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 Análise retórica em André da Silva Gomes: exemplos de figuras retórico-
                                musicais
                                                                                        Eliel Almeida Soares
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                                                                                           USP- dmneto@usp.br

            Resumo: O presente artigo tem como proposta apresentar o pensamento musical de André da
            Silva Gomes através da utilização de figuras retóricas em suas composições, demonstrando que o
            compositor tinha consciência de seu discurso anacrônico. Para tanto, utilizamos de ferramentas
            analíticas necessárias à compreensão da linguagem retórica do compositor luso-brasileiro a serviço
            da eloquência e persuasão. Embora a pesquisa esteja em fase inicial, obtivemos alguns resultados
            em relação ao emprego da retórica pelo autor, os quais serão expostos ao longo do trabalho.

            Palavras-chave: Análise, Figuras Retóricas, André da Silva Gomes, Música Colonial Brasileira.


     Rhetorical Analysis in André da Silva Gomes: Examples of the Musical-Rhetorical Figures Use

            Abstract: The present article aims to show the musical thinking of André da Silva Gomes through
            the use of rhetorical figures in his compositions, demonstrating that the composer was aware of his
            speech anachronistic. In this sense, we used the necessary analytical tools to understand the
            rhetorical language of the Luso-Brazilian composer in the service of eloquence and persuasion.
            Although the research is in its early initial stage, we obtained some results in relation to the use of
            rhetoric by the author, which will be exhibited throughout the work.

            Keywords: Analysis, Rhetorical Figures, André da Silva Gomes, Brazilian Colonial Music.



            1. Introdução

            As relações estruturais contextualizadas e fundamentadas na elaboração de um
discurso, organizado e disposto por meio de figuras e elementos retóricos, tendo por objetivo
persuadir o ouvinte, podem ser verificadas na música europeia, desde a segunda metade do
século XVI. Tratadistas, pesquisadores e compositores como Johannes Nucius (1556-1620),
Joachim Burmeister (1564-1629), Athanasius Kircher (1601-1680), Dietrich Buxtehude
(1637-1707), Alessandro Scarlatti (1660-1725), Antônio Vivaldi (1678-1741), Johann
Mattheson (1681-1764), Johann Gottfired Walther (1684-1748), Johann Sebastian Bach
(1685-1750), Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788) e Johann Nikolaus Forkel (1749-1818),
só para citar alguns, foram diligentes em vincular teoria, poética e prática, relacionando-as a
esses recursos retóricos.
            Embora não haja referência aos tratados da Poética Musical alemã, na obra de
André da Silva Gomes (1752-1844), não indica que ao mestre de capela faltasse a sapiência e




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cabedal necessários na elaboração e constituição da retórica em suas peças. Primeiro, como
afirma Ana Paixão (2008), a relação entre música, gramática, retórica e poética não se limita à
teoria alemã, podendo ser encontrada em quadros teórico-musicais italianos, franceses ou
flamengos, por exemplo, Zarlindo (1562), Descartes (1618), Quantz (1752) (Paixão, 2008, pp.
32-35). Da mesma forma, como ressalta Santo Agostinho, a transmissão dessa arte não é
exclusiva de uma escola ou nação, ela é inerente ao ser humano, podendo ser aprendida,
conhecida e assimilada por nações diferentes, de modos diversificados. (AGOSTINHO, [397-
426] 2002, livro III, cap.29 § 40, p.185). E também, por Portugal possuir tradição no ensino
da retórica, seja na esfera deliberativa, política e especialmente religiosa, desde os primórdios
da Idade Média, até a transição para o classicismo. Porquanto, é notório que as obras sacras
do compositor luso-brasileiro se baseavam em textos bíblicos, repletos de alegorias, metáforas
e simbolismos, produzidos com habilidade e domínio, pelo fato de ter sido professor de
Gramática Latina, disciplina essa ensinada na sua formação, no país lusitano, associada à
Retórica. Fato verificável no seu tratado, onde explica a inserção dessas duas disciplinas no
processo composicional:

                         os adjetivos docente e utente são, respectivamente, formas principais dos verbos
                         latinos doceo, docui, doctum, (instruir, ensinar); e utor, usus, uti (usar, servir-se).
                         Nota-se que André da Silva Gomes preferiu atribuir à harmonia um significado
                         bastante peculiar. O termo é empregado como um elemento comum ou mediador: a
                         doutrina utente, ou seja, a composição, serve-se dos preceitos da doutrina docente, o
                         contraponto. Seguindo seu raciocínio a analogia com a faculdade retórica torna-se
                         evidente: [...] aqui se examina o contraponto relativo à parte da invenção e a
                         composição relativa à disposição e à elocução (LANDI, 2007, p.32).


            Enfim, portador dessa transmissão, Silva Gomes em sua Arte Explicada de
Contraponto destaca a relevância da instrução retórica para construção de uma exposição
sólida e eficaz, enfatizando que o compositor bem instruído deve saber aplicar, no discurso
musical, a invenção das ideias (Inventio), disposição elaborada (Dispositio) e as figuras
(Elocutio) (SILVA GOMES 1, apud DUPRAT, et al, 1998, pp.17-18). Mesmo em uma época
onde predominava o estilo galante, o compositor luso-brasileiro, artista de notável erudição,
como afirma Giron (2004), acompanhava atentamente os avanços científicos e musicais,
optando por modelar muitas de suas obras a uma linguagem anacrônica (GIRON, 2004, p.50),
demonstrando sua consciência acerca da utilidade da retórica na música, sobretudo no âmbito
sacro, conforme se procura apresentar neste trabalho através de análises.




                                                                                                           473
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            2. Análise e Exemplos de Figuras Retórico-Musicais

            2.1. Aposiopesis

            Walther define a Aposiopesis como uma pausa generalis, a qual gera completo
silêncio em todas as vozes simultaneamente (BARTEL, 1997, p.205). André da Silva Gomes,
através dessa figura enfatiza e valora a Cadência Autêntica Perfeita, na tonalidade de Si bemol
Maior, no compasso 19, além de gerar expectativa no ouvinte, peculiar na Confutatio, onde
são inseridos elementos de contraste em relação aos argumentos retóricos anteriores da obra.




            Exemplo 1: Aposiopesis no Ofertório da Missa do 1º Domingo da Quaresma- comp.19-
            Organização e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.90).


            2.2. Variatio

            Ornamentação de uma passagem melódica com variedades de embelezamentos
(BARTEL, 1997, p.432). Para Printz, a Variatio é usada tanto para alterar determinada
passagem melódica, por figuração, quanto um trecho melódico da obra, no entanto, a ideia
motívica inicial pode ser percebida (BARTEL, 1997, p.435).




            Exemplo 2: Variatio no Ofertório da Missa do 2º Domingo da Quaresma- comp.12-14
            Organização e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.94).




                                                                                                      474
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            2.3. Epizeuxis

            Observa-se, nesse trecho do Ofertório da Missa de Natal, o emprego da Epizeuxis,
que é uma repetição imediata e enfática de uma palavra, nota, motivo ou frase. Walther
disserta deste modo: “A Epizeuxis é uma figura de retórica pela qual uma ou mais palavras
são imediatamente e enfaticamente repetidas” (BARTEL, 1997, p.263-265). Essa condição se
faz tangível também nas funções harmônicas entre Tônica e Dominante, afirmando a
disposição retórica na Propositio, que, segundo Aristóteles, além de enunciar a tese
fundamental que sustenta o discurso, tem o objetivo de preparar a próxima seção, Confutatio,
que propiciará maior persuasão e, ainda, mover os afetos do auditório:

                         [...] a retórica tem por objeto formar juízo, no entanto é necessário não só procurar
                         que o discurso seja demonstrativo e digno de crédito, mas também que o orador
                         mostre possuir certas disposições: a forma de como o orador apresenta e dá como
                         entender suas disposições aos ouvintes, de modo a fazer que, da parte deles, também
                         haja um determinado estado de espírito em relação ao orador (ARISTÓTELES, L II,
                         1378a, 2005, p.159).




            Exemplo 3: Epizeuxis no Ofertório da Missa de Natal (1ºmov)-comp. 19-21 - Organização e
            Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.198).


            2.4. Synaeresis

            No mesmo Ofertório, contudo, no segundo movimento, Silva Gomes, em
passagem homofônica, aplica a figura da Synaeresis, que, segundo Vogt: “ocorre quando duas
notas são colocadas em uma sílaba ou duas sílabas são colocadas em uma nota”
(BARTEL, 1997, p.397). Também não passa despercebida a Cadência Autêntica Perfeita,
encerrando a primeira seção da peça no compasso 14.



                                                                                                         475
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            Exemplo 4: Synaeresis no Ofertório da Missa de Natal (2ºmov) - comp. 14-15 - Organização e
            Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.208).



            2.5. Synonimia

            O Ofertório da Missa do 3º Domingo da Quaresma tem como epígrafe a Glória de
Deus Criador e Legislador (Ps. 18,9; 11-12/ Ps. 19,9-11) 2. Nesse salmo, se expressa a
natureza, os benefícios e valores da Palavra de Deus, abordando o fato de Suas Leis e
estatutos serem mais justos e mais doces que o mel e os favos (Et judicia dulciosa super mel
et favum). Nota-se, nesse excerto, o uso da Synonimia, que é a repetição de uma ideia musical
em forma alterada ou modificada (BARTEL, 1997, p.405), por parte do compositor luso-
brasileiro, destacando a repetição da palavra dulciora (mais doce que). Igualmente se observa
o acompanhamento na Dominante, Subdominante, Dominante da Subdominante e Tônica.
Outro aspecto relevante é o emprego da Narratio dentro da Confutatio, onde o solo da voz da
soprano narra os fatos, no entanto, diferentemente do que ocorre na segunda parte da
Dispositio3, a narração está inserida em um contexto de refutação e contraste, como peculiar
da Confutatio.




                                                                                                      476
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            Exemplo 5: Synonimia no Ofertório do 3º Domingo da Quaresma- comp. 23-24 - Organização e
            Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.102).


            2.6. Circulatio

            Trata-se de uma série de notas (geralmente oito) em uma formação circular, ou de
ondas senoidais (BARTEL, 1997, p.216). Walther afirma que essa figura pode ser empregada
de duas maneiras:
            1. Como uma forma dupla, que ainda é encontrada nas composições antigas como
uma assinatura de tempo após a clave;
            2. Quando dois Circoli Mezzi 4 são combinados e seguem um ao outro de tal
forma que devem ser sobrepostos entre si, eles representam visualmente um círculo completo
(BARTEL, 1997, p.218).
            Também pode ser definida como uma linha melódica que oscila ao redor de uma
nota (BUELOW, 1980, p.798). Portanto, é evidente que Silva Gomes apropria-se da
Circulatio para destacar a palavra vivificabi nos (restituir, preservar a vida), realçando três
coisas nesse trecho, entre os compassos 3 e 5, o solo da soprano, a melodia que ressalta a nota
Dó, nas regiões da Tônica, Dominante da Subdominante Paralela (Relativa), Subdominante,
Subdominante Paralela (Relativa) e, por fim, as semicolcheias, fazendo o movimento senoidal
com oito notas.




                                                                                                      477
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            Exemplo 6: Circulatio no Ofertório da Missa do 2º Domingo do Advento-comp. 3-5- Organização
            e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.138).



            3. Considerações Finais

            Durante os séculos XVI a XVIII, o discurso musical se fundamentou em
estruturas retóricas, cuja organização favorecia a eloquência. Tal qual o orador, o objetivo do
compositor era mover as paixões do ouvinte. Consciente da eficácia da retórica, André da
Silva Gomes faz uso de tais recursos em suas composições.
            A reconstituição da formação musical do compositor luso-brasileiro, assim como
o estabelecimento dos fundamentos teóricos pelos quais Silva Gomes chegou ao domínio da
retórica, excede a delimitação deste trabalho. No entanto, faz-se importante ressaltar que o
quarto mestre de capela da Sé de São Paulo foi mestre régio de Gramática Latina, disciplina
associada à Retórica. Em seu tratado A Arte Explicada de Contraponto, o compositor deixa
evidenciado seu sólido conhecimento sobre a Arte da Eloquência.
            Os excertos analisados neste artigo são parte integrante de nossa pesquisa, ainda
incipiente, sobre os estudos de retórica na música de André da Silva Gomes. A observância
dessas figuras e elementos desvela a proficiência do compositor, assim como a possibilidade
da utilização da retórica como ferramenta analítica para a compreensão dos processos
composicionais da música colonial brasileira.




                                                                                                      478
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Referências:
AGOSTINHO, Santo. A doutrina cristã Manual de exegese e formação cristã. São Paulo:
Editora Paulus, 2002.

ARISTÓTELES, 384-322 a.C. Retórica. Prefácio e Introdução Manuel Alexandre Júnior,
Tradução e Notas Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento
Pena. Revisão de texto de Levi Condinho 2ª Edição. Lisboa, Centro de Filosofia da
Universidade de Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005.

BARTEL, Dietrich. Musica Poetica: Musical-Rhetorical Figures in Germany Baroque Music.
Lincoln: University of Nebraska Press, 1997.

BUELOW, G.J. Rhetoric and Music. The New Grove Dictionary of Music and Musicians.
Ed.Sadie, S., Londres: Macmillan, 1980 vol.15, pp.793-803.

DUPRAT, Régis et al. A Arte Explicada de Contraponto de André da Silva Gomes. São
Paulo: Arte & Ciência, 1998.

DUPRAT, Régis. Música Sacra Paulista. Marília (SP): Editora Empresa Unimar, 1999.

GIRON, Luís Antonio. Minoridade Crítica- A Ópera e o teatro nos folhetins da Corte. Rio de
Janeiro: Ediouro; São Paulo: Edusp, 2004.

LANDI, Márcio Spartaco. Lições de Contraponto segundo a Arte Explicada de André da
Silva Gomes. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2006.

PAIXÃO, Ana Margarida Madeira Minhós. Retórica e Técnicas de Escrita Literárias e
Musicais em Portugal entre os séculos XVII-XIX. 390 f. Tese (Doutorado em Literatura
Comparada). Lisboa e Nice, 2008. Universidade de Lisboa em Co-Tutela na Univerisade de
Nice.

Notas

1
  O referido tratado é apresentado em cópia ituana de 1830, e até o presente momento é o único exemplar
conhecido dessa obra teórica do compositor luso-brasileiro. Duprat afirma que: “Lamentavelmente o texto não
faz nenhuma menção à data ou configuração da versão original do tratado, da qual o documento disponível é
uma cópia” (DUPRAT, et al, 1998, p.9).
2
  Nessa fase retórica são distribuídas e ordenadas as ideias e argumentos do discurso. Essa disposição é
constituída por seis partes. Exordium- Início e introdução do discurso; Narratio- Narração dos fatos ou dados;
Propositio- Enunciação da tese fundamental que sustenta o discurso; Confutatio- Refutação dos argumentos
expostos, ou seja, uma oposição ao tema inicial ou principal; Confirmatio- Provas para confirmar a tese inicial;
Perotatio- Conclusão.
3
  Salmos 18, 9; 11-12 seriam o número e versículo na Bíblia Católica. Já na Bíblia Protestante, o texto está
escrito no número 19 versículos 9 ao 11.
4
  Meio circulo.




                                                                                                           479

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Análise retórica em André da Silva Gomes

  • 1. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 Análise retórica em André da Silva Gomes: exemplos de figuras retórico- musicais Eliel Almeida Soares USP-eliel.soares@usp.br Ronaldo Novaes USP-ronaldo.novaes@usp.br Diósnio Machado Neto USP- dmneto@usp.br Resumo: O presente artigo tem como proposta apresentar o pensamento musical de André da Silva Gomes através da utilização de figuras retóricas em suas composições, demonstrando que o compositor tinha consciência de seu discurso anacrônico. Para tanto, utilizamos de ferramentas analíticas necessárias à compreensão da linguagem retórica do compositor luso-brasileiro a serviço da eloquência e persuasão. Embora a pesquisa esteja em fase inicial, obtivemos alguns resultados em relação ao emprego da retórica pelo autor, os quais serão expostos ao longo do trabalho. Palavras-chave: Análise, Figuras Retóricas, André da Silva Gomes, Música Colonial Brasileira. Rhetorical Analysis in André da Silva Gomes: Examples of the Musical-Rhetorical Figures Use Abstract: The present article aims to show the musical thinking of André da Silva Gomes through the use of rhetorical figures in his compositions, demonstrating that the composer was aware of his speech anachronistic. In this sense, we used the necessary analytical tools to understand the rhetorical language of the Luso-Brazilian composer in the service of eloquence and persuasion. Although the research is in its early initial stage, we obtained some results in relation to the use of rhetoric by the author, which will be exhibited throughout the work. Keywords: Analysis, Rhetorical Figures, André da Silva Gomes, Brazilian Colonial Music. 1. Introdução As relações estruturais contextualizadas e fundamentadas na elaboração de um discurso, organizado e disposto por meio de figuras e elementos retóricos, tendo por objetivo persuadir o ouvinte, podem ser verificadas na música europeia, desde a segunda metade do século XVI. Tratadistas, pesquisadores e compositores como Johannes Nucius (1556-1620), Joachim Burmeister (1564-1629), Athanasius Kircher (1601-1680), Dietrich Buxtehude (1637-1707), Alessandro Scarlatti (1660-1725), Antônio Vivaldi (1678-1741), Johann Mattheson (1681-1764), Johann Gottfired Walther (1684-1748), Johann Sebastian Bach (1685-1750), Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788) e Johann Nikolaus Forkel (1749-1818), só para citar alguns, foram diligentes em vincular teoria, poética e prática, relacionando-as a esses recursos retóricos. Embora não haja referência aos tratados da Poética Musical alemã, na obra de André da Silva Gomes (1752-1844), não indica que ao mestre de capela faltasse a sapiência e 472
  • 2. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 cabedal necessários na elaboração e constituição da retórica em suas peças. Primeiro, como afirma Ana Paixão (2008), a relação entre música, gramática, retórica e poética não se limita à teoria alemã, podendo ser encontrada em quadros teórico-musicais italianos, franceses ou flamengos, por exemplo, Zarlindo (1562), Descartes (1618), Quantz (1752) (Paixão, 2008, pp. 32-35). Da mesma forma, como ressalta Santo Agostinho, a transmissão dessa arte não é exclusiva de uma escola ou nação, ela é inerente ao ser humano, podendo ser aprendida, conhecida e assimilada por nações diferentes, de modos diversificados. (AGOSTINHO, [397- 426] 2002, livro III, cap.29 § 40, p.185). E também, por Portugal possuir tradição no ensino da retórica, seja na esfera deliberativa, política e especialmente religiosa, desde os primórdios da Idade Média, até a transição para o classicismo. Porquanto, é notório que as obras sacras do compositor luso-brasileiro se baseavam em textos bíblicos, repletos de alegorias, metáforas e simbolismos, produzidos com habilidade e domínio, pelo fato de ter sido professor de Gramática Latina, disciplina essa ensinada na sua formação, no país lusitano, associada à Retórica. Fato verificável no seu tratado, onde explica a inserção dessas duas disciplinas no processo composicional: os adjetivos docente e utente são, respectivamente, formas principais dos verbos latinos doceo, docui, doctum, (instruir, ensinar); e utor, usus, uti (usar, servir-se). Nota-se que André da Silva Gomes preferiu atribuir à harmonia um significado bastante peculiar. O termo é empregado como um elemento comum ou mediador: a doutrina utente, ou seja, a composição, serve-se dos preceitos da doutrina docente, o contraponto. Seguindo seu raciocínio a analogia com a faculdade retórica torna-se evidente: [...] aqui se examina o contraponto relativo à parte da invenção e a composição relativa à disposição e à elocução (LANDI, 2007, p.32). Enfim, portador dessa transmissão, Silva Gomes em sua Arte Explicada de Contraponto destaca a relevância da instrução retórica para construção de uma exposição sólida e eficaz, enfatizando que o compositor bem instruído deve saber aplicar, no discurso musical, a invenção das ideias (Inventio), disposição elaborada (Dispositio) e as figuras (Elocutio) (SILVA GOMES 1, apud DUPRAT, et al, 1998, pp.17-18). Mesmo em uma época onde predominava o estilo galante, o compositor luso-brasileiro, artista de notável erudição, como afirma Giron (2004), acompanhava atentamente os avanços científicos e musicais, optando por modelar muitas de suas obras a uma linguagem anacrônica (GIRON, 2004, p.50), demonstrando sua consciência acerca da utilidade da retórica na música, sobretudo no âmbito sacro, conforme se procura apresentar neste trabalho através de análises. 473
  • 3. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 2. Análise e Exemplos de Figuras Retórico-Musicais 2.1. Aposiopesis Walther define a Aposiopesis como uma pausa generalis, a qual gera completo silêncio em todas as vozes simultaneamente (BARTEL, 1997, p.205). André da Silva Gomes, através dessa figura enfatiza e valora a Cadência Autêntica Perfeita, na tonalidade de Si bemol Maior, no compasso 19, além de gerar expectativa no ouvinte, peculiar na Confutatio, onde são inseridos elementos de contraste em relação aos argumentos retóricos anteriores da obra. Exemplo 1: Aposiopesis no Ofertório da Missa do 1º Domingo da Quaresma- comp.19- Organização e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.90). 2.2. Variatio Ornamentação de uma passagem melódica com variedades de embelezamentos (BARTEL, 1997, p.432). Para Printz, a Variatio é usada tanto para alterar determinada passagem melódica, por figuração, quanto um trecho melódico da obra, no entanto, a ideia motívica inicial pode ser percebida (BARTEL, 1997, p.435). Exemplo 2: Variatio no Ofertório da Missa do 2º Domingo da Quaresma- comp.12-14 Organização e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.94). 474
  • 4. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 2.3. Epizeuxis Observa-se, nesse trecho do Ofertório da Missa de Natal, o emprego da Epizeuxis, que é uma repetição imediata e enfática de uma palavra, nota, motivo ou frase. Walther disserta deste modo: “A Epizeuxis é uma figura de retórica pela qual uma ou mais palavras são imediatamente e enfaticamente repetidas” (BARTEL, 1997, p.263-265). Essa condição se faz tangível também nas funções harmônicas entre Tônica e Dominante, afirmando a disposição retórica na Propositio, que, segundo Aristóteles, além de enunciar a tese fundamental que sustenta o discurso, tem o objetivo de preparar a próxima seção, Confutatio, que propiciará maior persuasão e, ainda, mover os afetos do auditório: [...] a retórica tem por objeto formar juízo, no entanto é necessário não só procurar que o discurso seja demonstrativo e digno de crédito, mas também que o orador mostre possuir certas disposições: a forma de como o orador apresenta e dá como entender suas disposições aos ouvintes, de modo a fazer que, da parte deles, também haja um determinado estado de espírito em relação ao orador (ARISTÓTELES, L II, 1378a, 2005, p.159). Exemplo 3: Epizeuxis no Ofertório da Missa de Natal (1ºmov)-comp. 19-21 - Organização e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.198). 2.4. Synaeresis No mesmo Ofertório, contudo, no segundo movimento, Silva Gomes, em passagem homofônica, aplica a figura da Synaeresis, que, segundo Vogt: “ocorre quando duas notas são colocadas em uma sílaba ou duas sílabas são colocadas em uma nota” (BARTEL, 1997, p.397). Também não passa despercebida a Cadência Autêntica Perfeita, encerrando a primeira seção da peça no compasso 14. 475
  • 5. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 Exemplo 4: Synaeresis no Ofertório da Missa de Natal (2ºmov) - comp. 14-15 - Organização e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.208). 2.5. Synonimia O Ofertório da Missa do 3º Domingo da Quaresma tem como epígrafe a Glória de Deus Criador e Legislador (Ps. 18,9; 11-12/ Ps. 19,9-11) 2. Nesse salmo, se expressa a natureza, os benefícios e valores da Palavra de Deus, abordando o fato de Suas Leis e estatutos serem mais justos e mais doces que o mel e os favos (Et judicia dulciosa super mel et favum). Nota-se, nesse excerto, o uso da Synonimia, que é a repetição de uma ideia musical em forma alterada ou modificada (BARTEL, 1997, p.405), por parte do compositor luso- brasileiro, destacando a repetição da palavra dulciora (mais doce que). Igualmente se observa o acompanhamento na Dominante, Subdominante, Dominante da Subdominante e Tônica. Outro aspecto relevante é o emprego da Narratio dentro da Confutatio, onde o solo da voz da soprano narra os fatos, no entanto, diferentemente do que ocorre na segunda parte da Dispositio3, a narração está inserida em um contexto de refutação e contraste, como peculiar da Confutatio. 476
  • 6. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 Exemplo 5: Synonimia no Ofertório do 3º Domingo da Quaresma- comp. 23-24 - Organização e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.102). 2.6. Circulatio Trata-se de uma série de notas (geralmente oito) em uma formação circular, ou de ondas senoidais (BARTEL, 1997, p.216). Walther afirma que essa figura pode ser empregada de duas maneiras: 1. Como uma forma dupla, que ainda é encontrada nas composições antigas como uma assinatura de tempo após a clave; 2. Quando dois Circoli Mezzi 4 são combinados e seguem um ao outro de tal forma que devem ser sobrepostos entre si, eles representam visualmente um círculo completo (BARTEL, 1997, p.218). Também pode ser definida como uma linha melódica que oscila ao redor de uma nota (BUELOW, 1980, p.798). Portanto, é evidente que Silva Gomes apropria-se da Circulatio para destacar a palavra vivificabi nos (restituir, preservar a vida), realçando três coisas nesse trecho, entre os compassos 3 e 5, o solo da soprano, a melodia que ressalta a nota Dó, nas regiões da Tônica, Dominante da Subdominante Paralela (Relativa), Subdominante, Subdominante Paralela (Relativa) e, por fim, as semicolcheias, fazendo o movimento senoidal com oito notas. 477
  • 7. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 Exemplo 6: Circulatio no Ofertório da Missa do 2º Domingo do Advento-comp. 3-5- Organização e Catalogação-Régis Duprat (DUPRAT, 1999, p.138). 3. Considerações Finais Durante os séculos XVI a XVIII, o discurso musical se fundamentou em estruturas retóricas, cuja organização favorecia a eloquência. Tal qual o orador, o objetivo do compositor era mover as paixões do ouvinte. Consciente da eficácia da retórica, André da Silva Gomes faz uso de tais recursos em suas composições. A reconstituição da formação musical do compositor luso-brasileiro, assim como o estabelecimento dos fundamentos teóricos pelos quais Silva Gomes chegou ao domínio da retórica, excede a delimitação deste trabalho. No entanto, faz-se importante ressaltar que o quarto mestre de capela da Sé de São Paulo foi mestre régio de Gramática Latina, disciplina associada à Retórica. Em seu tratado A Arte Explicada de Contraponto, o compositor deixa evidenciado seu sólido conhecimento sobre a Arte da Eloquência. Os excertos analisados neste artigo são parte integrante de nossa pesquisa, ainda incipiente, sobre os estudos de retórica na música de André da Silva Gomes. A observância dessas figuras e elementos desvela a proficiência do compositor, assim como a possibilidade da utilização da retórica como ferramenta analítica para a compreensão dos processos composicionais da música colonial brasileira. 478
  • 8. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 Referências: AGOSTINHO, Santo. A doutrina cristã Manual de exegese e formação cristã. São Paulo: Editora Paulus, 2002. ARISTÓTELES, 384-322 a.C. Retórica. Prefácio e Introdução Manuel Alexandre Júnior, Tradução e Notas Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena. Revisão de texto de Levi Condinho 2ª Edição. Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005. BARTEL, Dietrich. Musica Poetica: Musical-Rhetorical Figures in Germany Baroque Music. Lincoln: University of Nebraska Press, 1997. BUELOW, G.J. Rhetoric and Music. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. Ed.Sadie, S., Londres: Macmillan, 1980 vol.15, pp.793-803. DUPRAT, Régis et al. A Arte Explicada de Contraponto de André da Silva Gomes. São Paulo: Arte & Ciência, 1998. DUPRAT, Régis. Música Sacra Paulista. Marília (SP): Editora Empresa Unimar, 1999. GIRON, Luís Antonio. Minoridade Crítica- A Ópera e o teatro nos folhetins da Corte. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Edusp, 2004. LANDI, Márcio Spartaco. Lições de Contraponto segundo a Arte Explicada de André da Silva Gomes. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2006. PAIXÃO, Ana Margarida Madeira Minhós. Retórica e Técnicas de Escrita Literárias e Musicais em Portugal entre os séculos XVII-XIX. 390 f. Tese (Doutorado em Literatura Comparada). Lisboa e Nice, 2008. Universidade de Lisboa em Co-Tutela na Univerisade de Nice. Notas 1 O referido tratado é apresentado em cópia ituana de 1830, e até o presente momento é o único exemplar conhecido dessa obra teórica do compositor luso-brasileiro. Duprat afirma que: “Lamentavelmente o texto não faz nenhuma menção à data ou configuração da versão original do tratado, da qual o documento disponível é uma cópia” (DUPRAT, et al, 1998, p.9). 2 Nessa fase retórica são distribuídas e ordenadas as ideias e argumentos do discurso. Essa disposição é constituída por seis partes. Exordium- Início e introdução do discurso; Narratio- Narração dos fatos ou dados; Propositio- Enunciação da tese fundamental que sustenta o discurso; Confutatio- Refutação dos argumentos expostos, ou seja, uma oposição ao tema inicial ou principal; Confirmatio- Provas para confirmar a tese inicial; Perotatio- Conclusão. 3 Salmos 18, 9; 11-12 seriam o número e versículo na Bíblia Católica. Já na Bíblia Protestante, o texto está escrito no número 19 versículos 9 ao 11. 4 Meio circulo. 479