1. Nostalgias À Velha Casa
Por Adilson Motta, 2014
A velha casa é um baú de lembranças. Hoje, como num retrospecto vejo tudo que a vida esculpiu e o tempo transformou, assim como seus contrastes de diferenças moldadas pelo tempo.
Tudo é um contraste do dantes. O piso cerâmico que hoje veste a superfície, um dia fora de chão malhado, o qual, ainda vejo em minhas lembranças, minha mãe aguando para evitar o poeiral, e aquele cheiro de barro molhado que subia.
As telhas que hoje cobrem, dantes eram preenchidas pelo palharal. E na lembrança das palhas outras lembranças se arrastam... Como a lembrança do fantasma que na fresta da janela de meu quarto corria o dedo sob as impressões do medo enclausurado do quarto escuro que sob a luz do luar brilhava em todas as brechas que acendiam. Tal fantasma pôs-me em correria casa afora, atiçando os valentões da vizinhança, que com facões, pau e punho – em soma de coragem entraram casa adentro no propósito de enfrentá-lo. No abrir da janela, a figura aterrorizante engendrada no medo, para a surpresa de todos se revelava: Uma palha seca que sob a mobilidade do vento corria...
O engenho de minhas criações e da garotada era um bucheiro que se estendia nas estacas do quintal de cujas buchas ainda em seu verdor, com palitos espetados movíamos a criação de lindas vacas e bois. E desta forma, em mimese a meninada tornava-se fazendeiros no mundo do faz de conta.
A velha casa tem um valor que está acima da moeda, um valor sentimental pelas raízes ali fincadas da própria existência. Nela reside a marca de um tempo incrustada na memória, de tempos difíceis, e no nosso caso ainda era pior – onde a mãe fazia papel conjugado de pai e mãe, mas a benção era a ajuda e influência de nossos avós que ajudavam aquela mãe heroína a carregar seu pesado fardo de sete filhos. Imagine a luta: Não era aposentada, na época não existia nem sequer bolsa escola, quanto menos bolsa família ou outros... Foi uma guerreira, que do árduo labor conseguiu criar e educar todos seus filhos, sem a qual toda existência se apagaria.
Por trás da velha casa tinha uma história, tinham várias histórias, que eram parte da história pintada de um todo dos contrastes do país. Mas o que nos importa no momento são as mine histórias que cercam a vida – daquele pequeno universo chamado família.
Entre as histórias está o circunstancial que envolvia a vida sofrida que levávamos, da qual não sentíamos as dores, apesar do árduo labor que cercava cada vivente ali presente. Minha mãe era empreendedora, sabia se virar com seu pequeno batalhão. E como base desse empreendedorismo que a obrigava por questão de sobrevivência. Foi assim que, desde cedo tornei-me um exímio vendedor. O primeiro produto de minha lista era geladim, que outros chamam dindim, sacolé... Depois fui promovido a vender outros produtos: Bolo, cuscuz e milho cozido, e a clientela era certa e infalível: Alto dos Prexedes, rua do Comércio e Itamarati
2. do senhor Pedro Juvino, onde os ônibus paravam, era o centro financeiro de vendas da meninada.
Falar em dindim, naquele tempo, já com olhar travesso para as garotas,me apaixonei por uma e na cabeça, jurando que ela me enxergava ou que eu ao menos existia em seu mundo.Vinham os questionamentosinfantis e de adolescente arisco, em avaliação certa do incerto fantasiado: Como vou sustentar ela como vendedor de geladim? E essa foi uma paixão velha da qual ela nunca soube, e que adormeceu e se apagou no tempo.
As lembranças também trazem as saborosas jacas do véi Luizão, onde hoje é a Cohab – que antes fora, eu não diria uma floresta, ou quase um sítio fechado de abundantes pés de goiaba, manga, cajus e um extenso jacaral que se espalhava. Era um jardim de delícia e tentação à garotada, que a pretexto indeliberado de passarinhar (de baladeiras), mas nos entretia-se mesmo era no frutaral. Certa vez, em uma das “passarinhagens” nos detemos num provocante pé de jaca carregado – velho conhecido - que nos convidava e, pelas aparências estavam de vêz*. Dificilmente era colhida alguma madura nos pés e, antes que fossem colhidas ou amadurecessem, a meninada tirava e enterrava em alguns pontos estratégicos do matagal, para quando estivessem maduras íamos só deliciar. Certo dia, após o meio dia quando o velho tirava uma cesta (sabíamos), e já no olho da jaqueira, conta um amigo, quando de repente chega o velho tão temido, com uma espingarda e resmungando umas palavras: “Deixa eu pegar esses ladrão de jaca!” e saiu andando em direção ao mato. “Deixa eu ver se esses miserável enterraram alguma jaca no mato.” A essas alturas, a visão da “pé pôde”*, congelou uma total calmaria e silêncio na copa da jaqueira, até o mastigar parou... Enquanto o velho ia para o mato, descíam escorregando em máximo cuidado. E quando os pés bateram no chão sobre o tapete do folharal houve uma quebra do silêncio como num toque de sirene, e a carreira foi grande, e atrás vinha o velho resmungando: “Ah, seus ladrão de jaca vocês tavam era aqui! Agora vou pegar vocês!” De repente dona espoleta quebrou no aperto do gatilho anunciando o tiro que levava uma rajada de sal nas costas do amigo que nem a dor sentiu, anestesiado do medo. E na correria, deixou cair a sandália, como prova do crime que fora levada a delegacia para, como Cinderela, encontrar o famoso ladrão de jaca, que naquelas alturas, com as costas marcadas, só andava de camisa, pra escapar de outra taca.
De vez: quase madura
Pé pôde: pop. Espingarda.