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OSCAR GUANABARINO E O PORTUGUÊS BRASILEIRO NO CANTO
ERUDITO
Maria Aparecida dos Reis Valiatti Passamae1
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
SIMPOM: Musicologia
aparecidavaliatti@hotmail.com
Resumo: O objetivo deste trabalho é comentar um texto de Oscar Guanabarino (1851-1937),
publicado em 1922, que antecipa, em cerca de 16 anos, os problemas de pronúncia do
português brasileiro e a necessidade de um padrão para o canto lírico, padrão este que veio a
se efetivar em 1938. O artigo não pretende tratar dos aspectos técnicos ligados à fonética,
dicção ou às Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto lírico, mas oferecer
uma contribuição aos aspectos históricos que vieram a estabelecer e consolidar essas Normas.
A questão trafega por uma problemática mais ampla que trata de aspectos políticos,
ideológicos, sociológicos e culturais que aqui se resume com a definição da identidade
nacional que inclui um subproblema que pode também ser definido como a questão da
identidade da arte nacional. Para o entendimento e análise do problema, adotou-se o modelo
esquemático de Eric Hobsbawm para a questão da identidade nacional e um modelo
esquemático correlato proposto por Mário de Andrade para a questão da identidade da arte
nacional, embora o modelo esquemático de Mário de Andrade tenha sido proposto em 1927,
ou seja, meia década após a análise de Guanabarino. A contribuição de Oscar Guanabarino
procede de uma análise da fonética de um determinado cantor lírico comparada com a
fonética do português falado no Brasil. É a partir dessa análise, portanto, que Guanabarino, se
tornaria um dos primeiros intelectuais a discutir o estruturalismo do português falado no
Brasil. Desse modo, sua contribuição pode ser de relevante importância histórica na
consolidação das Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito.
Palavras-chave: Canto lírico; Português brasileiro; Normas para a pronúncia; Oscar
Guanabarino.
Oscar Guanabarino and Brazilian Portuguese in Classical Singing
Abstract: The objective of this paper is to discuss a text published on 1922 by Oscar
Guanabarino (1851-1937) which anticipates in about 16 years the problems of pronunciation
of Brazilian Portuguese and the necessity for a standard for classical singing that came to
become effective in 1938. Therefore, the work do not intend deal with technical aspects of
phonetics, diction or the Standards for the pronunciation of classical singing in Brazilian
Portuguese, but offer a contribution to the historical aspects that have come to establish and
consolidate the Standards. The question transits through a broader issue that deals with
political, ideological, sociological and cultural aspects here summarized in the context of a
definition of national identity that includes a a sub problem which can also be defined as the
1
Orientadora: Maria Alice Volpe, Dra.
2
question of the identity of national art. To the understanding and the analysis of the problem,
it was adopted the schematic model of Eric Hobsbawm to the question of national identity
and a correlate schematic model proposed by Mario de Andrade to the question of identity of
national art, although the schematic model of Mário de Andrade has been proposed in 1927,
ie, half a decade after the Guanabarino's analysis. The contribution of Oscar Guanabarino
comes from a phonetic analysis of a particular opera singer compared with the phonetics of
the Portuguese spoken in Brazil. So deterministically, a people who speaks minimally
standardized, should sing in accordance with the accepted standard. It is from this analysis,
therefore, that Guanabarino, it seems, would become one of the first intellectuals to discuss on
the structuralism of the Portuguese spoken in Brazil. Thus, his contribution could have
relevant historical importance in consolidating the standards for Brazilian Portuguese
pronunciation in classical singing.
Keywords: Classical Singing; Brazilian Portuguese; Standards for Pronunciation; Oscar
Guanabarino.
1. Introdução
O objetivo deste trabalho é comentar um texto de Oscar Guanabarino, de 1922,
que antecipa, em cerca de 16 anos, os problemas de pronúncia do português brasileiro e a
necessidade de um padrão para o canto lírico, padrão este que veio a se efetivar em 1938.
Portanto, este artigo não pretende tratar dos aspectos técnicos ligados à fonética, dicção ou às
Normas para o português brasileiro no canto lírico, mas oferecer uma contribuição aos
aspectos históricos que vieram a estabelecer e consolidar as Normas para a pronúncia do
português brasileiro no canto erudito.
As mudanças propostas na linguagem cultural pressupõem o reflexo de
transformações comportamentais da sociedade envolvida ou a pretensão de transformá-la
mediante a consumação, como reflexo, da arte no comportamento e no gosto daquela
sociedade com a qual a linguagem cultural busca interagir.
Um país continental e com as dificuldades de comunicação do Brasil, da segunda
metade do século XIX até a primeira metade do século XX, carecia de um processo de
consolidação de unidade cultural, guardadas as diversidades regionais, principalmente a partir
da República, visto que já não se podia contar com o elemento unificante representado na
figura do monarca, o Imperador Pedro II.
O padrão civilizatório do Rio de Janeiro, a capital, nas primeiras décadas da
República continuava francês, basta lembrar que o hino do Partido Republicano era a
Marselhesa. Paris, a cidade das luzes, formadora de “[...] grande parte da intelligentsia
brasileira”, vem também representar um modelo de civilização moderna a tal ponto “[...] que
rendeu até mesmo uma belle époque tupiniquim no Rio das três primeiras décadas” do século
3
XX (ALVES, 1996, p. 98). Esse mesmo processo de transformação é apresentado por Volpe
(2012, p. 4), referindo-se às primeiras décadas da República, quando o Rio apresenta as
características de um “[...] ideal cosmopolita de civilização e progresso” com o propósito de
“[...] integrar o Brasil no concerto das nações”, o que pressupunha a assunção “[...] do estilo
de vida europeu, mais precisamente, parisiense”. Também por isso, a Era Vargas foi pródiga
na busca e na consolidação de uma ideologia da Identidade Nacional brasileira. Nesse
contexto, uma das questões analisadas era um padrão nacional da pronúncia do português
brasileiro no canto.
Oscar Guanabarino estabeleceu um debate da maior importância para as artes e
cultura brasileiras da segunda metade do século XIX a fins da década de 1930. Abordou, em
seus textos críticos, assuntos com grande amplitude de temas correlacionados com as artes,
desde a arquitetura de salas de concertos até a pedagogia do ensino do piano. Não se limitou,
entretanto, a meros aspectos técnicos dos temas artísticos que comentava. Postou-se de forma
emblemática quanto às questões comportamentais, morais e sociológicos da sociedade carioca
naquele período. Relatou de maneira precisa a sociedade artística do Rio de Janeiro e, nesse
contexto, o padrão – ou a sua ausência – do idioma português falado no Brasil, ao analisar a
pronúncia de um cantor lírico. Por isso, é considerado por alguns pesquisadores “[...] o
fundador da crítica especializada no Brasil, [pois] [...] até então, a crítica era exercida pelos
folhetinistas, escritores e/ou jornalistas que, em sua grande maioria, freqüentavam as páginas
dos periódicos sem assinar os textos” (GIRON, 2004, p. 16).
2. O idioma e a questão da identidade nacional
A questão do idioma passa pela definição da identidade nacional que, também no
caso brasileiro, encontra ressonância na síntese proposta por Eric Hobsbawm que coloca o
problema como um processo dividido em três fases conforme a periodização: o princípio da
nacionalidade, considerada a primeira etapa do processo, ocorre entre 1830 e 1880,
coincidindo no Brasil, grosso modo, com o período do Segundo Império; a segunda etapa,
com o estabelecimento da ideia nacional correlacionando o idioma com a nação, ocorre entre
1880 e 1918; finalmente, a terceira fase, associada à consciência nacional e lealdades
políticas, define-se como a questão nacional que se processa a partir de 1918 e se conclui
entre as décadas de 1950 e 1960 (PASSAMAE, 2011).
Mário de Andrade (2006) traça um interessante paralelo do esquema de
Hobsbawm para o que poderia ser definido como a identidade da arte nacional. A ideia do
autor é que, a partir de uma arte aculturada, o artista se vê diante de um paradoxo configurado
4
pelo binômio hábito aculturado versus convicção da nacionalidade. Criou, então, um
interessante esquema também constituído por três fases para o estabelecimento da arte
nacional: a primeira denominou de fase da tese nacional; a segunda, de fase do sentimento
nacional; e a terceira chamou de fase da inconsciência nacional. Portanto, definido o nacional
(fase da tese), o artista passa a sentir-se conforme o estabelecido, estágio em que se
encontrava a arte brasileira em 1927, quando o autor propôs esses conceitos. Uma arte
genuinamente nacional, de qualquer nacionalidade, só se estabelece na terceira e última fase,
quando o artista produz inconscientemente, sem qualquer esforço intelectual direcionado, a
arte nacional. É quando a “Arte culta e o indivíduo culto sentem a sinceridade do hábito e a
sinceridade da convicção coincidirem” (ANDRADE, 2006, p. 34).
A reflexão de Mário de Andrade possui desta forma, rebatimento, mutatis
mutandis, sobre as discussões a cerca de um idioma nacional – ou um português brasileiro –
que se encontravam dentro do contexto da busca de uma identidade nacional numa
temporalidade subordinada a questões políticas e sociais que se priorizavam. Por exemplo, as
questões de fronteiras externas. Dessa forma, “[...] explicar, buscar o Brasil e identificar sua
verdadeira significação histórica foi também obra de intelectuais ligados à Antropologia, à
História e às artes em geral” (SERPA, 2001, p. 74). Assim, as soluções dos graves problemas
políticos nacionais não tiveram correspondência com os processos equivalentes, porém muito
mais violentos em outras nações, com soluções fratricidas, como a Guerra Civil Americana
para o problema da escravidão e a adoção de alternativas bélicas para expansão territorial,
conquista de impérios coloniais ou a solução de questões de fronteiras que se amalgamaram
na consolidação de suas identidades nacionais.
O desenvolvimento do processo da ideia nacional no Brasil, do ponto de vista da
cultura, tem procedimentos muito parecidos aos do processo político. Um bom exemplo é o
discurso de Mário de Andrade na abertura do primeiro Congresso da Língua Nacional
Cantada, em julho de 1937, publicado nos Anais do congresso e transcrito por Serpa: “[...] o
primeiro Congresso Musical do Brasil [...]” (ANDRADE, 1938, p. 717- 8 apud SERPA, 2001,
p. 71-2) cuja grande preocupação, entretanto, “[...] foi o estabelecimento de uma língua-
padrão, animado pelo desejo de bem servir à causa da nacionalidade brasileira nas artes da
linguagem e do canto”, resultando na publicação das Normas para a bôa pronúncia da língua
nacional no canto erudito (NORMAS, 1938, p. 6 apud KAYAMA et. al., 2007, p. 18).
Serpa (2001, p. 75), citando Luca (1999, p. 283), informa que Mário de Andrade
mostrava, desde 1922, a intenção “[...] de elaborar uma gramática da nossa fala, projeto
abandonado em 1929”, cuja proposta era se afastar dos discursos regionalistas correntes,
5
visando “[...] a estilização culta e não a fotografia popular [com o propósito] de escrever
brasileiro sem, por isso, ser caipira”. Condenava as obras com textos dualistas nos quais os
personagens sertanejos possuíam, justaposta, uma escrita diversa da escrita culta do autor.
Guanabarino, indiretamente, já vinha, desde as últimas décadas do século XIX,
propondo um procedimento para a criação de uma arte musical nacional cuja ideia
correspondia, em seu âmago, ao esquema descrito por Mário de Andrade. Na sua intenção de
se desenvolver uma linguagem musical brasileira a partir de Carlos Gomes, já se avistava o
paradoxo do binômio, ou seja, uma sonoridade aculturada debatendo-se com a convicção da
nacionalidade. Guanabarino considerava prioritária a preservação da qualidade musical de
Carlos Gomes enquanto se buscasse uma linguagem musical eminentemente nacional. Esse
processo poderia estar alinhado com o esquema que Mário de Andrade viria a definir
posteriormente. Relativamente ao idioma, como se verá adiante, criticava a maneira, em sua
visão, errada, de o brasileiro falar mesmo o idioma culto e, por consequência, transmutar
esses mesmos defeitos para o canto, visto que a linguagem escrita não refletia os defeitos
apontados.
3. As observações de Oscar Guanabarino
O texto de Guanabarino reflete suas observações e críticas no contexto dos
eventos associados às comemorações do Centenário da Independência que tinham, em sua
visão, a importância de um acontecimento de caráter internacional tanto do ponto de vista
político, quanto cívico e cultural relacionados com os artistas e orquestras internacionais que
visitavam o Rio de Janeiro nas comemorações do Centenário, conforme artigo seu publicado
no Jornal do Commercio, de 22-2-1922. Guanabarino não se limitou, como de resto não se
limitava, a abordar apenas matéria de crítica cultural. Tratou desde os temas ligados às artes
propriamente ditas, como a literatura, o teatro e a música, até os assuntos voltados para o
cotidiano, as relações sociais, o comportamento, a pedagogia musical e artística.
Mesmo reconhecendo o talento de algum executante a que assistia, Oscar
Guanabarino se obrigava a opinar, criticar, às vezes acidamente, alguma deficiência
identificada na execução da peça. Observava todos os aspectos: o técnico, o interpretativo e
até o comportamental. Era muito rigoroso quanto à gestualística na apresentação, ou seja, para
ele, os movimentos do executante poderiam desviar, pela comicidade, por exemplo, a atenção
sobre a peça musical em execução. Portanto, não basta o alto desempenho técnico para que a
apresentação ao vivo de uma peça possa ser admitida como de alto desempenho geral.
6
As observações de Guanabarino encontram respaldo teórico. Por exemplo, Benetti
Jr. (2011, p. 2), citando Juslin (2003, p. 276), conceitua a expressividade como “[...] um
conjunto de qualidades perceptíveis que refletem relações psicofísicas entre propriedades
objetivas da música e impressões subjetivas do ouvinte”. Tal conceito origina-se de uma
proposição do próprio Juslin referenciada ao traçado de um perfil psicológico para a
abordagem da expressividade. Nesse contexto, a expressividade passa a consistir num “[...]
fenômeno multidimensional com cinco componentes básicos: regras generativas, expressão
emocional, variações randômicas, princípios de movimento e imprevisibilidade estilística”.
Dessa forma, o comentário de Guanabarino reflete o impacto na atenção do público à música,
desviada pelos trejeitos inadequados de um executante, conforme a conceituação descrita por
Benetti (BENETTI, 2011, p. 2).
Portanto, com base nessa exposição, constata-se que as notas de Guanabarino não
se reputam apenas por intenso rigor estilístico. A execução não pode ser dissociada, conforme
expresso pelo crítico, do conjunto situacional do executante que compõe, a partir do todo
objetivo, as impressões positivas ou não do ouvinte. O conjunto situacional do executante
pode, neste caso, ser entendido como o “fenômeno multidimensional”, composto pela soma
dos componentes que envolvem o executante, ou seja, a iluminação, o modo de se trajar, a
expressão emocional, entre outros, de tal forma que a execução possa ser vista no todo, no
conjunto.
Nessa linha, Guanabarino analisa a performance de cantores que se apresentam,
durante o verão, no Rio. Retorna, como de costume, suas críticas à inadequação da época
devido ao calor da cidade e aproveita a oportunidade para teorizar sobre os defeitos de dicção
da linguagem falada no Brasil ou, excepcionalmente, no Rio de Janeiro. Avalia o desempenho
do tenor José Camargo e aponta duas de suas qualidades: “[...] a ausência dos sons
exageradamente nasais e a sua dicção corretíssima”. Viu-se impressionado com a maneira de
ele “[...] pronunciar tão clara e nitidamente de modo a não se lhe perder uma única sílaba”
(GUANABARINO, 1922, p. 2). O tenor José Camargo, natural de São Paulo, foi o primeiro
brasileiro a fazer parte oficialmente da Ópera de Paris, conforme ele próprio posteriormente
informou em uma entrevista ao jornal Correio da Manhã, de 23-10-1927.
A partir dessas notas, Guanabarino passa a descrever suas observações quanto à
dicção do brasileiro. Não fica muito clara a amplitude de suas reflexões: brasileiro de onde?
Do Rio, a capital? Entretanto, desconsiderando-se essa relevante fronteira objetiva,
Guanabarino se reporta ao modo de falar brasileiro considerando que “[...] nós brasileiros
temos a dicção defeituosa; falamos com a boca fechada e não pomos em prática a firmeza das
7
consoantes sobre as vogais; falando para dentro, ao contrário do que fazem os portugueses e
mais acentuadamente os italianos” (GUANABARINO, 1922, p. 2).
Observa que o tenor analisado “[...] canta abrindo a boca e batendo as consoantes,
de modo que a sua dicção é tão perfeita como a dos franceses que sabem cantar”
(GUANABARINO, 1922, p. 2). Interessante notar que a primeira tentativa para o
estabelecimento de normas e padrões formais para a pronúncia do português brasileiro nas
atividades de canto erudito vem a ocorrer a partir de 1937, com a publicação da primeira
norma em 1938 (KAYAMA, 2007, p. 3). Vê-se, portanto, que a discussão sobre esse tema
fora antecipada por Guanabarino cerca de 16 anos.
4. Breves notas sobre a situação atual das Normas
O cenário mais recente do processo de padronização é o resultado do Grupo de
Trabalho A Língua Portuguesa no Repertório Vocal Erudito Brasileiro, originário do XIV
Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (Anppom),
ocorrido na cidade de Porto Alegre, em 2003. O trabalho do GT evoluiu passando, em 2007,
pelo GT O Português Brasileiro Cantado do XVII Congresso da Anppom realizado São
Paulo com o propósito de atualizar e aperfeiçoar conteúdos dos trabalhos anteriores.
Kayama et al. (2007) apresentam um breve histórico das Normas de pronúncia do
português brasileiro no canto. Essa é a parte do trabalho que atende aos propósitos deste
artigo. Não se têm notícias, pelo menos até este momento, de abordagem do assunto
referindo-se à necessidade de normatização de padrão anterior ao texto publicado por Oscar
Guanabarino em 1922, visto que apenas parte dos propósitos de Mário de Andrade se alinham
com os preceitos de Guanabarino na prática.
Além disso, ao que parece, há também uma questão de metodologia que os difere:
Mário de Andrade propunha, antropofagicamente, que os elementos da linguagem popular
fossem sintetizados no idioma culto de forma indutiva, ou seja, do geral para o particular,
enquanto Guanabarino sugeria normatizar a fala da linguagem brasileira culta para, a partir
daí e por meio da educação formal, disseminar a fala do brasileiro, ou seja, a partir do
específico – ou particular – para o geral numa abordagem metodológica dedutiva. É evidente
que as referências a se normatizar um padrão do português brasileiro tratam do idioma falado,
pois a própria gramática portuguesa já se constituía e se constitui em norma do idioma culto.
8
5. Conclusão
No contexto das primeiras décadas da República, culminando, mas não se
limitando no tempo, às políticas nacionalistas do Estado Novo, parece bastante evidente a
busca multifacetada pela consolidação de um projeto de nação brasileira. As diferentes
abordagens dessas facetas incluem, além dos aspectos políticos, econômicos, sociais, militares
etc., uma abordagem de uma cultura nacional autenticamente brasileira. A questão do
português brasileiro se justifica, como pode ser observado nos esquemas propostos, de um
lado por Hobsbawm para a questão nacional e, por outro lado, por Mário de Andrade para a
arte, ora definida como a identidade da arte nacional.
Desde fins do século XIX, Oscar Guanabarino vinha também expressando certa
inquietação em seus textos sobre uma arte genuinamente brasileira, estabelecendo diversos e
acalorados debates até sua morte, em 1937, para a definição de processos e procedimentos
que pudessem consolidar a solução para a problemática da identidade da arte nacional. Uma
das questões postas foi a necessidade de se estabelecer e consolidar formalmente as nuances
do idioma nacional brasileiro, principalmente o idioma falado.
Uma dessas nuances pode ser entendida, retomando Juslin, como os componentes
básicos da expressividade, notadamente a que se refere a regras gerais para as impressões
subjetivas do ouvinte e, portanto, do perfeito entendimento do contexto do discurso, não
obstante, no caso do idioma, a regulação configurada pela gramática. Nessa linha, os
componentes básicos da expressividade do português brasileiro no canto necessitavam ser
postos em questão.
A análise da fonética dos cantores, comparada com a fonética do português falado
no Brasil, notadamente no Rio de Janeiro, torna a reflexão de Guanabarino particularmente
interessante pelo fato de ter sido publicada com a antecipação de 16 anos ao estabelecimento
de normas e padrões formais para a pronúncia do português brasileiro nas atividades de canto
erudito. A análise, ao que parece, faria de Guanabarino um dos primeiros a refletir sobre o
estruturalismo do português falado no Brasil.
A constatação de que o processo se iniciou em 1937 e que se encontra ainda em
andamento com as atualizações pertinentes e necessárias para qualquer idioma vivo, além de
se constatar, na atualidade, estudos e pesquisas importantes na área, parece evidenciar que a
contribuição de Oscar Guanabarino teria relevante importância histórica na consolidação das
Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito.
9
Referências:
ALVES, Marcelo. A belle époque do Brasil orgulhosamente apresenta: as aventuras do
homus cinematrografus estrelando João do Rio. Anuário de literatura, 1996. p. 97-117.
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia,
2006.
BENETTI JUNIOR, Alfonso. Expressividade e performance pianística: estratégias de estudo.
Performa’11- Encontros de Investigação em Performance, 19-21, Universidade de Aveiro,
Departamento de Comunicação e Arte, Aveiro (Portugal), maio 2011.
GUANABARINO, Oscar. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 22 fev. 1922. Pelo Mundo
das Artes, p. 2.
KAYAMA, Adriana et al. PB Cantado: normas para a pronúncia do português brasileiro no
canto erudito. Opus, Goiânia, v. 13, n. 2, p. 16-38, dez. 2007.
PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Radamés Gnattali, a era Vargas, o rádio e a
construção da identidade nacional. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 21., 2011, Uberlândia/MG. Anais ...
Uberlândia: Anpom, 2011. p 1.040 – 1.045.
SERPA, Élio. Congresso da Língua Nacional Cantada de 1937: “A insensatez maravilhosa da
militarização das vogais” nacionalismo, raça e língua. Diálogos Latinoamericanos, Aarhus
(Dinamarca), n. 3, 2001. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=16200303>.
Acesso em: 24 jun. 2014.
VOLPE, Maria Alice. A batalha dos símbolos: ópera no Brasil, da Monarquia à República. In:
VOLPE, Maria Alice (Org.). Atualidade da ópera. Rio de Janeiro: Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Escola de Música, Programa de Pós-Graduação em Música, 2012. v. 1 (Série
Simpósio Internacional de Musicologia da UFRJ).
- TRABALHOS PUBLICADOS ONLINE
SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) [se houver]. Título do trabalho:
subtítulo [se houver]. Local de publicação: Editora, ano. Disponível em: <http://...>. Acesso
em: dia mês abreviado ano.
- MATERIAL AUDIOVISUAL (IMAGEM EM MOVIMENTO) EM MEIO ELETRÔNICO:
Inclui arquivos em diversos formatos como MPEG, AVI, FLV, MOV, entre outros. Os
elementos essenciais são: Nome da página, Endereço, Data de acesso (Quando necessário,
acrescentam-se elementos complementares à referência para melhor identificar o documento:
formato, tamanho, nome do arquivo, título, data de gravação, diretor, produtor, local,
produtora, descrição do suporte.)
ENTOADOS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sBswNbF3HTcAcesso em:
02 out 2014. Dur: 26:59. (Documentário sobre sineiros dos municípios mineiros de Catas
Altas, Diamantina, Ouro Preto, São João del-Rei, Tiradentes e Mariana).
9
Referências:
ALVES, Marcelo. A belle époque do Brasil orgulhosamente apresenta: as aventuras do
homus cinematrografus estrelando João do Rio. Anuário de literatura, 1996. p. 97-117.
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia,
2006.
BENETTI JUNIOR, Alfonso. Expressividade e performance pianística: estratégias de estudo.
Performa’11- Encontros de Investigação em Performance, 19-21, Universidade de Aveiro,
Departamento de Comunicação e Arte, Aveiro (Portugal), maio 2011.
GUANABARINO, Oscar. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 22 fev. 1922. Pelo Mundo
das Artes, p. 2.
KAYAMA, Adriana et al. PB Cantado: normas para a pronúncia do português brasileiro no
canto erudito. Opus, Goiânia, v. 13, n. 2, p. 16-38, dez. 2007.
PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Radamés Gnattali, a era Vargas, o rádio e a
construção da identidade nacional. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 21., 2011, Uberlândia/MG. Anais ...
Uberlândia: Anpom, 2011. p 1.040 – 1.045.
SERPA, Élio. Congresso da Língua Nacional Cantada de 1937: “A insensatez maravilhosa da
militarização das vogais” nacionalismo, raça e língua. Diálogos Latinoamericanos, Aarhus
(Dinamarca), n. 3, 2001. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=16200303>.
Acesso em: 24 jun. 2014.
VOLPE, Maria Alice. A batalha dos símbolos: ópera no Brasil, da Monarquia à República. In:
VOLPE, Maria Alice (Org.). Atualidade da ópera. Rio de Janeiro: Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Escola de Música, Programa de Pós-Graduação em Música, 2012. v. 1 (Série
Simpósio Internacional de Musicologia da UFRJ).
- TRABALHOS PUBLICADOS ONLINE
SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) [se houver]. Título do trabalho:
subtítulo [se houver]. Local de publicação: Editora, ano. Disponível em: <http://...>. Acesso
em: dia mês abreviado ano.
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Inclui arquivos em diversos formatos como MPEG, AVI, FLV, MOV, entre outros. Os
elementos essenciais são: Nome da página, Endereço, Data de acesso (Quando necessário,
acrescentam-se elementos complementares à referência para melhor identificar o documento:
formato, tamanho, nome do arquivo, título, data de gravação, diretor, produtor, local,
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ENTOADOS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sBswNbF3HTcAcesso em:
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Oscar guanabarino e o português brasileiro no canto erudito

  • 1. OSCAR GUANABARINO E O PORTUGUÊS BRASILEIRO NO CANTO ERUDITO Maria Aparecida dos Reis Valiatti Passamae1 Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ SIMPOM: Musicologia aparecidavaliatti@hotmail.com Resumo: O objetivo deste trabalho é comentar um texto de Oscar Guanabarino (1851-1937), publicado em 1922, que antecipa, em cerca de 16 anos, os problemas de pronúncia do português brasileiro e a necessidade de um padrão para o canto lírico, padrão este que veio a se efetivar em 1938. O artigo não pretende tratar dos aspectos técnicos ligados à fonética, dicção ou às Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto lírico, mas oferecer uma contribuição aos aspectos históricos que vieram a estabelecer e consolidar essas Normas. A questão trafega por uma problemática mais ampla que trata de aspectos políticos, ideológicos, sociológicos e culturais que aqui se resume com a definição da identidade nacional que inclui um subproblema que pode também ser definido como a questão da identidade da arte nacional. Para o entendimento e análise do problema, adotou-se o modelo esquemático de Eric Hobsbawm para a questão da identidade nacional e um modelo esquemático correlato proposto por Mário de Andrade para a questão da identidade da arte nacional, embora o modelo esquemático de Mário de Andrade tenha sido proposto em 1927, ou seja, meia década após a análise de Guanabarino. A contribuição de Oscar Guanabarino procede de uma análise da fonética de um determinado cantor lírico comparada com a fonética do português falado no Brasil. É a partir dessa análise, portanto, que Guanabarino, se tornaria um dos primeiros intelectuais a discutir o estruturalismo do português falado no Brasil. Desse modo, sua contribuição pode ser de relevante importância histórica na consolidação das Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito. Palavras-chave: Canto lírico; Português brasileiro; Normas para a pronúncia; Oscar Guanabarino. Oscar Guanabarino and Brazilian Portuguese in Classical Singing Abstract: The objective of this paper is to discuss a text published on 1922 by Oscar Guanabarino (1851-1937) which anticipates in about 16 years the problems of pronunciation of Brazilian Portuguese and the necessity for a standard for classical singing that came to become effective in 1938. Therefore, the work do not intend deal with technical aspects of phonetics, diction or the Standards for the pronunciation of classical singing in Brazilian Portuguese, but offer a contribution to the historical aspects that have come to establish and consolidate the Standards. The question transits through a broader issue that deals with political, ideological, sociological and cultural aspects here summarized in the context of a definition of national identity that includes a a sub problem which can also be defined as the 1 Orientadora: Maria Alice Volpe, Dra.
  • 2. 2 question of the identity of national art. To the understanding and the analysis of the problem, it was adopted the schematic model of Eric Hobsbawm to the question of national identity and a correlate schematic model proposed by Mario de Andrade to the question of identity of national art, although the schematic model of Mário de Andrade has been proposed in 1927, ie, half a decade after the Guanabarino's analysis. The contribution of Oscar Guanabarino comes from a phonetic analysis of a particular opera singer compared with the phonetics of the Portuguese spoken in Brazil. So deterministically, a people who speaks minimally standardized, should sing in accordance with the accepted standard. It is from this analysis, therefore, that Guanabarino, it seems, would become one of the first intellectuals to discuss on the structuralism of the Portuguese spoken in Brazil. Thus, his contribution could have relevant historical importance in consolidating the standards for Brazilian Portuguese pronunciation in classical singing. Keywords: Classical Singing; Brazilian Portuguese; Standards for Pronunciation; Oscar Guanabarino. 1. Introdução O objetivo deste trabalho é comentar um texto de Oscar Guanabarino, de 1922, que antecipa, em cerca de 16 anos, os problemas de pronúncia do português brasileiro e a necessidade de um padrão para o canto lírico, padrão este que veio a se efetivar em 1938. Portanto, este artigo não pretende tratar dos aspectos técnicos ligados à fonética, dicção ou às Normas para o português brasileiro no canto lírico, mas oferecer uma contribuição aos aspectos históricos que vieram a estabelecer e consolidar as Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito. As mudanças propostas na linguagem cultural pressupõem o reflexo de transformações comportamentais da sociedade envolvida ou a pretensão de transformá-la mediante a consumação, como reflexo, da arte no comportamento e no gosto daquela sociedade com a qual a linguagem cultural busca interagir. Um país continental e com as dificuldades de comunicação do Brasil, da segunda metade do século XIX até a primeira metade do século XX, carecia de um processo de consolidação de unidade cultural, guardadas as diversidades regionais, principalmente a partir da República, visto que já não se podia contar com o elemento unificante representado na figura do monarca, o Imperador Pedro II. O padrão civilizatório do Rio de Janeiro, a capital, nas primeiras décadas da República continuava francês, basta lembrar que o hino do Partido Republicano era a Marselhesa. Paris, a cidade das luzes, formadora de “[...] grande parte da intelligentsia brasileira”, vem também representar um modelo de civilização moderna a tal ponto “[...] que rendeu até mesmo uma belle époque tupiniquim no Rio das três primeiras décadas” do século
  • 3. 3 XX (ALVES, 1996, p. 98). Esse mesmo processo de transformação é apresentado por Volpe (2012, p. 4), referindo-se às primeiras décadas da República, quando o Rio apresenta as características de um “[...] ideal cosmopolita de civilização e progresso” com o propósito de “[...] integrar o Brasil no concerto das nações”, o que pressupunha a assunção “[...] do estilo de vida europeu, mais precisamente, parisiense”. Também por isso, a Era Vargas foi pródiga na busca e na consolidação de uma ideologia da Identidade Nacional brasileira. Nesse contexto, uma das questões analisadas era um padrão nacional da pronúncia do português brasileiro no canto. Oscar Guanabarino estabeleceu um debate da maior importância para as artes e cultura brasileiras da segunda metade do século XIX a fins da década de 1930. Abordou, em seus textos críticos, assuntos com grande amplitude de temas correlacionados com as artes, desde a arquitetura de salas de concertos até a pedagogia do ensino do piano. Não se limitou, entretanto, a meros aspectos técnicos dos temas artísticos que comentava. Postou-se de forma emblemática quanto às questões comportamentais, morais e sociológicos da sociedade carioca naquele período. Relatou de maneira precisa a sociedade artística do Rio de Janeiro e, nesse contexto, o padrão – ou a sua ausência – do idioma português falado no Brasil, ao analisar a pronúncia de um cantor lírico. Por isso, é considerado por alguns pesquisadores “[...] o fundador da crítica especializada no Brasil, [pois] [...] até então, a crítica era exercida pelos folhetinistas, escritores e/ou jornalistas que, em sua grande maioria, freqüentavam as páginas dos periódicos sem assinar os textos” (GIRON, 2004, p. 16). 2. O idioma e a questão da identidade nacional A questão do idioma passa pela definição da identidade nacional que, também no caso brasileiro, encontra ressonância na síntese proposta por Eric Hobsbawm que coloca o problema como um processo dividido em três fases conforme a periodização: o princípio da nacionalidade, considerada a primeira etapa do processo, ocorre entre 1830 e 1880, coincidindo no Brasil, grosso modo, com o período do Segundo Império; a segunda etapa, com o estabelecimento da ideia nacional correlacionando o idioma com a nação, ocorre entre 1880 e 1918; finalmente, a terceira fase, associada à consciência nacional e lealdades políticas, define-se como a questão nacional que se processa a partir de 1918 e se conclui entre as décadas de 1950 e 1960 (PASSAMAE, 2011). Mário de Andrade (2006) traça um interessante paralelo do esquema de Hobsbawm para o que poderia ser definido como a identidade da arte nacional. A ideia do autor é que, a partir de uma arte aculturada, o artista se vê diante de um paradoxo configurado
  • 4. 4 pelo binômio hábito aculturado versus convicção da nacionalidade. Criou, então, um interessante esquema também constituído por três fases para o estabelecimento da arte nacional: a primeira denominou de fase da tese nacional; a segunda, de fase do sentimento nacional; e a terceira chamou de fase da inconsciência nacional. Portanto, definido o nacional (fase da tese), o artista passa a sentir-se conforme o estabelecido, estágio em que se encontrava a arte brasileira em 1927, quando o autor propôs esses conceitos. Uma arte genuinamente nacional, de qualquer nacionalidade, só se estabelece na terceira e última fase, quando o artista produz inconscientemente, sem qualquer esforço intelectual direcionado, a arte nacional. É quando a “Arte culta e o indivíduo culto sentem a sinceridade do hábito e a sinceridade da convicção coincidirem” (ANDRADE, 2006, p. 34). A reflexão de Mário de Andrade possui desta forma, rebatimento, mutatis mutandis, sobre as discussões a cerca de um idioma nacional – ou um português brasileiro – que se encontravam dentro do contexto da busca de uma identidade nacional numa temporalidade subordinada a questões políticas e sociais que se priorizavam. Por exemplo, as questões de fronteiras externas. Dessa forma, “[...] explicar, buscar o Brasil e identificar sua verdadeira significação histórica foi também obra de intelectuais ligados à Antropologia, à História e às artes em geral” (SERPA, 2001, p. 74). Assim, as soluções dos graves problemas políticos nacionais não tiveram correspondência com os processos equivalentes, porém muito mais violentos em outras nações, com soluções fratricidas, como a Guerra Civil Americana para o problema da escravidão e a adoção de alternativas bélicas para expansão territorial, conquista de impérios coloniais ou a solução de questões de fronteiras que se amalgamaram na consolidação de suas identidades nacionais. O desenvolvimento do processo da ideia nacional no Brasil, do ponto de vista da cultura, tem procedimentos muito parecidos aos do processo político. Um bom exemplo é o discurso de Mário de Andrade na abertura do primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, em julho de 1937, publicado nos Anais do congresso e transcrito por Serpa: “[...] o primeiro Congresso Musical do Brasil [...]” (ANDRADE, 1938, p. 717- 8 apud SERPA, 2001, p. 71-2) cuja grande preocupação, entretanto, “[...] foi o estabelecimento de uma língua- padrão, animado pelo desejo de bem servir à causa da nacionalidade brasileira nas artes da linguagem e do canto”, resultando na publicação das Normas para a bôa pronúncia da língua nacional no canto erudito (NORMAS, 1938, p. 6 apud KAYAMA et. al., 2007, p. 18). Serpa (2001, p. 75), citando Luca (1999, p. 283), informa que Mário de Andrade mostrava, desde 1922, a intenção “[...] de elaborar uma gramática da nossa fala, projeto abandonado em 1929”, cuja proposta era se afastar dos discursos regionalistas correntes,
  • 5. 5 visando “[...] a estilização culta e não a fotografia popular [com o propósito] de escrever brasileiro sem, por isso, ser caipira”. Condenava as obras com textos dualistas nos quais os personagens sertanejos possuíam, justaposta, uma escrita diversa da escrita culta do autor. Guanabarino, indiretamente, já vinha, desde as últimas décadas do século XIX, propondo um procedimento para a criação de uma arte musical nacional cuja ideia correspondia, em seu âmago, ao esquema descrito por Mário de Andrade. Na sua intenção de se desenvolver uma linguagem musical brasileira a partir de Carlos Gomes, já se avistava o paradoxo do binômio, ou seja, uma sonoridade aculturada debatendo-se com a convicção da nacionalidade. Guanabarino considerava prioritária a preservação da qualidade musical de Carlos Gomes enquanto se buscasse uma linguagem musical eminentemente nacional. Esse processo poderia estar alinhado com o esquema que Mário de Andrade viria a definir posteriormente. Relativamente ao idioma, como se verá adiante, criticava a maneira, em sua visão, errada, de o brasileiro falar mesmo o idioma culto e, por consequência, transmutar esses mesmos defeitos para o canto, visto que a linguagem escrita não refletia os defeitos apontados. 3. As observações de Oscar Guanabarino O texto de Guanabarino reflete suas observações e críticas no contexto dos eventos associados às comemorações do Centenário da Independência que tinham, em sua visão, a importância de um acontecimento de caráter internacional tanto do ponto de vista político, quanto cívico e cultural relacionados com os artistas e orquestras internacionais que visitavam o Rio de Janeiro nas comemorações do Centenário, conforme artigo seu publicado no Jornal do Commercio, de 22-2-1922. Guanabarino não se limitou, como de resto não se limitava, a abordar apenas matéria de crítica cultural. Tratou desde os temas ligados às artes propriamente ditas, como a literatura, o teatro e a música, até os assuntos voltados para o cotidiano, as relações sociais, o comportamento, a pedagogia musical e artística. Mesmo reconhecendo o talento de algum executante a que assistia, Oscar Guanabarino se obrigava a opinar, criticar, às vezes acidamente, alguma deficiência identificada na execução da peça. Observava todos os aspectos: o técnico, o interpretativo e até o comportamental. Era muito rigoroso quanto à gestualística na apresentação, ou seja, para ele, os movimentos do executante poderiam desviar, pela comicidade, por exemplo, a atenção sobre a peça musical em execução. Portanto, não basta o alto desempenho técnico para que a apresentação ao vivo de uma peça possa ser admitida como de alto desempenho geral.
  • 6. 6 As observações de Guanabarino encontram respaldo teórico. Por exemplo, Benetti Jr. (2011, p. 2), citando Juslin (2003, p. 276), conceitua a expressividade como “[...] um conjunto de qualidades perceptíveis que refletem relações psicofísicas entre propriedades objetivas da música e impressões subjetivas do ouvinte”. Tal conceito origina-se de uma proposição do próprio Juslin referenciada ao traçado de um perfil psicológico para a abordagem da expressividade. Nesse contexto, a expressividade passa a consistir num “[...] fenômeno multidimensional com cinco componentes básicos: regras generativas, expressão emocional, variações randômicas, princípios de movimento e imprevisibilidade estilística”. Dessa forma, o comentário de Guanabarino reflete o impacto na atenção do público à música, desviada pelos trejeitos inadequados de um executante, conforme a conceituação descrita por Benetti (BENETTI, 2011, p. 2). Portanto, com base nessa exposição, constata-se que as notas de Guanabarino não se reputam apenas por intenso rigor estilístico. A execução não pode ser dissociada, conforme expresso pelo crítico, do conjunto situacional do executante que compõe, a partir do todo objetivo, as impressões positivas ou não do ouvinte. O conjunto situacional do executante pode, neste caso, ser entendido como o “fenômeno multidimensional”, composto pela soma dos componentes que envolvem o executante, ou seja, a iluminação, o modo de se trajar, a expressão emocional, entre outros, de tal forma que a execução possa ser vista no todo, no conjunto. Nessa linha, Guanabarino analisa a performance de cantores que se apresentam, durante o verão, no Rio. Retorna, como de costume, suas críticas à inadequação da época devido ao calor da cidade e aproveita a oportunidade para teorizar sobre os defeitos de dicção da linguagem falada no Brasil ou, excepcionalmente, no Rio de Janeiro. Avalia o desempenho do tenor José Camargo e aponta duas de suas qualidades: “[...] a ausência dos sons exageradamente nasais e a sua dicção corretíssima”. Viu-se impressionado com a maneira de ele “[...] pronunciar tão clara e nitidamente de modo a não se lhe perder uma única sílaba” (GUANABARINO, 1922, p. 2). O tenor José Camargo, natural de São Paulo, foi o primeiro brasileiro a fazer parte oficialmente da Ópera de Paris, conforme ele próprio posteriormente informou em uma entrevista ao jornal Correio da Manhã, de 23-10-1927. A partir dessas notas, Guanabarino passa a descrever suas observações quanto à dicção do brasileiro. Não fica muito clara a amplitude de suas reflexões: brasileiro de onde? Do Rio, a capital? Entretanto, desconsiderando-se essa relevante fronteira objetiva, Guanabarino se reporta ao modo de falar brasileiro considerando que “[...] nós brasileiros temos a dicção defeituosa; falamos com a boca fechada e não pomos em prática a firmeza das
  • 7. 7 consoantes sobre as vogais; falando para dentro, ao contrário do que fazem os portugueses e mais acentuadamente os italianos” (GUANABARINO, 1922, p. 2). Observa que o tenor analisado “[...] canta abrindo a boca e batendo as consoantes, de modo que a sua dicção é tão perfeita como a dos franceses que sabem cantar” (GUANABARINO, 1922, p. 2). Interessante notar que a primeira tentativa para o estabelecimento de normas e padrões formais para a pronúncia do português brasileiro nas atividades de canto erudito vem a ocorrer a partir de 1937, com a publicação da primeira norma em 1938 (KAYAMA, 2007, p. 3). Vê-se, portanto, que a discussão sobre esse tema fora antecipada por Guanabarino cerca de 16 anos. 4. Breves notas sobre a situação atual das Normas O cenário mais recente do processo de padronização é o resultado do Grupo de Trabalho A Língua Portuguesa no Repertório Vocal Erudito Brasileiro, originário do XIV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (Anppom), ocorrido na cidade de Porto Alegre, em 2003. O trabalho do GT evoluiu passando, em 2007, pelo GT O Português Brasileiro Cantado do XVII Congresso da Anppom realizado São Paulo com o propósito de atualizar e aperfeiçoar conteúdos dos trabalhos anteriores. Kayama et al. (2007) apresentam um breve histórico das Normas de pronúncia do português brasileiro no canto. Essa é a parte do trabalho que atende aos propósitos deste artigo. Não se têm notícias, pelo menos até este momento, de abordagem do assunto referindo-se à necessidade de normatização de padrão anterior ao texto publicado por Oscar Guanabarino em 1922, visto que apenas parte dos propósitos de Mário de Andrade se alinham com os preceitos de Guanabarino na prática. Além disso, ao que parece, há também uma questão de metodologia que os difere: Mário de Andrade propunha, antropofagicamente, que os elementos da linguagem popular fossem sintetizados no idioma culto de forma indutiva, ou seja, do geral para o particular, enquanto Guanabarino sugeria normatizar a fala da linguagem brasileira culta para, a partir daí e por meio da educação formal, disseminar a fala do brasileiro, ou seja, a partir do específico – ou particular – para o geral numa abordagem metodológica dedutiva. É evidente que as referências a se normatizar um padrão do português brasileiro tratam do idioma falado, pois a própria gramática portuguesa já se constituía e se constitui em norma do idioma culto.
  • 8. 8 5. Conclusão No contexto das primeiras décadas da República, culminando, mas não se limitando no tempo, às políticas nacionalistas do Estado Novo, parece bastante evidente a busca multifacetada pela consolidação de um projeto de nação brasileira. As diferentes abordagens dessas facetas incluem, além dos aspectos políticos, econômicos, sociais, militares etc., uma abordagem de uma cultura nacional autenticamente brasileira. A questão do português brasileiro se justifica, como pode ser observado nos esquemas propostos, de um lado por Hobsbawm para a questão nacional e, por outro lado, por Mário de Andrade para a arte, ora definida como a identidade da arte nacional. Desde fins do século XIX, Oscar Guanabarino vinha também expressando certa inquietação em seus textos sobre uma arte genuinamente brasileira, estabelecendo diversos e acalorados debates até sua morte, em 1937, para a definição de processos e procedimentos que pudessem consolidar a solução para a problemática da identidade da arte nacional. Uma das questões postas foi a necessidade de se estabelecer e consolidar formalmente as nuances do idioma nacional brasileiro, principalmente o idioma falado. Uma dessas nuances pode ser entendida, retomando Juslin, como os componentes básicos da expressividade, notadamente a que se refere a regras gerais para as impressões subjetivas do ouvinte e, portanto, do perfeito entendimento do contexto do discurso, não obstante, no caso do idioma, a regulação configurada pela gramática. Nessa linha, os componentes básicos da expressividade do português brasileiro no canto necessitavam ser postos em questão. A análise da fonética dos cantores, comparada com a fonética do português falado no Brasil, notadamente no Rio de Janeiro, torna a reflexão de Guanabarino particularmente interessante pelo fato de ter sido publicada com a antecipação de 16 anos ao estabelecimento de normas e padrões formais para a pronúncia do português brasileiro nas atividades de canto erudito. A análise, ao que parece, faria de Guanabarino um dos primeiros a refletir sobre o estruturalismo do português falado no Brasil. A constatação de que o processo se iniciou em 1937 e que se encontra ainda em andamento com as atualizações pertinentes e necessárias para qualquer idioma vivo, além de se constatar, na atualidade, estudos e pesquisas importantes na área, parece evidenciar que a contribuição de Oscar Guanabarino teria relevante importância histórica na consolidação das Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito.
  • 9. 9 Referências: ALVES, Marcelo. A belle époque do Brasil orgulhosamente apresenta: as aventuras do homus cinematrografus estrelando João do Rio. Anuário de literatura, 1996. p. 97-117. ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2006. BENETTI JUNIOR, Alfonso. Expressividade e performance pianística: estratégias de estudo. Performa’11- Encontros de Investigação em Performance, 19-21, Universidade de Aveiro, Departamento de Comunicação e Arte, Aveiro (Portugal), maio 2011. GUANABARINO, Oscar. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 22 fev. 1922. Pelo Mundo das Artes, p. 2. KAYAMA, Adriana et al. PB Cantado: normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito. Opus, Goiânia, v. 13, n. 2, p. 16-38, dez. 2007. PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Radamés Gnattali, a era Vargas, o rádio e a construção da identidade nacional. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 21., 2011, Uberlândia/MG. Anais ... Uberlândia: Anpom, 2011. p 1.040 – 1.045. SERPA, Élio. Congresso da Língua Nacional Cantada de 1937: “A insensatez maravilhosa da militarização das vogais” nacionalismo, raça e língua. Diálogos Latinoamericanos, Aarhus (Dinamarca), n. 3, 2001. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=16200303>. Acesso em: 24 jun. 2014. VOLPE, Maria Alice. A batalha dos símbolos: ópera no Brasil, da Monarquia à República. In: VOLPE, Maria Alice (Org.). Atualidade da ópera. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Música, Programa de Pós-Graduação em Música, 2012. v. 1 (Série Simpósio Internacional de Musicologia da UFRJ). - TRABALHOS PUBLICADOS ONLINE SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) [se houver]. Título do trabalho: subtítulo [se houver]. Local de publicação: Editora, ano. Disponível em: <http://...>. Acesso em: dia mês abreviado ano. - MATERIAL AUDIOVISUAL (IMAGEM EM MOVIMENTO) EM MEIO ELETRÔNICO: Inclui arquivos em diversos formatos como MPEG, AVI, FLV, MOV, entre outros. Os elementos essenciais são: Nome da página, Endereço, Data de acesso (Quando necessário, acrescentam-se elementos complementares à referência para melhor identificar o documento: formato, tamanho, nome do arquivo, título, data de gravação, diretor, produtor, local, produtora, descrição do suporte.) ENTOADOS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sBswNbF3HTcAcesso em: 02 out 2014. Dur: 26:59. (Documentário sobre sineiros dos municípios mineiros de Catas Altas, Diamantina, Ouro Preto, São João del-Rei, Tiradentes e Mariana).
  • 10. 9 Referências: ALVES, Marcelo. A belle époque do Brasil orgulhosamente apresenta: as aventuras do homus cinematrografus estrelando João do Rio. Anuário de literatura, 1996. p. 97-117. ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2006. BENETTI JUNIOR, Alfonso. Expressividade e performance pianística: estratégias de estudo. Performa’11- Encontros de Investigação em Performance, 19-21, Universidade de Aveiro, Departamento de Comunicação e Arte, Aveiro (Portugal), maio 2011. GUANABARINO, Oscar. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 22 fev. 1922. Pelo Mundo das Artes, p. 2. KAYAMA, Adriana et al. PB Cantado: normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito. Opus, Goiânia, v. 13, n. 2, p. 16-38, dez. 2007. PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Radamés Gnattali, a era Vargas, o rádio e a construção da identidade nacional. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 21., 2011, Uberlândia/MG. Anais ... Uberlândia: Anpom, 2011. p 1.040 – 1.045. SERPA, Élio. Congresso da Língua Nacional Cantada de 1937: “A insensatez maravilhosa da militarização das vogais” nacionalismo, raça e língua. Diálogos Latinoamericanos, Aarhus (Dinamarca), n. 3, 2001. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=16200303>. Acesso em: 24 jun. 2014. VOLPE, Maria Alice. A batalha dos símbolos: ópera no Brasil, da Monarquia à República. In: VOLPE, Maria Alice (Org.). Atualidade da ópera. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Música, Programa de Pós-Graduação em Música, 2012. v. 1 (Série Simpósio Internacional de Musicologia da UFRJ). - TRABALHOS PUBLICADOS ONLINE SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) [se houver]. Título do trabalho: subtítulo [se houver]. Local de publicação: Editora, ano. Disponível em: <http://...>. Acesso em: dia mês abreviado ano. - MATERIAL AUDIOVISUAL (IMAGEM EM MOVIMENTO) EM MEIO ELETRÔNICO: Inclui arquivos em diversos formatos como MPEG, AVI, FLV, MOV, entre outros. Os elementos essenciais são: Nome da página, Endereço, Data de acesso (Quando necessário, acrescentam-se elementos complementares à referência para melhor identificar o documento: formato, tamanho, nome do arquivo, título, data de gravação, diretor, produtor, local, produtora, descrição do suporte.) ENTOADOS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sBswNbF3HTcAcesso em: 02 out 2014. Dur: 26:59. (Documentário sobre sineiros dos municípios mineiros de Catas Altas, Diamantina, Ouro Preto, São João del-Rei, Tiradentes e Mariana).