel, me garantiu que por volta de três horas da manhã, estacionado à porta do City Club esperando os últimos fregueses, ouviu sons de piano que partiam do prédio da associação. — É impossível! — Interrompeu João Alfredo espantado. — E tem mais. Chamou a atenção de seus colegas e também ouviram a música que partia dali. O porteiro Cunha era homem de absoluta probidade, digno da confiança e da estima de todos os diretores por sua conduta exemplar e zelo inexcedível com que desempenhava sua modesta mas trabalhosa função. Não era de crer que se houvesse descuidado no dever deixando o prédio mal fechado ou consentindo que alguém pernoitasse ali sem conhecimento da diretoria. A associação ficava aberta das 14h até pouco depois da meia-noite, no máximo até uma hora da manhã. Sua sede estava instalada em prédio dum só pavimento, com um porão habitável, situado à praça da República, no centro do quarteirão, limitado pelas ruas Caetano Rufino e Macapá, ficando ao lado esquerdo o palacete da família do extinto desembargador Napoleão de Oliveira e o cinema Olímpia. No lado direito, contíguo, o amplo edifício da rotisseria Suíça e do teatro Éden. No alto o moderno edifício da rotisseria estava instalado o City Club, ponto de reunião da boemia elegante de Belém.
  • 48. Seus freqüentadores permaneciam ali até altas horas, ficando à porta do clube vários carros de praça esperando noctívagos. Alguns desses autos ocupavam o trecho fronteiro à associação e, daí, a informação prestada pelo chofer ao velho Cunha. O fato, como era natural, foi comentado entre diretores e sócios do grêmio jornalístico e todos verificaram se achar o piano sem alteração, fechado como costume. A chave no cofre do tesoureiro, a bandeira nacional na mesma disposição e o prédio sem vestígio de arrombamento ou presença de estranho. Com certeza tudo não passava de ilusão auditiva do primeiro chofer ou dalgum gracejo contra o bondoso Cunha. Mas a verdade é que o presidente quis ver e ouvir pessoalmente o que de real haveria no estranho fato. Nada viu... mas ouviu algo... Na madrugada seguinte, cerca de três e meia, postados em silêncio no trecho do jardim fronteiro à sede da associação completamente fechada e com a luz apagada, João Alfredo e alguns companheiros de diretoria: Herácito Ferreira, J. J. Monteiro de Paiva, Júlio Lobato, entre outros, perceberam um vago ruído que parecia vir do prédio da sede social. Se aproximaram e permaneceram sob as janelas da sala, que davam à rua. O ruído não vinha do porão, vinha do alto, da sala onde estava o piano de Carlos Gomes. A princípio som distante como abafado por uma surdina. Depois mais audível, mais nítido, em tonalidade suave, melancólica, numa seqüência de acorde soturno, lento, demorado, como um murmúrio distante mas perfeitamente melódico. Depois o silêncio. Não havia nem podia haver dúvida: O som partia do piano que estava no salão. Os ouvintes daquele estranho noturno, comovidos e perplexos diante do fato inacreditável, abriram o prédio, acenderam a luz e penetraram na sede do grêmio. O piano de Carlos Gomes estava fechado. A chave de prata continuava no cofre. A bandeira brasileira, sem ruga, completamente estendida sobre o instrumento, continuava a velar a relíquia preciosa que foi deixada pelo maior gênio musical das Américas. João Alfred de Mendonça, em complemento à narrativa acima, posteriormente à irradiação, nos enviou as seguintes notas elucidantes: A sociedade que guarda hoje o piano de Carlos Gomes é o Centro de Ciência, Letra e Arte de Campinas. A senhora Ítala Gomes Vaz de Carvalho, em seu livro Vida de Carlos Gomes, diz na página 255: Centro de Ciência, Letra e Arte de Campinas reuniu e conserva numerosas cartas, documentos e autógrafos musicais de Carlos Gomes, assim como o piano que o acompanhava sempre ao longo
  • 49. de sua vida artística, no qual compusera todas suas óperas, a partir da Fosca, graças ainda à generosa condescendência do doutor Lauro Sodré, que prontamente acedeu ao pedido do centro quando este exteriorizara o desejo de possuir como relíquia o piano de Carlos Gomes que figurava no museu do Pará desde a morte do maestro. Era o grande piano de concerto, prêmio do Conservatório de Milão, em que minha mãe, Adelina Peri, dava recital quando ainda solteira. Ao se casar o levou à nova residência e Carlos Gomes o adotou, o preferindo sempre a todos os outros instrumentos similares que teve em seguida. Há dois pontos a retificar nas assertivas da autora da biografia de seu glorioso pai: 1º) Não foi o doutor Lauro Sodré quem satisfez o pedido do Centro Artístico Campineiro quando da transferência do piano de Belém a Campinas. Sua Excelência, como se verifica na narrativa acima, confiou o piano à guarda carinhosa da Associação de Imprensa do Pará, que o mandou restaurar e o conservou como preciosa relíquia até quando o senhor doutor Dionísio Bentes, governador do Pará de 1925 a 1929, retirou o piano do poder da associação e o remeteu a Campinas. 2º) O piano de Carlos Gomes nunca esteve no Museu do Pará, como disse dona Ítala. O Pará tem o grande Museu Paraense Emílio Goeldi, de etnografia e história natural, que, por sua finalidade não se prestaria a guardar preciosidade histórica. Nota final: Pelo que se depreende do interessante artigo Visita à cidade natal de Carlos Gomes, publicado na Revista Brasileira de Música pelo senhor Alberto Pizarro Jacobina em 1936, não figura mais no piano o cartão de prata que a Associação de Imprensa do Pará mandara colocar na tampa do instrumento. João Alfredo de Mendonça Rua Santa Clara 27 Distrito Federal
  • 50. Os fósforos salvadores Sacrovir de Lauro, funcionário da prefeitura de Madalena, Rio de Janeiro, e que ali reside com sua família, certo dia contou a mim e a outros amigos um fato ocorrido consigo há algum tempo e de cuja veracidade não há que duvidar. Tinha ele um cunhado que era débil mental. Seu apelido era Leléo e se tornara muito querido por todos em razão de ser muito dócil e inofensivo. Em certa noite muito chuvosa, pelas 9 horas, bateram à porta e o próprio Lauro foi abrir. Era um colono da fazenda da Vargem Grande, que dista uns 4 quilômetros da cidade. O homem trazia um recado do proprietário da fazenda, seu amigo Ascendino. — Seu Ascendino mandou dizer que o Leléo chegou lá todo molhado mas quando o convidaram a pernoitar na fazenda se recusou. Quis vir embora a toda força mas não quer companhia, preferindo vir sozinho. Sacrovir de Lauro se dispôs imediatamente a ir até Vargem Grande, embora isso representasse um transtorno. Mas temia que o cunhado regressando sozinho se perdesse em noite tão chuvosa e escura. Acompanhado pelo colono seguiu a Vargem grande, decorrendo a viagem de ida sem incidente. Para voltar, como não havia levado lanterna, lhe arranjaram um archote feito de trapo velho embebido em querosene e introduzido num gomo de bambu. Foi ainda Ascendino quem cedeu a caixa de fósforo ao amigo, tendo a mesma uns 10 palitos. Dessa forma Sacrovir de Lauro partiu trazendo em sua companhia o Leléo. Mal haviam caminhado uns 500 metros, foram fustigados por um ventinho frio que espalhava a chuva e impedia que o archote permanecesse aceso por muito tempo. Daí a pouco não restava mais fósforo e a caminhada se tornou um suplício, pois era feita em plena escuridão, sem que pudessem saber onde pisavam. Sacrovir não tardou a perceber que havia perdido o caminho. Abandonara a estrada que marginava um ribeirão que com a chuva devia estar quase transbordando, o que representava um certo perigo. Sem saber a que lado enveredar, Sacrovir de Lauro parou e segurou o cunhado pelo braço enquanto manifestava sua aflição em voz alta, como se fosse possível ao pobre demente alcançar o motivo de seu nervosismo. — Minha Nossa Senhora! A gente perdida aqui, sem saber onde está. O fósforo acabou. Se alguém aparecesse... Alguém que cedesse uns palitos para eu acender o archote...
  • 51. Mal acabara de pronunciar tais palavras, ouviu pertinho de si, na escuridão, uma voz que dizia, enquanto fazia chocalhar uma caixa de fósforo: — Aqui está o fósforo. Instintivamente estendeu a mão e apanhou a caixa. Raciocinando, porém, perguntou: — Quem está me dando este fósforo? Renovou a pergunta por mais duas vezes mas ninguém lhe respondeu. Só se ouvia o ruído da chuva que não cessara de cair. Sofregamente riscou um palito da caixa que misteriosamente lhe chegara às mãos e acendeu o archote! Mas, quando levantou o archote, clareando ao redor, viu a sua frente algo que o deixou estarrecido. Mais um passo e ambos teriam caído no riacho que ali corria silenciosamente apesar da velocidade da água naquela noite. Foram baldados o esforço e investigação para descobrir o providencial indivíduo que, naquele ponto afastado da estrada, forneceu a Sacrovir de Lauro a caixa de fósforo que salvou, e a Leléo, de morte certa! J. Almeida Santos Madalena, Rio de Janeiro
  • 52. A escuridão apavora os mortos Devo o conhecimento deste caso a uma prima recém-chegada da Itália, que reside à rua Doutor Pedro Mascarenhas 67, Catumbi, e que poderá confirmar a qualquer tempo. Minha prima, que se chama Cesira de Maria, morava numa localidade da Calábria, denominada Scigliano (província de Cosenza). Transcorria o mês de agosto de 1941 e as coisas lá não estavam boas devido a guerra há pouco deflagrada. A carestia da vida e a falta de habitação já se faziam sentir intensamente. Minha prima e sua filhinha Fernanda, de 12 anos de idade, precisavam mudar de residência porque falecera o esposo e pai as deixando em completo desamparo. A viúva devia procurar acomodação menos dispendiosa enquanto trabalhava sem descanso em sua profissão de parteira. Depois de longa e extenuante procura foi informada de que a 15 quilômetros da pequena localidade, denominada Paese, havia uma casa desocupada para alugar. Daqui a diante prefiro reproduzir as palavras de Cesira o mais fielmente possível. Ao saber dessa oportunidade imediatamente rumei ao lugar a fim de ver a casa e lá chegando não pude dominar a má impressão pelo fato de ser o prédio de altos e baixos de construção antiga e situado em local bastante isolado. Seu aspecto exterior era, positivamente, melancólico, pois era circundado por um muro alto em forma de ferradura que se elevava até o segundo pavimento. O interior era de meter medo, tendo corredores compridos e numerosos quartos, sendo servido por escadas muito estreitas em forma de caracol. A mobília estava muito velha, apodrecida e gasta, não só pelo abandono como pela ação do tempo. Ora, a casa era grande demais para mim e, naturalmente, seu aluguel seria muito alto. Entretanto, a título de curiosidade fui procurar o proprietário, a fim de conhecer as condições. Com espanto ouvi me pedir apenas 300 liras mensais! Em vista disso aceitei de pronto o negócio muito embora só necessitasse ocupar um cômodo daquele casarão. Duas semanas mais tarde estávamos perfeitamente acomodadas num dos quartos situados no primeiro pavimento, o qual era perfeitamente independente porque tinha uma saída ao quintal.