O documento discute 3 tópicos principais: 1) A descoberta do mexilhão-dourado invasor no Rio São Francisco, que agora ameaça a região Nordeste do Brasil. 2) A rivalidade entre grupos de pesquisa que está prejudicando o projeto de grandes telescópios. 3) Novas descobertas sobre o asteroide que provocou a extinção dos dinossauros, indicando que o momento do impacto foi especialmente ruim.
1. Janeiro 2016 www.sciam.com.br
9771676979006
00164
ISSN1676-9791
ANO 14 | no 164 | R$ 13,90 | 4,90 €
ideias10
mundoGrandes avanços para melhorar a
qualidade de vida, impulsionar a
computação, reduzir a poluição e
promover a sustentabilidade
ASTRONOMIA
Rivalidade entre grupos de
pesquisa prejudica projeto
de grandes telescópios
DINOSSAUROS
Impacto de asteroide foi de fato
devastador, mas o momento foi
um dos piores possíveis
AMBIENTE
Após se alastrar pelo Sul e
Sudeste, o mexilhão-dourado
chegou ao Rio São Francisco
2.
3. BRASIL
JANEIRO 2016
NÚMERO 164, ANO 14
INOVAÇÃO
24 Ideias para mudar o mundo
10 grandes avanços para melhorar a
vida, transformar a computação e
talvez até salvar o planeta.
Os editores
MEIO AMBIENTE
36 O invasor dourado
Originário da Ásia e detectado na
América do Sul em 1991, o molusco
mexilhão-dourado foi encontrado no
Rio São Francisco.
Arthur C. Almeida, Newton P. U.
Barbosa, Fabiano A. Silva, Jacqueli-
ne A. Ferreira, Vinícius de Abreu e
Carvalho, Marcela D. Carvalho e
Antônio V. Cardoso
PALEONTOLOGIA
42 O que matou os dinossauros
O impacto do asteroide foi ruim, mas
seu momento foi pior.
Stephen Brusatte
NA CAPA
A edição atual de “Ideias para mudar o mundo”
mostra o levantamento da
de avanços da ciência e da tecnologia com
entre os principais a serem enfrentados pela
sociedade em áreas como energia, segurança
ambiental, informática, exploração espacial e
outras. Ilustração de Tavis Coburn.
J nei o 2016 www s iam om br
9900
0
SN
ANO 14 | n 64 | R$ 13 90 | 4 90 €
para mudar o
10
mundoGrandes avanços para melhorar a
qualidade de vida, impulsionar a
computação, reduzir a poluição e
promover a sustentabilidade
ASTRONOMIA
R validade entre grupos de
pesquisa prejud ca projeto
de grandes telescóp os
DINOSSAUROS
mpacto de asteroide foi de fato
devastador, mas o momento foi
um dos piores possíveis
AMBIENTE
Após se alastrar pe o Sul e
Sudeste, o mexilhão-dourado
chegou ao R o São Francisco
ASTRONOMIA
49 Guerra de telescópios
Antigos rancores entre três equipes
de astrônomos têm ameaçado a
sobrevivência do maior e mais ousa-
do projeto de astronomia em solo.
Katie Worth
MEDICINA
55 Genômica para as pessoas
Clínica infantil fundada e financia-
da por amish e menonitas mostra
que a pesquisa genética de alta tec-
nologia pode ser direcionada para
prevenir doenças.
Kevin A. Strauss
4. BRASIL
5 Carta do editor
6 Cartas
CIÊNCIA EM PAUTA
7 O preço da poluição
Está na hora de taxar combustíveis fósseis.
Pelo Conselho de Editores da Scientific American
8 Memória
9 Avanços
Dinheiro fala e tuíta.
O curioso cortejo rotativo de uma espécie de morcegos.
Neutrinos do início dos tempos.
Químico desenvolve técnica para identificar odores.
CIÊNCIA DA SAÚDE
16 A dor no cérebro
Nova teoria sobre a enxaqueca dá origem a medicamentos
que evitam crises.
David Noonan
TECNOLOGIA
18 A guerra digital
O que fazem as grandes companhias desse setor para atrair
você para seus ecossistemas.
David Pogue
OBSERVATÓRIO
19 Pingue-pongue e raios cósmicos
Ao rebater e impulsionar partículas, campos magnéticos
funcionam como raquetes.
Otaviano Helene
DESAFIOS DO COSMOS & CÈU DO MÊS
20 Civilizações superdiscretas
Se houver vida inteligente fora da Terra, talvez seus sinais
sejam muito recatados.
21 Cometa vem com chuva de meteoros
Catalina atinge brilho máximo e se exibe na constelação
do Boieiro, antes de se esconder em definitivo no
Hemisfério Norte.
Salvador Nogueira
CIÊNCIA EM GRÁFICO
66 O jogo da bactéria
Análise do pó revela como a presença de homens, mulheres,
cães e gatos afeta a variedade de microrganismos domésticos.
Mark Fischetti
7
9
20
SEÇÕES
EDIÇÃO ESPECIAL CÃES E GATOS 2
www sc am com br
O problemada obesidade
O mundo vistopor cachorros
A evoluçãoa partir do lobo
Gatos
Cães
IS N 1 79522
9
Nº
67 R$ 13,90 € 4,50
A
ciência
de
&
A vida interiordos felinos
Como evitara gestação
Animaissentem empatia?
ESPECIAL
Já está nas bancas o volume 2 de “A
Ciência de Cães e Gatos” (à direita),
edição especial da Scientific Ame-
rican Brasil. Além de temas
científicos sobre os dois animais do-
mésticos mais presentes na vida
humana, os artigos abordam também
nossa relação com eles. Como é o
mundo visto pelos cães? A partir de
que peso um cão pode ser conside-
rado obeso? Os gatos veem seus
donos como familiares? Os volumes 1
e 2 também estão à venda no site
http://www.lojasegmento.com.br
5. CARTA DO EDITOR
www.sciam.com.br 5
é editor da .
Os sotaques brasileiros do molusco asiático
Há alguns anos, pescadores em rios de algumas das bacias da
regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste do Brasil às vezes têm uma sur-
presa desagradável. Ao limpar, antes de assar, piaparas, mandis,
piaus cascudos, pacus e outras espécies que fisgaram, eles encon-
tram estranhas conchas nas vísceras desses peixes. Na verdade,
por não poderem excretar esses moluscos que foram ingeridos
ainda na forma de minúsculas larvas, muitos peixes acabam mor-
rendo devido ao entupimento de seu trato intestinal.
Essa surpresa indesejada tem acontecido também em instala-
ções de captação de água para abastecimento e geração de energia
hidrelétrica, prejudicando inclusive usinas de grande porte, como
a de Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai no Rio Paraná, a de
Ilha Solteira, no mesmo rio, na divisa entre São Paulo e Mato Gros-
so do Sul, e a hidrelétrica de Água Vermelha, no Rio Grande, na di-
visa de São Paulo e Minas Gerais. Como não é possível desentupir
tubulações atingidas por essa praga, o jeito é substituí-las.
Esse invasor é o mexilhão-dourado, originário da Ásia e conhe-
cido pelo nome científico Limnoperna fortunei. A mortandade de
peixes e o estrago em tubulações são apenas parte de danos de ex-
tensão muito maior devidos à infestação desse molusco, explicam
pesquisadores do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras
(CBEI) e da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), em
seu artigo nesta edição de ScientificAmericanBrasil.
Limitada no Brasil até então às regiões Sul, Sudeste e Centro-
oeste, a presença dessa espécie invasora foi detectada em junho do
ano passado por técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ao procederem a
uma vistoria no reservatório da usina hidrelétrica de Sobradinho,
na Bahia. Ou seja, a infestação chegou ao sertão nordestino e em
pleno Rio São Francisco, que passa por cinco estados – Minas Ge-
rais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas – e 521 municípios bra-
sileiros, por isso conhecido como “Rio da Integração Nacional”. E
próximo a um dos canais da enorme obra de transposição, em um
momento especialmente grave, marcado pela prolongada estia-
gem que tem prejudicado a economia e a população dessa região.
Até o início de dezembro, o Ibama não havia divulgado esse
fato para o público em geral. Em nota para meu blog no site do
jornal Folha de S.Paulo, o órgão afirmou a necessidade de que “o
MMA [Ministério do Meio Ambiente] conduza os debates, sendo
o Ibama não mais que o executor das políticas daquele ministé-
rio. No momento, nem sequer existem recursos no Ibama desti-
nados ao controle de espécies exóticas invasoras”.
Felizmente, em outubro, a equipe de pesquisadores do CBEI e
da CEMIG foi a Sobradinho e confirmou a presença do molusco
invasor. E divulgou um boletim de alerta nos dias seguintes.
Em dezembro, em Paris, na COP-21, a ministra do Meio Am-
biente, Izabella Teixeira, falou que, graças à atuação do Brasil, o
acordo sobre a mudança do clima, então em finalização, iria ter
“sutaque brasileiro” [sic]. Infelizmente, após todos esses anos de-
baixo do nariz do MMA, a infestação do mexilhão-dourado já
tem vários sotaques brasileiros, entre eles o gaúcho, o caipira do
Sul de Minas e São Paulo e, agora, o baiano. Por enquanto.
Boa leitura!
ALGUNS COLABORADORES
Arthur C.Almeida,
,
,
e
são pesquisadores
do Centro de Bioengenharia
de Espécies Invasoras
(CBEI) em Belo Horizonte,
MG.
é
analista de meio ambiente
da Companhia Energética
de Minas Gerais (CEMIG)
em Belo Horizonte, MG.
escreve
sobre ciência e medicina.
Ele abordou tratamentos
para vertigem na edição
de setembro.
écolunista-
âncoradoYahooTeche
apresentadordasminisséries
NOVAnaPBS.
KatieWorth é uma repórter
do Frontline,uma produção
televisiva daWGBH,em
Boston.Ela passa tempo
pensando em política,
ciência e suas intersecções.
é doutor
pela Faculdade de Medicina
da Universidade Harvard e
diretor médico da Clínica
para Crianças Especiais em
Strasburg,Pensilvânia
mestre
e doutor em física pela
Universidade de São Paulo,
onde é professor, tem
trabalhado em áreas que
incluem tratamento estatís-
tico de dados experimentais.
Tem se dedicado também
a trabalhos de
é
jornalista de ciência
especializado em
astronomia e astronáutica.
é
paleontólogo da Universida-
de de Edimburgo,na Escócia.
Ele pesquisa evolução e
anatomia de dinossauros.
No artigo anterior que
escreveu para a
American ele analisou a
ascensão dos tiranossauros.
NEWTONP.U.BARBOSA
6. 6 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
O EFEITO PIRÂMIDE
Achei muito esclarecedora a matéria sobre como foi
possível há milhares de anos os egípcios construírem
esses gigantescos monumentos que são as pirâmides.
Enfim, não existe mistério nenhum. O “segredo”, como
bem explicou a revista, existia apenas por desconheci-
mento, que muitas vezes deu espaço para charlatões aproveitarem para
fomentar o ocultismo oportunista e vender livros mistificadores. É
muito bom poder contar com a divulgação de informações esclarecedo-
ras e desmistificadoras como essas, deste mês de dezembro (edição nº
163), da ScientificAmericanBrasil. Obrigado!
CHIPS EVITAM TESTES COM ANIMAIS
Parabéns aos pesquisadores alemães que estão desenvolvendo essa
maravilhosa tecnologia que permite à ciência, sem maltratar seres vivos,
continuar o desenvolvimento de novos medicamentos e até mesmo de
novos cosméticos – pois a vaidade faz muita gente esquecer ou descon-
siderar a crueldade cometida contra os animais em experimentos. Para-
béns aos brasileiros que estão trazendo essa tecnologia para nosso país.
E parabéns para a Scientific American Brasil [edição de novembro
(nº 162)] por divulgar essa informação.
Sensacional a revista de novembro [edição nº 162] sobre os
chips feitos por cientistas para livrar animais da crueldade em
experimentos científicos.
A edição de vocês de novembro foi show também. Eu a li toda e em
pouco tempo.
100 ANOS DA RELATIVIDADE GERAL
Adorei a edição da ScientificAmericanBrasil de outubro [nº 161],
que comemorou os 100 anos da teoria da relatividade geral de Albert
Einstein. Fiquei espantada por saber das informações sobre as dificul-
dades enfrentadas por ele na elaboração dessa teoria e também dos pre-
conceitos dele sobre outros conhecimentos da ciência.
CORREÇÕES
A ScientificAmerican dos Estados Unidos publicou as seguintes cor-
reções que correspondem à nossa edição de outubro (nº 161).
1)Noartigo“OndeEinsteinerrou”,napág.46,estáerradaaafirmação
“Einstein tinha feito os mesmos cálculos da curvatura da luz em 1912”,
pois o fato se deu em 1911.
2)Esseerrodedataserepetiunapág.48,noinfográficocomplementar
ao mesmo artigo, “Os grandes erros de Einstein”, em seu item “Lentes
gravitacionais”.
POR RESTRIÇÃO DE ESPAÇO,AREDAÇÃOTOMAALIBERDADE DEABREVIAR CARTAS MAIS EXTENSAS.
EDIÇÃO 163
Dez mbro 2015 www c am com br
SN
ANO 4 | n 163 | R$ 13 90 | 4 9
das
pirâmides
O
Por trás dessas grandes obras
m lenares existia uma complexa
organização social capaz de unir todos
os recursos e esforços do ntigo Egito
MEDICINA
Nanossessores estão cada vez
mais próximos de diagnos icar
infecções em m nutos
COSMOLOGIA
Os primeiros passos do proje o
para expl car a expansão cada
vez mais rápida do Universo
AGRICULTURA
e cientistas agrava praga que
atinge olivais italianos
segredo
Edimilson Cardial
Carolina Martinez,
Marcio Cardial, Rita Martinez e
Rubem Barros
ANO 14 – Nº 164
JANEIRO DE 2016
ISSN 1676979-1
Rubem Barros
Maurício Tuffani
João Marcelo Simões
Jullyanna Salles (web)
Luiz Roberto Malta
e Maria Stella Valli (revisão); Aracy
Mendes da Costa, Laura Knapp,
Marcio G. B. Avellar, Regina Cardeal,
Suzana Schindler (tradução)
Paulo Cesar Salgado
Cinthya Müller
Sidney Luiz dos Santos
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almir@editorasegmento.com.br
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Brasil
CARTAS
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7. CIÊNCIA EM PAUTA
OPINIÃO E ANÁLISE DO
CONSELHO EDITORIAL DA SCIENTIFIC AMERICAN
www.sciam.com.br 7Ilustração de Thomas Fuchs
Opreçodapoluição
Está na hora de taxar combustíveis fósseis
Dos editores
Na Colúmbia Britânica, a poluição do ar diminui, enquanto a
economia cresce. Em 2008, a província canadense começou a
taxar usuários de combustíveis fósseis, de grandes fábricas a pro-
prietários de automóveis. Desde então, a economia vem crescen-
do, em média, cerca 2% ao ano, apesar da grande recessão nacio-
nal que atravessou em 2009, superando o resto do Canadá. No
mesmo período, o consumo de gasolina, carvão e outros combustí-
veis à base de carbono diminuiu 16%, com redução paralela dos
gases estufa. O imposto sobre o carbono é de 30 dólares canaden-
ses por tonelada cúbica. Como compensação, indústrias e cida-
dãos têm redução no imposto de renda e outros benefícios.
A Colúmbia Britânica copiou a ideia de sua vizinha produtora
de petróleo, a província de Alberta. Agora é a hora certa para os
Estados Unidos copiarem esse exemplo. Carvão, gás e petróleo
estão tão baratos atualmente que mesmo com um imposto adicio-
nal, o custo dos combustíveis permanecerá mais baixo que o valor
que a população e as empresas pagavam há apenas alguns anos.
Isso é economia básica de mercado: se for cobrado um valor
sobre o uso do ar, as pessoas não o tratarão mais como um depósito
de lixo. A ideia é antiga. Em 1920 o economista Arthur Pigou suge-
riu que obrigar poluidores a pagar pelo ar que poluíam desencora-
jaria uma descarga abusiva de poluentes, no mesmo modelo dos
impostos sobre artigos supérfluos como bebidas alcoólicas e cigar-
ros. Anos depois, o já falecido economista Ronald Coase, Nobel de
Economia em 1991, aprimorou a ideia. Ele propôs que o governo
vendesse às companhias e pessoas o direito legal de poluir, for-
mando uma espécie de mercado da poluição. Todos podiam con-
correr para comprar essas permissões, o que elevaria o preço do ar
sujo. A ideia de Coase convenceu até o ícone conservador Milton
Friedman de que comercializar, comprar ou vender direitos de
poluir eram o meio racional de resolver problemas ambientais.
Mais recentemente, os EUA usaram esse mecanismo de merca-
do para combater um problema específico de poluição: a chuva
ácida. Nos anos 1990 a administração George Bush impôs um
limite máximo na quantidade de dióxido de enxofre que poderia
ser emitida pelas chaminés das usinas de energia elétrica. Cotas
dessas quantidades foram divididas entre os poluidores. Para se
manter dentro da cota, os proprietários de usinas de energia deve-
riam instalar equipamentos para filtrar os poluentes ou usar com-
bustíveis menos poluentes. Ou poderiam desembolsar uma boa
quantia para aumentar sua cota, comprando permissões de outros
poluidores que já tivessem reduzido suas emissões.
Para combater o dióxido de carbono nove estados do nordeste
dos EUA aderiram a um programa similar para usinas de energia,
e a Califórnia até incluiu veículos, como fez a União Europeia. Mas
as tentativas em nível nacional foram rejeitadas pela oposição
como um imposto a mais, o que poderia custar empregos.
Uma abordagem mais direta – cobrar imposto sobre o carbono
– poderia ter benefícios imediatos para os negócios e não signifi-
caria uma conta final mais alta. Como foi feito na Colúmbia
Britânica, o imposto sobre o carbono poderia substituir outros
impostos. Uma taxação de US$ 25 por tonelada de carbono emiti-
da por queima de carvão, gás e petróleo, por exemplo, resultaria
em mais de US$ 100 bilhões que poderiam ser compensados
reduzindo impostos na folha de pagamento, estimulando créditos
que seriam deduzidos do imposto de renda, financiando pesquisas
em inovação ou revertendo em melhoria de infraestrutura, ou
qualquer combinação dessas medidas. Foi por isso que a proposta
recebeu apoio de economistas dos partidos Democrata e Republi-
cano. O imposto também não penalizaria os consumidores. Na
Colúmbia Britânica a cota de impostos na bomba de gasolina é de
apenas cerca de sete centavos de dólar canadense a mais por litro.
Se a palavra “imposto” continua assustando os políticos, não há
outro jeito, se não o mais direto, para criar um verdadeiro merca-
do de carbono: parar de gastar dólares arrecadados em impostos
para subsidiar combustíveis fósseis. Segundo o Fundo Monetário
Internacional, mais de meio trilhão de dólares são gastos, no mun-
do todo, para tornar o preço do carvão, gás e petróleo mais barato
para a indústria explorar ou para os consumidores queimarem.
Esses subsídios dão uma falsa impressão de que os combustíveis
fósseis são baratos. Qualquer abordagem que pare de mascarar o
preço verdadeiro, seja um imposto, um limite de comercialização
ou uma revisão dos subsídios, ajudaria a limpar o ar.
8. 50, 100 & 150 ANOS DE MEMÓRIA
INOVAÇÕES E DESCOBERTAS
NARRADAS PELA SCIENTIFIC AMERICAN
8 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
SCIENTIFICAMERICAN,VOL.CXIV,NO1;JANEIRODE1916.
Janeiro 1966
Teste com laser
“O anúncio, em 1960, de
que um modelo funcio-
nal de laser havia sido
obtido foi celebrado
com entusiasmo por militantes de diversas
áreas. Como a luz produzida por essa ra-
diação é coerente e monocromática, o laser
foi considerado, na época, como a resposta
para as preces dos engenheiros de comuni-
cação. Embora um sistema funcional e
prático de comunicação de longa distância
por laser ainda deva ser construído, o en-
tusiasmo inicial não diminuiu.”
Japoneses antes de Colombo?
“À medida que civilizações do Novo Mun-
do se tornaram mais bem conhecidas ar-
queologicamente, paralelos surpreenden-
tes foram observados na arquitetura, práti-
cas religiosas e em estilos de arte da Ásia.
Foi sugerido que esses paralelos são evi-
dências de ‘descobertas’ da América, não
registradas, anteriores à chegada de Co-
lombo. (...) Investigações arqueológicas re-
centes na costa do Equador, no entanto, le-
vam a uma única conclusão: um barco car-
regado de viajantes do Japão perambulou
intencionalmente pelas costas do Novo
Mundo, cerca de 4.500 anos antes de Cor-
tez chegar ao México. — Betty J. Meggers.”
Janeiro 1916
Rodovia nacional
“Passei minhas férias
deste ano numa viagem
de carro para a Costa do
Pacífico pela Lincoln
Highway (construída em 1913). Há dois
anos, quando realizei essa mesma viagem,
foi um fato inusitado — talvez um dos 50
turistas que fizeram a mesma viagem. Não
creio que seja exagero afirmar que nos úl-
timos meses eu fui um dos cinco mil que
tentaram chegar à Costa do Pacífico de car-
ro, e realmente cheguei lá depois de uma
série de experiências que fariam o autor de
um popular suspense moderno corar de
vergonha por falta de imaginação. É a me-
lhor estrada de rodagem, a única, que liga
o Atlântico ao Pacífico.”
Alguns trechos da Lincoln Highway permaneceram
sem asfalto até os anos 1930.
Carros mais rápidos
“O desenvolvimento mecânico mais inte-
ressante do ano foi o aumento da populari-
dade dos carros com vários cilindros, re-
presentados pelo motor de quatro cilin-
dros duplos e de seis cilindros duplos, o
primeiro formando um motor de oito cilin-
dros e o último de 12 cilindros. As vanta-
gens desses carros com vários cilindros são
tão notáveis em todos os sentidos que não
precisam de mais elaboração.
(Ver ilustração.)”
Janeiro 1866
Cometa de 1861
“M. (Emmanuel) Liais,
famoso astrônomo, pu-
blicou cálculos provan-
do inquestionavelmen-
te que em 19 de junho
de 1861 a Terra realmente havia passado
por uma das caudas do cometa. O momen-
to do contato foi aos 12 minutos depois da
seis da manhã, horário do Rio de Janeiro, e
segundo as dimensões calculadas por M.
Liais, a Terra deve ter permanecido total-
mente imersa em sua cauda por cerca de
quatro horas! Essa imersão não representa
efeitos perceptíveis no clima, um fato notá-
vel, acrescentando mais uma razão às vá-
rias que já existem, para a suposição de
que a matéria cometária é um milhão de
vezes mais rarefeita que nossa atmosfera.”
Em 1880 Heinrich Kreutz calculou que o período
orbital do cometa era de 409 anos.
Manias
“Estranhas paixões se apoderam da
humanidade em certos momentos.
Moedas têm seu valor, quadros são
ansiosamente adquiridos, tulipas ho-
landesas atingem preços exorbitantes
e, ultimamente, selos postais têm sido
o alvo das atenções. Todas essas ex-
centricidades humanas são explora-
das por pessoas espertas com mentali-
dade especulativa que desejam obter
lucros, honestamente ou não. Alguns
ilustradores de selos franceses pensa-
ram que valeria a pena o esforço de
desenhar novos selos postais, como ja-
mais tinham sido vistos antes. Os se-
los foram desenhados para serem dis-
tribuídos pelo correio das ‘Ilhas Sand-
wich’, e por isso foram avidamente
adquiridos por compradores crédulos
que imaginavam que naquela região
nada seria absurdo. Os selos havaia-
nos, não genuínos, são laranja, violeta,
verde e outras cores do arco-íris.”
Por volta de 1916, os carros motorizados tornaram-
corridas esportivas em pistas de alta velocidade
9. www.sciam.com.br 9
SAÚDE
Antídotos
mais eficazes
Pesquisas trazem novas perspectivas
para tratar picadas de cobras
A medicina moderna é capaz de cultivar rins a
partir do zero, impedir a propagação de doenças
infecciosas como Ebola e diagnosticar a causa de
uma tosse com um smartphone. Mas picadas de
cobras ainda frustrama ciência. Todos os anos, o
veneno de serpentes mata quase 200 mil pessoas
e deixa outras centenas de milhares desfiguradas
ou incapacitadas, tornando esses répteis escama-
dos rastejantes o segundo animal mais mortífero
do mundo. Só mosquitos talvez matem mais pes-
soas todos os anos (ao disseminarem os protozoá-
rios que causam malária).
Cobras venenosas recentemente deslizaram
novamente para as manchetes noticiosas quando
foi revelado que líderes do mundo farmacêutico
haviam decidido suspender o desenvolvimento
de antídotos. A empresa farmacêutica francesa
Sanofi Pasteur, por exemplo, foi destaque em
setembro de 2015, quando a ONG internacional
Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou que o
lote final do soro antiofídico FAV-Afrique, o único
que provou tratar efetivamente vítimas de pica-
A naja indiana, Naja naja, abre seu “capuz”,
ou “manto”, quando ameaçada. Ela é uma
das serpentes mais mortíferas no subcon-
tinente indiano.
• Dinheiro fala e tuíta
• O curioso cortejo rotativo de uma espécie de
morcegos
• Neutrinos do início dos tempos
odores
NÃO DEIXE DE LER
AVANÇOS CONQUISTAS EM CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E MEDICINA
10. 10 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
AVANÇOS
das peçonhentas na África Subsaariana,
expirou em junho. A Sanofi, único fabri-
cante, suspendeu sua produção em 2014
porque a droga não compensava financei-
ramente. Outras empresas já tinham
tomado medidas similares, inclusive a
Behringwerke, alemã, e a Wyeth Pharma-
ceuticals dos EUA (agora parte da Pfizer).
A situação terapêutica agravou-se tan-
to que a MSF agora descreve picadas de
cobras como “uma das emergências de
saúde pública mais negligenciadas do
mundo”. E, em outubro, dezenas de espe-
cialistas que participavam do 18º Congres-
so Mundial da Sociedade Internacional de
Toxicologia, em Oxford, na Inglaterra,
pediram que a Organização Mundial da
Saúde (OMS) listasse picadas de cobras
novamente como doença tropical carente
de atenção. A maioria desses incidentes
ocorre na África e no Sudeste Asiático.
O desenvolvimento de antídotos enca-
lhou no século 19 porque o campo é subfi-
nanciado, diz David Williams, toxicologis-
ta clínico e herpetólogo da Universidade
de Melbourne e também dirigente da
ONG Iniciativa Global contra Picadas de
Cobras (Global Snakebite Initiative). Para
isolar compostos para tratamentos, pes-
quisadores normalmente injetam veneno
em níveis subtóxicos em animais, coletam
os anticorpos formados pela resposta
imune e os depuram. Antídotos precisam
ser customizados para diversas toxinas de
diferentes espécies de serpentes por
região. Não existe um antídoto universal.
Apesar de obstáculos e restrições, gru-
pos de pesquisa de várias partes do mun-
do trabalham discretamente em soluções
novas e empolgantes à espera de um sub-
sídio inesperado de dinheiro e impulso
para prosseguir. Entre as novas possibili-
dades se destaca um antídoto desenvolvi-
do especialmente para a África Subsaaria-
na, que poderia servir como modelo para
a produção de compostos mais baratos
para combater picadas de cobras veneno-
sas de outras regiões. Pesquisadores do
Reino Unido, Costa Rica e Espanha come-
çaram com um “antídoto básico” compro-
vado para três serpentes e já fazem sua
triagem contra toxinas de mais cobras.
Proteínas da toxina que não se ligam ao
antídoto-base são examinadas sobre sua
toxicidade; somente as toxinas identifica-
das como perigosas são incorporadas ao
coquetel imunizante usado para produzir
o próximo lote de antídoto mais eficiente.
Essa triagem seletiva e os testes iterati-
vos de proteínas específicas resultam em
um antídoto direcionado mais forte em
comparação com outros convencionais,
que neutralizam indiscriminadamente as
proteínas tóxicas e as inócuas do veneno.
O grupo também planeja reduzir custos
com um método pioneiro desenvolvido na
Costa Rica, que requer menos etapas no
processo de produção. “Nossa meta é
criar um produto mais barato, ou tão
barato quanto US$ 35 por ampola, para a
África Subsaariana”, diz Robert Harrison,
diretor da Escola de Medicina Tropical de
Liverpool, na Inglaterra. O soro antiofídi-
co da Sanofi custa US$ 150 por frasco.
Outros animais, e bactérias, podem
fornecer antídotos alternativos. Uma pro-
teína de gambá, identificada originalmen-
te na década de 1990, já provou proteger
camundongos contra toxinas ofídicas
capazes de provocar hemorragia interna
generalizada. Além disso, a proteína neu-
tralizou toxinas hemorrágicas de cobras
venenosas nos EUA e no Paquistão. A des-
coberta sugere que ela talvez possa prote-
ger contra todas as toxinas ofídicas
hemorrágicas, observa Claire Komives,
engenheira química na Universidade
Estadual de San José, na Califórnia. Ela já
demonstrou que pode modificar genetica-
mente bactérias Escherichia coli para que
produzam a proteína; o que poderia redu-
zir o custo terapêutico para cerca de US$
10 por ampola. “Estou tentando fazer isso
em bactérias porque podemos intensificar
[a produção] mais economicamente”, diz.
Para financiar sua pesquisa, Komives ape-
lou ao serviço de crowdfunding (financia-
mento coletivo) Experiment.com.
Grupos de pesquisa em outros lugares
se afastaram completamente do desenvol-
vimento de antídotos tradicionais. Mat-
thew Lewin, diretor do Centro para
Exploração e Saúde em Viagens da Acade-
mia de Ciências da Califórnia, começou a
triar medicamentos aprovados pelo FDA
– órgão dos EUA que controla alimentos e
medicamentos – para ingredientes quími-
cos que poderiam formar a base de uma
injeção ou pílula que estabilize pessoas
picadas no campo ou
que pelo menos lhes dê
tempo para chegarem a
um hospital. “Se existis-
se um antídoto farma-
cêutico, a pessoa sem-
pre poderia levá-lo
consigo”, argumenta
Lewin. Muitas mortes
decorrentes de picadas
de cobras peçonhentas acontecem justa-
mente quando as vítimas não conseguem
chegar a hospitais ou clínicas para rece-
ber um antídoto intravenoso.
Da mesma forma, Sakthivel Vaiyapuri,
pesquisador farmacológico na Universi-
dade de Reading, na Inglaterra, está trian-
do moléculas que bloqueiam os efeitos de
venenos de serpentes. Ele também espera
acabar conseguindo desenvolver um
coquetel de inibidores químicos que
poderiam levar a um antídoto universal.
Tratamentos modernos contra vene-
nos seriam um sólido primeiro passo para
reduzir mortes resultantes de picadas de
cobras. Mas até as melhores terapias do
mundo falharão sem financiamento e dis-
tribuição adequada. “Se os ministérios de
saúde responsáveis pelo bem-estar físico
das pessoas não priorizarem tratamentos
contra picadas de cobras, você está baten-
do sua cabeça contra uma parede de tijo-
los”, resume Williams da ONG Global
Snakebite Initiative. —Jeremy Hsu
O desenvolvimento de
antídotos encalhou no
século 19 porque o
PÁGS.ANTERIORES:SURESHSHARMAGettyImages
11. www.sciam.com.br 11Ilustração de Thomas Fuchs
APRENDIZADO DE MÁQUINAS
Dinheiro
fala e tuíta
Internautas deixam pistas de
seu status socioeconômico
Como sexo, dinheiro é um tema que
a maioria das pessoas evita discutir publi-
camente. No entanto, deixamos regular-
mente rastros digitais de nossa situação
econômica, mesmo quando nos expres-
samos nos 140 caracteres do Twitter.
Uma análise de cerca de 10,8 milhões
de tuítes postados por mais de cinco mil
usuários da rede de mídia social on-line
constatou que as sucintas mensagens
revelar a faixa de renda de uma pessoa.
Daniel Preo iuc-Pietro, pesquisador de
pós-doutorado em processamento de lin-
guagem natural, e seus colegas na Uni-
versidade da Pensilvânia se basearam em
90% de suas amostras em grupos de ren-
da correspondentes. Eles usaram um pro-
grama capaz de aprender a partir de
dados e fazer previsões baseadas neles,
grupo. Aplicado aos outros 10% de amos-
tras, o modelo previu com sucesso os
Conforme os pesquisadores descreve-
ram na PLOS ONE, pessoas com rendi-
mentos mais altos tenderam a discutir
lucrativos. Usuários em faixas de ren-
das mais baixas se ativeram principal-
mente a assuntos pessoais, como
dicas de beleza e experiências.“Pes-
soas de renda mais alta usam o Twit-
ter como meio para divulgar informa-
ções; as de rendas mais baixas o usam
mais para comunicação social”, explica
Preo iuc-Pietro. A análise também reve-
lou que tuítes de usuários que ganham
mais dinheiro são mais propensos a
expressar temores ou indignação.
Em estudos anteriores, Preo iuc-Pietro
e seus colegas foram capazes de prever o
gênero, a idade e a tendência política de
usuários do Twitter. Eles conseguiram até
detectar sinais de depressão pós-parto e
transtorno de estresse pós-traumático.
“O aprendizado de máquinas só é tão
poderoso quanto os dados que podemos
acessar”, diz Preo iuc-Pietro.“As pessoas
devem estar cientes do quanto revelam
inadvertidamente sobre elas mesmas”.
—Rachel Nuwer
COMPORTAMENTO ANIMAL
Bat karaokê
Machos de morcegos cantam em
rodízio para ampliar cortejos
restas ecoam guinchos e chiados de ma-
chos de morcegos de cauda curta (Mystaci-
na tuberculata), que cantam até 100 mil
“canções românticas”por noite, mais do
que qualquer outro animal, para atrair uma
companheira. Eles executam suas serenatas
do alto de um poleiro especial, usado exclu-
sivamente para exibição sexual.
Após estudar os hábitos desses mamí-
feros noturnos durante três anos, Cory
Toth, da Universidade de Auckland,
constatou que os machos fazem uso
compartilhado em quase metade dos
12 poleiros de canto que observou na
Ilha do Norte.“Um macho estará can-
tando, sairá de lá, e apenas três segun-
dos depois outro concorrente entrará no
poleiro e começará a cantar”, explica Toth.
Ao todo, de dois a cinco machos se apre-
sentarão todas as noites em um poleiro,
cantando durante algumas horas cada um.
Em termos gerais, os“palcos”comparti-
lhados transmitem mais músicas que os
ocupados por apenas um único morcego
durante a noite toda, aumentando as chan-
ces de que uma fêmea que esteja passando
por perto pare por ali. De início,Toth teori-
zou que os morcegos praticantes de time-
-share eram aparentados e trabalhavam
juntos para garantir o sucesso reprodutivo
quando os machos em três de quatro polei-
ros de cantoria revelaram não ter vínculos
de parentesco, ou eram apenas distante-
mente aparentados, a atenção dele se vol-
tou para o tamanho dos morcegos: os
machos que se revezavam no palco eram
bem maiores que os que cantavam sozi-
nhos. Machos maiores gastam mais ener-
gia nas tarefas diárias de sobrevivência e,
portanto, talvez poupem suas forças à noite
ao se alternarem na cantoria, sugere Toth.
De fato, testes de DNA revelaram que o
sucesso reprodutivo de morcegos maiores
e menores dentro da colônia era mais ou
menos igual, sugerindo que o esquema
de“time-share”dos poleiros ajuda os
maiores a competir com os pequenos.
O conhecimento dos hábitos repro-
dutivos da espécie poderia fornecer
informações valiosas para os esforços de
conservação. — David Godkin
12. 12 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
AVANÇOS
TECNOLOGIA
Faixas de pedestres
sem riscos
Treinamento poderia melhorar a habilidade de crianças
para atravessar ruas
“Olhe para os dois lados antes de atravessar a rua!”“Olhe para a
esquerda, para a direita e novamente para a esquerda!”Essas clássi-
cas lições de segurança da infância se estendem por gerações e
culturas.Ainda assim, acidentes de trânsito continuam sendo uma
das fontes mais comuns de ferimentos e fatalidades para crianças
ao redor do mundo. Na União Europeia, menores de 14 anos res-
pondem por uma proporção bem mais elevada de mortalidade de
pedestres do que qualquer outro grupo etário, exceto o dos idosos;
nos EUA, entre as crianças mortas por carros, quase 25% estavam a
pé. Os números são particularmente assustadores em Israel, onde
elas representam 20% das mortes de pedestres.
Estudos passados constataram que jovens são menos hábeis
catedrática em engenharia e gestão industrial na Universidade
Ben-Gurion do Negev e no Instituto Holon de
precisão quais comportamentos levavam a
acidentes, com o objetivo de encontrar meios
para corrigi-los.
Para fazer isso sem colocar ninguém em
perigo, ela recorreu à realidade virtual. Em
2013, Meir e seus colegas simularam 18 ruas
prototípicas em Israel e utilizaram um disposi-
tivo de monitoramento ocular para estudar
como 46 adultos e crianças (com idades entre
sete e 13 anos) avaliavam quando era seguro
atravessar. Eles constataram que crianças
entre sete e nove anos demonstravam menor
cuidado, decidindo tipicamente pisar, ou
entrar na rua virtual com pouca ou nenhuma
hesitação, mesmo quando seu campo de
visão era restrito.“Tínhamos pais observando
que reagiram com expressões como‘Uau! não
vessar ali’”, conta Meir.“Isso os levou a reava-
uma rua.”As crianças mais velhas não tiveram
um desempenho muito melhor, embora por
na calçada por tempo excessivo, uma indica-
ção de que são menos capazes de distinguir
entre situações seguras e perigosas que adul-
tos e, em entrevistas, não expressaram uma
compreensão de como fatores como velocida-
de de carros e campo de visão afetam uma travessia segura.
Intervenções parecem melhorar o desempenho. No estudo
mais recente de Meir, descrito em Accident Analysis & Prevention,
24 crianças, com idades entre sete e nove anos, passaram por um
treinamento de 40 minutos para aprender a detectar perigos.
Depois disso, Meir e seus colegas compararam o comportamento
das crianças treinadas com o de um grupo de controle não treina-
do na tarefa de atravessar uma rua virtual. Os jovens que recebe-
no cruzamento do que os do grupo de controle, a ponto de suas
habilidades de travessia se assemelharem às de adultos.
Agora, Meir e formuladores de políticas pretendem descobrir
como traduzir essas constatações para o mundo real.“Esses tipos
de resultados são importantes porque não se pode elaborar inter-
venções sem uma compreensão do problema”, observa Joseph
Kearney, professor de ciência da computação e diretor associado
de pesquisa e infraestrutura na Universidade de Iowa, que não
esteve envolvido no trabalho.“Agora cabe a pessoas‘que estão
com seus pés no chão’determinar como podem desenvolver pro-
gramas de treinamento para crianças e pais sobre bons hábitos
para atravessar ruas e avenidas.”—Rachel Nuwer
Crianças com idades de sete a nove anos
demonstraram menor cuidado ao atravessar,
decidindo tipicamente entrar na rua virtual
com pouca ou nenhuma hesitação
Quando sentiam que era segu-
ro atravessar uma rua virtual,
as crianças apertavam um
botão para indicar “atravessar”
CORTESIADEANATMEIRETAL.
13. www.sciam.com.br 13
MEIO AMBIENTE
Reservatórios subterrâneos
Hidrólogos testam técnica agrícola que poderia aliviar as secas
A Califórnia está estorricada. Sem chuva para irrigar terras agrícolas, produtores
recorrem a aquíferos subterrâneos, mas o bombeamento excessivo já teve sérias
consequências, ao fazer com que os lençóis freáticos caíssem drasticamente.
da Califórnia em Davis estão realizando experimentos com o chamado groundwa-
ter banking, uma ferramenta de gestão hídrica desenvolvida para aumentar a con-
feros. No verão, esse excesso de água absorvida no inverno pode, então, servir para
irrigar culturas em desenvolvimento, explica Helen Dahlke, da universidade.
Durante dois meses neste inverno Dahlke e sua equipe inundarão pomares de
amendoeiras no Central Valley, perto de Davis, até uma profundidade de 60 cm, ao
redirecionarem as águas pluviais por uma rede de canais concebidos originalmente
para desviar águas de enchentes para longe. Testes anteriores da técnica provaram
ser bem-sucedidos. Em 2011, Don Cameron, gerente-geral da Terranova Ranch Inc.
desviou águas de enchente do Rio Kings, em Fresno County, para pouco mais de 97
hectares de vinhedos e outras terras agrícolas, inundando-os durante cinco meses.
ser bombeada de volta para as lavouras durante o ciclo de crescimento seguinte.
gia arbórea e em que medida sais e nitratos de fertilizantes poderiam migrar para a
água potável. Os custos do desvio de águas pluviais e questões legais, inclusive a
quem pertence a água captada, também precisam ser resolvidos. Ainda assim, cer-
ca de 1,45 milhão de hectares de terras agrícolas na Califórnia poderiam servir
como pontos de recarga de águas subterrâneas. E, como climatologistas esperam
uma única estação de fortes chuvas de inverno, um número crescente de fazendei-
ros está mais que interessado nas novas possibilidades para suas terras. Como
observa Cameron: “A seca torna as pessoas mais criativas”. —Jane Braxton Little
GETTYIMAGES(FLUXODELAVA);FONTES:“BROADPLUMESROOTEDATTHEBASEOFTHEEARTH’SMANTLEBENEATHMAJOR
HOTSPOTS”,SCOTTW.FRENCHEBARBARAROMANOWICZ,EMNATURE,VOL.525;3DESETEMBRODE2015(PRIMEIROITEM);“MANTLE
PLUMESSEENRISINGFROMEARTH’SCORE”,ERICHAND,EMSCIENCE,VOL.349;4DESETEMBRODE2015(ITENSDOISETRÊS)
GEOLOGIA
Calor interno da Terra
Geólogos têm debatido há
décadas a causa das chamadas
xos de rochas superaquecidas
que escapam e ascendem do
núcleo da Terra, ou em reserva-
tórios de calor mais rasos no
manto superior. Sismólogos da
Universidade da Califórnia em
Berkeley e do Laboratório Nacio-
nal Lawrence Berkeley recente-
das entranhas do planeta. E
encontraram mais de duas deze-
rando continuamente do núcleo
para a superfície; muitas delas
alimentando hotspots direta-
mente.As plumas, relatadas na
revista Nature, fornecem a pri-
meira evidência direta de que
essas colunas de calor geram
pontos quentes vulcânicos,
como a Islândia e a cadeia de
ilhas do arquipélago do Havaí.
— Shannon Hall
28
do núcleo terrestre
600 a 800 km
Largura média das plumas.
44 terawatts
(44 trilhões de
joules por segundo)
Calor liberado pela Terra por
meio de plumas mantélicas
Inundação intencional de terras agrícolas, como o pomar
de nogueiras, abaixo, tem o potencial para reabastecer os
aquíferos da Califórnia
CORTESIADOCONSELHODEDIRETORESDAUNIVERSIDADEDACALIFÓRNIA
14. 14 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
AVANÇOS
EMPREGOS ESTRANHOS
Ned, o nariz
Um cientista e engenheiro de odores sabe
como “farejar” aromas ruins
O nariz de Ned Ostojic o levou a lugares que
variam de estranhos a repugnantes. Ele inalou o ar de
fábricas de conservas de atum na Samoa Americana,
cheirou ração canina moída e pegajosa em fábricas de
pet-food no Canadá, e“farejou”tanques de esgoto no
Brooklyn. Globalmente, só existem poucas pessoas
como ele: especialistas em diagnosticar odores ofensivos. Seus
clientes em geral estão desesperados para eliminar um mau cheiro
que incomoda vizinhos ou representa um risco para funcionários.
Treinado como químico analítico, seu trabalho é encontrar a fonte
de um odor desagradável e então descobrir como corrigi-lo.
nas de receptores olfativos no nariz humano, cada um associado à
detecção de diferentes moléculas de odor. Cheiros são a percepção
de combinações dessas moléculas e, como tais, difíceis de manipu-
lar e registrar. O ato de cheirar em si tem sido há tempos um“senti-
do órfão”, especialmente quando comparado a uma capacidade
mais dominante como a visão, observa Ostojic.“Podemos repre-
sentar o mundo inteiro em nossas televisões usando apenas três
mos ver um único átomo”, argumenta ele, mas o odor continua
sendo evasivo, fugidio.
Como resultado, Ostojic aborda seu trabalho com uma mistura
de ciência e arte. Em campo, ele emprega um olfatômetro com um
nome de marca agressivo: Nasal Ranger. Pressionado contra seu
rosto, ele funciona inicialmente como uma máscara de gás.Assim
acresce quantidades controladas do ar circundante para mapear a
intensidade e o raio de propagação de um odor fétido.
Milhares de nova-iorquinos podem agradecer a Ostojic e ao seu
Nasal Ranger por tornarem a maior estação de tratamento de
esgoto da cidade inodora (acima). “Tivemos um histórico horren-
do”, admite Jim Pynn, que recentemente se aposentou como supe-
rintendente da Estação Newton Creek de Tratamento de Água
Residual, no Brooklyn.“Tínhamos um cheiro tão repugnante, pútri-
do, que até eu sentia ânsias de vômito com alguns odores na usina.”
Nesse caso, todo mundo sabia de onde vinha o cheiro ruim: dos
tanques de aeração. Então Ostojic desenvolveu um jeito para cobri-
-los e depois ventilar o ar fétido através de largos cilindros de car-
bono poroso, que absorve odores.Agora, o local tem um cheiro
Salt, estrelado por Angelina Jolie; as equipes de
uma estação de tratamento de esgoto, alegra-se Pynn.“Quando
que] atingimos a nossa meta”, resume Pynn, que chama Ostojic um
“herói silencioso”.
Os próximos projetos de Ostojic incluem mapear as pegadas
odoríferas de vapores de tinta em fábricas de automóveis em Michi-
gan e de lixo em decomposição enterrado em aterros sanitários no
mas esses dados não esclarecem se pessoas tolerarão qualquer
ma quando as pessoas se queixam dele.“Tudo leva de volta ao nariz
humano”,resume Ostojic.— Megan Gannon
FÍSICA
O brilho de partículas
do Big Bang
Astrônomos detectaram indiretamente neutrinos
que surgiram apenas um segundo após o
nascimento do Universo
A luz mais antiga do Universo não fez um “pit stop”
durante 13,82 bilhões de anos, a partir do início de sua jor-
nada, somente 380 mil anos após o Big Bang. Essa luz, a
chamada radiação cósmica de fundo (CMB, na sigla em
inglês), serve como um terreno conhecido de caça para
astrônomos que procuram entender o Universo em sua
infância. Infelizmente, ela também obscurece o que jaz por
trás dela: as primeiras centenas de milhares de anos do
Universo. Agora, astrônomos acreditam ter espiado além
da própria CMB ao captarem evidências de neutrinos que
viajam desde o instante em que o Cosmos tinha apenas um
segundo de idade.
Os neutrinos, partículas fundamentais sem carga elétri-
ca e pouquíssima massa, escaparam do Big Bang quase
imediatamente. Sua natureza evasiva, fugidia, lhes permite
passar despercebidos por quase todas as barreiras físicas,
raramente interagindo com a matéria comum. Nas raras
ocasiões em que se chocam com fótons, no entanto, eles
MITCHWAXMAN
15. www.sciam.com.br 15
alteram sutilmente as temperaturas das partículas.
Foi essa mudança de temperatura que astrônomos
da Universidade da Califórnia em Davis notaram
recentemente em mapas de CMB produzidos pelo
satélite Planck, da Agência Espacial Europeia. Eles
descreveram esse “fundo cósmico de neutrinos” em
um recente artigo publicado no periódico Physical
Review Letters.
Modelos do Big Bang previram o fundo cósmico
de neutrinos há décadas. Mas essa nova observação
indireta é a mais robusta prova disso até agora. A des-
coberta “nos proporciona uma nova janela para o
Universo”, comemora Lawrence M. Krauss, codiretor
da Iniciativa de Cosmologia da Universidade Estadual
do Arizona, que não participou do estudo. A detecção
também restringe as propriedades de neutrinos, que
são, de longe, os “animais mais estranhos no zoológi-
co de partículas”. Ela prova, por exemplo, que neutri-
nos não podem interagir com eles mesmos, como muitas outras
partículas fazem. Se pudessem, eles deixariam assinaturas dife-
rentes das observadas dentro da CMB.
Futuras detecções desses neutrinos primordiais talvez expli-
quem por que existem 10 bilhões de partículas de matéria no
Universo para cada partícula isolada de antimatéria.A assimetria
foi produzida no Universo incipiente e especialistas acreditam
que os neutrinos tiveram algo a ver com isso; nem que seja só
porque são tão misteriosos.“Como sabemos menos sobre neutri-
nos, podemos ser mais criativos com os tipos de física que apre-
sentamos”, reconhece Lloyd Knox, coautor do estudo. Embora
essas partículas sejam incrivelmente difíceis de detectar direta-
mente, Knox antecipa que dicas obtidas por meio de observações
cosmológicas ajudarão a resolver muitos quebra-cabeças de neu-
trinos e, portanto, fornecer uma ideia mais reveladora de como o
Universo era em seus primórdios. —Shannon Hall
FAZENDO NOTÍCIAS
Notas
rápidas
Ilustração de Thomas Fuchs
Agora aposentado, o obser-
vatório Plank mapeou a CMB
de 2009 a 2013
CORTESIADEAGÊNCIAESPACIALEUROPEIA(concepçãoartísticadoPlanck)
16. CIÊNCIA
DA SAÚDE
16 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
escrevesobreciênciaemedicina.Eleabor-
doutratamentosparavertigemnaediçãodesetembro.
Ilustração de Julia Yellow
A dor no cérebro
Nova teoria sobre a enxaqueca dá origem a
medicamentos que evitam crises
David Noonan
O principal executivo, aos 63 anos, não conseguia fazer o seu
trabalho. Ele havia passado toda a vida adulta debilitado pela en-
xaqueca e estava no meio de uma nova onda de ataques. “Eu tenho
só uns poucos momentos pela manhã em que consigo ler ou escre-
ver ou pensar”, escreveu a um amigo. Depois disso, ele tinha de se
trancar em um quarto escuro até o anoitecer. Dessa forma, o presi-
dente Thomas Jefferson, no início da primavera de 1807, em seu
segundo mandato, ficava incapacitado todas as tardes pela mais
comum deficiência neurológica no mundo.
O coautor da Declaração da Independência nunca subjugou o
que ele chamava sua “dor de cabeça periódi-
ca”, embora as crises pareçam ter diminuído
após 1808. Dois séculos depois, 36 milhões
de norte-americanos lutam contra a dor que
ele sentia. Como Jefferson, que costumava se
tratar com uma infusão de casca de árvore
com quinino, eles tentam diferentes terapias,
que vão de drogas cardíacas, a ioga e ervas.
Agora, neurologistas acreditam ter iden-
tificado um nervo hipersensível que desen-
cadeia a dor, e estão nos estágios finais de
testes de medicamentos que acalmam suas
células demasiadamente ativas. São as pri-
meiras drogas para especificamente evitar as dores incapacitantes
antes que elas comecem. E podem ser aprovadas no próximo ano
pela FDA, agência que controla alimentos e medicamentos nos
EUA. Se cumprirem a promessa de estudos com cerca de 1.300 pa-
cientes, milhões de dores de cabeça poderão ser evitadas.
“Isso muda completamente o paradigma de tratamento da en-
xaqueca”, comenta David Dodick, neurologista do campus da Clí-
nica Mayo, no Arizona, e presidente da Sociedade Internacional de
Cefaleia. Embora existam drogas específicas para enxaqueca que
freiam os ataques depois que estes começam, o Santo Graal para
pacientes e médicos tem sido a prevenção.
As crises de enxaqueca afetam quase 730 milhões de pessoas no
mundo e costumam durar de quatro a 72 horas. A maioria dos pa-
cientes tem crises esporádicas de até 14 dias por mês. Os que so-
frem da forma crônica – quase 8% da população com enxaqueca –
têm 15 dias ou mais de dor de cabeça por mês. Os ataques são, em
geral, precedidos por fadiga, mudanças de humor, náusea e outros
sintomas. Cerca de 30% dos pacientes apresentam distúrbios vi-
suais, as chamadas auras, antes das dores. O peso econômico total
da enxaqueca nos EUA, inclusive custos médicos diretos e dias de
trabalho perdidos, é estimado em US$ 17 bilhões ao ano.
Nos 5.000 anos desde que os sintomas da enxaqueca foram
descritos pela primeira vez em documentos na Babilônia, os trata-
mentos têm refletido, ao mesmo tempo, a evolução de nossa com-
preensão e nossa quase cômica ignorância sobre a doença. San-
gria, trepanação e cauterização do couro cabeludo raspado com
uma barra de ferro em brasa eram tratamentos comuns no perío-
do greco-romano. O ponto mais baixo dos remédios equivocados
provavelmente foi atingido no século 10º, quando o oftalmologista
Ali ibn Isa recomendou atar uma toupeira morta à cabeça. No sé-
culo 19, a eletricidade medicinal se tornou moda e os pacientes de
enxaqueca eram rotineiramente estremecidos por diversas inven-
ções, incluindo o banho hidroelétrico, que era basicamente uma
banheira de água eletrificada.
No início do século 20, clínicos voltaram sua atenção para os
vasos sanguíneos, inspirados em parte por observações da forte
pulsação das artérias temporais em pacien-
tes com enxaquecas, assim como descrições
de dores latejantes e alívio que os pacientes
conseguiam com a compressão das artérias
carótidas. Por décadas, a enxaqueca foi atri-
buída sobretudo à vasodilatação no cérebro.
Essa ideia foi reforçada no fim dos anos
1930 por um estudo sobre o tartarato de er-
gotamina. Apesar de efeitos colaterais, como
vômitos e dependência, a droga vasoconstri-
tora evitou crises em alguns pacientes.
Mas, se a vasodilatação era parte do que-
bra-cabeça, não era a única coisa que acon-
tecia no cérebro dos pacientes, como a onda seguinte de tratamen-
to sugeriu. Na década de 1970, pacientes cardíacos que também so-
friam de enxaqueca começaram a relatar aos médicos que
betabloqueadores que tomavam para desacelerar os batimentos
cardíacos também reduziam a frequência das crises. Pessoas com
enxaqueca que tomavam medicamentos para epilepsia e depres-
são, e outros que recebiam injeções cosméticas de Botox, também
relataram alívios. Assim, os especialistas em cefaleia começaram a
prescrever essas drogas “emprestadas” para enxaqueca. Cinco des-
ses medicamentos foram por fim aprovados pela FDA para a dor.
Infelizmente, ainda não se sabe exatamente como as drogas adota-
das (eficazes em apenas cerca de 45% dos casos e com diversos
efeitos colaterais) ajudam nas enxaquecas. Dodick opina que elas
podem atuar em vários níveis do cérebro e tronco encefálico para
reduzir a excitabilidade do córtex e vias de transmissão da dor.
As primeiras drogas específicas para enxaqueca, os triptanos,
foram introduzidas nos anos 1990. Richard Lipton, diretor do Cen-
tro de Cefaleia Montefiore, em Nova York, conta que os triptanos
foram desenvolvidos em resposta à antiga ideia de que a dilatação
Células superativas
respondem a luzes,
sons e odores
tipicamente benignos
liberando substâncias
que transmitem sinais
de dor e causam
enxaqueca
17. www.sciam.com.br 17
CIÊNCIA
DA SAÚDE
dos vasos sanguíneos é a causa primária da enxaque-
ca; triptanos deveriam inibi-la. Ironicamente, estudos
posteriores mostraram que a droga de fato interrom-
pe a transmissão de sinais de dor no cérebro e que a
vasoconstrição não é essencial. “De qualquer forma,
funciona”, comenta Lipton. Uma pesquisa de 133 estu-
dos detalhados dos triptanos descobriu que eles ali-
viam a dor em duas horas em 42% a 76% dos pacien-
tes. Pessoas os usam para bloquear o ataque depois
que ele começa, e eles entraram para a linha de frente
dos tratamentos confiáveis para milhões de pacientes.
O que os triptanos não podem fazer – e o que Peter
Goadsby, diretor do Centro de Cefaleia da Universida-
de da Califórnia em São Francisco, sonha em conse-
guir há mais de 30 anos – é evitar que a enxaqueca co-
mece. Nos anos 1980, buscando esse objetivo, Goadsby
se concentrou no sistema do nervo trigêmeo, há muito
conhecido como o caminho da dor no cérebro. Era ali,
suspeitou, que a enxaqueca fazia seu trabalho sujo. Es-
tudos em animais indicaram que em ramos do nervo
que saem de trás do cérebro e se estendem por várias
partes da face e da cabeça, células superativas
respondem a luzes, sons e odores tipicamente
benignos liberando substâncias que transmitem
sinais de dor e causam enxaqueca. A sensibilidade
intensificada dessas células pode ser herdada; 80%
dos pacientes têm histórico familiar de enxaqueca.
Goadsby foi coautor do primeiro estudo sobre o tema em 1988.
Outros pesquisadores, inclusive Dodick, se uniram ao esforço. O
objetivo era encontrar uma forma de bloquear os sinais de dor.
Uma das substâncias encontradas em altos níveis no sangue de
pessoas com enxaqueca é o peptídeo relacionado ao gene da calci-
tonina (PRGC), um neurotransmissor que é liberado de uma célu-
la nervosa e ativa a próxima em um ataque. Mirar e interferir no
PRGC não foi fácil. Difícil foi encontrar uma molécula que funcio-
nasse nesse neurotransmissor e não tocasse em outras essenciais.
Com o avanço da capacidade de engenheiros de biotecnologia
controlarem e projetarem proteínas, várias empresas farmacêuti-
cas desenvolveram anticorpos monoclonais para combater a enxa-
queca. Essas proteínas criadas se ligam fortemente às moléculas
PRGC ou seus receptores nas células do nervo trigêmeo, evitando
a ativação celular. As novas drogas são “como mísseis guiados com
alta precisão”, compara Dodick. “Vão diretamente ao seu alvo.”
Essa especificidade e o fato de que os cientistas na verdade sa-
bem como as drogas funcionam animaram Dodick, Goadsby e ou-
tros. Em dois testes controlados com placebo com um total de 380
pessoas que sofriam de enxaqueca severa até 14 dias por mês, uma
única dose com um medicamento PRGC reduziu os dias de dor
mais de 60% (63% em um estudo e 66% no outro). Além disso, no
primeiro estudo, 16% dos pacientes continuaram livres da enxa-
queca por 12 semanas no teste de 24 semanas. Testes clínicos mais
amplos para confirmar essas descobertas estão sendo feitos. Até
agora, as PRGC funcionam melhor na prevenção que qualquer
droga de doenças cardíacas ou epilepsia e têm menos efeitos cola-
terais, ministradas em uma única injeção mensal.
Especialistas também exploram outros tratamentos, inclusive
cirurgia da fronte e pálpebras para descomprimir ramos do nervo
trigêmeo, e estimulação magnética transcraniana (EMT), uma for-
ma não invasiva de alterar a atividade das células nervosas.
Lipton afirma ter conseguido bons resultados com EMT. Ele
também encaminhou pacientes para cirurgias, mas conta que a
experiência “tem sido decepcionante”, e não as recomenda. Goads-
by, de seu lado, vê cirurgias e esforços de alta tecnologia como um
certo desespero. “Eles me soam como um grito de ajuda. Se enten-
dermos mais sobre a enxaqueca, saberemos melhor o que fazer.”
Embora a causa agora pareça estar enraizada no sistema do
nervo trigêmeo, a origem de suas células hiperativas ainda é um
mistério, diz Goadsby. “Qual é a natureza do que você herdou com
a enxaqueca?”, pergunta. “Por que você e por que não eu?”, prosse-
gue. Se desvendarem a genética da enxaqueca, a “dor de cabeça pe-
riódica” de Jefferson pode aliviar sua dolorosa tenaz moderna.
18. TECNOLOGIA
18 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
é colunista-âncora doYahooTech e apresentador
das minisséries NOVA na rede pública de tevê PBS.
Ilustração de Jori Bolton
A guerra digital
O que fazem as grandes companhias desse
setor para atrair você para seus ecossistemas
David Pogue
A pergunta não é mais “Que celular devo ter?”. Essa era uma
questão importante logo após a chegada do iPhone e seus concor-
rentes. Agora é hora de admitirmos que os smartphones (e tablets)
estão quase idênticos. Apple e Google (fabricante do sistema ope-
racional Android) se copiaram tão completamente que seus apare-
lhos têm incrível semelhança em aparên-
cia, preço, velocidade e funcionalidades.
Apples, Googles e Microsofts do mun-
do se enfrentam atualmente em outro
campo de batalha: a corrida para o
melhor e mais sedutor ecossistema. Cada
uma está montando um imenso arquipé-
lago de produtos e serviços interconecta-
dos. São algemas de veludo para fazê-lo
abraçar suas ofertas e dificultar ao máxi-
mo a mudança para o concorrente. Um
ecossistema típico inclui hardware (celu-
lar, tablet, laptop, relógio inteligente,
televisão), lojas on-line (música, filmes,
tevê, livros eletrônicos), sincronização de
seus dados em aparelhos (calendário,
favoritos, notas, fotografias), armazena-
mento em nuvem (discos on-line gratui-
tos para arquivos) e sistemas de paga-
mentos (acene com o relógio ou celular
em vez de passar o cartão de crédito).
Ao consumidor cabe escolher que
pacote de produtos ele prefere. Mas para
as companhias a decisão é difícil: elas
devem abrir seus serviços para usuários
de produtos de seus concorrentes? Dei-
xar, digamos, um usuário de iPhone car-
regar um calendário Outlook ou alguém com uma pulseira inteli-
gente Microsoft Band sincronizar dados com um tablet Android.
Tornar seu software acessível fora de seu ecossistema pode, por
um lado, mostrar ao resto do mundo a superioridade de seus pro-
dutos e atrair novos consumidores. Em contrapartida, pode-se
perder o atrativo da exclusividade desses serviços. Por que alguém
mudaria se já pode ter o melhor que um concorrente oferece?
Que postura as gigantes estão adotando em relação aos seus
ecossistemas? Trata-se de uma cesta variada.
A Apple é a mais fechada. Em geral, desenvolve aplicativos ape-
nas para iPhones e iPads. Você não pode fazer uma chamada Face-
Time para um Android ou Windows Phone, por exemplo, ou exe-
cutar o Apple Maps nesses aparelhos (não que você fosse querer).
E não se pode usar o Apple Watch com nada a não ser um iPhone.
Você pode, no entanto, usar o iCloud (serviço de armazenamento e
sincronização de arquivos on-line da Apple) em um dispositivo
Windows, mas não em um que use o Android, da Google.
A Google se esforça para tornar seus produtos acessíveis em
outras plataformas. Se você tem um iPhone, pode usar aplicativos
Google (Gmail, Chrome, Google Maps), serviços (Docs, Sheets, Sli-
des) e mesmo lojas digitais (Books, Music Newsstand). Os serviços
e lojas também estão disponíveis para usuários de Mac, Windows
e Linux. Você pode até ligar um relógio
inteligente Android Wear a um iPhone.
Por fim, a Microsoft, cujo Office é
acessível a tudo que tenha tela, assim
como muitos de seus aplicativos móveis.
Por que essa inconsistência?
Os motivos corporativos individuais
ajudam a entender. Embora essas três
companhias ofereçam tantos dispositi-
vos e serviços similares (OK, quase idên-
ticos), cada uma, de fato, usa um modelo
de negócios completamente diferente. A
Apple está sobretudo no negócio de ven-
der hardware; Microsoft, software; Gog-
gle, publicidade. Cada uma considera
diferentes fatores ao calcular o que abrir.
E Apple e Google continuam se rami-
ficando; ambas oferecem agora, acredi-
te, software para painel de instrumentos
de carros e sistema de automação
doméstica projetados para seus respec-
tivos smartphones. Seguramente a
Microsoft não ficará muito atrás. A Sam-
sung ostenta seu próprio grupo de pro-
dutos competitivos e serviços interliga-
dos. E a Amazon – que já foi uma livraria
– agora produz telefones, tablets e tevês.
O rumo das coisas deve deixar você, consumidor, satisfeito. Tal-
vez incomodado com toda a duplicação de esforços, mas feliz que
haja concorrência, que sempre gera inovação (e, com frequência,
preços menores). E você deve ficar contente que a tendência seja,
aparentemente, de essas companhias tornarem mais serviços
acessíveis, não importa que celular ou computador você tenha.
No fim, os ecossistemas poderão bem ser quase idênticos,
também. Talvez nesse ponto a questão volte a ser: “Que celular
eu devo ter?”.
19. mestre e doutor em física pela Universidade
de São Paulo,onde é professor,tem trabalhado em áreas que
incluem problemas relacionados ao tratamento estatístico de
dados experimentais.Mais recentemente,tem se dedicado
OBSERVATÓRIO
www.sciam.com.br 19
Pingue-ponguee
raioscósmicos
Ao rebater e impulsionar partículas, campos
magnéticos funcionam como raquetes
Otaviano Helene
Se os choques entre raquetes e bolinhas de pingue-pon-
gue fossem totalmente elásticos e a massa da raquete fosse
muito, muito maior que a da bolinha, ao rebater uma delas,
mandando-a de volta exatamente na mesma direção da qual
ela veio, sua velocidade seria igual àquela com a qual ela
chegou à raquete mais duas vezes a da própria raquete.
Os choques entre bolinhas de pingue-pongue e raquetes
não são, de fato, totalmente elásticos. Há uma pequena per-
da de energia mecânica nesse choque, no qual o coeficiente
de restituição é da ordem de 0,9.
A massa da raquete (e daquilo que a segura) também não
é infinitamente maior que a massa da bolinha, embora seja
muito maior, pois bolinhas de pingue-pongue têm menos
que 3 g. Por causa desses dois fatores, o ganho pela raqueta-
da não chega a dobrar a velocidade da raquete, mas chega
bem perto disso.
Depois de uma raquetada, uma bolinha de pingue-pon-
gue pode atingir, segundo publicações especializadas nesse
esporte, de 30 m/s a 40 m/s. Com essas velocidades, ela pode-
ria chegar até o adversário em cerca de um décimo de segun-
do ou pouco mais.
Entretanto, por causa da resistência do ar, a velocidade
da bolinha é reduzida para a metade a cada cerca de meio
segundo. Assim, o tempo entre uma raquetada e a seguinte,
dada pelo adversário, varia de 0,5 s a 1,0 s, dependendo, cla-
ro, de quão afastados da mesa estão os jogadores.
No tênis, a situação é similar. A cada raquetada, supondo
um choque totalmente elástico entre a bolinha e a raquete e
que a massa da raquete (mais mão e braço do atleta) seja
bem maior que a da bola, esta adquire, após ser rebatida,
velocidade igual à sua inicial mais duas vezes a da raquete.
Como no pingue-pongue, a resistência do ar reduz a veloci-
dade da bolinha.
Se não houvesse o ar, as velocidades das bolinhas de tênis
e de pingue-pongue aumentariam indefinidamente a cada
rebatida. Se as bolinhas e raquetes fossem infinitamente
resistentes e os jogadores infinitamente hábeis e rápidos, as
bolinhas atingiriam velocidades relativísticas e não conse-
guíramos analisar a situação usando apenas as equações de
Newton, precisando das equações relativísticas.
Vários esportes têm batidas de coisas contra bolas e pete-
cas, como o badminton, a pelota basca, o golfe, o beisebol,
entre outros. Em todos esses esportes, o efeito físico de
transferência de velocidade para a bola é similar à do tênis e
do tênis de mesa. E, claro, se a bola estiver parada, ela é lan-
çada com o dobro da velocidade daquilo que a atingiu – des-
de que sua massa seja bem pequena e o choque seja elástico.
Pancadas são formas eficientes de transferir energia para
bolas, petecas e outras coisas. E é mais ou menos isso que,
possivelmente, também ocorre com alguns raios cósmicos
ultraenergéticos. Neste caso, as coisas rebatidas não são
bolinhas, mas, sim, núcleos atômicos, como núcleos de ferro
ou hidrogênio, e no lugar das raquetes, as coisas que batem
são campos magnéticos, como aqueles criados por explosões
de supernovas, por exemplo.
Esses campos magnéticos funcionam como raquetes ou,
no jargão dos físicos, como espelhos magnéticos, já que
“refletem” as partículas: os raios cósmicos são rebatidos por
esses campos magnéticos, ganhando velocidade a cada vez
que isso ocorre.
Como os raios cósmicos viajam por regiões do Universo
onde não há nada que os possa frear, eles ganham energia a
cada encontro com os campos magnéticos, diferentemente
do que acontece nos esportes aqui na Terra, onde o ar freia
as bolas. Como essas raquetadas podem se repetir inúmeras
vezes durante as longuíssimas viagens que essas partículas
fazem, elas acabam por atingir velocidades e energias
altíssimas.
A energia cinética de algumas dessas partículas, apesar
de suas massas extremamente pequenas, pode ser compará-
vel à de uma bolinha de pingue-pongue. (Para somar uma
massa equivalente àquela de uma bolinha de pingue-pongue
seriam necessários núcleos de ferro em quantidade de apro-
ximadamente dez elevado à vigésima terceira potência.)
Sabemos bem de onde vêm as bolinhas de tênis ou de pin-
gue-pongue (embora vez ou outra não saibamos bem para
onde elas foram).
Quanto aos raios cósmicos, uma questão é saber de onde
eles vêm. Outra questão é saber, detalhadamente, o processo
pelo qual ganham tanta energia, inclusive porque algumas
partículas têm energias mais elevadas do que o processo de
raquetadas por campos magnéticos permite estimar.
Para responder a essas e outras questões, vários grupos
de pesquisa pelo mundo afora estudam os raios cósmicos
ultraenergéticos. A maior instalação construída com esse
propósito, o Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger,
está instalado em Mendoza, na Argentina. Essa colaboração
conta com a participação de pesquisadores de vários países,
inclusive do Brasil.
20. DESAFIOS DO COSMOS
20 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
éjornalistadeciênciaespecializadoem
astronomiaeastronáutica.Éautordeoitolivros,dentreelesRumoao
e .
Civilizações
superdiscretas
Se houver vida inteligente fora da Terra,
talvez seus sinais sejam muito recatados
Salvador Nogueira
Os últimos meses foram tomados por um frisson quando pes-
quisadores envolvidos com o projeto de ciência-cidadã Planet
Hunters encontraram, em meio aos dados do satélite Kepler, uma
estrela que sofre apagões significativos sem periodicidade defini-
da. Em certos momentos, o brilho dela chega a cair para menos de
80% do normal.
Ordinariamente, o Kepler detecta planetas em torno de estre-
las quando eles passam à frente delas, obstruindo parcialmente
sua luz. Mas nenhum planeta seria capaz de bloquear um quinto
do total da luz de sua estrela-mãe. Algo muito estranho estava
acontecendo no jovem astro conhecido como KIC 8462852.
A astrônoma Tabetha Boyajian, da Universidade Yale, nos
Estados Unidos, coordenou a primeira análise do fenômeno e
aventou, em artigo publicado nos Monthly Notices of the Royal
Astronomical Society, que a explicação mais provável para o
apagão fosse a passagem de uma família de cometas destroça-
dos pela frente da estrela. Isso, contudo, não impediu que seu
colega Jason Wright, da Universidade Estadual da Pensilvânia,
sugerisse uma explicação mais arrojada – uma gigante obra de
engenharia espacial conduzida por uma civilização alienígena.
Wright estava se referindo a uma ideia proposta pela pri-
meira vez nos círculos científicos pelo físico britânico Freeman
Dyson, em 1960. Ele
indicou que uma civi-
lização avançada com
muita “fome” de ener-
gia poderia construir
uma efetiva cápsula
em torno de sua estre-
la — de forma a colher
100% da radiação emi-
tida por ela.
No caso de KIC
8462852, como ora
vemos a estrela, é
fortemente bloqueada,
poderíamos imaginar
uma esfera parcial.
Mas observações pos-
teriores conduzidas pelo Instituto SETI com o Allen Telescope
Array não detectaram nenhuma transmissão artificial, e um
estudo subsequente coordenado por Massimo Marengo, da Uni-
versidade Estadual de Iowa, com o telescópio espacial Spitzer,
confirmou que a obstrução da luz pela destruição de uma família
de cometas era mesmo a explicação mais razoável. Nada de
supercivilização alienígena em ação.
Mais do que falar algo sobre a existência de vida inteligente no
Universo, o episódio realça como cultivamos ideias retrógradas
sobre o que significa ser uma civilização avançada. Em 1964, o
astrônomo soviético Nikolai Kardashev imaginou que pudés-
semos classificar a evolução de sociedades cósmicas com base no
seu consumo de energia. Aquelas capazes de usar o equivalente ao
total de radiação incidente em seu planeta seriam do tipo I. Já as
que lançassem mão da energia total produzida por sua estrela (as
potenciais construtoras de esferas Dyson) seriam de tipo II. Indo
mais longe, civilizações capazes de consumir uma fração significa-
tiva do total de energia de uma galáxia inteira seriam do tipo III.
A premissa é que civilizações progridem necessariamente para
consumir cada vez mais energia. Afinal de contas, foi exatamente
isso que aconteceu com a humanidade até agora. Contudo, ainda
que a passo de tartaruga, a mentalidade por essas bandas parece
estar mudando. A noção de um futuro recheado de energia abun-
dante está sendo gradualmente trocada por um amanhã de sus-
tentabilidade e eficiência energética, onde se faz mais com menos.
Convenhamos, nossa progressão rumo ao tipo I na escala Kar-
dashev (seríamos no momento algo como tipo 0,7) veio à custa da
mudança climática e da degradação do ambiente. Seria uma péssi-
ma ideia continuar nessa trajetória de consumo desmedido.
Um caminho alternativo que parece mais razoável, diante do
que estamos fazendo com a Terra, é o aventado por Amâncio Fria-
ça, astrônomo da Universidade de São Paulo. Ele aposta que o con-
sumo energético das
civilizações atinja um
pico e depois comece a
cair, conforme elas
aprendem as limitações
ambientais dos planetas
que ocupam e avançam
na direção da sustenta-
bilidade. Ao fim das
contas, civilizações mui-
to avançadas seriam
ainda mais discretas do
que nós mesmos – o que
pode ajudar a explicar
por que é tão difícil
encontrar qualquer
sinal delas por aí.
NASA/JPL-CALTECH
Concepção artística do sistema KIC 8462852. Apagão da estrela foi associado a possível
21. CÉU DO MÊS
JANEIRO
www.sciam.com.br 21
Cometa vem com
chuva de meteoros
Catalina atinge brilho máximo e se exibe na
constelação do Boieiro, antes de se esconder
O mês de janeiro marca o momento de máxima aproximação
do cometa Catalina (2013 US10), mas em posição desfavorável
para observadores do Hemisfério Sul. Ainda assim, é possível
tentar vê-lo se você estiver disposto a madrugar. O pico de brilho
deve ser atingido no dia 4, quando o cometa terá magnitude 4,8,
ou seja, visível a olho nu – mas apenas em céus livres de poluição
luminosa. Cruzando acima do horizonte depois das 3h, na cons-
telação do Boieiro (Boötes), na direção norte, ele permanecerá
visível, mas nunca muito alto no céu, até o amanhecer.
No mesmo dia, teremos o máximo da chuva de meteoros
Quadrantídeos, que também tem seu radiante na mesma região
do céu. O nome é derivado de uma antiga constelação criada
em 1795 pelo astrônomo francês Jérôme Lalande, o Quadrante,
depois descartada pela União Astronômica Internacional. Hoje,
no mapa das constelações, aquela região pertence à do Boieiro.
A origem das Quadrantídeas foi atribuída pelo astrônomo
Peter Jenniskens ao asteroide 2003 EH1, que completa uma volta
em torno do Sol a cada 5,5 anos e provavelmente é um cometa
extinto – um astro que já esgotou seu material volátil após múlti-
plas passagens pelas redondezas do Sol. Uma peculiaridade dessa
chuva é que seu pico de atividade é bem rápido: se dá em apenas
algumas horas, durante as quais o número de meteoros rivaliza
com o de chuvas famosas, como as Perseidas e os Geminídeos.
Agora, quem não pode madrugar e procura atrações celestes
nas primeiras horas da noite poderá se deleitar em janeiro com
um passeio pela constelação de Órion, que estará no alto do céu
logo após o pôr do sol durante o mês. Trata-se de um dos mais
famosos conjuntos de estrelas, facilmente reconhecível pelas
“Três Marias”, que compõem o cinturão do caçador Órion.
Aliás, a estrela mais a oeste desse trio, Delta Orionis, na ver-
dade é ela mesma um grupo estelar, com cinco membros – duas
estrelas solitárias e um astro trinário composto por outras três
estrelas. Um estudo recente feito com obser-
vações do Telescópio Espacial Chandra de
Raios X, da Nasa, revelou detalhes da
dinâmica desse sistema complexo.
Ao norte das Três Marias, você há de
notar uma estrela brilhante e avermelhada –
Alfa Orionis, ou, como é mais conhecida,
Betelgeuse. Trata-se de uma supergigante
vermelha, um astro muito mais massivo que
o Sol e no fim de sua vida útil. Localizada a
640 anos-luz daqui, ela deve detonar como
uma supernova em breve – mas esse “em
breve” é na escala astronômica, ou seja, em
algum ponto do próximo milhão de anos.
Por fim, ao sul das Três Marias, você pode
encontrar uma suave mancha difusa, visível
a olho nu – a famosa nebulosa de Órion, um
berçário estelar a 1.500 anos-luz da Terra.
Com telescópios amadores, trata-se de uma
das mais magníficas visões que se pode ter.
Bons céus a todos! (S.N.)
NEWTONCESARFLORÊNCIO
QUER VER SUA ASTROFOTOGRAFIA NA SCIAM? ESCREVA PARA
ASTROFOTOGRAFIA@EDITORASEGMENTO.COM.BR
Asfotosprecisamseremaltaresolução,comnomínimo300dpi,paraserempublicadas.
ASTROFOTOGRAFIA
Newton Cesar Florêncio, astrofotógrafo de Londrina (PR), registra a nebulosa escura Cabeça
de Cavalo (Barnard 33) e sua vizinha mais famosa, a nebulosa de Órion (M42). Imagem é
22. Passagem da Terra pelo Periélio
Máximo da chuva de meteoros quadrantídeos (Böotes - Boie
Máxima brilho do Cometa C/2013 US10 (Catalina) com a Terr
Conjunção inferior de Mercúrio.
Máxima aproximação do Cometa C/2013 US10 (Catalina) com
DESTAQUES DO MÊS
VISIBILIDADE
DOS PLANETAS
Em Capricórnio e depois Sagitário. Visível ao anoitecer,
cada dia mais baixo, na direção do por do Sol. Em
conjunção inferior com o Sol em 14. Volta a ser visível pela
Visível ao amanhecer na direção do nascer do Sol. Primeiro
Vênus em 9.
Visível na madrugada, a leste do meridiano,
primeiramente na direção da constelação de Virgem e
depois Libra. Próximo da Lua em 3.
Visível durante toda a noite entre as estrelas da
constelação de Leão. Perto da Lua em 27.
em 7. Em conjunção com Vênus em 9.
Em Peixes. Visível no início da noite, logo após o por do Sol,
a oeste do meridiano.
Visível ao por do Sol, a oeste, em Aquário.
Próximo da Lua em 13.
N
O
22 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
23. Sagitário de 18/12/2015 à 20/01/2016
Capricórnio de 20/01/2016 à 16/02/2016
* O limite das constelações foi estabelecido pela União Astronômica
Internacional em 1930, o que permite estabelecer, com grande precisão, o
instante de entrada e saída do Sol de cada uma das 13 constelações que são
atravessadas pela trajetória anual aparente do Sol, a eclíptica.
A carta celeste anexa corresponde à projeção das estrelas
visíveis na latitude de 23°27’ Sul (Trópico de Capricórnio) às
21h do dia 15 de JANEIRO. Exceto pela posição dos planetas,
a mesma também corresponde à projeção do céu
aproximadamente às 22h no início do mês e às 20
vigorando o Horário de Verão.
DIA HORA* EVENTO
2 02h31 Lua quarto minguante.
2 08h46 Lua no apogeu, maior distância à Terra. Dis-
tância 404.302 km. Diâmetro aparente 29,9’.
2 17h24 Terra passa pelo periélio, menor distância ao
Sol - 147,1 milhões de quilômetros.
2 22h57 Lua passa a 5,3°N a estrela Spica (Alfa deVirgem).
3 16h43 Lua passa a 1,8°N de Marte.
4 --- Máximo da chuva de meteoros quadrantídeos
(Böotes)
4 17h51 Cometa C/2013 US10 (Catalina) exibe seu
brilho máximo, 4,8 magnitudes.
6 02h15 Melhor ocasião para visualizar o brilho da
falcada (luz cinérea). O horário refere-se ao
nascer da Lua em São Paulo, sem contar o
horário de verão.
7 00h28 Lua passa a 3,9°N de Saturno (conjunção).
9 00h59 Vênus a 0,1°N de Saturno.
9 22h31 Lua nova.
12 18h40 Melhor ocasião para visualizar o brilho daTerra
(luz cinérea).O horário refere-se ao por do Sol
em São Paulo,sem contar o horário de verão.
13 10h12 Lua passa por Netuno.
14 10h59 Mercúrio em conjunção inferior com o Sol –
planeta entre o Sol e a Terra.
14 21h11 Lua no perigeu, menor distância à Terra. Dis-
tância 369.656 km. Diâmetro aparente 32,4’.
16 03h52 Lua passa por Urano.
16 20h27 Lua quarto crescente.
17 02h09 Cometa C/2013 US10 (Catalina) mais próximo
da Terra. 108,44 milhões de quilômetros.
19 04h01 Lua a 8,6°S do aglomerado estelar de Plêiades
(Messier 45).
20 00h44 Lua passa a 1,1°N da estrela Aldebaran
(Alfa de Touro).
23 22h46 Lua cheia.
24 09h16 Lua passa a 4,9°S do aglomerado estelar de
Praesepe (Messier 44).
26 02h36 Luapassaa2,1°SdaestrelaRegulus(AlfadeLeão).
27 20h34 Lua passa a 0,8°S de Júpiter (conjunção).
30 06h03 Lua no apogeu, maior distância à Terra. Dis-
tância 404.583 km. Diâmetro aparente 29,9’.
30 10h20 Lua passa a 5,0°N a estrela Spica (Alfa deVirgem).
(*) No horário de verão some uma hora
www.sciam.com.br 23
24.
25. QUEMUDARÃO
O
MUNDO
IDEIAS2015
10 grandes avanços que
irão melhorar a vida,
transformar a
computação e talvez
até salvar o planeta
Em 1878, Thomas Edison recorreu às páginas de Scientific American para esclarecer
algumas concepções equivocadas sobre uma nova invenção sua: o fonógrafo. Setenta anos
mais tarde, um de nossos correspondentes escreveu sobre um substituto para o tubo a
vácuo, um dispositivo que poderia resultar em “aparelhos auditivos menores, rádios por-
táteis realmente pequenos [e] componentes eletrônicos mais compactos para aeronaves”.
A nova invenção chamava-se transístor. Para comemorar seu aniversário de 170 anos, a
Scientific American selecionou 10 dos maiores avanços de 2015. Talvez alguns deles entrem
na coletânea dos maiores sucessos daqui a 170 anos. – Os editores
INOVAÇÃO
Ilustrações de Tavis Coburn www.sciam.com.br 25
26. 26 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
Máquinas controladas pelos olhos
No início deste ano, Erik Sorto, um tetra-
plégico, usou seus pensamentos para guiar
um braço robótico a levar uma cerveja até
seus lábios. O problema dessa façanha
impressionante é que sua tecnologia, um
chip repleto de eletrodos implantado no
cérebro, é cara e invasiva, e muitas vezes
requer meses de treinamento. Pior, poucas
e físico exigido pela técnica.
Em vez de criar uma ligação direta entre
a atividade elétrica do cérebro e máquinas,
Aldo Faisal, professor associado de neuro-
tecnologia no Imperial College de Londres,
quer usar movimentos oculares para contro-
lar cadeiras de rodas, computadores e jogos
de videogame. Ele e seus colegas construí-
ram óculos especiais que registram os movi-
mentos dos olhos do usuário e transmitem
esses dados para um computador. Em
seguida, um software traduz essas informa-
ções em comandos para máquinas. Quase
qualquer pessoa pode usar a tecnologia,
inclusive amputados, tetraplégicos e aqueles
que sofrem de Parkinson, esclerose múltipla
menos de US$ 50. Em uma exposição de
ciências, a maioria de milhares de voluntá-
bem após 15 segundos para jogar o video-
game Pong, sem necessidade de instruções.
Baseando-se em 70 anos de pesquisas
sobre a neurociência de movimentos ocula-
res, Faisal e seus colegas escreveram algorit-
mos que transformam um olhar em um
comando para uma cadeira de rodas, uma
piscada em um clique do mouse, ou o movi-
mento rápido de uma pupila [contração ou
dilatação] em uma guinada de um game
paddle, ou joystick, o dispositivo de controle
de jogos. Para prever intenção, os algorit-
mos dependem de treinamento com dados
do mundo real, adquiridos através do regis-
tro dos movimentos oculares de voluntários
enquanto eles dirigiam uma cadeira de
rodas com um joystick ou operavam um
braço robótico. Gradativamente, o software
aprendeu a diferenciar entre, por exemplo, o
jeito como as pessoas olham para um copo
quando estão avaliando seu conteúdo e
quando querem pegá-lo para dar um gole.
Antes que Faisal possa comercializar
quaisquer dispositivos médicos baseados na
para ensaios clínicos. Enquanto isso, um sub-
sídio de 4 milhões de euros da União Euro-
peia apoiará seu grupo enquanto este
desenvolve exoesqueletos robóticos que
pessoas paraplégicas poderiam controlar
utilizando o software de monitoramento
ocular que criou. —Rachel Nuwer
IDEIAS QUE MUDARÃO O MUNDO
27. www.sciam.com.br 27Ilustração de Don Foley
downrange
Foguetes a micro-ondas
Modelo de baixo custo pode impulsionar exploração espacial
Há mais de 50 anos, cerca de 90% do
peso dos foguetes usados para atingir a
órbita terrestre é constituído de combustível
e material de propulsão, deixando pouco
espaço para cargas. Se fosse possível dimi-
nuir esse peso, se reduziriam também os
custos de programas espaciais.
Em 1924, o cientista russo Konstantin
Tsiolkovsky expôs um jeito para fazer isso
acontecer ao sugerir que raios de micro-on-
das disparados por transmissores baseados
em terra poderiam fornecer a energia
necessária para a subida de um foguete.
Tsiolkovsky propôs usar espelhos parabóli-
cos para apontar“um feixe paralelo de raios
eletromagnéticos de curto comprimento de
onda”para a“barriga”, ou parte de baixo, de
um foguete, aquecendo o material de pro-
pulsão para produzir empuxo sem a neces-
sidade de grandes quantidades de combus-
mente alcançou a visão de Tsiolkovsky. Os
de micro-ondas por emissão estimulada de
radiação) foram inventados na década de
1950, mas foi só após surgirem geradores
melhores e mais acessíveis,chamados giro-
trons, eles conseguiram atingir níveis de
energia em escala megawatt necessários
para lançamentos espaciais. Recentes avan-
ços em baterias e outros sistemas de arma-
zenamento de energia também possibilita-
grandes sem sobrecarregar a rede elétrica.
Kevin Parkin comandou um estudo pio-
neiro sobre esse conceito em 2012, no Insti-
tuto de Tecnologia da Califórnia (Caltech).
Baseada em parte no trabalho de Parkin, a
empresa Escape Dynamics está realizando
testes para desenvolver um sistema reutili-
zável, acionado por micro-ondas, que pode-
ria levar satélites, e, futuramente talvez até
humanos ao espaço. Em julho a Nasa adi-
cionou a tecnologia de foguetes impulsio-
nados por radiação ao seu roteiro para o
desenvolvimento de tecnologia futura.
— Lee Billings
1
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downrange
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Cerca de 90% do
peso de foguetes
é formado por
combustível e
materiais de
propulsão
28. 28 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
SCIENCESOURCE(vírus)
Arrasto de vírus
com quase 100% de precisão
infecção, médicos geralmente usam a rea-
ção em cadeia da polimerase (PCR), que
“amplia” fragmentos de DNA em uma
dada. Mas a técnica exige do médico ter
alguma previsão de quais vírus procurar.
Em setembro passado, uma equipe da
Universidade Columbia, em Nova York,
criou um método para eliminar essas
suposições, detectando todos os vírus em
nal com precisão de quase 100%. O méto-
do permite fazer 21 análises simultâneas
em menos de 48 horas a um custo esti-
mado de apenas US$ 200 por amostra.
Além disso, a técnica também detecta
sejam pelo menos 40% idênticos aos
conhecidos.“Quando alguém vai a um
pronto-socorro e é submetido a todos os
tipos de exames, isso custa milhares de
dólares”, observa W. Ian Lipkin, professor
de epidemiologia na Escola Mailman de
Saúde Pública da universidade.“Esse
método é muito barato e nos permite per-
sonalizar a medicina ao lhe dizer exata-
mente o que você tem.”
Lipkin e seus colegas criaram primeira-
mente um banco de dados de mais de mil
vírus de vertebrados. Em seguida, sinteti-
zaram sondas genéticas para combinar
com todas as cepas de todos os vírus —
to DNA de 25 a 50 nanômetros. Quando
uma sonda encontra um vírus correspon-
dente, ela se liga a ele. Para extrair esses
vírus, técnicos adicionam “pérolas” mag-
néticas que medem de um a três mícrons
de diâmetro à mistura; um ligante quími-
co então liga essas “pérolas” ou grânulos
às sondas genéticas e vírus que captura-
ram. Depois disso, os pesquisadores põem
tubo com a mistura em um suporte mag-
nético, que atrai as sondas para as paredes
do tubo. Depois de isolar e lavar os con-
juntos sonda-pérola-vírus, eles sequen-
ciam geneticamente os vírus, eliminando
o risco de falsos positivos. Lipkin e seu
grupo agora procuram formar uma parce-
ria comercial para distribuir a tecnologia a
hospitais e clínicas. Eles também planejam
adicionar sondas para todas as bactérias e
fungos infecciosos conhecidos. — R.N.
Ilustração de Don Foley
O H1N1 INFLUENZA é um de muitos vírus
detectados por um único novo teste inédito.
Sondas cerebrais
Dispositivos eletrônicos macios podem impulsionar a neurociência
Para desvendar os mistérios do cérebro, cientistas precisam monitorar neurônios delica-
da e em objetos de estudos vivos. Mas, em termos gerais, sondas cerebrais têm sido ins-
trumentos de força bruta. Uma equipe na Universidade Harvard, liderada pelo químico
Charles Lieber, espera que implantes de malhas de polímeros, macias como seda e
cheia de sensores eletrônicos incrustados, em camundongos vivos. Uma vez que
tenha provado ser segura, ela poderia ser utilizada em pessoas para estudar como
a cognição brota da ação de neurônios individuais e para tratar de doenças
como Parkinson. —Seth Fletcher
amarelo
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(vermelho)
IDEIAS QUE MUDARÃO O MUNDO
29. www.sciam.com.br 29
CORTESIADEGENERALFUSION
Fusão encolhe para crescer
Após décadas de lento progresso e investimentos pesados, alguns
grupos de pesquisa de energia estão mudando sua estratégia
Defensores da energia de fusão podem
ser acusados de serem excessivamente oti-
mistas, mas jamais de pensar“pequeno”.A
fusão ocorre quando dois átomos se fundem
para, juntos, formarem um terceiro, conver-
tendo matéria em energia. Esse é o processo
que alimenta o Sol, e os principais projetos
do mundo da fusão são igualmente grandes
e grandiosos. Um consórcio de sete países
está construindo na França o Reator Termo-
nuclear Experimental Internacional (ITER,
na sigla em inglês). Seu reator de US$ 21
bilhões em forma de“rosquinha”usará mag-
netos supercondutores para criar plasma
a fusão. Quando concluído, o ITER pesará 23
mil toneladas, três vezes o peso da Torre Eif-
fel, em Paris. Seu principal concorrente, a
National Ignition Facility (NIF), do Laborató-
rio Nacional Lawrence Livermore, na Cali-
fórnia, é igualmente complexo: ele dispara
192 lasers contra uma pequena“bola”de
combustível, até esta ser submetida a tem-
peraturas de 50 milhões de graus Celsius e
pressões de 150 bilhões de atmosferas.
Apesar de tudo isso, uma usina de ener-
gia por fusão operacional, baseada nas tec-
nologias do ITER ou da NIF, continua a
décadas de distância. Uma nova safra de
pesquisadores está seguindo uma estratégia
diferente: encolher em vez de expandir. Em
2015, a ARPA-E, a Agência de Projetos de
Pesquisa Avançada–Energia dos EUA, inves-
tiu quase US$ 30 milhões em nove projetos
menores visando uma fusão acessível atra-
vés do programa Aceleração de Plasma
com Aquecimento e Montagem de Baixo
Custo (Alpha, na sigla em inglês). Um proje-
to representativo, executado pela empresa
Magneto-Inertial Fusion Technologies, de
Tustin, na Califórnia, está sendo concebido
para atingir um plasma com uma corrente
para induzir a fusão.A abordagem tem pedi-
gree: cientistas do Laboratório Nacional de
Los Alamos empregaram esse efeito em
1958 para criar a primeira reação de fusão
sustentada em um laboratório.
Empresas não afiliadas ao projeto Alpha
também estão nessa corrida.A General
Fusion, no Canadá, construiu um dispositivo
que usa ondas de choque que se propagam
por metal líquido para induzir fusão.ATri
Alpha Energy está construindo um reator de
23 metros de comprimento que dispara par-
tículas carregadas umas contra as outras. E a
gigante da defesa Lockheed Martin diz que
terá um reator de fusão magnética do tama-
nho de um contêiner de transporte que será
comercialmente disponível em uma década.
O histórico da fusão sugere que esses
projetos devem ser vistos com ceticismo.
Mas, se qualquer uma dessas abordagens
conseguir produzir energia limpa e abun-
dante, sem resíduos radioativos, ela poderia
resolver males que vão da pobreza energéti-
ca a mudanças climáticas com uma única
inovação. —David Biello
PROTÓTIPO
em uma esfera central.
30. 30 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
Segurança para
transgênicos
Interruptor genético pode evitar
contaminação ambiental
Números incalculáveis de bactérias
Escherichia coli
produzem pelo mundo coisas úteis como
insulina medicinal, polímeros sintéticos e
suplementos alimentares.Após cumprirem
seus papéis, elas são descartadas como resí-
duo industrial ou reusadas como fertilizante.
Esse descarte atualmente constitui pou-
co risco ambiental, pois a E. coli transgênica
é fraca comparada a suas primas selvagens
e não sobreviveria por muito tempo fora do
laboratório. Mas e se no futuro bactérias
transgênicas mais resistentes forem libera-
das por acidente? Ou se elas compartilha-
tência a antibióticos, por transferência
horizontal de genes? Ou se uma empresa
dos no DNA de uma bactéria patenteada?
temas de segurança à prova de falhas.
Em 2009, Brian Caliando, bioengenheiro
à época na Universidade da Califórnia em
São Francisco (UCSF), começou a trabalhar
em uma forma de garantir a destruição do
bactéria antes de ela escapar ou ser rouba-
da. Ele havia lido recentemente sobre o
método CRISPR [sigla, em inglês, de repeti-
ções palindrômicas curtas agrupadas e
regularmente interespaçadas], uma defesa
que bactérias usam para picotar e destruir o
DNA de vírus invasores, e percebeu que
poderia usá-lo como um“interruptor assas-
sino”embutido em bactérias transgênicas.
Primeiro na UCSF e depois no Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT),
Caliando desenvolveu o DNAi, um sistema
baseado em CRISPR que leva bactérias a
programou plasmídeos, pequenos círculos
de DNA que se replicam autonomamente
formam o interruptor. Em seguida, ele inse-
riu esses plasmídeos em E. coli genetica-
e infectaram as bactérias com seus progra-
mas mortais.A adição do açúcar chamado
arabinose à cuba de cultura aciona o inter-
ruptor matador, e o dispositivo DNAi come-
O trabalho de Caliando foi publicado em
Nature Communications, em 2015. Os mes-
mos princípios poderiam ser adaptados para
funcionar em diversos organismos e condi-
ções. O DNAi poderia, por exemplo, impe-
dir a polinização cruzada entre organismos
lavouras, ou campos próximos, sugere
Caliando. — Jennifer Abbasi
ainda não inventados, podem ir parar onde
são indesejados. Cientistas desenvolvem
sistemas para evitar contingências desse tipo
IDEIAS QUE MUDARÃO O MUNDO
31. www.sciam.com.br 31Ilustração de Don Foley
(acima)
(à direita):
Termoaspirador
Espelho versátil absorve calor e o
irradia para o espaço exterior
Aparelhos de ar-condicionado respon-
dem por quase 15% do consumo energético
de edifícios nos EUA. O número de dias com
calor recorde pode aumentar muito nas
próximas décadas. Como arrefecer nossas
casas e locais de trabalho e, ao mesmo tem-
po, reduzir o consumo de energia?
Para pesquisadores da Universidade de
Stanford, parte da solução é um espelho que
absorve o calor de edifícios banhados pelo
Sol e o irradia para o espaço sideral. O con-
ceito básico, conhecido como resfriamento
radiativo, se originou na década de 1980,
quando engenheiros descobriram que cer-
tos tipos de coberturas de metal pintado
“extraíam”calor de edifícios e o irradiavam
em comprimentos de onda que passam
livres pela atmosfera. Mas o processo nunca
funcionou durante o dia, pois ninguém tinha
feito um material que irradiasse energia tér-
Em ensaios sobre o telhado de seu labo-
ratório, a equipe de Stanford testou seu dis-
positivo, feito de camadas de dióxido de háf-
nio e dióxido de silício sobre uma base de
solar. Os átomos de dióxido de silício se
comportam como pequenas antenas que
absorvem calor do ar de um lado do painel e
emitem radiação térmica do outro. O mate-
rial irradia principalmente em comprimen-
tos de onda entre oito e 13 nanômetros.
Como a atmosfera da Terra é transparente a
esses comprimentos de onda, em vez de
aquecer o ar ao redor do prédio, o calor
escapa para o espaço. Mesmo exposto à luz
solar direta, a temperatura da“bolacha”de
20 centímetros de diâmetro do grupo é cer-
ca de 5oC mais baixa que a do ar.
Shanhui Fan, engenheiro elétrico de
Stanford e autor sênior de um artigo de
2014, publicado em Nature, descrevendo o
trabalho, imagina que painéis desse material
poderiam cobrir edifícios. Com seu telhado
expelindo continuamente calor, o ar-condi-
cionado de um prédio poderia funcionar a
uma taxa mais módica e consumir menos
energia. Outras aplicações também seriam
possíveis. Remover o componente espelho e
combinar o material com células solares, por
exemplo, poderia arrefecer as células foto-
voltaicas, permitindo, ao mesmo tempo, que
cientes.“É muito interessante pensar sobre
como seria possível acessar esse enorme
recurso termodinâmico que o Universo
representa como um sumidouro de calor”,
comenta Fan.“Realmente só estamos muito
no começo do reconhecimento dessa fonte
de energia renovável subexplorada.”— R.N.
(cinza)
(preto)
32. 32 Scientific American Brasil | Janeiro 2016
Máquinas
autodidatas
Tecnologia de aprendizado
profundo ajuda inteligência
A Google, o Facebook e outros gigantes
corporativos estão dando importantes pas-
sos na construção de tecnologia capaz de
aprender por conta própria. Seus esforços
dependem fortemente de algo conhecido
como aprendizado profundo.
Enraizadas na ideia existente há décadas
de que computadores seriam mais inteli-
gentes se operassem mais como o cérebro
humano, as redes de aprendizado profundo
consistem em camadas sobrepostas de uni-
dades de processamento conectadas, cada
uma das quais executa uma operação dife-
As redes de aprendizado profundo têm mui-
to mais camadas que as neurais convencio-
nais. Quanto mais profunda é a rede, mais
camadas ela tem e mais elevado é o nível de
abstração em que ela é capaz de operar.
O aprendizado profundo ganhou impul-
so em meados dos anos 2000 com o traba-
Toronto,Yoshua Bengio, da Universidade de
Montreal, eYann LeCun, da Universidade de
NovaYork. Mas só recentemente a tecnolo-
gia começou a fazer incursões comerciais.
Um exemplo disso é o Google Fotos, lança-
do em maio. O software é capaz de carregar
minimizadas. Ele consegue fazer isso porque
aprendeu a reconhecer rostos com a exposi-
ção a milhões de imagens analisadas pelo
sistema. Uma vez que tenha treinado em
narizes e as bocas de pessoas individuais em
imagens que nunca viu antes.
O aprendizado profundo pode fazer mui-
to mais que organizar fotos. Ele pode mar-
que exibe comportamentos praticamente
indistinguíveis dos de humanos. Em feverei-
ro, a DeepMind (comprada pela Google em
2014 por US$ 617 milhões), sediada em Lon-
dres, informou ter usado o aprendizado pro-
fundo para construir um computador auto-
didata, capaz de ensinar a si mesmo a jogar
dezenas devideogames da empresa Atari.
Após muita prática, o software teria vencido
humanos peritos nesses jogos. O passo é
pequeno, mas a era das máquinas tem de
começar em algum lugar. — Gary Stix
IDEIAS QUE MUDARÃO O MUNDO