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MANUEL DA CACHAÇA
(CONTOS & CASOS DE BOTECO)




         CONTOS RECOLHIDOS DO
       TROPEIRO/ALAMBIQUEIRO DA
     FAZENDA BANANEIRAS, EMANUEL
      DORCELINO AMÉRICO, FILHO DE
      ESCRAVOS, QUE AQUI VIVEU NO
           SÉCULO PASSADO.

     CONTOS DE: FERNANDO ANDRÉ
         CARNEIRO PEIXOTO
001
DEDICO ESTE LIVRO
À MEMÓRIA DE ROQUE SOARES, ZINHO DIOGO E ZÉ
FERNANDINHO




PARA AQUELES QUE LABUTAM NOS ALAMBIQUES,
FABRICANDO A NOSSA BOA CACHAÇA, DE MANEIRA
ARTESANAL, PREOCUPANDO-SE, ANTES DE TUDO, COM A
SUA QUALIDADE.
002
                       APRESENTAÇÃO

       Na verdade, “MANUEL DA CACHAÇA” nasceu em 1994,
quando recebi de meu amigo Marcus Silvério Machado, o
“MANUAL DA CACHAÇA ARTESANAL”, de Carlos Eduardo
Gravatá.
        Lembro-me muito bem. Era domingo e estávamos no
Boteco do Renato.
        Ao receber o presente, com dedicatória e tudo mais,
disse ao Marcus que um dia lhe daria um livro, cujo título seria,
“MANUEL DA CACHAÇA”.
        Fica aqui, pois, o meu agradecimento ao saudoso amigo
Marcus, ciclista de Bike-Aventura e BikeCana, hoje pedalando no
céu, que foi o “mandante culposo”, do nascimento de Manuel da
Cachaça.
        Manuel da Cachaça, personagem fictício, na realidade
existe. Existe nos botecos, onde se pratica a verdadeira “Terapia
de Grupo”, regada com a boa cachaça, tira-gosto e um bom
“bate-papo”.
        Os casos contados por Manuel da Cachaça, em parte
são fictícios como ele próprio. Outros realmente aconteceram,
mas foram alterados para melhor se adaptar às personagens
(cujos nomes, na maioria, são também fictícios), local e época do
acontecimento. Vale aqui ressaltar que estes casos foram
recolhidos, em parte, no tempo em que trabalhei no comércio
com meu sogro, Antônio de Freitas Soares – Idu – que foi sem
dúvida, o maior contador de casos de Presidente
Bernardes/Calambau.
        O leitor vai observar que nem todos os casos têm o
Manuel da Cachaça como narrador, bastando para tal observar o
linguajar popular do Manuel, que fala com a naturalidade
daqueles que não tiveram acesso à escola, que eram raras
naquele tempo no velho Calambau.
        Por essas Minas Gerais, por esse Brasil afora, nas
cidadezinhas do interior, sempre iremos encontrar os contadores
de casos.
        E se algum dia, você leitor amigo, encontrar um preto
velho, sentado num banquinho de boteco, fazendo seu
003
cigarrinho de palha, se tiver a fala macia e o sorriso matreiro, não
tenha dúvida, é ele, o Manuel da Cachaça!...


                           Fernando




ESTE LIVRO É ESPECIALMENTE DEDICADO A ANTÔNIO DE
FREITAS SOARES – IDU – MEU SOGRO, QUE FOI SEM
DÚVIDA ALGUMA, O MAIOR CONTADOR DE “CASOS” DE
NOSSA TERRA.
004


                         PREFACIANDO

        O legado folclórico de um povo não se anula ou se esvai,
como alguns valores que se perdem. Ao contrário, permanece
formando o rico universo da cultura de tradição popular.
        Um exemplo de que muitas tradições se firmam, apesar
de todos os avanços da modernidade, são os relatos em forma
de “causos” que encontramos neste livro, com suas envolventes
estórias nascidas da imaginação e cultivadas no coração do
povo. É o elemento fantástico que vai, de geração em geração,
construindo a imagem de um lugar, enquanto desenha a sua
própria identidade, através de um agradável testemunho. Trata-
se de pequenas estórias nascidas do meio popular e gentilmente
narradas, de maneira informal, por Manuel da Cachaça que –
acreditem se quiser – foi um dos moradores mais populares de
nosso município.
        Com uma linguagem singela, encantadora e envolvente,
própria do mundo da contação de “causos”, somos apresentados
aos personagens e conduzidos ao mundo encantado das lendas
e dos mitos que povoam o imaginário dos habitantes de
Calambau - “lugar onde o mato é ralo e o rio faz curvas” e a
“Água Limpa” conduz à inspiração.
        Nada mais prazeroso do que poder transformar um ponto
final em uma vírgula e, assim, ir reconstruindo a história nossa de
cada dia. Como já diziam os antigos contadores de “causos”:
Quem conta um conto, aumenta um ponto.
        As estórias contadas neste livro seguem uma tradição
oral transmitida por muitas gerações. Trata-se, portanto, de um
elemento extremamente rico da cultura popular. Estórias que
ouvimos e que levamos conosco pela vida afora permeando o
nosso universo lúdico cultural.
        Cabe agora, a você que tem este livro em mãos,
aproximar-se da simpática figura do Manuel da Cachaça e
experimentar todas as diferentes emoções que permeiam suas
fantásticas narrativas. É indispensável fazer chegar a todos um
livro como este, capaz de redimensionar a fantasia enquanto nos
005
aproxima do conhecimento de nossa gente. Gente criativa e
comprometida com suas origens.
        Todo mundo tem uma história para contar e todos os
assuntos cabem na imaginação fértil do narrador Manuel que –
entre uma cachacinha e outra – com seu jeitinho maneiro e
linguagem saborosa, vai conduzindo-nos ao fantástico universo
das pequenas estórias, ao mesmo tempo em que vai construindo
a memória de um povo.
        Ao Manuel da Cachaça todo o nosso apreço e admiração
e, ao seu criador, o nosso muito obrigado.

              Maria Goretti Guimarães Carneiro
                   (26 de Agosto de 2010)




                 MANUEL DA CACHAÇA
006

                           MANUEL DA CACHAÇA

                      Chamava-se Emanuel Dorcelino Américo.
                       Por ter sido, durante muitos anos,
                “alambiqueiro” na Fazenda Bananeiras, tornou-se
                popularmente conhecido por Manuel da Cachaça.
                       Era preto, baixo e magro.
        Sua idade, ninguém sabia. Diziam que passava dos
noventa e sete.
        Uma coisa era certa, não dispensava, diariamente, a boa
“pinguinha”, coisa que fazia, assim dizia, desde os sete anos de
idade, quando sua mãe lhe dava numa colher pela manhã, para
servir de remédio.
        Seu ponto preferido, todos sabiam, era o boteco do Zé
Cirilo.
        Toda tarde ali chegava. Chapéu de feltro – um presente
que dizia ter ganhado de um comerciante em Ouro Preto, quando
era tropeiro – paletó xadrez, camisa branca abotoada até ao
colarinho, meias brancas de algodão e as inseparáveis
alpercatas.
        Esta figura ímpar transformou-se em folclore local.
        Seus casos foram ouvidos de geração em geração.
        No fim da tarde, era o costume, todos se acotovelavam
no Boteco do Zé Cirilo, para ouvir, entre um trago e outro, os
casos de Manuel da Cachaça.
        Numa dessas tardes foi que ele contou o seguinte caso:
        _ “Quando eu ainda era tropeiro da Fazenda Bananeiras
e viajava levando cachaça e rapadura pra Ouro Preto e Mariana
foi que me “assucedeu” este caso.
        Nós tava arranchado numa fazenda que ficava lá pros
lado de Mainarte.
        Tava eu, compadre Mané Gomes, Tião das Dores, Chico
Dutra e Zé do Bento, mocinho ainda com seus dezoito anos.
        Nós tava já deitados e, pelas gretas do telhado do
rancho, a gente podia ver a lua cheia e as estrelas no céu.
        Foi aí que se ouviu o miado! Zé do Bento morria de
medo! Ele tinha a mania de cobrir a cabeça com o cobertor,
007
deixando o nariz de fora. Cutuquei nele, desta vez ele tapou até
o nariz!
         Tião das Dores e Chico Dutra dormiam a sono solto.
         Aprocheguei de compadre Mané Gomes pra acordá ele,
quando ele, abrindo um olho me falou em voz baixa:
         _ “Tô ouvino, compadre! Preocupa não, Sô! Tô com o
“berro” debaixo do trabisseiro! Vamo esperá pra vê!”
         Peguei minha espingarda “La Porte” que estava
carregada e me cheguei na janela. Pela claridade da lua pude
ver a bicha! Era uma baita onça, cês precisava ver! Devia medir
mais de dois metros! Tremi da cabeça aos pés! Compadre
Mané Gomes esticou o pescoço para fora e foi aí que ela miou
feio! Feio e alto como eu nunca mais ouvi igual!”
         Neste ponto, Manuel da Cachaça interrompeu a
narração, acendeu um cigarro de palha, tomou uma pinguinha,
raspou a garganta e continuou:
         _ “Olha, Zé Cirilo, o miado da bicha foi tão alto, que nem
os “amprificadô” da Festa da Cana faz mais barulho!
         Foi aí que compadre Mané Gomes fez aquela besteira,
Sô! Pegou o revólve e deu seis tiros pra cima! Acho até que foi
de susto!
         A bicha caiu no mato e nós não foi macho de arrear as
mulas enquanto não amanheceu de tudo!
         Dia seguinte, ainda assustados, botamos o pé na estrada
rumo a Ouro Preto.
         Lá pras bandas do Sumidouro nós vimos a bicha!
         Nós havia parado prum descanso e Zé do Bento levou os
animal pra beber água.
         Quando Zé do Bento viu a danada ele não sabia o que
fazer! Borrou pelas pernas abaixo e tentou correr, ela correu
atrás!
         Aí eu peguei minha espingarda, fiquei atrás de uma pedra
e gritei pra ele:
         _ “Para Zé! Para e faz careta pra ela! Onça tem medo
de careta!”
         E não é que o Zé me atendeu?! Parou e fez a careta
mais feia que já vi no mundo! Pôs os dentes pra fora, arregalou
008
os olhos e como se não bastasse, ainda uivou como um lobo!
Tava puro um “lobisome” com os cabelos arrepiados pelo medo!
        A bicha levou tanto susto com a careta do Zé do Bento
que parou! Mas ele continuou avançando em direção a ela!
        Eu gritava pra ele parar, mas ele parecia doido e
continuava!
        Aí ele torceu o pé num buraco e caiu! A danada retesou o
lombo preparando o bote!
        Levantei a espingarda e mirei bem! Foi um tiro só! Um
tiro como eu nunca mais dei! Cês precisava ver! No meio dos
dois zóios dela! E ela ficou lá, esticadinha no chão!
        Do couro dela eu fiz esta caparonga que aqui está. Com
uma metade fiz um tapete bonito que ficava na sala da Fazenda
Bananeiras. A outra metade eu dei pro Bispo de Mariana e
segundo ouvi dizer, deu pra fazer um sofá de dois lugar! É uma
pena que os meus companheiros tejam todos mortos pra aprová
este fato!...”
        Manuel da Cachaça levantou-se, tomou mais uma
pinguinha, raspou a garganta, foi até a porta, voltou-se para nós
e disse:
        _ “Tava esquecendo. Zé do Bento, desde essa época
ficou conhecido por “Zé Careta”. Depois de algum tempo ele
mudou lá pro “Mata Onça”. Dizem que morreu, fazendo careta,
tentando matar uma onça que assustava o povo da região! Boa
noite prô cês! Se Deus quiser eu volto outro dia!...”
009

                        A ESCRITURA


        Lorico havia comprado umas terras. Vai daqui, vai dali, e
ele acabou tendo uns problemas de divisas com uns vizinhos.
        Certo dia tava eu em sua casa, quando o assunto das
divisas saiu. Ele, pegando a escritura do terreno, falou:
        _ “Olha, Manuel! É besteira a teimosia daquela gente!
Aqui na escritura tá escrito! Já até decorei! Veja bem:”Das
lombadas de Juca Miné, desce em linha reta até o Pau de João
Maria, que sobe passando no Rego de Tia Chica, seguindo até
entrar no Buraco do Garimpeiro. Do Buraco do Garimpeiro
segue até o Fedegoso do Rosado passando pelo Rachado da
Manuela, indo em direção ao Córrego do Jacu, até entrar na
Varginha da Bernadete...”
        Aí, então eu falei:
        _ “Ôh, Lorico?! O Sinhô num tá brincando, não?! Esta
sua escritura tá muito esquisita!...”
010


                 A “BOCA DA ENCRENCA”
       Sô Lívio havia adquirido um bidê pro banheiro de sua
casa! Coisa nova! Puro luxo! Coisa que ninguém tinha por aqui
nos anos cinquenta!
        Certo dia, Zico Altino, lá do Retiro, veio visitar ele.
        Depois de um bom bate-papo na sala, a esposa de Sô
Lívio chamou pra um reforçado café.
        Zico, sentindo a bexiga pesada, pediu ao amigo para ir ao
banheiro. Lá entrando, vendo aquele estranho aparelho, logo
pensou que era ali que devia esvaziar a bexiga! “Coisa de rico!
Pra que um vaso e um troço deste?” Pensou consigo.
        Quando ele saiu do banheiro, Sô Lívio entrou e, vendo o
bidê todo molhado, logo concluiu que o amigo havia urinado ali.
        Após o café, refastelados no sofá pra mais um bate-papo,
Sô Lívio resolveu tocar no assunto do bidê, pra ensinar o amigo:
        _ “O amigo deve ter visto aquele aparelho novo lá no
banheiro, não viu? Chama-se bidê! Adivinha pra que ele serve?”
        Zico foi logo respondendo:
        _ “O vaso eu sei que é pra soltar as fezes... Agora,
aquele negócio que ocê diz que chama bidê deve ser pra gente
mijar, não é?”
        Sô Lívio, rindo:
        _ “Não, não é pra mijar, não!...”
        E então, Zico foi lá falando um punhado de utilidades a
que poderia servir o tal bidê. Foi quando Sô Lívio, levando o
amigo novamente ao banheiro, abriu a torneira, fazendo a água
subir pelo esguicho, dizendo:
        _ “Agora é fácil, você vai saber...”
        Zico, rindo, bateu no ombro do amigo e disse:
        _ “Ah!!! Já sei!!! Não é pra mijar e nem pra defecar! É
pra lavar a “Boca da encrenca”!...”

…..................................................................................................
011
        E por falar em “Boca da encrenca”, me alembrei de um
outro caso engraçado.
        Maria Antonina, conhecida por “Maria Toninha”,
frequentadora de forrós, conhecedora de todos os botecos de
roça e também apreciadora da “branquinha”, certo dia se meteu
numa confusão de briga, onde saiu até tiro, lá pros lados das
“Três Barras”. Levados à Delegacia, o Delegado, um tal de Dr.
Pedra, ao vê-la perguntou:
        _ “Então é a senhora que levou o tiro na encrenca?”
        Ela, levantando a saia rodada e comprida, respondeu:
        _ “Sim dotô! Sou eu mema! Mais num acertô nela não! O
tiro passô raspano aqui na frente!!!...”
012
                          A CAÇADA

        O cigano falou tanta mentira sobre pescaria e caçada, lá
no Boteco do Zé Cirilo, que quando ele saiu, Manuel da
Cachaça, resmungou:
        _ “Hum!... Até a onça que eu matei no caminho de Ouro
Preto ficou “fichinha” perto dos feitos deste cigano! Ôh, homem
mentiroso, Sô! Ele precisava era ter conhecido o meu amigo Sô
Amâncio, lá do Sapé! Aquele, sim! Aquele era mentiroso de
primeira laia! Olha, Zé Cirilo, teve uma vez que nós tava numa
venda de roça, num domingo, tomando pinga e jogando baralho.
Aí os assuntos partiu pros lado de pescaria e caçada. Eu já tava
proibido de contar o caso da onça, cê sabe, né! Todos morriam
de inveja!... Mas foi surgindo tanto caso, que o nome do Sô
Amâncio foi citado na conversa. Foi então que ele chegou. Ao
entrar eu logo perguntei:
        _ “Ôh, Amâncio, nós tava falando da sua caçada.
Quantas pombas cê matou mesmo com um só tiro de espingarda
chumbeira?”
        Ele, assumindo ar de importante, respondeu:
        _ “Tem uns mentirosos por aí, uns invejosos, que andam
dizendo que foi noventa e sete pombas! Isto é mentira! Na
verdade foi NOVENTA E OITO POMBAS, SEM CONTAR COM
UM PAPAGAIO BESTA QUE TAVA PATETANO NO MEIO
DELAS!...”
013
           JOÃO DA CRUZ E O “ECRIPES” DA LUA

        Manuel da Cachaça tomou a pinguinha, acendeu o
cigarro de palha, raspou a garganta e começou mais um caso:
        _ “O povo é cheio de crendices e simpatias! Olha que tem
muita coisa de verdade em tudo isso! Vou contar um caso que
assucedeu com João da Cruz, pretinho espigado e simplório que
trabalhou muito tempo na Fazenda Bananeiras no tempo em que
eu já era alambiqueiro.
        O forró tava animado. Já era tarde da noite e o povo não
saía do terreiro da casa de Juca Carneiro. Juca Carneiro era um
tipo de capataz na Fazenda. Era um sujeito alto, forte, corado,
bigode largo, bonachão. Era casado, mas não podia ver um rabo-
de-saia que se metia a conquistador. Gostava muito de cantar
modinhas nos forrós. Me alembro bem da modinha que ele mais
gostava de cantar:

                      “Olé lê carneiro dê
                       olá lá carneiro dá
                   quem quisé carneiro manso
                   manda vaqueiro amansá...”

        E foi nesta noite de forró que João da Cruz viu Isaura
pela primeira vez! Nega bonita, corpo de violão, igualzinha a
essas que a gente vê na televisão! O neguinho ficou doido
olhando aquela mulher que não tirava os olhos de cima dele.
Dançou com ela a noite inteira e não adiantava Juca Carneiro
gritar que “par-perpétuo” não era permitido!
        João da Cruz depois daquele dia só tinha olhos pra
Isaura. E não demorou muito eles já estavam noivos e com
pouco tempo casados.
        Uns quatro meses depois do casamento, tava nós todos
na venda do João Eufrázio, jogando baralho e bebendo cachaça.
Foi aí que Juca Carneiro falou pra João da Cruz:
 _ “João, hoje é dia de “ecripes” da lua. Se eu fosse ocê eu ia lá
na sua casa e não deixava que Isaura visse o “ecripes” não!
Olha, João, eu andei muito nas beiras do São Francisco antes
de vim pra cá, e dizem por lá que se muié grávida vê
014
 “ecripes”, se ela for preta, o filho nasce branco! Cê já pensou
num filho branquinho na sua casa, João?!”
         João da Cruz largou o baralho e correu pra casa. Lá
chegando fechou as janelas e foi logo dizendo pra Isaura que ela
tava proibida de ver o “ecripes” da lua pelo que Juca Carneiro
falou. Isaura falou que isso era bobagem, que se o filho tivesse
que nascê pretinho ou branquinho dependia de Deus querê! Mas
o fato é que João fechou tudo e foram dormir.
         Dia seguinte Juca Carneiro encontrou com o João e
ainda perguntou:
         _ “E então, João? Isaura viu o “ecripes”?”
         _ “Viu não! Fechei a casa toda!”
         _ “Tem certeza, João? Nem uma gretinha na janela?”
         _ “Já disse que fechei tudo home! Mas que diabo tem ocê
com isso, Sô?!”
         _ “Oh, nada não, João! Eu só estou dizendo porque sou
seu amigo! Até logo!”
         O tempo passou e João da Cruz se esqueceu do fato.
         Um dia nós tava tudo na roça quando Dona Fiinha, a
parteira, gritou chamando por João! Ele largou tudo e correu feito
um doido! O bebê tinha nascido, e era macho!
         À noite o pessoal foi visitá o João da Cruz pra conhecer o
neném. Uma cachacinha, um bate-papo, vai daqui, vai dali e
João da Cruz não mostrava o menino de jeito nenhum!
         Aí chegou Juca Carneiro. Cumprimentou a todos, deu um
abraço no João e foi logo perguntando:
         _ “E aí, João? E o minino? A gente pode vê ele?”
         _ “Vai bem, ta lá dentro! Daqui a pouco Dona Fiinha traz
ele prô cês vê!”
         Volta e meia Dona Fiinha trouxe o neném. Todos olhamo
e num dissemo nada! Só Juca Carneiro falou:
         _ “É, João! Cê teve sorte! Ele não é branquinho! Ele é
pardo! Isaura viu o “ecripes” pela greta da janela! Sorte sua!
Quero ser o padrinho!”
         Manuel da Cachaça fez uma pausa para acender o
cigarro e logo a seguir concluiu o caso: _ “Pra dizer a verdade,
até hoje, quando alembro daquele neném, quase branco, fico
pensando se foi mesmo culpa da greta da janela ou se Juca
015
Carneiro tinha “culpa no cartório”, como diziam as más línguas
da região!...”




               TÁ NA MESA... É SÓ SERVIR!...


        Manuel da Cachaça, voltando-se para mim, disse, após
tomar a tradicional dose da branquinha:
        _ “Sô Fernando, outro dia eu contei um caso, como o
Sinhô não tava aqui, vou contar de novo. É um caso engraçado.
Quem gostava deste caso era o Sô Sebastião de Nenerso, lá da
Casa Soareza, que ria a valer toda vez que se lembrava dele.”
        Manuel pigarreou levemente e continuou:
        _ “Anita Feliciano era uma mulher interessante. Era uma
viúva fogosa. Trabalhava muito. Apanhava café, lavava roupa,
plantava roça, fazia coisas que até homem não fazia. A semana
inteira era na labuta, mas no sábado e domingo, Anita era a
primeira a chegar no forró de Juca Carneiro e a última a sair.
        Cabelo sempre oleado, pó de arroz no rosto e batom
vermelho nos lábios. Dançava com todos, mas no final da noite
escolhia um companheiro pra dormir com ela.
        Juca Salatiel tinha um sítio lá pras bandas do Córrego
Grande. Homem sério, casado, pai de três filhos, levava a vida
entre o trabalho e a família.
        Anita Feliciano sentia por ele uma paixão secreta e
sonhava em ter ele um dia, no mato ou em sua casa!...
        Certo dia Juca foi à Fazenda Bananeiras negociar uns
bezerros com meu antigo patrão. Conversa vai, conversa vem,
Juca Salatiel acabou ficando pro jantar, e entre uma pinguinha e
outra, saiu já bem tarde em direção à sua casa.
        Anita, sabendo que o Juca tava na Fazenda, resolveu
esperá ele na porteira do boqueirão.
        _ “Boa noite, Anita. Tudo bem?” Cumprimentou Juca
chegando na porteira.
        _ “... Noite, Juca. Tá com pressa?” Respondeu Anita
abrindo a porteira.
016
        _ “Já é tarde e estou um pouco atrasado!” Disse Juca
passando devagar.        Anita, sentindo que a hora era aquela ou
nunca mais, disse:
        _ “Sô Juca, tem um tempão que eu tô te esperando
aqui...” Encostou na porteira, apoiou a perna no batente,
colocando à mostra a coxa roliça e morena, e batendo nela
levemente com a mão, completou:
        _ “... Sô Juca, tá na mesa... É só servir!...”
        Manuel da Cachaça interrompeu o caso com aquela
risadinha matreira. Tomou mais uma “branquinha”, raspou a
garganta e concluiu:
        _ “Tião das Dores, que passou lá pouco depois, só viu a
mula do Juca amarrada no batente da porteira... Sô Sebastião, lá
da venda, toda vez que os filhos do Juca, já rapazes, iam lá,
servia a cachaça pra eles, batia levemente no balcão e dizia:
        _ “Rapazes, tá na mesa... É só servir!...”


                           A CADEIA



        Era tempo de quaresma. Como sempre, Manuel da
Cachaça ficava de “quarentena”, sem cachaça e sem fumo de
rolo. Naquela noite tinha pouca gente no Zé Cirilo. Manuel,
tomando guaraná e comendo Amendoim torrado espantava o
vício de toda forma que podia. Olhando para mim perguntou:
        _ “Sô Fernando, o Sinhô conheceu Sô Amantino Diogo?”
        _ “Claro, Sô Manuel! Conheci e muito!”
        _ “Pois vou contá um caso muito engraçado que envolveu
o meu amigo Amantino Diogo, de saudosa lembrança, que
durante um certo tempo respondeu pelo cargo de Delegado
Municipal aqui em Calambau.
        Além da função de Delegado, Sô Amantino trabalhava
como pedreiro, que era, na verdade, a sua profissão.
        Homem enérgico, procurava manter a ordem e a
tranquilidade na cidade e, devido à sua amizade, raramente
precisava usar a Polícia Militar para ser obedecido quando
necessário.
017
         Certa vez, tava ele trabalhando em uma construção,
quando passou um sujeito desconhecido.
         Sô Amantino correu os olhos no caboclo e falou pra um
companheiro de serviço:
         _ “Taí, oh! Um andarilho na cidade! Vai ver que vai dar
trabalho! Esses homens desconhecidos, que vêm não se sabe
donde!... Sei lá... E ele passou olhando pra mim... Vão ver
só!...”
         Volta e meia o andarilho torna a passar por ele.
         Sô Amantino coçou a cabeça preocupado e assim que o
andarilho afastou ele disse:
         _ “Olha só! Ele passou outra vez e me olhando! Vai dar
coisa!... Espera só! Se ele voltar eu abordo ele! E se ele me
afrontar, prendo ele lá na Rua Nova!”
         Pouco depois vem de novo o andarilho!
         Sô Amantino largou a colher de pedreiro, pôs as mãos à
cintura e ficou esperando o tal sujeito chegar. Quando ele
chegou perto, Sô Amantino gritou:
         _ “Para aí, Sô! Não chega mais perto não! Quem é você
e o que quer comigo?! Tá só me olhando!... Fala logo!”
         Então o homem parou e perguntou:
         _ “O Sinhô é o Sô Amantino, o Delegado?”
         _ “Sim, sou eu! Por que?”
         Coçando a nuca. O andarilho continuou:
         _ “Bem... É que eu queria um favô do Sinhô... É só inté
amanhã...”
         Impaciente, Sô Amantino falou:
         _ “Fala logo! Não vê que estou ocupado? Ou será que
você quer que eu te meta no xadrez?”
         Aí o andarilho arrematou a conversa:
         _ “É mais ou meno isto, Sô Amantino! Eu não quero sê
preso, não! Mas eu queria que o Sinhô me emprestasse a chave
da cadeia pra eu passá a noite lá... É que eu não tenho dinheiro
e nem lugá pra ficá!...”
018


                         A CANTADA

        Manuel da Cachaça, após tomar um trago da
“branquinha”, como sempre, raspou a garganta, tirou um trago
profundo do cigarro de palha e iniciou o caso:
        _ “Certo dia, pela manhã, quando ia pro serviço, de
enxada ao ombro, Sô Zé Maria, um pretinho espigado e treteiro,
passou perto da casa de sua comadre Sá Marina, que lavava
roupa no terreiro, agachada sobre a bacia, deixando à mostra, as
coxas morenas e roliças”.
        Sô Zé Maria, que há tempos vinha pensando em dar uma
“cantada” na comadre, foi logo dizendo, de “zóio-comprido”:
        _ “Bom dia, comadre! Como vão as coisas?”
        _ “Tudo bem, compadre! Indo pro serviço?”
        _ “É isso mesmo! Olha comadre, vou fazê uma pergunta,
uma adivinhação, num precisa respondê agora, não! De noite eu
passo pra comadre dar a resposta!”
        _ “Fala então, compadre! Qualé a pergunta?”
        _ “O que é o que é, que a comadre tem, que se dé pro
compadre, compadre qué! E o que é o que é, que o compadre
tem, que se comadre quisé, compadre dá, é só falá? Até logo,
comadre, de noite eu pego a resposta!”
        Disse e foi andando, certo de que a “cantada” foi bem
dada.
        Assobiando feliz, ele passou pela cerca da horta e nem
viu que o compadre Bastião, marido da comadre, ouvira tudo!
        Na sua cabeça ele fazia os planos: Compadre Bastião
bebia muito e dormia cedo, aterrizado pelo efeito da
“branquinha”! Ia ser fácil! Bastava ter paciência!
        Quando ele sumiu na curva do caminho, Sá Marina
perguntou pro Bastião:
        _ “Ôh, Bastião! Cê ouviu a pergunta do compadre? Cê
sabe o que é que é?”
        _ “Ôh, Sá besta! Ele tá é quereno te “cantá”! Aquele
safado! Mas ele vai vê a resposta logo!”
019
         De noitinha, Sô Zé Maria chegou à casa da comadre.
Banho tomado, botou até “Extrato Dyrce” pra ficar mais
agradável à comadre Sá Marina.
         Compadre Bastião, sentindo o cheiro do perfume, disse:
         _ “Uai, compadre! Que foi que houve? Banho de “corpo-
inteiro” em dia de semana? E ainda perfumado?”
         Sô Zé Maria, meio sem jeito, respondeu:
         _ “ É que eu caí na esterqueira hoje, sabe como é, né...
Num caso desse só banho de “corpo inteiro” e perfume é que
resolve!”
         Aí os dois começaram a beber junto.
         Sô Zé Maria, malandro, fingia que bebia e procurava um
meio de sempre encher o copo do compadre Bastião. Mas não
adiantou! Os dois ficaram até tarde bebendo e batendo papo e
nada do compadre Bastião “arrear”!
         Então, vendo que naquela noite não “arranjaria” nada,
resolveu ir embora e ao sair da cozinha pra sala, disse à
comadre:
         _ “Bem, comadre. Tô indo embora! Outro dia eu volto pra
ouvi a resposta da comadre à minha pergunta... Boa noite!...”
         Aí o compadre Bastião, pegando um porrete atrás da
porta, falou pra Sô Zé Maria:
         _ “Carece não, compadre! A resposta da comadre tá aqui!
Seu safado! Toma!”
         Disse e desceu o porrete no lombo de Sô Zé Maria, que
gritando, desceu a escada sem ver os degraus, sumindo na
curva do caminho!...”
020
               A “DISGRAÇA” DE SÁ MARIETA

       Comadre Marieta, que morava lá nas Três Cruzes, tinha
o costume de não usar calcinha! O compadre falava, as filhas
falavam, mas ela dizia que não suportava o calor e as “coisas”
tinham que ficar ventiladas pra fazer bem à saúde!
       Quando o compadre Zefa morreu, que Deus o tenha,
passado uns sete dias, Sô Jovino, também compadre, foi fazer
uma visita. Ela recebeu a visita na sala, chorando muito!
       Conversa vai, conversa vem, o Jovino sempre lembrando
de um caso do amigo.
       Num certo momento, Sá Marieta, esquecendo que estava
sem calcinha, levantou a saia, rodada e comprida, pra enxugar
os olhos!
       Aí o Jovino viu tudo!
       Aí Sá Marieta falou:
       _ “Pois é, compadre Jovino, cê já viu “disgraça” maior
que esta?”
       Jovino, distraído, respondeu:
       _ “Já não, comadre! Só quando vaca tá no cio!...”



                          “LARI LARÔ”

        Dona Miru, viúva fogosa, vivia aproveitando a ausência
dos filhos que trabalhavam fora, para receber as “visitas” de Sô
Antonino, seu compadre. Pra anunciar que a casa estava vazia,
Dona Miru colocava uma toalha vermelha na janela e, Sô
Antonino, ao ver o “sinal”, arranjava logo uma desculpa pra ir à
casa da comadre e assistir ela em safadezas!
        Pra ver se a rua estava deserta, pro compadre sair, Dona
Miru abria a janela, esticava o pescoço, olhava a rua pra baixo e
pra cima e cantarolava:
        _ “Lari larô... Lari larô...”
        Isto indicava que Sô Antonino, já perto da porta, podia dar
o fora!
021
       A vizinhança, com pouco tempo, percebeu a “mandraca”
dos dois e logo, logo, a cidade já sabia de tudo!
       Aconteceu de chegar na cidade um Circo. Com poucos
dias os rapazes da época fizeram amizade com o palhaço, que
gostava de tomar umas biritas e fazer serenatas. Bastou uma
rodada de pinga e uma seresta pra ele se inteirar do caso de
Dona Miru e Sô Antonino. Então ele prometeu pra rapaziada que
na apresentação do sábado, o “Lari larô” de Dona Miru ficaria
famoso!
       E chegou o sábado! Circo cheio!
       O palhaço lá estava fazendo o papel de um empregado,
cuja patroa, na ausência do marido namorava outro! A patroa
recomendou ao palhaço que ficasse fora da casa e se o marido
chegasse, que desse um sinal de aviso!
       E a cena desenrolou: Os dois namorando no sofá e o
palhaço, fora do picadeiro, vigiando a chegada do marido. De
repente ele vem chegando. O palhaço mete os dedos na boca e
assovia em sinal. Os dois se separam no sofá e o palhaço,
mexendo o pé direito, calçado com um sapato enorme e bicudo,
completa o sinal cantarolando:
       _ “LARI LARÔ... LARI LARÔ!...”
       A platéia explode em risadas e Dona Miru, envergonhada,
esconde o rosto com a saia, esquecendo que estava sem
calcinha!...


            A DISTRAÇÃO DE COMADRE JOANA

        Já era o décimo filho que comadre Joana tinha e o
compadre Zé Arlindo, com desculpa de que estava esperando vir
a “mocinha”, não dava trégua pra coitada da comadre!
        Um dia comadre Joana reclamou com Dora, minha finada
esposa, que Deus a tenha, de que já não aguentava parir filho
todo ano. Precisava dar um jeito, mas o compadre Zé Arlindo
“queria” todos os dias e ficava difícil controlar!
        Dora, com aquele seu jeitinho de falar disse à comadre:
        _ “Joana, cê tem que ficar esperta! Na hora do “bem-
bom”, tem que “rachá fora”! É o único meio seguro de evitá filho!
022
 Ou então fala com o compadre pra usá as tal “camisinha” lá da
farmácia!”
        _ “Ih, comadre! Camisinha não! O Padre disse que é
pecado e o Zé Arlindo disse que é mesma coisa que chupá bala
sem tirá o papel!”
        Apesar de tudo, comadre Joana prometeu que ia fazer de
um modo que não mais ficasse grávida.
        O tempo passou...       Uns seis meses depois, Dora
encontrou com a comadre Joana numa procissão do Santíssimo.
        Olhou pra comadre e vendo a barriga grande, falou:
        _ “Comadre Joana, outra vez?! Cê esqueceu do meu
conselho?!”
        Meio sem graça, a comadre respondeu:
        _ “Êh, comadre! Eu não sei como explicá! Mas toda vez
que eu mais o Zé ia fazê as “coisas”, eu ficava DISTRAIIIIDA!...”



                       A DOR DE DENTE


       Oto Silva era dentista prático no Distrito de Calambau.
Era um PSD de “papo amarelo”, como se dizia na época.
       Quando o Distrito se emancipou e foram marcadas as
eleições municipais, ele entrou firme na campanha!
       Baixinho, bigode fino, bom de prosa, defendia com
unhas-e-dentes a candidatura de Ninico Carneiro à Prefeitura
Municipal.
       No seu gabinete, situado lá na Rua Nova (Siqueira
Afonso), extraiu dente e fez dentadura de graça para o povo,
mas nada adiantou, o PSD perdeu as eleições, a vitória foi do
PR!
       Zé da Iria tinha um pequeno sítio lá pras bandas da
Limeira.
       Ao contrário de Oto Silva ele era um PR de “amargar”,
desses de riscar faca no passeio ou passar a noite inteira
vigiando as urnas na eleição, sem comer nada, apenas pelo
prazer de defender o seu partido!
023
      Com a derrota nas urnas, o martírio de Oto Silva
começou: Todas as vezes que vinha à cidade, Zé da Iria
passava pela Rua Nova e cantarolava:


        “Chora “pessidê”
         Que é seu tempo de perdê
         Chora “pessidê”
         Tampa o ouvido
         pra num sofrê!”

E lá vinha o refrão:


        de nada adiantou
        rancá dente de graça
        que o “pessidê”
        caiu foi na disgraça!”

        Aquilo doía em Oto Silva. Ele chegava à porta de seu
gabinete e olhava o Zé da Iria passando. Calça arregaçada na
canela, chapéu de palha desfiado, faca na cintura, pé espanado,
tipo “dez pras duas”, lá ia ele, a imagem do valentão protegido.
        Oto Silva ia até a venda de Geraldo Henriques, que nesta
época funcionava na Rua São José, ao lado da tradicional loja de
Zé Fernandes, tomava uma pinga e dizia:
        _ “Nada melhor que um dia após o outro. Tá vendo este
puxa-saco do PR, Geraldo? Um dia o dente dele vai doer, ora se
vai! Todo mundo tem dor de dente e não vai ser Zé da Iria que já
tem os dele brocado, que não vai sentir dor! Mas nesse dia...
Não quero nem pensar!...”
        E não deu outra!
        A praga lançada por Oto Silva pegou Zé da Iria num
brejo, plantando arroz!
        No princípio foi aquela dorzinha, depois foi apertando e
ele teve que ir pra casa!
        Bebeu cachaça, nada! Bochechou com cachaça quente,
nada! Esfarelou comprimido de Melhoral e pôs no buraco do
024
dente, nada! O diabo do dente latejava! Zé da Iria já não
aguentava mais!
         Dia seguinte, bem cedo, Zé da Iria chegou na Loja de Sô
Lívio, chefe local do PR. Explicou pra ele a situação e Sô Lívio,
passou um bilhete pra Oto Silva resolver o problema de Zé da
Iria.
         Zé da Iria estava sentado na cadeira de dentista, suando
à bicas, com a boca recheada de algodão!
         Oto Silva, feliz, assobiando as musiquinhas que Zé da Iria
gostava de cantar em frente ao seu gabinete, alisava o boticão,
como se fosse um açougueiro alisando a faca na hora de
destrinchar um porco!
         Meteu mais algodão na boca de Zé da Iria e falou
baixinho em seu ouvido:
         _ “Então, Zé. Você é PR de “amargar”, né?”
         Zé da Iria, tremendo, balançou a cabeça negando.
         _ “Mas o bilhete pra te atender é de Sô Lívio... Ih, que
broca danada de dente, Sô! E tem mais um punhado que ainda
vai doer!... E então, que que você me diz?...” Falou Oto Silva,
abrindo bem a boca do Zé.
         Aí, aquela vozinha saiu lá do fundo da garganta de Zé da
Iria, puxando “xis”, devido ao algodão na boca, e fininha, bem
fininha, como se tivesse pedindo perdão:
         _ “EU XÔ PEXIDÊ! TÔ FINXINO COM ÊX. TE XURO!...”
         Não é preciso dizer que Oto Silva arrancou o dente sem
anestesia e nem tão pouco cobrou o serviço. Foi por puro
prazer!...
025
                      A MISSA CANTADA



         Sá Ana, lá do Galo era uma rezadeira de mão cheia! Na
Igreja, participava de tudo! Com aquela voz esganiçada, puxava
cantos sem parar! Não era fácil aguentá-la nas cerimônias
religiosas!
         E tinha mais! Quando o terço acabava, lá vinha Sá Ana
puxando ladainhas e cantos que se prolongavam, às vezes, até
por horas!
         Certo dia, Padre Chiquinho, após uma Missa Cantada,
muito demorada e cansativa, terminou a cerimônia cantando a
tão esperada frase em latim:
         _ “ET MISSA EST!”
         Ali mesmo no altar, muito cansado, começou a tirar os
paramentos litúrgicos, quando lá do fundo da Igreja, a voz
esganiçada de Sá Ana puxou o canto:
         _ “Eu cantarei
            ao Meu Senhor
            Eternamente...”

Padre Chiquinho, irritado, retrucou cantando:

       _ “Não canta, não,
          Óh, imprudente!...”

       E saiu rumo à sacristia!...
026

                   A PESCARIA DE CHISPIM

          Desde cedo o reboliço na casa de Sô João Fernandes
era de notar: Mataram um porco enorme e o trabalho de fritar e
empanelar as carnes e torresmos não dava trégua.
          Sobre o fogão de lenha, um varal de bambu estava
repleto de linguiça e nas gamelas chouriços !
          Compadre Chispim tinha saído pra pescar na pedra do
rebojo. Volta e meia tava ele chegando com uma piaba de dois
quilos e quatrocentos gramas!
          Ao entrar em casa, sentindo aquele cheiro de carne de
porco frita que saía da casa de João Fernandes, ficou a pensar:
“Diacho, Sô! Como peixe quase todo dia... E esse cheirinho de
porco frito... Vou levar esta piaba pra Sô João Fernandes...
Quem sabe ele me dá um bom pedaço de carne ou linguiça...
Sim, é isso mesmo! Vou já pra lá!...” E levou a piaba para a
casa do amigo! Lá chegando, foi entrando casa a fora, dizendo:
          _ “Ô, Sô João! Trouxe um presente pro amigo! Olha só!
Dois quilos e quatrocentos! Num é uma bichona?!...”
          Sô João Fernandes não estava em casa. A mulher dele
recebeu o presente, agradeceu e disse que depois mostraria o
peixe ao João Fernandes.
          Chispim olhava o varal de linguiça com água na boca e
enquanto tomava o cafezinho que a mulher serviu dizia:
          _ “Que fartura, hein? Quanta linguiça e chouriço!... Deve
estar uma delícia!... A senhora sabe fazer as coisas!... Benza ó
Deus! Que beleza!...”
          Depois do café esperou um pouco. Como ninguém falava
nada e nem tão pouco Sô João Fernandes chegava, despediu e
foi pra casa. Lá chegando não teve paz! Ficou matutando na
besteira que fizera: “Agora, come pedra se quiser!... Mas é um
absurdo! Com aquela fartura, aqueles miserentos não me deram
nada em troca da piaba!... Não!... Isso não vai ficá desse
jeito!...” Assim pensando, Chispim foi de novo à casa de João
Fernandes.
          João Fernandes, que já estava em casa, ao ver o
Chispim, foi logo dizendo:
027
         _ “Ôh, Chispim! Que beleza de piaba! Muito obrigado!
Agradeço de coração!”
         Chispim ainda tentou uma “cartada” pra ver se ganhava
alguma coisa:
         _ “Coisa de nada, meu amigo! Um peixico atoa! Coisa
boa mesmo é o porcão que o amigo matou! Benza ò Deus! Que
fartura!”
         E pôs-se a esperar para ver se ganhava alguma coisa.
Depois de um certo tempo, vendo que “daquele mato não saia
coelho”, falou pra João Fernandes:
         _ “Olha, Sô João! Eu estou com uma “duda” aqui na
cabeça... Eu queria dar uma olhada na piaba pra ver de que lado
eu fisguei a boca dela... Se foi do lado direito ou do lado
esquerdo... Dá pra trazer ela pra eu ver?...”
         João Fernandes foi até a cozinha e voltou com a piaba na
mão. Chispim pegou, remexeu a boca, balançou a cabeça,
caminhou em direção à porta, olhou pra João Fernandes e disse:
         _ “Já que eu não vou comer nada do seu porco, você
também não vai comer do meu peixe! Se quiser peixe vai
pescar! Inté!...”
         E jogou o peixe na rua, que foi abocanhado pelo cachorro
de Sá Varina, que por ali rondava à cata de um pedaço de
osso!...
028

                      A SEMANA SANTA

         A cerimônia acontecia no palco armado em frente à
Igreja Matriz.
         O povo ouvia atentamente o sermão pregado por um
padre que falava com forte sotaque estrangeiro, mal dando para
entender as palavras.
         No momento em que Nicodemos e Arimateia iniciaram a
descida do corpo de Cristo da cruz, um conterrâneo que havia
chegado de São Paulo, aproximou-se de Zé Naná, que fazia o
papel de soldado romano e perguntou:
         _ “Ô, rapaz! Estou tentando me lembrar do nome dos
dois personagens que estão descendo o corpo de Jesus, mas
não consigo, além do mais, este padre que está pregando não
fala direito a nossa língua... Você sabe o nome bíblico deles?”
         Zé Naná, com naturalidade, respondeu:
         _ “Ô, Sô! Cê não tá reconhecendo eles não?! O grandão
é o Patiagua, que jogava na U.S.E, o outro é Chico Matias, lá do
Galo!...”


                         A SERENATA


       A serenata fora programada em seus mínimos detalhes.
        Arranjou-se a cachaça – peça principal da seresta, mais
importante que o violão – e arranjou-se a “licença” com o
Delegado, que naquela época, para controlar as arruaças da
rapaziada, cobrava uma taxa para se fazer serenatas. Pelo
menos, como dizia o Delegado, qualquer coisa errada que
acontecesse naquela noite, já tinha os nomes dos prováveis
autores.
        Aí um dos “seresteiros” lembrou-se de uma coisa
importante que estava esquecida: A GALINHADA! Onde
arranjar as “penosas” para se fazer a bendita galinhada na casa
de Tio Antônio, após a serenata!
029
        Madalena, versado nas artes “galináceas”, foi logo
dizendo:
        _ “Deixa comigo! No quintal de Sô Olívio tem muitas
galinhas! Lá não tem galinheiro, as bichinhas dormem num
poleiro próximo ao muro da rua! Vai ser sopa! Vocês vão
aprender como se rouba galinha sem fazer barulho!"
        O que ninguém se lembrou é que em frente ao muro da
casa de Sô Olívio, morava Sô Mané, um velho soldado da PM,
que sofria de insônia!
        Tudo preparado, tudo acertado, aguardou-se a hora de
começar a serenata.
        Naquele tempo, a luz elétrica da cidade era proveniente
de um gerador diesel, que exatamente às 22:00 horas era
desligado. Portanto, às 23:00 horas já não haveria mais ninguém
nas ruas, era a hora ideal de se começar a seresta.
        E ela teve inicio na Praça União, em frente ao cemitério
velho, subindo em seguida pela São José.
        O litro de pinga ia passando de boca-em-boca e os
“cantores”, em frente às casas das “doce amadas”, cantavam
valsas, boleros e sambas-canções...
        Chegou-se ao muro da casa de Sô Olívio! Madalena
pediu silêncio e falou em voz baixa:
        _ “Ô turma, agora nada de música! Vou mostrar pra
vocês como se rouba galinha sem fazer barulho! Presta
atenção!”
        Atravessou a rua, arrancou um bambu de uma cerca – da
casa de Sô Mané – subiu no muro e foi falando baixinho:
        _ “Agora, é só cutucar com o bambu nas pernas das
galinhas, que elas, dormindo, sobem do poleiro para o bambu...
E aí, oh, é sopa!... Olha as duas “penosas” que peguei... Ah,
deliciosas...”
        E foi voltando-se para a turma mostrando as duas
galinhas, quando deu de cara com Sô Mané, que com as mãos
cruzadas, calmamente assistia à cena da janela de sua casa!
        A turma, neste instante já havia dado o fora!...
        Madalena, com um riso amarelo, calmamente voltou as
galinhas para o poleiro enquanto dizia:
030
       _ “É isso aí, Sô Mané! Eu tava mostrando pra turma,
como esse pessoal que cria galinha sem prender no galinheiro,
corre o risco de ser roubado! Isto é só uma demonstração! Eu
não estava roubando, não! O senhor me conhece, né?!...”
       Desceu do muro, atravessou a rua, colocou o bambu na
cerca e de longe, ainda disse pro velho soldado, que estava
boquiaberto com a cara de pau do Madalena:
        _ “Boa noite, Sô Mané... Foi só uma demonstração pra
turma... Boa noite!...”
        E “fechou” num galope rua abaixo em direção à casa de
Tio Antônio, onde a turma esperava, “rolando” de tanto rir!...



              A SIMPLICIDADE DE SÔ MANUEL


       Outra pessoa engraçada era o meu amigo, Sô Manuel, lá
do Salto. Era muito simplório e tinha a mania de falar alto,
gritado!
         Certo dia tava eu plantando uma roça de milho lá perto
da ponte de arame do Salto, quando ele chegou e parou pra um
dedo de prosa!
         Concersa-vai, conversa-vem e ele se lembrou de passar
umas recomendações à sua mulher que lavava roupa na outra
margem do rio.
         Pôs as mãos em concha à boca e gritou:
         _ “Ô Maria! Ô Maria! O dinheiro da venda do porco tá
debaixo do “trabisseiro”! Põe ele debaixo do colchão e põe um
cobertor dobrado sobre a cama pra despistar! Se ocê fô sair,
fecha toda a casa e põe a chave debaixo do vaso de flô perto da
pia do terreiro!”
         Vendo que Barbosa, que tinha fama de larápio tava
pescando debaixo da ponte, recomendou:
         _ “Óia, tem rato de dois pé rondando a área! Amarra
canela (o nome da cachorra) na porta da frente que é pra dá
respeito! Toma cuidado! Inté!...”
031

            A VISITA DO COMPADRE CANDIDATO


       Na campanha política do ano de 1996, um certo
candidato a Prefeito foi visitar o eleitorado do Salto, Mateus e
vizinhanças.
       Ao chegar próximo a uma porteira, o candidato desceu do
carro para abri-la, quando um bando de meninos o cercou.
       Brincando com os meninos o candidato deu-lhes umas
moedas, perguntando de quem eram filhos.                Um deles
respondeu:
       _ “Nós é filho de Nega de João Balança!”
       O candidato falou:
       _ “Ora, então um de vocês é meu afilhado, cadê a mãe
de vocês?”
       Antes que os meninos falassem alguma coisa, uma
mulher, descendo o morro, veio gritando de braços abertos:
       _ “Óia, gente! É o compadre! Deix’eu te dá um abraço!
Vão lá em casa que o João tá lá!”
       Depois de abraçar a comadre, o candidato, olhando a
meninada, perguntou à comadre qual deles era o seu afilhado.
       A comadre, apontando para um menino lourinho,
respondeu:
       _ “É aquele ali, compadre! Já tá com oito anos... Cê
acha que ele parece com o pai?”
       O candidato, depois de dar uma nota de dez reais para o
menino, que saiu pulando igual a um cabrito, balançando a nota,
apoiou-se no ombro da comadre e caminhando em direção à
casa, sussurrou-lhe no ouvido:
       _ “Olha, comadre. Me explica uma coisa... Como é que a
comadre que é mulata foi ter este filho lourinho, se o compadre é
quase preto?”
       A comadre, rindo, respondeu:
       _ “Eh, compadre... Num dá pra explicá... Acontece cada
milagre nesta banda do rio que num tem nem explicação!...”
032

                        AO BOBO?!...


        Sô Teco tomou umas biritas e foi pra casa. Com a
cabeça cheia ele aprontou bastante, importunando a vizinhança!
        E não deu outra! Um vizinho chamou a Polícia!
        O Cabo, acompanhado por dois soldados chegaram à
casa de Sô Teco. O Cabo bateu à porta e lá de dentro Sô Teco
pergunta:
        _ “Quem tá batendo aí?”
        _ “É a Autoridade! Faça o favor de abrir, Sô Teco! Só
queremos conversar!”
        Sô Teco responde:
        _ “Autoridade?! Abro não!!! Num sou bobo?! Pode
dormir aí fora que não abro! Ao bobo?!...”
        Após várias tentativas, o Cabo teve a ideia! Disse a um
dos soldados:
        _ “Você se esconde atrás da casa enquanto nós
descemos o morro! Sô Teco vai sair pra ver... e então você pega
o bicho!...”
        Chegando-se à janela o Cabo falou:
        _ “Nós estamos indo embora, Sô Teco! Amanhã a gente
volta para conversar! Vamos pessoal!”
        Pouco depois Sô Teco abriu a janela e, não vendo a
Polícia, abriu a porta e saiu pra rua, rindo e falando:
        _ “Autoridade!... Me prender?!... Ao bobo?!... Vai com
Deus e Nossa Senhora e o “Demo” atrás tocando viola!...”
        Foi então que ele sentiu alguém tocando seu ombro e
voltando-se pra ver, deu de cara com o soldado de algemas na
mão!
        _ “Xiii!... O véio dançou!... Ao bobo?!...”
033

                  AS CAMISINHAS FURADAS

        Manuel da Cachaça enrolou com cuidado o cigarro de
palha. Depois de acendê-lo, deu uma tragada e começou:
        _ “Certo dia, um viajante de laboratório, passou numa
farmácia daqui, e entre vários remédios que vendeu ao
farmacêutico, incluiu um novo produto que estava sendo lançado
no mercado. Tratava-se, nada mais, nada menos, que as
famosas “Camisinhas de Vênus”!
        Com receio, o farmacêutico comprou o novo produto!
        Sua consciência religiosa ia contra tais produtos, mas os
tempos estavam mudados e alguns fregueses já haviam feito,
por vária vezes, tal encomenda!
        O certo é que o farmacêutico mantinha as camisinhas
numa gaveta fechada a chave e fazia um controle rigoroso das
que vendia!
        Mas apesar de todo esse cuidado, começaram a
aparecer camisinhas usadas, na porta da Igreja, no antigo prédio
do Patrimônio, na pedra de banho e até na porta da Casa
Paroquial!
        O padre não demorou a falar do assunto nas práticas
dominicais e um dia foi procurar o farmacêutico.
        _ “Meu filho, você tem que parar de vender este produto!
O lugar tá virando uma promiscuidade! É essa tal camisinha por
todo lado! Você tem que dar um jeito nisso! Além do mais, o uso
desse produto vai contra a Lei de Deus! “Crescei e multiplicai”,
assim diz a Bíblia, e você, vendendo isto está contra a palavra de
Deus! Está pecando!”
        O farmacêutico coçou a cabeça preocupado, abriu a
gaveta e mostrando para o Padre, que olhava boquiaberto a
quantidade de camisinhas, falou:
        _ “Tudo bem, Padre! Eu vou controlar a venda, mas não
posso ficar com o prejuízo! Vou seguir a Lei de Deus furando
algumas delas com alfinete! Vai ser uma questão de sorte de
nascer ou não alguma criança por parte dos usuários!”
        O Padre concordou, mediante a promessa de que o
produto não seria vendido pra rapaz solteiro!”
034
        Manuel da Cachaça interrompeu o caso em meio à risada
geral. Tomou a cachacinha, raspou a garganta e arrematou o
caso rindo à valer:
        _ “Eu posso lhes garantir, Sôs Moços, que muitos de
vocês estão aqui hoje, graças às camisinhas furadas do tal
farmacêutico!...


                     AS LUZES DA PONTE


        Quando Manuel da Cachaça se dispunha a contar um
caso de seu amigo Antônio Maurício, ele o fazia com prazer:
        _ “Sô Antônio Maurício morava lá na Isabel! “Pessedista”
e “Niniquista” como ele ainda não vi ninguém! Acho até que ele
era mais “Niniquista” que o próprio Ninico Carneiro, candidato a
Prefeito pelo PSD!
        Corria o ano de 1958. A política “pegava fogo”, como se
diz! O povo se preparava pra eleger o segundo Prefeito do
município, visto que Sô Juquinha da Água Limpa foi eleito
Prefeito na primeira eleição.
        As coisas pareciam muito boas pro PR! A construção da
“ponte de cimento armado” sobre o Rio Piranga e a construção
do prédio do Grupo Escolar pesavam na balança, como obras
de vulto do PR!
        Aí houve a inauguração da ponte! Um festão que atraiu
muita gente!
        De noite, a ponte iluminada fazia os “pessedistas” “engulir
seco”, tentando colocar algum defeito. E surgiram os defeitos:
“É muito estreita” – “Não passam dois carros” – “Tem que se
fazer obras pensando no futuro” – “Economizaram para sobrar
dinheiro pra comprar votos” – etc, etc, etc... Mas tudo motivado
pelo ciúme da grande obra feita na cidade! Mas não adiantava!
A ponte iluminada estava lá! Bonita e boa pra todo mundo
passar!
        Então, uma certa noite, aconteceu o que ninguém
esperava... Quebraram as luz da ponte! Só podia ser coisa dos
“pessedistas”!... Foi um “sururu” danado na cidade!
035
        A polícia “metia fuzil” em qualquer grupinho de pessoas
que ficasse pelas ruas tarde da noite! Parecia até época de
revolução!
        Aí, Antônio Gato e Zé de Lucas chegaram à casa de Sô
Antônio Maurício.
        _ “Bom dia Sô Antônio! Como tem passado?”
        _ “Bom dia meus amigos! Vai indo tudo bem! Enquanto
eu termino este servicinho aqui, os amigos não se acanhem.
Vão lá dentro, na cozinha e sirvam-se à vontade! Maricota fez
um franguinho com quiabo. Ela foi lá na Fazenda de Sô Guilé.
Podem servir. A pinga está no garrafão, debaixo da mesa.
Agorinha mesmo eu vou!”
        Aquilo foi jogar “sapo n’água” pros dois! Entraram na
cozinha, beberam cachaça, comeram o franguinho e só deixaram
os ossos com quiabo!...
        Volta e meia Sô Antônio entrou na cozinha. Pegou o
prato, destampou a panela, remexeu o frango, e vendo que só
tinha ossos, falou:
        _ “Gozado... Maricota fez um frango que era puro osso...
Olhou pros dois, coçou a cabeça, tomou uma pinguinha e
sentando-se na ponta do banco, perguntou:
        _ “Mas que novidades os amigos me trazem?”
        Zé de Lucas, sempre mais prosa e com aquele estilo
meio carioca e paulista – ele havia trabalhado fora – falou:
        _ “Olha, Sô Antônio... Vou falar contigo uma coisa. Lá na
Rua as coisas tão pretas! Tem polícia “metendo o fuzil” em todo
mundo! Num tá fácil, não!...”
        _ “Mas o que aconteceu? Fala logo homem! Mataram
alguém?”
        _ “Não! Pior que isso! Quebraram as luz da ponte!...”
Falou Antônio Gato servindo mais uma pinguinha.
        Sô Antônio riu satisfeito:
        _ “Há, Há, Há! Quebraram as luz da ponte? Há, Há,Há!
Já sei! Vai vê que foi aquele bando de “perristas” mequetrefe
que fizeram isso só pra jogar a culpa nos “pessidê”! Só pode ser!
Há, Há, Há! Sô Ulisse, Delegado, tem que “exemplá” eles!
Cambada de mequetrefe! Há, Há, Há!”
        Aí Zé de Lucas falou:
036
         _ “Éh... Mas tão falando que foi gente da alta... Políticos
fortes do PSD!...”
         Sô Antônio parou de rir e perguntou:
         _ “Quem?... Quem foi?... Eu sei que é fofoca do PR!...
Fala!”
         Zé de Lucas, puxando Antônio Gato pela manga da
camisa, saiu pela porta da cozinha e respondeu:
         _ “Tão falando que foi Ninico... Zé Fernandes... Idú...
Sérvulo... Zizinho Peixoto... Sô Benigue...”
         Sô Antônio, chegando-se à porta falou, ou melhor, gritou:
         _ “Fora! Fora seus transmitidô de notícia farsa! Fora!
Onde já se viu uma coisa dessas? Ninico, Zé Fernandes, Idú,
Sérvulo, Zizinho Peixoto, Sô Benigue!... Ês são lá homem de
fazê uma coisa dessas?!”
         Entrando em casa, topou com Maricota que acabara de
chegar:
         _ “Que foi Antônio? Que que aconteceu?”
         Sô Antônio respondeu servindo mais uma pinguinha:
         _ “É aqueles transmitidô de notícia farsa! Aqueles beija-
flô-do-rabo-preto! Onde já se viu? Ninico, Zé Fernandes, Idú...
Quebrá luz da ponte?!...”
         Bebeu a cachaça, estalou a língua e arrematou:
         _ “Bão! Se foi ês, foi muito bem feito! Aquelas luz tavam
meio fracas... Num tavam valendo muito nada! Se foi ês, foi
bem feito!...”
         Saiu e foi pendurar os retratos de propaganda dos
candidatos a Prefeito e Vice, Ninico e Sô Guilé, na porteira,
justamente na hora em que um “perrista” do Xopotó passou de
jeep e gritou:
         _ “Aí, hein puxa-saco! Botando os homens pra tomar
sol!...”
037

                        AS RAPADURAS

         Sô Belito, cachacista militante e treteiro, certo dia tava
tomando umas biritas no boteco de Sô Dote, lá nas Cruzes.
         Conversa-vai, conversa-vem, uma pinguinha pra espichar
o papo, um cigarrinho de palha e as horas passando.
         Aconteceu que Sô Dote precisou de sair e deixou o
boteco por conta de Sô Belito por alguns minutos. Foi o tempo
suficiente para ele ufanar duas rapaduras e colocar no bornal,
deixando ele pendurado em um prego do lado de fora do boteco.
         Sô Dote ao voltar, logo notou a falta das rapaduras.
Despistadamente, verificou o bornal de Sô Belito, encontrando lá
as dita-cujas.
         Com rapidez trocou elas por dois tijolos, deixando o
bornal no mesmo lugar.
         Já mais tarde, bem “alto”, devido o efeito das
“branquinhas” que havia tomado, Sô Belito tomou o rumo de
casa, feliz com as duas rapaduras que levava.
         Pelo caminho ele foi pensando: “Hoje a mulher vai ficar
sastifeita! Duas rapaduras! E ela que sempre diz que eu gasto
tudo em cachaça!...”
         Chegando em casa, jogou o bornal sobre a mesa da
cozinha e foi logo gritando para a mulher:
         _ “Ô Maria! Dá seu jeito e faz logo um café! Tô doido pra
tomá um café fresquinho!”
         A mulher, logo respondeu:
         _ “Faço, sim! Mas ocê vai lá no terreiro cortar a cana e
passar na engenhoca pra fazê a garapa!”
         Belito, rindo satisfeito, mostrou o bornal:
         _ “Precisa de cana não, muié! Comprei duas rapaduras
lá no boteco de Sô Dote! Taqui no bornal!”
         A mulher atiçou o fogo no fogão, pôs mais água pra ferver
e pegando o bornal, falou:
         _ “Tá pesado! Até que enfim ocê trouxe alguma coisa pra
casa sem ser litro de pinga!”
         Tirando as “rapaduras” do bornal, exclamou surpresa:
         _ “Belito!!! Olha aqui!!! Isso é tijolo!!!”
038
       Ele, esfregando os olhos, disse:
       _ “Num acredito!!! Cumé que Sô Dote pôde fazê uma
brincadeira dessas comigo?!...”



                    COISAS DE BÊBADOS

        Aprino e Mané Fostino, dois cachacistas militantes, certo
dia se encontraram na encruzilhada da Fazenda do Baía, já sob
o efeito da “branquinha”.
        _ “Tá voltando, Mané?” Perguntou Aprino.
        _ “Não, tô ino!” Respondeu Mané Fostino.
        _ “Ino pra onde? Pra Presidente ou pra Piranga?”
        _ “Pra Presidente, uai!”
        _ “Ora, será que eu tô bebo? Aí ocê vai é pra Piranga!”
        _ Será?! Eu tô é ino!”
        _ “Não! Cê tá é voltano! Vão trocá de lugar pra vê! E
agora, cê tá ino ou tá voltano?”
        _ “Eh, acho que eu tô voltano!... Bão, lá vem Chico
Vazio. Vão perguntá pra ele?”
        Chico Vazio, de nome Francisco Washington, outro
cachacista declarado, chegou-se aos dois perguntando:
        _ “Cês tão ino ou vino?”
        _ “Ih!... É isso que nós qué sabê!... Que que ocê acha?
Olha a posição do Mané. Cê acha que ele tá ino ou tá voltano de
Piranga?”
        Chico Vazio, olhou a posição do Mané, fechou um olho e
olhando bem pra encruzilhada da Fazenda, disse:
        _ “Tá difícil!... Essa encruzilhada num para de andá!...
Lá vem Zé Pinheiro, vão perguntá pra ele...”
        Zé Pinheiro chegou até onde estavam. Fez o “sinal-da-
cruz” – uma mania que ele tinha – e cumprimentou-os:
        _ “Bom dia prô cês! Algum problema?”
        Aprino foi logo dizendo:
        _ “Sô Zé, diz pra gente, pra tirá a duda. Pela posição do
Mané, ele tá ino ou voltano de Piranga?”
        _ “Ele tá ino!” Respondeu Zé Pinheiro.
039
         _ “Eu num falei, Mané? Aquela hora cê tava era vino de
Calambau!”
         Mané Fostino, coçando a cabeça, falou:
         _ “Bão, já que tá arresolvida a questão, eu vou pra Rua!
Té logo prô cês!”
         _ “Nós vai junto, uai! Num tem nada mesmo pra gente
fazê! Que que ocê vai fazê na Rua?”
         _ “Bão, primeiro a gente passa na venda do Brás, lá atrás
da Igreja, toma umas pingas...”
         _ “... Depois vai no Bar de Chico Borges...”
         _ “... Bebe mais outras...”
         _ “... Depois vai no Boteco Tomba Copo...”
         _ “... Toma outras pingas...”
         _ “... Passa no Vicente Ferreira... No Zé Fernandes...”
         _ “... Na venda do Idú...”
         _ “... No Boteco da Biri...”
         _ “... No Zé Salomé...”
         _ “... No Antônio Toninho...”
         _ “... No Mário Venâncio...”
         _ “... No Joaquim Pascoal...”
         _ “... Entra na Rua Nova...”
         _ “... Na Farmácia de Zécelmino, num passa não! Lá
num tem pinga!...”
         _ “... Passa na venda de Sô Gentil... Desce o morro da
ponte e vai no Sô Caquim...”
         _ “... Volta pra Praça e vai no Leonídio...”
         _ “... No Silvério e no Ladinho Vidigal, num passa não!
Lá também num tem pinga!...”
         _ “... Aí chega atrás da Igreja outra vez e entra no
Brás...”
         _ “... Bebe mais pinga... e...”
         _ “... Xiiii!... Vai começá tudo de novo!...”
040
                  AS ENXADAS DA POLÍTICA

         Com a emancipação política do Município veio o “prego-
no-sapato” dos pessedistas: A mudança do histórico nome de
Calambau para Presidente Bernardes! A partir daí a política local
tomou outros rumos. Pais contra filhos, irmão contra irmão e até
esposas contra maridos! Famílias separadas, tudo em nome do
PR e do PSD!
         Manuel da Cachaça acendeu o cigarro de palha, deu uma
baforada, tomou uma pinguinha, raspou a garganta e começou a
contar:
         _ “A separação política era tão grande na segunda
eleição municipal, que o PR distribuiu enxadas “Jacaré” e o PSD
distribuiu enxadas “Tarza”, para os eleitores da zona rural.
         Um dia tava eu no Bar do Chico Borges, lá na praça,
quando Zé Grilo, um trabalhador avulso, destes que pegam
serviço de capinar quintal e plantar horta, chegou ao Bar com
sua enxada às costas.
         Volta e meia chegou Zé Martinho, um preto forte que
trabalhava como diarista na Fazenda da Água Limpa. Zé Grilo
era do PSD e Zé Martinho do PR.
         Conversa-vai, conversa-vem, e entre uma cachacinha e
outra, o assunto chegou onde não devia: Política!
         Zé Martinho olhou pra enxada de Zé Grilo e falou:
         _ “Enxada Tarza... Muito boa pro seu tipo de serviço, Zé
Grilo. Fofar canteiro de horta e terra macia! Enxada boa é
Jacaré, que aguenta terra dura sem desbeiçar!”
         Zé Grilo sentiu a provocação do outro e logo disse:
         _ “Já tive uma Jacaré, Zé Martinho. Engraçado, não me
dei bem com ela não! Com seis meses de uso ela tava
desbeiçada! Virou um “cacumbu” dei ela pro meu filho de seis
anos brincar! Ainda tá la em casa! Ultimamente cortei o cabo dela
pra usar como martelo! Só pra isso que ela serve!”
         Zé Martinho sentiu que estava perdendo terreno e foi logo
retrucando:
         _ “Cê deve ter capinado pedra com ela pra desbeiçar tão
fácil! Enxada Jacaré é melhor que Tarza, todo mundo sabe
disso!”
041
         Zé Grilo pegou a enxada de Zé Martinho, passou o dedo
pelo corte, deu uma estocada com a unha do polegar pra
verificar o tinido e disse:
         _ “Olha aí, nem tinir ela tine! Parece mais um sino
rachado! E além do mais já está trincada, vai partir no meio e
nem vai servir pra martelo! Enxada boa é Tarza, que além de
tudo é PSD!”
         Zé Martinho não gostou da provocação e foi logo
dizendo:
         _ “Que PSD que nada, sô! Bão mesmo é enxada Jacaré,
que é PR! Olha a sua aí, já está desbeiçando! Bão será se quem
tá usando não desbundá!”
         Foi falar e levar! Zé Grilo meteu o olho da enxada na
testa de Zé Martinho! Foi bater, sangue esguichar e o homem
cair desacordado!
         Chico Borges veio logo acudir dizendo:
         _ “Dá o fora Zé Grilo! O Sargento vai chegar já! Cê sabe
que ele é puxa-saco do PR! A coisa pode engrossar pro seu
lado!”
         Antes de sair, Zé Grilo olhou pra Zé Martinho ainda zonzo
no chão e disse:
         _ “Seu merda, cê vai ficar muito tempo com este “galo” na
testa! Isto é pra aprender que enxada boa é Tarza! Viva o PSD!”
         Zé Grilo ficou acoitado algum tempo na Fazenda do
Seringa, de Sô Zé Maria Carneiro, pai de Sô Ninico, candidato a
Prefeito do PSD! Quando o PSD ganhou a eleição, ele pendurou
uma enxada Tarza novinha na janela de sua casa, e quando Zé
Martinho passava, ele batia na enxada com o cacumbu da
Jacaré e gritava:
         _ “Óia o tinido da bicha! Óia o som do PSD!”
         Zé Martinho, que ficou com um fundo na testa, com o
tempo acabou mudando pra Porto Firme.
042

                          COPARRA

        Certo dia encontrei o João Pedro no açougue do Márcio
Pinto. Vendo-o cabisbaixo, de blusa de frio em pleno calor, com
a cara de quem está doente, perguntei-lhe:
        _ “O que foi, João Pedro? Tá perrengue?”
        Ele, esfregando as mãos, respondeu:
        _ “Xiii!... Tô ruim! Tô vino do médio! Tô mar!...”
        _ “ Vindo de onde, João Pedro?”
        _ “Do médio, do dotôre, fui consurtá! As coisas num tão
boas pra mim, não!”
        _ “Por que, João Pedro?”
        _ “Óia, eu tava dum jeito que cê pricisava vê!... Num
dizano danado, sem contá com um piriri que num sarava! Eu
chegava em casa, a muié fazia aquela comidinha gostosa, eu
distampava a panela e dizia: Qué não, tá ruim! Ela fazia aquela
broa cheirosa, eu punha na boca e "guspia" dizendo: Qué não, tá
ruim! Leite, então?! Nem pensá! Só de vê, enjoava! Mas
cachaça?! Ôbaaa! SÓ COPARRA!... NA RISCA!...”


                EFEMÉRIDES CACHACISTAS


        Lolô dos Costas, cachacista de carteirinha, foi levado ao
Hospital, todo arranhado de arame farpado, devido a um tombo
que tomara, indo pra casa, sob o efeito da branquinha, lá pros
lados do Pai Domingos.
        No Hospital, perguntaram-lhe o que acontecera, no que
ele respondeu, na maior cara de pau:
        _ “Olha, ontem quando ia pra casa, um baita tamanduá
me acercou na estrada, me dando um abraço forte e me
arranhando todo!...”
        Já nosso amigo “Quinca Fubá”, vindo de bicicleta lá do
Campo da Limeira, também “alto” pelo efeito da “branquinha”, ao
fazer uma curva, perdeu o equilíbrio caindo da bicicleta. No
043
meio do mato um passarinho piou alto: “PIAU!... PIAU!... PIAU!...”
        “Quinca Fubá”, levantando-se, batendo a poeira, olhou
pros lados e pensando que era alguém escondido no mato que
gritava: “MIAU!... MIAU!... MIAU!...” gritou:
        _ “MIAU É A PQP!!!...”
        Dias depois, topei com Narcísio Catarina, outro
cachacista de carteira. Vendo-o com o olho esquerdo
machucado, perguntei-lhe o que acontecera, no que me
respondeu:
        _ “Ontem eu fui buscá lenha no mato e um macaco me
jogou um tolete de pau no olho!...”
        A esposa dele, que ouviu a conversa, retrucou:
        _ “Deve ser daqueles “macacos” que Toninho da Água
Limpa põe dentro do litro!!!...”
        Prá terminar a conversa eu completei:
        _ “E este macaco deve ser parente do tamanduá que
abraçou Lolô dos Costas lá no Pai Domingos e do passarinho
que “miou” pra “Quinca Fubá”!...”



          EU COMO... CÊ COME... TERRA COME!...


       O certo é que o caso já vinha acontecendo há tempos!
Toda a região sabia e comentava! Mas o diabo é que o coitado
do Joaquim Altino, ou não sabia, ou não acreditava ou tinha
mesmo vocação pra “corno”!
         Era público e notório o caso de Sá Maria com o seu
compadre Quirino Pereira.
         Era Joaquim Altino sair de casa e lá chegava Quirino
Pereira pra dar “assistência à comadre”!
         Certo dia, Joaquim Altino disse à mulher que iria até a
cidade de Piranga, pra resolver uns problemas de escrituras e
que só voltaria no dia seguinte.
         Foi Joaquim Altino sair e Quirino Pereira chegar! E lá
ficou, “assistindo” à comadre, nas maiores safadezas!
044
         Mas não se sabe “por quê”, Joaquim Altino, já chegando
na rua resolveu voltar pra casa!
         Já era noite quando ele chegou! Soltou o animal, tirou as
botas ali mesmo no curral, como era de seu costume, subiu a
escada e vendo a casa em silêncio, tomou o rumo do quarto.
         Ao abrir a porta, deu de cara com os dois na maior sem-
vergonhice!
         Fechou a porta, foi pra varanda, acendeu o cigarro de
palha e ficou esperando.
         Quirino Pereira vestiu rapidamente a roupa, pôs o chapéu
e aproximou-se do compadre, abrindo a camisa e mostrando o
peito, dizendo:
         _ “Pode me matar, compadre! Pega o revólver e me dá
um tiro bem aqui no coração! Sou um safado sem-vergonha!
Num mereço viver! Me mata compadre!
         Então, Joaquim Altino, soltando a fumaça do cigarro,
falou tranquilo:
         _ “Carece não, compadre!... Matá pra que?!... EU
COMO... CÊ COME... TERRA COME!!!...”



                          GARRAPIA


                   Fui comer pato no Zé Cirilo
                   E quando o pato já vinha,
                      Zé Cirilo, prestativo,
                  Me serviu uma “branquinha”
                      À guisa de aperitivo!
                  De tão gostosa a pinguinha,
                   Não tive outra alternativa:
                    Pedi dez engarrafadas
                   Pra poder levar pra casa
                     E beber no dia a dia!
                 Mas quando em casa cheguei
                     Já na porta deparei
                  Com Dona Patroa cismada
045
   Que de cara quis saber
 Pra que tanta “pingaiada”!
Com a mão cheia eu conduzia
   O arsenal bebericante
   Em direção à cozinha,
  Enquanto lhe respondia
Que era só umas “pinguinhas”
Pra beber de vez em quando
   E que não era todo dia!
Mas Dona Patroa que é brava,
  Não quis conversa fiada,
 E enquanto me empurrava,
    No meu ouvido dizia:
 _ “Joga tudo naquela pia!”
   Sem ter como retrucar,
   Abri a primeira garrafa,
 E enquanto um copo bebia
  Despejava o resto na pia
        E a Patroa ria!

  Abri a segunda garrafa,
De novo outro copo eu bebia
 Despejando o resto na pia
   Enquanto a Patroa ria!
    Abri a terceira garrafa
E enquanto o resto eu bebia,
    Joguei o copo na pia
    E a Patroa já não ria!
 Quando a quarta eu abria,
   Joguei o resto no copo,
          Bebi na pia
  E já a Patroa eu não via!
Quando da quinta eu bebia,
     A garrafa ria na pia
    E a rolha eu já comia!
     Peguei a sexta pia,
   Joguei o copo no resto
 Enquanto na garrafa bebia!
046
                Com a sétima garrafa vazia,
                    Eu bebia sem copo
                       E lambia a pia!
                   Na oitava, à toa eu ria,
                E jogava a garrafa no copo
                     E a mão já tremia!
                    Peguei o nono copo,
                    Misturei na garrafa,
                    E na pia xixi já fazia!
                 O décimo copo e o resto,
                  Me jogou na “garrapia”,
              Não sei o que com a Patroa fazia,
                Só sei que quando acordei,
                Tava preso na Delegacia!...


                    MANEZINHO DO PR


       Manezinho, perrista de “amargar,” embriagado, chegou à
Sessão Eleitoral para votar. O Presidente da Sessão, por sinal
um pessedista de “papo amarelo”, vendo-o naquela situação,
coçou a cabeça e pediu-lhe o Título de Eleitor.
        Manezinho, contorcendo-se, falou:
        _ “Titlo?! Pra que titlo?”
        O Presidente respondeu:
        _ “Ora, pra você votar! Sem ele, nada de voto!”
        Então, Manezinho, arrematou a conversa:
        _ “Acá! Antão vancê num sabe?! Pra votá no PR num
pricisa de titlo não, Sô!...”
047
                   MINEIRINHO FOLGADO

        Zezé da Silva, mais conhecido por Zezé Gabornate, foi
pra São Paulo, com o fim de trabalhar.
        Por lá ficou uns bons meses, mas esta experiência em
São Paulo, em nada mudou os costumes simplórios de Zezé
Gabornate.
        Certo dia, estava ele no BAGACINHAS BAR, que era
muito frequentado pelo pessoal daqui que lá reside, quando
chegou a Polícia.
        O pessoal, já acostumado àquela rotina de cidade
grande, foi logo colocando as mãos para cima, aguardando a
“revista” da PM.
        Zezé Gabornate, simplório como sempre, continuou com
as mãos nos bolsos sem se preocupar.
        Um soldado se aproximou dele, dizendo:
        _ “Ponha as mãos pra cima, cara! Rápido!”
        Zezé, sem entender, perguntou:
        _ “Pra que por as mãos pra cima, Sô Guarda?”
        O soldado, ainda com um pouco de paciência, falou:
        _ “Pra que eu possa lhe dar a “revista”, entendeu?”
        Rindo, Zezé falou:
        _ “Me dar revista? Perde tempo não, Sô! Eu não sei lê,
nadinha, nadinha!... Só se fô pra vê gravura!...”
        O soldado, empurrando-o, foi pedindo:
        _ “Seus documentos!        Sua carteira de identidade!
Vamos!”
        Zezé Gabornate, calmamente retrucou:
        _ “dicumento?!     Tá aqui não, Sô!         Tá em casa!
Dicumento eu num ando com ele não! É pirigoso perdê e se
perdê dá um trabaião danado pra tirá outro!”
        Então o soldado, já com a paciência esgotada, colocando
as mãos à cintura, encarou-o, dizendo:
        _ “Êh, mineiro! Você é bem folgado, não é?!”
        Zezé respondeu:
        _ “Bem, pra dizê a verdade, a gente num passa aperto,
não! Meu pai tem um sitiozinho lá no Calambau, que produz um
pouquinho de tudo... Dá pra vivê com certa forga, sim,
048
Sinhô! Você entende, né?... Mas voltando ao caso dos
dicumento, vou te contar que um amigo meu perdeu os dele e...”
        Nesta altura dos fatos, o soldado já estava entrando na
viatura, comentando com os colegas:
        _ “A gente encontra cada tipo nesta vida!... Ô mineirinho
folgado, Sô!...”


                            A PRESA


        Manuel da Cachaça esfregou bem o fumo antes de
colocá-lo na palha. Com mestria de muitos anos de prática,
enrolou o cigarro e depois de acendê-lo, tossiu levemente
perguntando a seguir:
        _ “Os moços se lembram bem de Roque Soares, não é?
Irmão de Sô Idu e Sô Bastião, que trabalhava junto com eles na
Casa Soareza, tão lembrados? Pois bem, o caso que vou contar
aconteceu quando a venda de Sô Idu era na Rua São José, na
casa velha.
        Havia um Tenente do Exército que sempre vinha aqui
para fiscalizar o Serviço de Alistamento Militar na Prefeitura, e
toda vez que aqui chegava, passava na venda de Sô Idu onde
tomava um guaraná.
        Roque, já acostumado com o Tenente, sempre o atendia
com presteza.
        Certa vez ele aqui chegou, como sempre, num jipão do
Exército. Parou em frente à venda de Sô Idu, entrou e Roque foi
logo lhe servindo o guaraná.
        O Tenente tomou o primeiro gole e antes que falasse
alguma coisa, Roque, vendo que havia uma mulher no carro,
perguntou:
        _ “E pra “presa”, o senhor não vai dar nada, não?”
        O Tenente, não entendendo, perguntou:
        _ “Pra quem?!...”
        Roque respondeu:
        _ “Pra presa! A mulher feia que está no carro!... O senhor
não vai dar a ela um gole pra matar a sede?!”
049
       O Tenente, rindo, respondeu:
       _ “Não é presa, não! É a minha mulher!...”
       Roque, sem saber como se desculpar, limpava as lentes
dos óculos enquanto a mulher que tudo ouvira, gritou do carro:
       _ “Presa é a mãe e mulher feia é a vó!!!...”



              MISERICÓRDIA! MIJÁ NA CORDA!


         Era época de Missões! A Igreja estava cheia! Parecia
que toda a população do Velho Distrito de Calambau estava ali
reunida!
         Padre Arlindo acabara de pregar e era aguardada a
palavra de mais um Missionário!
         Sô Teodomiro acabara de chegar com mulher e filhos!
Arranjou um canto pra se acomodar e tirando do ombro o
inseparável bodoque, colocou-o próximo a uma coluna da igreja.
         O Missionário iniciou um longo sermão, pregando sobre a
salvação da alma, chegando até ao Final dos Tempos, sobre a
Ressurreição dos Mortos!
         Sô Teodomiro, cansado da longa caminhada, encostou-
se num canto e “pegou” no sono!
         A Igreja Velha tinha o piso de tábuas largas e diziam que
ali já fora enterrada muita gente, conforme costume antigo. O
Missionário, ao pregar sobre a Ressurreição dos Mortos, já de
comum acordo com alguém que se alojara sob o piso de tábua,
gritava ameaçando os pecadores com o Fogo Eterno, enquanto
se escutavam batidas secas no piso da Igreja!
         O povo assustado, clamava gritando sem parar:
         _ “Meu Jesus! Misericórdia! Misericórdia! Misericórdia!”
         Sô Teodomiro, acordando em meio àquela gritaria,
esfregou os olhos sonolento, e então, prestando atenção aos
gritos, começou a entender: “MISERICÓRDIA! MISERICÓRDIA!
MIJÁ NA CORDA! MIJÁ NA CORDA!...” Então ele abriu os
olhos, procurou pelo bodoque e pegando-o, disse:
050
     _ “Hum!... MIJÁ NA CORDA?!... MIJÁ NA CORDA DO
MEU BODOQUE?!!!! ISSO NUNCA!!! VÃO BORA MUIÉ!!!...”



                     A DENTADURA NOVA


       Joaquim Martins foi ao Jubileu de Congonhas e voltou de
dentadura nova! Daquelas que se compravam no balde,
experimentando uma a uma!
       Como ele era muito falante, com poucos dias todos já
sabiam que a dentadura, nova, fazia com que ele pronunciasse
as palavras carregadas nos “SSS”!...
       E aconteceu dele ir a Barbacena levar um vizinho, de
nome Maurício, para ser internado no Hospício.
       Mais tarde, após internar o amigo, foi o Joaquim Martins
ao Bar do Levi e Jairo, nossos conterrâneos, gente fina, que fica
lá na Colônia Rodrigo Silva, tomar uma cerveja.
       Jairo providenciou uma mesa, serviu-lhe a cerveja, voltou
para o balcão de onde lhe perguntou o que fora fazer em
Barbacena.
       No fundo do bar havia um casal de namorados que
estavam discutindo! A moça levantou-se para ir ao banheiro.
       Joaquim Martins, de olho nela, respondeu ao Jairo:
       _ “Eu vim na ambulânCIA(SSS), junto com a
PolíCIA(SSS), trazendo o MauríCIO(SSS), para ser internado no
HospíCIO(SSS)!”
       Foi então que o namorado que brigava com a namorada
aproximou-se do Joaquim dizendo:
       _ “Olha aqui, ôh meu! Vão parar de fazer ‘PSIU’ pra
minha namorada?!...”
051

                                            INÁCIO


            Manuel da Cachaça, vendo o cartaz que anunciava um
Forró nas Cruzes, falou:
            _ “Forró nas Cruzes! Sou capaz de apostar que o Inácio
vai estar lá! Ô caboclo pra gostar de um forró! Aliás, ele gosta
mesmo é de forró, mulher e futebol!
            De certa feita ele estava no Forró da U.S.E, quando um
de seus filhos chegou e lhe falou:
            _ “Ôh, pai. Me empresta “cinco mangos” aí! Segunda-
feira eu lhe pago!”
            Inácio pediu licença à dama, com quem dançava,
chamou o filho num canto do Salão, deu-lhe o dinheiro e disse:
            _ “Tá aqui o dinheiro! Agora vê se não me chama de pai
aqui dentro, não! Principalmente se eu estiver junto com alguma
dama! Entendeu?!”
            Horas depois, do lado de fora do Salão, o filho lhe
perguntou:
            _ “Ôh, Inácio! Cê vai demorar muito pra ir pra casa?”
            E Inácio respondeu:
            _ “Olha lá cumé que fala!... Olha o respeito!... Eu sou seu
pai!...”
......................................................................................................

       Mas foi numa partida de futebol que o Inácio fez a maior
de sua vida!
       O Juiz havia marcado um pênalti contra o seu time!
Confusão formada! Ninguém concordava com o pênalti!
       O Juiz pôs a bola na marca, os jogadores o cercaram!
       Bate! Não bate!
       Não bate! Bate!
       Na confusão, alguém gritou:
       _ “Chuta Inácio!”
       E ele, “fominha” pra bola,“pimba”! Mandou a bola pro
barbante!!!...
       E saiu corrido de campo!!!
052
                A RODA DA CARROÇA VELHA

        O Ministro da Eucaristia passou rumo ao Hospital para
dar comunhão a um enfermo.
        Manuel da Cachaça saudou-o com o chapéu e entrou
para o boteco do Zé Cirilo. Acendeu o cigarro, tragou, riu
matreiramente e começou a contar:
        _ “Vi o Ministro da Eucaristia e me alembrei de um caso.
Hê! Hê! Hê! Não vou dizer o nome de quem foi pra não
complicar! Hê! Hê! Hê! O povo sabe de cada coisa!...
        Sô Fulano era um homem sério, religioso ao extremo,
conhecedor dos “latinorum” da Igreja tal qual um Padre. Só não
foi Ministro da Eucaristia porque naquele tempo não havia este
cargo! Cuidava das coisas da Igreja, rezava terços, ladainhas e
só não celebrava Missa porque não era permitido.
        Todo mundo tinha confiança nele. Era, como se dizia, um
homem íntegro!
        Um dia, Sô Fulano começou a sentir umas complicações
e resolveu consultar com um doutor lá de Viçosa.
        No consultório, com muito jeito, explicou que estava
sentindo uma “comichãozinha” naquele “negócio” e que estava
incomodando muito.
        O doutor, que já conhecia muito bem Sô Fulano,
respeitosamente examinou o “dito-cujo”.
        Em seguida, sentando-se, rabiscou a receita enquanto
falava:
        _ “Êh, Sô Fulano! O senhor está com uma “baita”
blenorragia, isto é, está com gonorreia!”
        Sô Fulano, surpreso, disse:
        _ “Eu?! Eu com gonorreia?! Mas como?! O senhor me
conhece... Sabe que eu sou um homem íntegro!... Onde já se viu
isto?! Como é que pude pegar um negócio deste?! Hein,
doutor?!...”
        O médico respondeu, terminando a receita:
        _ “Como o senhor pegou eu não quero nem saber, mas
que é gonorreia, isto eu tenho certeza!”
        Então Sô Fulano pôs as mãos à testa, em atitude de
quem está pensando e falou:
053
         _ “Ãh... Agora tô me alembrando!... Lá atras da Igreja tem
uma roda de carroça velha, na qual o povo tem o costume de
mijar... Outro dia eu mijei nela... Só pode ser lá que eu peguei
esta doença... É a única explicação... Só pode ser... Bem, e a
receita? Que que o senhor vai me receitar?”
         O médico passou-lhe a receita. Ele leu e perguntou:
         _ “Tá aqui o nome do remédio... certo... mas o senhor
pôs aqui pra ir ao oculista? Pra que oculista?!”
         O médico respondeu:
         _ “Ora, é muito simples! É para o senhor não ficar
confundindo “B...” de mulher com “RODA DE CARROÇA
VELHA”!!!...”


                         NO ELEVADOR


       Meu amigo Vivaldino, quando foi pela primeira vez a Belo
Horizonte, resolver uns problemas na FETAEMG, ao usar o
elevador, chegando ao andar pretendido, perguntou ao
ascensorista:
        _ “Sô moço, quanto é a corrida?”
        O ascensorista riu dizendo que não era nada e antes que
a porta fechasse para o elevador descer, Vivaldino ainda falou:
        _ “Cê não querer receber, tudo bem! Mas quanto ocê
cobra pra me levá na rodoviária?!...”
054

                           “NOSCO”


       Sô Amantino Diogo estava trabalhando como pedreiro na
construção da Igreja lá de Cruzes.
       Por lá ficava a semana toda, somente retornando à
cidade aos sábados.
       Num certo sábado, estava ele e Tererê – seu ajudante –
passando em frente à casa de Sô Zé Soares, lá no Xopotó,
quando resolveu parar pra matar a sede.
       Sô Zé Soares, vendo-os, foi logo gritando:
       _ “Ôh, gente! Cês chegaram na hora certa! Vem tomar
um café conosco!”
       Sô Amantino agradeceu, alegando pressa e dizendo que
só queria mesmo era matar a sede.
       Sô Zé Soares serviu-lhes a água e ainda insistiu:
       _ “Ôh, gente! Tá na hora, não faz cerimônia! Vem tomar
um café conosco!”
       Apesar da insistência, Sô Amantino agradeceu e se
despediu seguindo estrada afora, acompanhado por Tererê.
       Ao se afastar da casa, Tererê falou:
       _ “Ôh, Amantino! D’ocê num querê o café, tudo bem!
Mas eu tava doido é pra comê um pedaço do tal de “NOSCO”!...”


                        O AGOURENTO
    (Dedicado ao amigo Ivã Moura que me contou este caso)

        Geraldo Coruja tinha fama de agourento! Se alguém
estivesse doente, de cama, após a visita do Geraldo, piorava ou
então, morria!...
        Toda vez que ele visitava um doente, ao sair da casa, ele
punha a mão em concha à boca e dizia em voz baixa:
        _ “Coitado! Num vai longe! Amanhã, quando os
pássaros cantarolarem, oh! Já voôu!...”
        Certa vez ele foi visitar um amigo doente. Este, tão logo
tomou conhecimento de que o Geraldo Coruja estava na sala,
055
mandou a mulher escorá-lo com um travesseiro e passar-lhe pó
de arroz no rosto para ficar mais corado!
        _ “Manda entrar o agourento! Desta vez ele vai se dar
mal!” Disse o doente, firmemente apoiado no travesseiro!
        Geraldo Coruja entrou, cumprimentou o amigo e ali ficou
batendo papo.
        Quando saiu da casa e chegou ao bar, as pessoas,
curiosas, foram logo saber:
        _ “E então?! Como está o doente?! Dizem que ele tá
corado!...”
        Geraldo Coruja, pondo a mão em concha à boca,
respondeu com aquela fala macia:
        _ “Se tirá o pó de arroz, tá sem cor! Mas se tirá o
trabisseiro, oh! Ele pimba!... Coitado! Num vai longe! Amanhã,
quando os pássaros cantarolarem, oh! Já voou!...”



              O BICHO QUE JÁ COMEU TERRA


        Meu amigo Valdivino de Oliveira foi quem me contou
esta, tomando uma pinga empalhada, lá na Loja SOVIPEL, de Sô
Idu.
        Foi na primeira viagem que ele fez a Congonhas, em
época de jubileu, lá pelos idos de 1950...
        Lá chegando, nosso amigo Valdivino, visitou como bom
romeiro, em primeiro lugar, o Senhor do Bonfim. Simples como o
povo do Calambau Velho, pôs-se a andar pelas ruas da cidade, e
num beco estreito, viu uma multidão se aglomerando numa porta.
Aproximou-se curioso quando um sujeito anunciou:
        _ “Venham, Senhores e senhoras! Venham ver o bicho
que já comeu terra mas agora não come mais! É só Cr$ 1,00
(um cruzeiro), entrem pra ver!”
        Valdivino curioso, meteu a mão no bolso, pagou e entrou
puxando a fila. Andou por um corredor escuro e lá na frente,
numa sala, um homem mostrava o tal “bicho”, que estava coberto
com um lençol, pra quem chegava:
056
       _ “Vejam meus Senhores e minhas Senhoras! Aí está o
bicho que já comeu terra e agora não come mais!”
       Puxou o lençol que cobria o “bicho” e lá estava ele: UM
VELHO ARADO, QUEBRADO E DESMONTADO!...


                       O RESGUARDO


        Zé Jorge era muito safado. Bebedor inveterado, na casa
dos sessenta anos, não se cansava de falar sobre suas
“qualidades” de machão.
        A mulher, Sá Ana, na casa dos cinquenta e tantos não
dava orência aos casos do marido.
        Certo dia, na rodada de pinga num boteco, Zé Jorge,
eufórico, convidou uns amigos pra comer uma galinhada em sua
casa.
        Os amigos duvidaram, e o Ladico até argumentou que na
casa do amigo não havia galinheiro!
        Zé Jorge, estufando o peito, falou:
        _ “Posso não ter galinheiro, Ladico! Mas no sábado, às
nove da noite, nós vamos comer uma galinhada lá em casa!
Conto com a presença d’ocês tudo!”
        No outro dia, sexta-feira, Zé Jorge levantou pensando
onde arranjar as “penosas” para o sábado.
        Depois de matutar bastante, teve a ideia! Foi correndo à
casa de Sá Vitalina, lá no Maquixe, que além de ser comadre,
tinha um galinheiro “recheado” de “penosas”!
        Lá chegando, de tardinha, foi logo falando pra comadre
Sá Vitalina:
        _ “Êh, comadre! Tô aperreado hoje, mas tô feliz! Lá em
casa chegou mais um infante, um mininão, só vendo!”
        Sá Vitalina, não entendendo direito, perguntou:
        _ “Chegou mais um “o quê”, compadre Zé Jorge?”
        _ “Um infante! Mais um minino, comadre! Mais um filho!”
        Sá Vitalina, pondo as mãos à cabeça, falou incrédula:
        _ “Mas é impossível, compadre! Como é que a comadre
Sá Ana, naquela idade... Não é possível!...”
057
         _ “Mas é a verdade comadre! Não sei como! Tava
escondido debaixo da saia dela!... A comadre sabe!... Aquelas
saias compridas... Até eu num sabia até onte!... Mas, óia,
comadre. Tô com pressa e vim pra avisá e pedi pra comadre
duas galinhas, “muncado” de farinha de milho e dois litros de
pinga!... Eu preciso comemorá e cuidar do resguardo da Ana com
a sopa de galinha!...”
         _ “Tá certo compadre! Vai lá no galinheiro, pega logo treis
galinhas enquanto eu ajeito a farinha e a pinga, que vai no
garrafão mesmo, só que é pro compadre devolvê o casco
depois!...”
         Mais tarde, ao chegar em casa, Ana, vendo aquela
fartura, perguntou:
         _ “Onde ocê arrumou tudo isso, home? Olha só o que
ocê aprontou dessa vez! Num é trem roubado não, Izé?!...”
         _ “Que isso muié! As galinhas eu comprei no Sô Zé
Vicente, lá do fim da rua, a farinha e a pinga eu comprei com o
“cobre” que eu ganhei descarregando o caminhão de Sô
Benigue!...”
         Dia seguinte, sábado, a galinhada foi das boas!...
         No domingo, Sá Vitalina topou com a comadre Sá Ana,
na Missa das onze e foi logo falando:
         _ “Comadre Sá Ana, cê num tá doida não?! Cadê o
resguardo, muié?! Nessa idade!... Cê tá é doida!...”
         Sá Ana, sem entender, falou:
         _ “Resguardo?!... Que isso comadre?!... Ficou doida é
ocê?!... Eu cá sou muié de ainda pari filho?! Além do mais o que
Izé fala sobre seus “dotes” de machão, é pura “rastação-de-
papo”!... Eu ter filho?!... Nessa idade?!...”
         _ “Mas compadre Zé Jorge teve lá em casa e falou que
ocê tinha ganhado mais um infante...”
         E Sá Ana foi logo completando a fala da amiga:
         _ “... E te pediu galinha e farinha pro resguardo... E pinga
pra comemorá... Ele é muito safado!... Ele vai me pagá!... Ora, se
vai!...”
058

                        O CARNAVAL


       Era Carnaval.
        A rapaziada entrou no boteco do Zé Cirilo fazendo o
maior barulho, fantasiados.
        Depois que eles saíram, Manuel da Cachaça, rindo
matreiramente, falou:
        _ “Tô me “alembrando” do tempo antigo, quando carnaval
era coisa proibida pelo Padre aqui em Calambau. Hê! Hê! Hê!
Mas tinham uns corajosos! Gente igual a Zico de Gusta e Teco
Paula! Eles não eram brincadeira! Era chegar o Carnaval, os dois
vestiam aquela roupa de saco de Mauá, que já estava até
parando em pé, que nem aquela fantasia de baralho que o Irmão
Diogo vestia todos os anos, pra desfilar no Carnaval, cês tão
lembrados? Pois bem, o Padre faltava só excomungar os dois e
eles nem ligavam! Cachaça na cuca, violão e pandeiro, roupa de
saco e o povoado inteiro, principalmente por parte das beatas,
reprovando sem parar!
        Então o Padre, vendo que não adiantava nada, foi à
Piranga e denunciou os dois com o Delegado, um tal de Zé de
Té!
        Ao receberem a intimação, os dois, não se
amedrontaram!
        Por ser o último dia de Carnaval, prepararam uma
“seresta” pro Padre!
        De noite, bem tarde, com a cidade sem luz, foram pra
frente da Casa Paroquial.
        Zico de Gusta no violão e Teco Paula no pandeiro:
        _ “A denúncia tá formada
           pelo tal Padre José,
           Agora é tomá cuidado
           Com o tal de Zé de Té!”
        A janela da Casa Paroquial se abriu! A lanterna de seis
pilhas varreu a escuridão da rua, fazendo com que os dois
saíssem em correria, procurando esconderijo!...”
059
    COMPADRE “CRISTO” E COMPADRE “CENTURIÃO”
        (Dedicado ao amigo Chiquinho Fernandes)

         Os dois compadres, todos os anos participavam, como
atores, das encenações da Semana Santa.
         Naquele ano os dois estavam “meio brigados” e um deles
foi interpretar o papel de Cristo, enquanto o outro foi ser o
Centurião romano.
         Na praça principal havia um lote vago, morrado, no alto
do qual sempre se encenava o Calvário.
         O cortejo seguia subindo o morro.
         “Compadre Cristo” na frente carregando a cruz e o
“Compadre Centurião”, ao seu lado, surrando-o com um chicote
de barbante!
         Então o “Compadre Cristo” falou:
         _ “Compadre, cê tá batendo com força, “diminói” a
força!...”
         O “Compadre Centurião” retrucou dando mais uma
chicotada:
         _ “Jesus sofreu muito mais e ocê moleza, num tá
aguentando umas “lambadinhas” de nada? Toma mais uma pra
aprender!”
         “Compadre Cristo” tornou a falar:
         _ “Compadre, eu não tô brincando... Se ocê me bater
mais uma vez com força, eu largo a cruz e lhe dou uma surra!...”
         O “Compadre Centurião” riu e disse:
         _ “Cristo não reagiu aos ferimentos recebidos, e o
compadre agora é como o Cristo, não pode reagir! Toma mais
uma, seu safado!...”
         Foi bater e o “Compadre Cristo” parar! Jogou a cruz ao
chão, agarrou o “Compadre Centurião” pelo pescoço, deu-lhe um
murro no queixo, tomou-lhe o chicote, botando-o a correr morro
abaixo, gritando:
         _ “Seu “fedaputa”! Centurião de merda! Vai bater na sua
mãe!...”
         O povo, surpreso, aplaudia, enquanto alguns mais
exaltados gritavam:
060
       _ “Muito bem, Jesus! Mete o couro neste safado!!!...”


                    O DOCE DE LARANJA

        O cheiro agradável do doce de goiaba que se fazia em
alguma casa vizinha ao Boteco de Zé Cirilo impregnava o ar,
fazendo a gente pensar em queijo mineiro bem maduro ou
verdinho.
        Manuel da Cachaça, respirando fundo falou:
        _ “Êta cheirinho bão Sô! Isto me alembra o doce de
laranja na calda com côco, que Sá Marculina fazia! Hê, Hê, Hê!
Todo mundo vivia elogiando o doce dela! Mas foi eu e minha
Dora que descobrimo a receita! Foi muito engraçado! Hê, Hê,
Hê!”
        Manuel sorveu a pinguinha, raspou a garganta com
aquele “rãm-rãm” característico, retirou o canivete e a palha e
enquanto preparava o cigarro, começou a contar:
        _ “Um dia, eu e minha finada Dora, que Deus a tenha,
viemos até a Rua pra assistir a Santa Missa. Na volta, quando a
gente passava em frente à casa de Sá Marculina, ela, chegando
na janela, gritou pra gente:
        _ “Oi! Passando de “vento-batido”? Faz favor de voltar!
Uai! Onde já se viu isto?!”
        Paramos e enquanto nos caminhava para a porta da
casa, Dora foi se desculpando, dizendo que a gente tava com
pressa, pois os meninos tinham ficado sozinhos em casa.
        Mas não adiantou! Tivemos que entrar e acabamos
demorando mais do que devia!
        Na horinha de sair, Sá Marculina falou:
        _ “Cês num vai sair sem comer do doce de laranja com
côco! Tá um manjar de rico nenhum botá defeito! Cês vão prová
e vão gostá! Vem cá pra cozinha! Já, já, eu sirvo ocês!”
        Fomos até a cozinha e sobre o fogão havia um taxo
enorme, cheio de doce de laranja na calda. Sá Marculina nos
serviu e depois de obrigar a gente a servir umas duas vezes, foi
que Dora, já lavando os pratos, pediu a receita.
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  • 1. MANUEL DA CACHAÇA (CONTOS & CASOS DE BOTECO) CONTOS RECOLHIDOS DO TROPEIRO/ALAMBIQUEIRO DA FAZENDA BANANEIRAS, EMANUEL DORCELINO AMÉRICO, FILHO DE ESCRAVOS, QUE AQUI VIVEU NO SÉCULO PASSADO. CONTOS DE: FERNANDO ANDRÉ CARNEIRO PEIXOTO
  • 2. 001 DEDICO ESTE LIVRO À MEMÓRIA DE ROQUE SOARES, ZINHO DIOGO E ZÉ FERNANDINHO PARA AQUELES QUE LABUTAM NOS ALAMBIQUES, FABRICANDO A NOSSA BOA CACHAÇA, DE MANEIRA ARTESANAL, PREOCUPANDO-SE, ANTES DE TUDO, COM A SUA QUALIDADE.
  • 3. 002 APRESENTAÇÃO Na verdade, “MANUEL DA CACHAÇA” nasceu em 1994, quando recebi de meu amigo Marcus Silvério Machado, o “MANUAL DA CACHAÇA ARTESANAL”, de Carlos Eduardo Gravatá. Lembro-me muito bem. Era domingo e estávamos no Boteco do Renato. Ao receber o presente, com dedicatória e tudo mais, disse ao Marcus que um dia lhe daria um livro, cujo título seria, “MANUEL DA CACHAÇA”. Fica aqui, pois, o meu agradecimento ao saudoso amigo Marcus, ciclista de Bike-Aventura e BikeCana, hoje pedalando no céu, que foi o “mandante culposo”, do nascimento de Manuel da Cachaça. Manuel da Cachaça, personagem fictício, na realidade existe. Existe nos botecos, onde se pratica a verdadeira “Terapia de Grupo”, regada com a boa cachaça, tira-gosto e um bom “bate-papo”. Os casos contados por Manuel da Cachaça, em parte são fictícios como ele próprio. Outros realmente aconteceram, mas foram alterados para melhor se adaptar às personagens (cujos nomes, na maioria, são também fictícios), local e época do acontecimento. Vale aqui ressaltar que estes casos foram recolhidos, em parte, no tempo em que trabalhei no comércio com meu sogro, Antônio de Freitas Soares – Idu – que foi sem dúvida, o maior contador de casos de Presidente Bernardes/Calambau. O leitor vai observar que nem todos os casos têm o Manuel da Cachaça como narrador, bastando para tal observar o linguajar popular do Manuel, que fala com a naturalidade daqueles que não tiveram acesso à escola, que eram raras naquele tempo no velho Calambau. Por essas Minas Gerais, por esse Brasil afora, nas cidadezinhas do interior, sempre iremos encontrar os contadores de casos. E se algum dia, você leitor amigo, encontrar um preto velho, sentado num banquinho de boteco, fazendo seu
  • 4. 003 cigarrinho de palha, se tiver a fala macia e o sorriso matreiro, não tenha dúvida, é ele, o Manuel da Cachaça!... Fernando ESTE LIVRO É ESPECIALMENTE DEDICADO A ANTÔNIO DE FREITAS SOARES – IDU – MEU SOGRO, QUE FOI SEM DÚVIDA ALGUMA, O MAIOR CONTADOR DE “CASOS” DE NOSSA TERRA.
  • 5. 004 PREFACIANDO O legado folclórico de um povo não se anula ou se esvai, como alguns valores que se perdem. Ao contrário, permanece formando o rico universo da cultura de tradição popular. Um exemplo de que muitas tradições se firmam, apesar de todos os avanços da modernidade, são os relatos em forma de “causos” que encontramos neste livro, com suas envolventes estórias nascidas da imaginação e cultivadas no coração do povo. É o elemento fantástico que vai, de geração em geração, construindo a imagem de um lugar, enquanto desenha a sua própria identidade, através de um agradável testemunho. Trata- se de pequenas estórias nascidas do meio popular e gentilmente narradas, de maneira informal, por Manuel da Cachaça que – acreditem se quiser – foi um dos moradores mais populares de nosso município. Com uma linguagem singela, encantadora e envolvente, própria do mundo da contação de “causos”, somos apresentados aos personagens e conduzidos ao mundo encantado das lendas e dos mitos que povoam o imaginário dos habitantes de Calambau - “lugar onde o mato é ralo e o rio faz curvas” e a “Água Limpa” conduz à inspiração. Nada mais prazeroso do que poder transformar um ponto final em uma vírgula e, assim, ir reconstruindo a história nossa de cada dia. Como já diziam os antigos contadores de “causos”: Quem conta um conto, aumenta um ponto. As estórias contadas neste livro seguem uma tradição oral transmitida por muitas gerações. Trata-se, portanto, de um elemento extremamente rico da cultura popular. Estórias que ouvimos e que levamos conosco pela vida afora permeando o nosso universo lúdico cultural. Cabe agora, a você que tem este livro em mãos, aproximar-se da simpática figura do Manuel da Cachaça e experimentar todas as diferentes emoções que permeiam suas fantásticas narrativas. É indispensável fazer chegar a todos um livro como este, capaz de redimensionar a fantasia enquanto nos
  • 6. 005 aproxima do conhecimento de nossa gente. Gente criativa e comprometida com suas origens. Todo mundo tem uma história para contar e todos os assuntos cabem na imaginação fértil do narrador Manuel que – entre uma cachacinha e outra – com seu jeitinho maneiro e linguagem saborosa, vai conduzindo-nos ao fantástico universo das pequenas estórias, ao mesmo tempo em que vai construindo a memória de um povo. Ao Manuel da Cachaça todo o nosso apreço e admiração e, ao seu criador, o nosso muito obrigado. Maria Goretti Guimarães Carneiro (26 de Agosto de 2010) MANUEL DA CACHAÇA
  • 7. 006 MANUEL DA CACHAÇA Chamava-se Emanuel Dorcelino Américo. Por ter sido, durante muitos anos, “alambiqueiro” na Fazenda Bananeiras, tornou-se popularmente conhecido por Manuel da Cachaça. Era preto, baixo e magro. Sua idade, ninguém sabia. Diziam que passava dos noventa e sete. Uma coisa era certa, não dispensava, diariamente, a boa “pinguinha”, coisa que fazia, assim dizia, desde os sete anos de idade, quando sua mãe lhe dava numa colher pela manhã, para servir de remédio. Seu ponto preferido, todos sabiam, era o boteco do Zé Cirilo. Toda tarde ali chegava. Chapéu de feltro – um presente que dizia ter ganhado de um comerciante em Ouro Preto, quando era tropeiro – paletó xadrez, camisa branca abotoada até ao colarinho, meias brancas de algodão e as inseparáveis alpercatas. Esta figura ímpar transformou-se em folclore local. Seus casos foram ouvidos de geração em geração. No fim da tarde, era o costume, todos se acotovelavam no Boteco do Zé Cirilo, para ouvir, entre um trago e outro, os casos de Manuel da Cachaça. Numa dessas tardes foi que ele contou o seguinte caso: _ “Quando eu ainda era tropeiro da Fazenda Bananeiras e viajava levando cachaça e rapadura pra Ouro Preto e Mariana foi que me “assucedeu” este caso. Nós tava arranchado numa fazenda que ficava lá pros lado de Mainarte. Tava eu, compadre Mané Gomes, Tião das Dores, Chico Dutra e Zé do Bento, mocinho ainda com seus dezoito anos. Nós tava já deitados e, pelas gretas do telhado do rancho, a gente podia ver a lua cheia e as estrelas no céu. Foi aí que se ouviu o miado! Zé do Bento morria de medo! Ele tinha a mania de cobrir a cabeça com o cobertor,
  • 8. 007 deixando o nariz de fora. Cutuquei nele, desta vez ele tapou até o nariz! Tião das Dores e Chico Dutra dormiam a sono solto. Aprocheguei de compadre Mané Gomes pra acordá ele, quando ele, abrindo um olho me falou em voz baixa: _ “Tô ouvino, compadre! Preocupa não, Sô! Tô com o “berro” debaixo do trabisseiro! Vamo esperá pra vê!” Peguei minha espingarda “La Porte” que estava carregada e me cheguei na janela. Pela claridade da lua pude ver a bicha! Era uma baita onça, cês precisava ver! Devia medir mais de dois metros! Tremi da cabeça aos pés! Compadre Mané Gomes esticou o pescoço para fora e foi aí que ela miou feio! Feio e alto como eu nunca mais ouvi igual!” Neste ponto, Manuel da Cachaça interrompeu a narração, acendeu um cigarro de palha, tomou uma pinguinha, raspou a garganta e continuou: _ “Olha, Zé Cirilo, o miado da bicha foi tão alto, que nem os “amprificadô” da Festa da Cana faz mais barulho! Foi aí que compadre Mané Gomes fez aquela besteira, Sô! Pegou o revólve e deu seis tiros pra cima! Acho até que foi de susto! A bicha caiu no mato e nós não foi macho de arrear as mulas enquanto não amanheceu de tudo! Dia seguinte, ainda assustados, botamos o pé na estrada rumo a Ouro Preto. Lá pras bandas do Sumidouro nós vimos a bicha! Nós havia parado prum descanso e Zé do Bento levou os animal pra beber água. Quando Zé do Bento viu a danada ele não sabia o que fazer! Borrou pelas pernas abaixo e tentou correr, ela correu atrás! Aí eu peguei minha espingarda, fiquei atrás de uma pedra e gritei pra ele: _ “Para Zé! Para e faz careta pra ela! Onça tem medo de careta!” E não é que o Zé me atendeu?! Parou e fez a careta mais feia que já vi no mundo! Pôs os dentes pra fora, arregalou
  • 9. 008 os olhos e como se não bastasse, ainda uivou como um lobo! Tava puro um “lobisome” com os cabelos arrepiados pelo medo! A bicha levou tanto susto com a careta do Zé do Bento que parou! Mas ele continuou avançando em direção a ela! Eu gritava pra ele parar, mas ele parecia doido e continuava! Aí ele torceu o pé num buraco e caiu! A danada retesou o lombo preparando o bote! Levantei a espingarda e mirei bem! Foi um tiro só! Um tiro como eu nunca mais dei! Cês precisava ver! No meio dos dois zóios dela! E ela ficou lá, esticadinha no chão! Do couro dela eu fiz esta caparonga que aqui está. Com uma metade fiz um tapete bonito que ficava na sala da Fazenda Bananeiras. A outra metade eu dei pro Bispo de Mariana e segundo ouvi dizer, deu pra fazer um sofá de dois lugar! É uma pena que os meus companheiros tejam todos mortos pra aprová este fato!...” Manuel da Cachaça levantou-se, tomou mais uma pinguinha, raspou a garganta, foi até a porta, voltou-se para nós e disse: _ “Tava esquecendo. Zé do Bento, desde essa época ficou conhecido por “Zé Careta”. Depois de algum tempo ele mudou lá pro “Mata Onça”. Dizem que morreu, fazendo careta, tentando matar uma onça que assustava o povo da região! Boa noite prô cês! Se Deus quiser eu volto outro dia!...”
  • 10. 009 A ESCRITURA Lorico havia comprado umas terras. Vai daqui, vai dali, e ele acabou tendo uns problemas de divisas com uns vizinhos. Certo dia tava eu em sua casa, quando o assunto das divisas saiu. Ele, pegando a escritura do terreno, falou: _ “Olha, Manuel! É besteira a teimosia daquela gente! Aqui na escritura tá escrito! Já até decorei! Veja bem:”Das lombadas de Juca Miné, desce em linha reta até o Pau de João Maria, que sobe passando no Rego de Tia Chica, seguindo até entrar no Buraco do Garimpeiro. Do Buraco do Garimpeiro segue até o Fedegoso do Rosado passando pelo Rachado da Manuela, indo em direção ao Córrego do Jacu, até entrar na Varginha da Bernadete...” Aí, então eu falei: _ “Ôh, Lorico?! O Sinhô num tá brincando, não?! Esta sua escritura tá muito esquisita!...”
  • 11. 010 A “BOCA DA ENCRENCA” Sô Lívio havia adquirido um bidê pro banheiro de sua casa! Coisa nova! Puro luxo! Coisa que ninguém tinha por aqui nos anos cinquenta! Certo dia, Zico Altino, lá do Retiro, veio visitar ele. Depois de um bom bate-papo na sala, a esposa de Sô Lívio chamou pra um reforçado café. Zico, sentindo a bexiga pesada, pediu ao amigo para ir ao banheiro. Lá entrando, vendo aquele estranho aparelho, logo pensou que era ali que devia esvaziar a bexiga! “Coisa de rico! Pra que um vaso e um troço deste?” Pensou consigo. Quando ele saiu do banheiro, Sô Lívio entrou e, vendo o bidê todo molhado, logo concluiu que o amigo havia urinado ali. Após o café, refastelados no sofá pra mais um bate-papo, Sô Lívio resolveu tocar no assunto do bidê, pra ensinar o amigo: _ “O amigo deve ter visto aquele aparelho novo lá no banheiro, não viu? Chama-se bidê! Adivinha pra que ele serve?” Zico foi logo respondendo: _ “O vaso eu sei que é pra soltar as fezes... Agora, aquele negócio que ocê diz que chama bidê deve ser pra gente mijar, não é?” Sô Lívio, rindo: _ “Não, não é pra mijar, não!...” E então, Zico foi lá falando um punhado de utilidades a que poderia servir o tal bidê. Foi quando Sô Lívio, levando o amigo novamente ao banheiro, abriu a torneira, fazendo a água subir pelo esguicho, dizendo: _ “Agora é fácil, você vai saber...” Zico, rindo, bateu no ombro do amigo e disse: _ “Ah!!! Já sei!!! Não é pra mijar e nem pra defecar! É pra lavar a “Boca da encrenca”!...” …..................................................................................................
  • 12. 011 E por falar em “Boca da encrenca”, me alembrei de um outro caso engraçado. Maria Antonina, conhecida por “Maria Toninha”, frequentadora de forrós, conhecedora de todos os botecos de roça e também apreciadora da “branquinha”, certo dia se meteu numa confusão de briga, onde saiu até tiro, lá pros lados das “Três Barras”. Levados à Delegacia, o Delegado, um tal de Dr. Pedra, ao vê-la perguntou: _ “Então é a senhora que levou o tiro na encrenca?” Ela, levantando a saia rodada e comprida, respondeu: _ “Sim dotô! Sou eu mema! Mais num acertô nela não! O tiro passô raspano aqui na frente!!!...”
  • 13. 012 A CAÇADA O cigano falou tanta mentira sobre pescaria e caçada, lá no Boteco do Zé Cirilo, que quando ele saiu, Manuel da Cachaça, resmungou: _ “Hum!... Até a onça que eu matei no caminho de Ouro Preto ficou “fichinha” perto dos feitos deste cigano! Ôh, homem mentiroso, Sô! Ele precisava era ter conhecido o meu amigo Sô Amâncio, lá do Sapé! Aquele, sim! Aquele era mentiroso de primeira laia! Olha, Zé Cirilo, teve uma vez que nós tava numa venda de roça, num domingo, tomando pinga e jogando baralho. Aí os assuntos partiu pros lado de pescaria e caçada. Eu já tava proibido de contar o caso da onça, cê sabe, né! Todos morriam de inveja!... Mas foi surgindo tanto caso, que o nome do Sô Amâncio foi citado na conversa. Foi então que ele chegou. Ao entrar eu logo perguntei: _ “Ôh, Amâncio, nós tava falando da sua caçada. Quantas pombas cê matou mesmo com um só tiro de espingarda chumbeira?” Ele, assumindo ar de importante, respondeu: _ “Tem uns mentirosos por aí, uns invejosos, que andam dizendo que foi noventa e sete pombas! Isto é mentira! Na verdade foi NOVENTA E OITO POMBAS, SEM CONTAR COM UM PAPAGAIO BESTA QUE TAVA PATETANO NO MEIO DELAS!...”
  • 14. 013 JOÃO DA CRUZ E O “ECRIPES” DA LUA Manuel da Cachaça tomou a pinguinha, acendeu o cigarro de palha, raspou a garganta e começou mais um caso: _ “O povo é cheio de crendices e simpatias! Olha que tem muita coisa de verdade em tudo isso! Vou contar um caso que assucedeu com João da Cruz, pretinho espigado e simplório que trabalhou muito tempo na Fazenda Bananeiras no tempo em que eu já era alambiqueiro. O forró tava animado. Já era tarde da noite e o povo não saía do terreiro da casa de Juca Carneiro. Juca Carneiro era um tipo de capataz na Fazenda. Era um sujeito alto, forte, corado, bigode largo, bonachão. Era casado, mas não podia ver um rabo- de-saia que se metia a conquistador. Gostava muito de cantar modinhas nos forrós. Me alembro bem da modinha que ele mais gostava de cantar: “Olé lê carneiro dê olá lá carneiro dá quem quisé carneiro manso manda vaqueiro amansá...” E foi nesta noite de forró que João da Cruz viu Isaura pela primeira vez! Nega bonita, corpo de violão, igualzinha a essas que a gente vê na televisão! O neguinho ficou doido olhando aquela mulher que não tirava os olhos de cima dele. Dançou com ela a noite inteira e não adiantava Juca Carneiro gritar que “par-perpétuo” não era permitido! João da Cruz depois daquele dia só tinha olhos pra Isaura. E não demorou muito eles já estavam noivos e com pouco tempo casados. Uns quatro meses depois do casamento, tava nós todos na venda do João Eufrázio, jogando baralho e bebendo cachaça. Foi aí que Juca Carneiro falou pra João da Cruz: _ “João, hoje é dia de “ecripes” da lua. Se eu fosse ocê eu ia lá na sua casa e não deixava que Isaura visse o “ecripes” não! Olha, João, eu andei muito nas beiras do São Francisco antes de vim pra cá, e dizem por lá que se muié grávida vê
  • 15. 014 “ecripes”, se ela for preta, o filho nasce branco! Cê já pensou num filho branquinho na sua casa, João?!” João da Cruz largou o baralho e correu pra casa. Lá chegando fechou as janelas e foi logo dizendo pra Isaura que ela tava proibida de ver o “ecripes” da lua pelo que Juca Carneiro falou. Isaura falou que isso era bobagem, que se o filho tivesse que nascê pretinho ou branquinho dependia de Deus querê! Mas o fato é que João fechou tudo e foram dormir. Dia seguinte Juca Carneiro encontrou com o João e ainda perguntou: _ “E então, João? Isaura viu o “ecripes”?” _ “Viu não! Fechei a casa toda!” _ “Tem certeza, João? Nem uma gretinha na janela?” _ “Já disse que fechei tudo home! Mas que diabo tem ocê com isso, Sô?!” _ “Oh, nada não, João! Eu só estou dizendo porque sou seu amigo! Até logo!” O tempo passou e João da Cruz se esqueceu do fato. Um dia nós tava tudo na roça quando Dona Fiinha, a parteira, gritou chamando por João! Ele largou tudo e correu feito um doido! O bebê tinha nascido, e era macho! À noite o pessoal foi visitá o João da Cruz pra conhecer o neném. Uma cachacinha, um bate-papo, vai daqui, vai dali e João da Cruz não mostrava o menino de jeito nenhum! Aí chegou Juca Carneiro. Cumprimentou a todos, deu um abraço no João e foi logo perguntando: _ “E aí, João? E o minino? A gente pode vê ele?” _ “Vai bem, ta lá dentro! Daqui a pouco Dona Fiinha traz ele prô cês vê!” Volta e meia Dona Fiinha trouxe o neném. Todos olhamo e num dissemo nada! Só Juca Carneiro falou: _ “É, João! Cê teve sorte! Ele não é branquinho! Ele é pardo! Isaura viu o “ecripes” pela greta da janela! Sorte sua! Quero ser o padrinho!” Manuel da Cachaça fez uma pausa para acender o cigarro e logo a seguir concluiu o caso: _ “Pra dizer a verdade, até hoje, quando alembro daquele neném, quase branco, fico pensando se foi mesmo culpa da greta da janela ou se Juca
  • 16. 015 Carneiro tinha “culpa no cartório”, como diziam as más línguas da região!...” TÁ NA MESA... É SÓ SERVIR!... Manuel da Cachaça, voltando-se para mim, disse, após tomar a tradicional dose da branquinha: _ “Sô Fernando, outro dia eu contei um caso, como o Sinhô não tava aqui, vou contar de novo. É um caso engraçado. Quem gostava deste caso era o Sô Sebastião de Nenerso, lá da Casa Soareza, que ria a valer toda vez que se lembrava dele.” Manuel pigarreou levemente e continuou: _ “Anita Feliciano era uma mulher interessante. Era uma viúva fogosa. Trabalhava muito. Apanhava café, lavava roupa, plantava roça, fazia coisas que até homem não fazia. A semana inteira era na labuta, mas no sábado e domingo, Anita era a primeira a chegar no forró de Juca Carneiro e a última a sair. Cabelo sempre oleado, pó de arroz no rosto e batom vermelho nos lábios. Dançava com todos, mas no final da noite escolhia um companheiro pra dormir com ela. Juca Salatiel tinha um sítio lá pras bandas do Córrego Grande. Homem sério, casado, pai de três filhos, levava a vida entre o trabalho e a família. Anita Feliciano sentia por ele uma paixão secreta e sonhava em ter ele um dia, no mato ou em sua casa!... Certo dia Juca foi à Fazenda Bananeiras negociar uns bezerros com meu antigo patrão. Conversa vai, conversa vem, Juca Salatiel acabou ficando pro jantar, e entre uma pinguinha e outra, saiu já bem tarde em direção à sua casa. Anita, sabendo que o Juca tava na Fazenda, resolveu esperá ele na porteira do boqueirão. _ “Boa noite, Anita. Tudo bem?” Cumprimentou Juca chegando na porteira. _ “... Noite, Juca. Tá com pressa?” Respondeu Anita abrindo a porteira.
  • 17. 016 _ “Já é tarde e estou um pouco atrasado!” Disse Juca passando devagar. Anita, sentindo que a hora era aquela ou nunca mais, disse: _ “Sô Juca, tem um tempão que eu tô te esperando aqui...” Encostou na porteira, apoiou a perna no batente, colocando à mostra a coxa roliça e morena, e batendo nela levemente com a mão, completou: _ “... Sô Juca, tá na mesa... É só servir!...” Manuel da Cachaça interrompeu o caso com aquela risadinha matreira. Tomou mais uma “branquinha”, raspou a garganta e concluiu: _ “Tião das Dores, que passou lá pouco depois, só viu a mula do Juca amarrada no batente da porteira... Sô Sebastião, lá da venda, toda vez que os filhos do Juca, já rapazes, iam lá, servia a cachaça pra eles, batia levemente no balcão e dizia: _ “Rapazes, tá na mesa... É só servir!...” A CADEIA Era tempo de quaresma. Como sempre, Manuel da Cachaça ficava de “quarentena”, sem cachaça e sem fumo de rolo. Naquela noite tinha pouca gente no Zé Cirilo. Manuel, tomando guaraná e comendo Amendoim torrado espantava o vício de toda forma que podia. Olhando para mim perguntou: _ “Sô Fernando, o Sinhô conheceu Sô Amantino Diogo?” _ “Claro, Sô Manuel! Conheci e muito!” _ “Pois vou contá um caso muito engraçado que envolveu o meu amigo Amantino Diogo, de saudosa lembrança, que durante um certo tempo respondeu pelo cargo de Delegado Municipal aqui em Calambau. Além da função de Delegado, Sô Amantino trabalhava como pedreiro, que era, na verdade, a sua profissão. Homem enérgico, procurava manter a ordem e a tranquilidade na cidade e, devido à sua amizade, raramente precisava usar a Polícia Militar para ser obedecido quando necessário.
  • 18. 017 Certa vez, tava ele trabalhando em uma construção, quando passou um sujeito desconhecido. Sô Amantino correu os olhos no caboclo e falou pra um companheiro de serviço: _ “Taí, oh! Um andarilho na cidade! Vai ver que vai dar trabalho! Esses homens desconhecidos, que vêm não se sabe donde!... Sei lá... E ele passou olhando pra mim... Vão ver só!...” Volta e meia o andarilho torna a passar por ele. Sô Amantino coçou a cabeça preocupado e assim que o andarilho afastou ele disse: _ “Olha só! Ele passou outra vez e me olhando! Vai dar coisa!... Espera só! Se ele voltar eu abordo ele! E se ele me afrontar, prendo ele lá na Rua Nova!” Pouco depois vem de novo o andarilho! Sô Amantino largou a colher de pedreiro, pôs as mãos à cintura e ficou esperando o tal sujeito chegar. Quando ele chegou perto, Sô Amantino gritou: _ “Para aí, Sô! Não chega mais perto não! Quem é você e o que quer comigo?! Tá só me olhando!... Fala logo!” Então o homem parou e perguntou: _ “O Sinhô é o Sô Amantino, o Delegado?” _ “Sim, sou eu! Por que?” Coçando a nuca. O andarilho continuou: _ “Bem... É que eu queria um favô do Sinhô... É só inté amanhã...” Impaciente, Sô Amantino falou: _ “Fala logo! Não vê que estou ocupado? Ou será que você quer que eu te meta no xadrez?” Aí o andarilho arrematou a conversa: _ “É mais ou meno isto, Sô Amantino! Eu não quero sê preso, não! Mas eu queria que o Sinhô me emprestasse a chave da cadeia pra eu passá a noite lá... É que eu não tenho dinheiro e nem lugá pra ficá!...”
  • 19. 018 A CANTADA Manuel da Cachaça, após tomar um trago da “branquinha”, como sempre, raspou a garganta, tirou um trago profundo do cigarro de palha e iniciou o caso: _ “Certo dia, pela manhã, quando ia pro serviço, de enxada ao ombro, Sô Zé Maria, um pretinho espigado e treteiro, passou perto da casa de sua comadre Sá Marina, que lavava roupa no terreiro, agachada sobre a bacia, deixando à mostra, as coxas morenas e roliças”. Sô Zé Maria, que há tempos vinha pensando em dar uma “cantada” na comadre, foi logo dizendo, de “zóio-comprido”: _ “Bom dia, comadre! Como vão as coisas?” _ “Tudo bem, compadre! Indo pro serviço?” _ “É isso mesmo! Olha comadre, vou fazê uma pergunta, uma adivinhação, num precisa respondê agora, não! De noite eu passo pra comadre dar a resposta!” _ “Fala então, compadre! Qualé a pergunta?” _ “O que é o que é, que a comadre tem, que se dé pro compadre, compadre qué! E o que é o que é, que o compadre tem, que se comadre quisé, compadre dá, é só falá? Até logo, comadre, de noite eu pego a resposta!” Disse e foi andando, certo de que a “cantada” foi bem dada. Assobiando feliz, ele passou pela cerca da horta e nem viu que o compadre Bastião, marido da comadre, ouvira tudo! Na sua cabeça ele fazia os planos: Compadre Bastião bebia muito e dormia cedo, aterrizado pelo efeito da “branquinha”! Ia ser fácil! Bastava ter paciência! Quando ele sumiu na curva do caminho, Sá Marina perguntou pro Bastião: _ “Ôh, Bastião! Cê ouviu a pergunta do compadre? Cê sabe o que é que é?” _ “Ôh, Sá besta! Ele tá é quereno te “cantá”! Aquele safado! Mas ele vai vê a resposta logo!”
  • 20. 019 De noitinha, Sô Zé Maria chegou à casa da comadre. Banho tomado, botou até “Extrato Dyrce” pra ficar mais agradável à comadre Sá Marina. Compadre Bastião, sentindo o cheiro do perfume, disse: _ “Uai, compadre! Que foi que houve? Banho de “corpo- inteiro” em dia de semana? E ainda perfumado?” Sô Zé Maria, meio sem jeito, respondeu: _ “ É que eu caí na esterqueira hoje, sabe como é, né... Num caso desse só banho de “corpo inteiro” e perfume é que resolve!” Aí os dois começaram a beber junto. Sô Zé Maria, malandro, fingia que bebia e procurava um meio de sempre encher o copo do compadre Bastião. Mas não adiantou! Os dois ficaram até tarde bebendo e batendo papo e nada do compadre Bastião “arrear”! Então, vendo que naquela noite não “arranjaria” nada, resolveu ir embora e ao sair da cozinha pra sala, disse à comadre: _ “Bem, comadre. Tô indo embora! Outro dia eu volto pra ouvi a resposta da comadre à minha pergunta... Boa noite!...” Aí o compadre Bastião, pegando um porrete atrás da porta, falou pra Sô Zé Maria: _ “Carece não, compadre! A resposta da comadre tá aqui! Seu safado! Toma!” Disse e desceu o porrete no lombo de Sô Zé Maria, que gritando, desceu a escada sem ver os degraus, sumindo na curva do caminho!...”
  • 21. 020 A “DISGRAÇA” DE SÁ MARIETA Comadre Marieta, que morava lá nas Três Cruzes, tinha o costume de não usar calcinha! O compadre falava, as filhas falavam, mas ela dizia que não suportava o calor e as “coisas” tinham que ficar ventiladas pra fazer bem à saúde! Quando o compadre Zefa morreu, que Deus o tenha, passado uns sete dias, Sô Jovino, também compadre, foi fazer uma visita. Ela recebeu a visita na sala, chorando muito! Conversa vai, conversa vem, o Jovino sempre lembrando de um caso do amigo. Num certo momento, Sá Marieta, esquecendo que estava sem calcinha, levantou a saia, rodada e comprida, pra enxugar os olhos! Aí o Jovino viu tudo! Aí Sá Marieta falou: _ “Pois é, compadre Jovino, cê já viu “disgraça” maior que esta?” Jovino, distraído, respondeu: _ “Já não, comadre! Só quando vaca tá no cio!...” “LARI LARÔ” Dona Miru, viúva fogosa, vivia aproveitando a ausência dos filhos que trabalhavam fora, para receber as “visitas” de Sô Antonino, seu compadre. Pra anunciar que a casa estava vazia, Dona Miru colocava uma toalha vermelha na janela e, Sô Antonino, ao ver o “sinal”, arranjava logo uma desculpa pra ir à casa da comadre e assistir ela em safadezas! Pra ver se a rua estava deserta, pro compadre sair, Dona Miru abria a janela, esticava o pescoço, olhava a rua pra baixo e pra cima e cantarolava: _ “Lari larô... Lari larô...” Isto indicava que Sô Antonino, já perto da porta, podia dar o fora!
  • 22. 021 A vizinhança, com pouco tempo, percebeu a “mandraca” dos dois e logo, logo, a cidade já sabia de tudo! Aconteceu de chegar na cidade um Circo. Com poucos dias os rapazes da época fizeram amizade com o palhaço, que gostava de tomar umas biritas e fazer serenatas. Bastou uma rodada de pinga e uma seresta pra ele se inteirar do caso de Dona Miru e Sô Antonino. Então ele prometeu pra rapaziada que na apresentação do sábado, o “Lari larô” de Dona Miru ficaria famoso! E chegou o sábado! Circo cheio! O palhaço lá estava fazendo o papel de um empregado, cuja patroa, na ausência do marido namorava outro! A patroa recomendou ao palhaço que ficasse fora da casa e se o marido chegasse, que desse um sinal de aviso! E a cena desenrolou: Os dois namorando no sofá e o palhaço, fora do picadeiro, vigiando a chegada do marido. De repente ele vem chegando. O palhaço mete os dedos na boca e assovia em sinal. Os dois se separam no sofá e o palhaço, mexendo o pé direito, calçado com um sapato enorme e bicudo, completa o sinal cantarolando: _ “LARI LARÔ... LARI LARÔ!...” A platéia explode em risadas e Dona Miru, envergonhada, esconde o rosto com a saia, esquecendo que estava sem calcinha!... A DISTRAÇÃO DE COMADRE JOANA Já era o décimo filho que comadre Joana tinha e o compadre Zé Arlindo, com desculpa de que estava esperando vir a “mocinha”, não dava trégua pra coitada da comadre! Um dia comadre Joana reclamou com Dora, minha finada esposa, que Deus a tenha, de que já não aguentava parir filho todo ano. Precisava dar um jeito, mas o compadre Zé Arlindo “queria” todos os dias e ficava difícil controlar! Dora, com aquele seu jeitinho de falar disse à comadre: _ “Joana, cê tem que ficar esperta! Na hora do “bem- bom”, tem que “rachá fora”! É o único meio seguro de evitá filho!
  • 23. 022 Ou então fala com o compadre pra usá as tal “camisinha” lá da farmácia!” _ “Ih, comadre! Camisinha não! O Padre disse que é pecado e o Zé Arlindo disse que é mesma coisa que chupá bala sem tirá o papel!” Apesar de tudo, comadre Joana prometeu que ia fazer de um modo que não mais ficasse grávida. O tempo passou... Uns seis meses depois, Dora encontrou com a comadre Joana numa procissão do Santíssimo. Olhou pra comadre e vendo a barriga grande, falou: _ “Comadre Joana, outra vez?! Cê esqueceu do meu conselho?!” Meio sem graça, a comadre respondeu: _ “Êh, comadre! Eu não sei como explicá! Mas toda vez que eu mais o Zé ia fazê as “coisas”, eu ficava DISTRAIIIIDA!...” A DOR DE DENTE Oto Silva era dentista prático no Distrito de Calambau. Era um PSD de “papo amarelo”, como se dizia na época. Quando o Distrito se emancipou e foram marcadas as eleições municipais, ele entrou firme na campanha! Baixinho, bigode fino, bom de prosa, defendia com unhas-e-dentes a candidatura de Ninico Carneiro à Prefeitura Municipal. No seu gabinete, situado lá na Rua Nova (Siqueira Afonso), extraiu dente e fez dentadura de graça para o povo, mas nada adiantou, o PSD perdeu as eleições, a vitória foi do PR! Zé da Iria tinha um pequeno sítio lá pras bandas da Limeira. Ao contrário de Oto Silva ele era um PR de “amargar”, desses de riscar faca no passeio ou passar a noite inteira vigiando as urnas na eleição, sem comer nada, apenas pelo prazer de defender o seu partido!
  • 24. 023 Com a derrota nas urnas, o martírio de Oto Silva começou: Todas as vezes que vinha à cidade, Zé da Iria passava pela Rua Nova e cantarolava: “Chora “pessidê” Que é seu tempo de perdê Chora “pessidê” Tampa o ouvido pra num sofrê!” E lá vinha o refrão: de nada adiantou rancá dente de graça que o “pessidê” caiu foi na disgraça!” Aquilo doía em Oto Silva. Ele chegava à porta de seu gabinete e olhava o Zé da Iria passando. Calça arregaçada na canela, chapéu de palha desfiado, faca na cintura, pé espanado, tipo “dez pras duas”, lá ia ele, a imagem do valentão protegido. Oto Silva ia até a venda de Geraldo Henriques, que nesta época funcionava na Rua São José, ao lado da tradicional loja de Zé Fernandes, tomava uma pinga e dizia: _ “Nada melhor que um dia após o outro. Tá vendo este puxa-saco do PR, Geraldo? Um dia o dente dele vai doer, ora se vai! Todo mundo tem dor de dente e não vai ser Zé da Iria que já tem os dele brocado, que não vai sentir dor! Mas nesse dia... Não quero nem pensar!...” E não deu outra! A praga lançada por Oto Silva pegou Zé da Iria num brejo, plantando arroz! No princípio foi aquela dorzinha, depois foi apertando e ele teve que ir pra casa! Bebeu cachaça, nada! Bochechou com cachaça quente, nada! Esfarelou comprimido de Melhoral e pôs no buraco do
  • 25. 024 dente, nada! O diabo do dente latejava! Zé da Iria já não aguentava mais! Dia seguinte, bem cedo, Zé da Iria chegou na Loja de Sô Lívio, chefe local do PR. Explicou pra ele a situação e Sô Lívio, passou um bilhete pra Oto Silva resolver o problema de Zé da Iria. Zé da Iria estava sentado na cadeira de dentista, suando à bicas, com a boca recheada de algodão! Oto Silva, feliz, assobiando as musiquinhas que Zé da Iria gostava de cantar em frente ao seu gabinete, alisava o boticão, como se fosse um açougueiro alisando a faca na hora de destrinchar um porco! Meteu mais algodão na boca de Zé da Iria e falou baixinho em seu ouvido: _ “Então, Zé. Você é PR de “amargar”, né?” Zé da Iria, tremendo, balançou a cabeça negando. _ “Mas o bilhete pra te atender é de Sô Lívio... Ih, que broca danada de dente, Sô! E tem mais um punhado que ainda vai doer!... E então, que que você me diz?...” Falou Oto Silva, abrindo bem a boca do Zé. Aí, aquela vozinha saiu lá do fundo da garganta de Zé da Iria, puxando “xis”, devido ao algodão na boca, e fininha, bem fininha, como se tivesse pedindo perdão: _ “EU XÔ PEXIDÊ! TÔ FINXINO COM ÊX. TE XURO!...” Não é preciso dizer que Oto Silva arrancou o dente sem anestesia e nem tão pouco cobrou o serviço. Foi por puro prazer!...
  • 26. 025 A MISSA CANTADA Sá Ana, lá do Galo era uma rezadeira de mão cheia! Na Igreja, participava de tudo! Com aquela voz esganiçada, puxava cantos sem parar! Não era fácil aguentá-la nas cerimônias religiosas! E tinha mais! Quando o terço acabava, lá vinha Sá Ana puxando ladainhas e cantos que se prolongavam, às vezes, até por horas! Certo dia, Padre Chiquinho, após uma Missa Cantada, muito demorada e cansativa, terminou a cerimônia cantando a tão esperada frase em latim: _ “ET MISSA EST!” Ali mesmo no altar, muito cansado, começou a tirar os paramentos litúrgicos, quando lá do fundo da Igreja, a voz esganiçada de Sá Ana puxou o canto: _ “Eu cantarei ao Meu Senhor Eternamente...” Padre Chiquinho, irritado, retrucou cantando: _ “Não canta, não, Óh, imprudente!...” E saiu rumo à sacristia!...
  • 27. 026 A PESCARIA DE CHISPIM Desde cedo o reboliço na casa de Sô João Fernandes era de notar: Mataram um porco enorme e o trabalho de fritar e empanelar as carnes e torresmos não dava trégua. Sobre o fogão de lenha, um varal de bambu estava repleto de linguiça e nas gamelas chouriços ! Compadre Chispim tinha saído pra pescar na pedra do rebojo. Volta e meia tava ele chegando com uma piaba de dois quilos e quatrocentos gramas! Ao entrar em casa, sentindo aquele cheiro de carne de porco frita que saía da casa de João Fernandes, ficou a pensar: “Diacho, Sô! Como peixe quase todo dia... E esse cheirinho de porco frito... Vou levar esta piaba pra Sô João Fernandes... Quem sabe ele me dá um bom pedaço de carne ou linguiça... Sim, é isso mesmo! Vou já pra lá!...” E levou a piaba para a casa do amigo! Lá chegando, foi entrando casa a fora, dizendo: _ “Ô, Sô João! Trouxe um presente pro amigo! Olha só! Dois quilos e quatrocentos! Num é uma bichona?!...” Sô João Fernandes não estava em casa. A mulher dele recebeu o presente, agradeceu e disse que depois mostraria o peixe ao João Fernandes. Chispim olhava o varal de linguiça com água na boca e enquanto tomava o cafezinho que a mulher serviu dizia: _ “Que fartura, hein? Quanta linguiça e chouriço!... Deve estar uma delícia!... A senhora sabe fazer as coisas!... Benza ó Deus! Que beleza!...” Depois do café esperou um pouco. Como ninguém falava nada e nem tão pouco Sô João Fernandes chegava, despediu e foi pra casa. Lá chegando não teve paz! Ficou matutando na besteira que fizera: “Agora, come pedra se quiser!... Mas é um absurdo! Com aquela fartura, aqueles miserentos não me deram nada em troca da piaba!... Não!... Isso não vai ficá desse jeito!...” Assim pensando, Chispim foi de novo à casa de João Fernandes. João Fernandes, que já estava em casa, ao ver o Chispim, foi logo dizendo:
  • 28. 027 _ “Ôh, Chispim! Que beleza de piaba! Muito obrigado! Agradeço de coração!” Chispim ainda tentou uma “cartada” pra ver se ganhava alguma coisa: _ “Coisa de nada, meu amigo! Um peixico atoa! Coisa boa mesmo é o porcão que o amigo matou! Benza ò Deus! Que fartura!” E pôs-se a esperar para ver se ganhava alguma coisa. Depois de um certo tempo, vendo que “daquele mato não saia coelho”, falou pra João Fernandes: _ “Olha, Sô João! Eu estou com uma “duda” aqui na cabeça... Eu queria dar uma olhada na piaba pra ver de que lado eu fisguei a boca dela... Se foi do lado direito ou do lado esquerdo... Dá pra trazer ela pra eu ver?...” João Fernandes foi até a cozinha e voltou com a piaba na mão. Chispim pegou, remexeu a boca, balançou a cabeça, caminhou em direção à porta, olhou pra João Fernandes e disse: _ “Já que eu não vou comer nada do seu porco, você também não vai comer do meu peixe! Se quiser peixe vai pescar! Inté!...” E jogou o peixe na rua, que foi abocanhado pelo cachorro de Sá Varina, que por ali rondava à cata de um pedaço de osso!...
  • 29. 028 A SEMANA SANTA A cerimônia acontecia no palco armado em frente à Igreja Matriz. O povo ouvia atentamente o sermão pregado por um padre que falava com forte sotaque estrangeiro, mal dando para entender as palavras. No momento em que Nicodemos e Arimateia iniciaram a descida do corpo de Cristo da cruz, um conterrâneo que havia chegado de São Paulo, aproximou-se de Zé Naná, que fazia o papel de soldado romano e perguntou: _ “Ô, rapaz! Estou tentando me lembrar do nome dos dois personagens que estão descendo o corpo de Jesus, mas não consigo, além do mais, este padre que está pregando não fala direito a nossa língua... Você sabe o nome bíblico deles?” Zé Naná, com naturalidade, respondeu: _ “Ô, Sô! Cê não tá reconhecendo eles não?! O grandão é o Patiagua, que jogava na U.S.E, o outro é Chico Matias, lá do Galo!...” A SERENATA A serenata fora programada em seus mínimos detalhes. Arranjou-se a cachaça – peça principal da seresta, mais importante que o violão – e arranjou-se a “licença” com o Delegado, que naquela época, para controlar as arruaças da rapaziada, cobrava uma taxa para se fazer serenatas. Pelo menos, como dizia o Delegado, qualquer coisa errada que acontecesse naquela noite, já tinha os nomes dos prováveis autores. Aí um dos “seresteiros” lembrou-se de uma coisa importante que estava esquecida: A GALINHADA! Onde arranjar as “penosas” para se fazer a bendita galinhada na casa de Tio Antônio, após a serenata!
  • 30. 029 Madalena, versado nas artes “galináceas”, foi logo dizendo: _ “Deixa comigo! No quintal de Sô Olívio tem muitas galinhas! Lá não tem galinheiro, as bichinhas dormem num poleiro próximo ao muro da rua! Vai ser sopa! Vocês vão aprender como se rouba galinha sem fazer barulho!" O que ninguém se lembrou é que em frente ao muro da casa de Sô Olívio, morava Sô Mané, um velho soldado da PM, que sofria de insônia! Tudo preparado, tudo acertado, aguardou-se a hora de começar a serenata. Naquele tempo, a luz elétrica da cidade era proveniente de um gerador diesel, que exatamente às 22:00 horas era desligado. Portanto, às 23:00 horas já não haveria mais ninguém nas ruas, era a hora ideal de se começar a seresta. E ela teve inicio na Praça União, em frente ao cemitério velho, subindo em seguida pela São José. O litro de pinga ia passando de boca-em-boca e os “cantores”, em frente às casas das “doce amadas”, cantavam valsas, boleros e sambas-canções... Chegou-se ao muro da casa de Sô Olívio! Madalena pediu silêncio e falou em voz baixa: _ “Ô turma, agora nada de música! Vou mostrar pra vocês como se rouba galinha sem fazer barulho! Presta atenção!” Atravessou a rua, arrancou um bambu de uma cerca – da casa de Sô Mané – subiu no muro e foi falando baixinho: _ “Agora, é só cutucar com o bambu nas pernas das galinhas, que elas, dormindo, sobem do poleiro para o bambu... E aí, oh, é sopa!... Olha as duas “penosas” que peguei... Ah, deliciosas...” E foi voltando-se para a turma mostrando as duas galinhas, quando deu de cara com Sô Mané, que com as mãos cruzadas, calmamente assistia à cena da janela de sua casa! A turma, neste instante já havia dado o fora!... Madalena, com um riso amarelo, calmamente voltou as galinhas para o poleiro enquanto dizia:
  • 31. 030 _ “É isso aí, Sô Mané! Eu tava mostrando pra turma, como esse pessoal que cria galinha sem prender no galinheiro, corre o risco de ser roubado! Isto é só uma demonstração! Eu não estava roubando, não! O senhor me conhece, né?!...” Desceu do muro, atravessou a rua, colocou o bambu na cerca e de longe, ainda disse pro velho soldado, que estava boquiaberto com a cara de pau do Madalena: _ “Boa noite, Sô Mané... Foi só uma demonstração pra turma... Boa noite!...” E “fechou” num galope rua abaixo em direção à casa de Tio Antônio, onde a turma esperava, “rolando” de tanto rir!... A SIMPLICIDADE DE SÔ MANUEL Outra pessoa engraçada era o meu amigo, Sô Manuel, lá do Salto. Era muito simplório e tinha a mania de falar alto, gritado! Certo dia tava eu plantando uma roça de milho lá perto da ponte de arame do Salto, quando ele chegou e parou pra um dedo de prosa! Concersa-vai, conversa-vem e ele se lembrou de passar umas recomendações à sua mulher que lavava roupa na outra margem do rio. Pôs as mãos em concha à boca e gritou: _ “Ô Maria! Ô Maria! O dinheiro da venda do porco tá debaixo do “trabisseiro”! Põe ele debaixo do colchão e põe um cobertor dobrado sobre a cama pra despistar! Se ocê fô sair, fecha toda a casa e põe a chave debaixo do vaso de flô perto da pia do terreiro!” Vendo que Barbosa, que tinha fama de larápio tava pescando debaixo da ponte, recomendou: _ “Óia, tem rato de dois pé rondando a área! Amarra canela (o nome da cachorra) na porta da frente que é pra dá respeito! Toma cuidado! Inté!...”
  • 32. 031 A VISITA DO COMPADRE CANDIDATO Na campanha política do ano de 1996, um certo candidato a Prefeito foi visitar o eleitorado do Salto, Mateus e vizinhanças. Ao chegar próximo a uma porteira, o candidato desceu do carro para abri-la, quando um bando de meninos o cercou. Brincando com os meninos o candidato deu-lhes umas moedas, perguntando de quem eram filhos. Um deles respondeu: _ “Nós é filho de Nega de João Balança!” O candidato falou: _ “Ora, então um de vocês é meu afilhado, cadê a mãe de vocês?” Antes que os meninos falassem alguma coisa, uma mulher, descendo o morro, veio gritando de braços abertos: _ “Óia, gente! É o compadre! Deix’eu te dá um abraço! Vão lá em casa que o João tá lá!” Depois de abraçar a comadre, o candidato, olhando a meninada, perguntou à comadre qual deles era o seu afilhado. A comadre, apontando para um menino lourinho, respondeu: _ “É aquele ali, compadre! Já tá com oito anos... Cê acha que ele parece com o pai?” O candidato, depois de dar uma nota de dez reais para o menino, que saiu pulando igual a um cabrito, balançando a nota, apoiou-se no ombro da comadre e caminhando em direção à casa, sussurrou-lhe no ouvido: _ “Olha, comadre. Me explica uma coisa... Como é que a comadre que é mulata foi ter este filho lourinho, se o compadre é quase preto?” A comadre, rindo, respondeu: _ “Eh, compadre... Num dá pra explicá... Acontece cada milagre nesta banda do rio que num tem nem explicação!...”
  • 33. 032 AO BOBO?!... Sô Teco tomou umas biritas e foi pra casa. Com a cabeça cheia ele aprontou bastante, importunando a vizinhança! E não deu outra! Um vizinho chamou a Polícia! O Cabo, acompanhado por dois soldados chegaram à casa de Sô Teco. O Cabo bateu à porta e lá de dentro Sô Teco pergunta: _ “Quem tá batendo aí?” _ “É a Autoridade! Faça o favor de abrir, Sô Teco! Só queremos conversar!” Sô Teco responde: _ “Autoridade?! Abro não!!! Num sou bobo?! Pode dormir aí fora que não abro! Ao bobo?!...” Após várias tentativas, o Cabo teve a ideia! Disse a um dos soldados: _ “Você se esconde atrás da casa enquanto nós descemos o morro! Sô Teco vai sair pra ver... e então você pega o bicho!...” Chegando-se à janela o Cabo falou: _ “Nós estamos indo embora, Sô Teco! Amanhã a gente volta para conversar! Vamos pessoal!” Pouco depois Sô Teco abriu a janela e, não vendo a Polícia, abriu a porta e saiu pra rua, rindo e falando: _ “Autoridade!... Me prender?!... Ao bobo?!... Vai com Deus e Nossa Senhora e o “Demo” atrás tocando viola!...” Foi então que ele sentiu alguém tocando seu ombro e voltando-se pra ver, deu de cara com o soldado de algemas na mão! _ “Xiii!... O véio dançou!... Ao bobo?!...”
  • 34. 033 AS CAMISINHAS FURADAS Manuel da Cachaça enrolou com cuidado o cigarro de palha. Depois de acendê-lo, deu uma tragada e começou: _ “Certo dia, um viajante de laboratório, passou numa farmácia daqui, e entre vários remédios que vendeu ao farmacêutico, incluiu um novo produto que estava sendo lançado no mercado. Tratava-se, nada mais, nada menos, que as famosas “Camisinhas de Vênus”! Com receio, o farmacêutico comprou o novo produto! Sua consciência religiosa ia contra tais produtos, mas os tempos estavam mudados e alguns fregueses já haviam feito, por vária vezes, tal encomenda! O certo é que o farmacêutico mantinha as camisinhas numa gaveta fechada a chave e fazia um controle rigoroso das que vendia! Mas apesar de todo esse cuidado, começaram a aparecer camisinhas usadas, na porta da Igreja, no antigo prédio do Patrimônio, na pedra de banho e até na porta da Casa Paroquial! O padre não demorou a falar do assunto nas práticas dominicais e um dia foi procurar o farmacêutico. _ “Meu filho, você tem que parar de vender este produto! O lugar tá virando uma promiscuidade! É essa tal camisinha por todo lado! Você tem que dar um jeito nisso! Além do mais, o uso desse produto vai contra a Lei de Deus! “Crescei e multiplicai”, assim diz a Bíblia, e você, vendendo isto está contra a palavra de Deus! Está pecando!” O farmacêutico coçou a cabeça preocupado, abriu a gaveta e mostrando para o Padre, que olhava boquiaberto a quantidade de camisinhas, falou: _ “Tudo bem, Padre! Eu vou controlar a venda, mas não posso ficar com o prejuízo! Vou seguir a Lei de Deus furando algumas delas com alfinete! Vai ser uma questão de sorte de nascer ou não alguma criança por parte dos usuários!” O Padre concordou, mediante a promessa de que o produto não seria vendido pra rapaz solteiro!”
  • 35. 034 Manuel da Cachaça interrompeu o caso em meio à risada geral. Tomou a cachacinha, raspou a garganta e arrematou o caso rindo à valer: _ “Eu posso lhes garantir, Sôs Moços, que muitos de vocês estão aqui hoje, graças às camisinhas furadas do tal farmacêutico!... AS LUZES DA PONTE Quando Manuel da Cachaça se dispunha a contar um caso de seu amigo Antônio Maurício, ele o fazia com prazer: _ “Sô Antônio Maurício morava lá na Isabel! “Pessedista” e “Niniquista” como ele ainda não vi ninguém! Acho até que ele era mais “Niniquista” que o próprio Ninico Carneiro, candidato a Prefeito pelo PSD! Corria o ano de 1958. A política “pegava fogo”, como se diz! O povo se preparava pra eleger o segundo Prefeito do município, visto que Sô Juquinha da Água Limpa foi eleito Prefeito na primeira eleição. As coisas pareciam muito boas pro PR! A construção da “ponte de cimento armado” sobre o Rio Piranga e a construção do prédio do Grupo Escolar pesavam na balança, como obras de vulto do PR! Aí houve a inauguração da ponte! Um festão que atraiu muita gente! De noite, a ponte iluminada fazia os “pessedistas” “engulir seco”, tentando colocar algum defeito. E surgiram os defeitos: “É muito estreita” – “Não passam dois carros” – “Tem que se fazer obras pensando no futuro” – “Economizaram para sobrar dinheiro pra comprar votos” – etc, etc, etc... Mas tudo motivado pelo ciúme da grande obra feita na cidade! Mas não adiantava! A ponte iluminada estava lá! Bonita e boa pra todo mundo passar! Então, uma certa noite, aconteceu o que ninguém esperava... Quebraram as luz da ponte! Só podia ser coisa dos “pessedistas”!... Foi um “sururu” danado na cidade!
  • 36. 035 A polícia “metia fuzil” em qualquer grupinho de pessoas que ficasse pelas ruas tarde da noite! Parecia até época de revolução! Aí, Antônio Gato e Zé de Lucas chegaram à casa de Sô Antônio Maurício. _ “Bom dia Sô Antônio! Como tem passado?” _ “Bom dia meus amigos! Vai indo tudo bem! Enquanto eu termino este servicinho aqui, os amigos não se acanhem. Vão lá dentro, na cozinha e sirvam-se à vontade! Maricota fez um franguinho com quiabo. Ela foi lá na Fazenda de Sô Guilé. Podem servir. A pinga está no garrafão, debaixo da mesa. Agorinha mesmo eu vou!” Aquilo foi jogar “sapo n’água” pros dois! Entraram na cozinha, beberam cachaça, comeram o franguinho e só deixaram os ossos com quiabo!... Volta e meia Sô Antônio entrou na cozinha. Pegou o prato, destampou a panela, remexeu o frango, e vendo que só tinha ossos, falou: _ “Gozado... Maricota fez um frango que era puro osso... Olhou pros dois, coçou a cabeça, tomou uma pinguinha e sentando-se na ponta do banco, perguntou: _ “Mas que novidades os amigos me trazem?” Zé de Lucas, sempre mais prosa e com aquele estilo meio carioca e paulista – ele havia trabalhado fora – falou: _ “Olha, Sô Antônio... Vou falar contigo uma coisa. Lá na Rua as coisas tão pretas! Tem polícia “metendo o fuzil” em todo mundo! Num tá fácil, não!...” _ “Mas o que aconteceu? Fala logo homem! Mataram alguém?” _ “Não! Pior que isso! Quebraram as luz da ponte!...” Falou Antônio Gato servindo mais uma pinguinha. Sô Antônio riu satisfeito: _ “Há, Há, Há! Quebraram as luz da ponte? Há, Há,Há! Já sei! Vai vê que foi aquele bando de “perristas” mequetrefe que fizeram isso só pra jogar a culpa nos “pessidê”! Só pode ser! Há, Há, Há! Sô Ulisse, Delegado, tem que “exemplá” eles! Cambada de mequetrefe! Há, Há, Há!” Aí Zé de Lucas falou:
  • 37. 036 _ “Éh... Mas tão falando que foi gente da alta... Políticos fortes do PSD!...” Sô Antônio parou de rir e perguntou: _ “Quem?... Quem foi?... Eu sei que é fofoca do PR!... Fala!” Zé de Lucas, puxando Antônio Gato pela manga da camisa, saiu pela porta da cozinha e respondeu: _ “Tão falando que foi Ninico... Zé Fernandes... Idú... Sérvulo... Zizinho Peixoto... Sô Benigue...” Sô Antônio, chegando-se à porta falou, ou melhor, gritou: _ “Fora! Fora seus transmitidô de notícia farsa! Fora! Onde já se viu uma coisa dessas? Ninico, Zé Fernandes, Idú, Sérvulo, Zizinho Peixoto, Sô Benigue!... Ês são lá homem de fazê uma coisa dessas?!” Entrando em casa, topou com Maricota que acabara de chegar: _ “Que foi Antônio? Que que aconteceu?” Sô Antônio respondeu servindo mais uma pinguinha: _ “É aqueles transmitidô de notícia farsa! Aqueles beija- flô-do-rabo-preto! Onde já se viu? Ninico, Zé Fernandes, Idú... Quebrá luz da ponte?!...” Bebeu a cachaça, estalou a língua e arrematou: _ “Bão! Se foi ês, foi muito bem feito! Aquelas luz tavam meio fracas... Num tavam valendo muito nada! Se foi ês, foi bem feito!...” Saiu e foi pendurar os retratos de propaganda dos candidatos a Prefeito e Vice, Ninico e Sô Guilé, na porteira, justamente na hora em que um “perrista” do Xopotó passou de jeep e gritou: _ “Aí, hein puxa-saco! Botando os homens pra tomar sol!...”
  • 38. 037 AS RAPADURAS Sô Belito, cachacista militante e treteiro, certo dia tava tomando umas biritas no boteco de Sô Dote, lá nas Cruzes. Conversa-vai, conversa-vem, uma pinguinha pra espichar o papo, um cigarrinho de palha e as horas passando. Aconteceu que Sô Dote precisou de sair e deixou o boteco por conta de Sô Belito por alguns minutos. Foi o tempo suficiente para ele ufanar duas rapaduras e colocar no bornal, deixando ele pendurado em um prego do lado de fora do boteco. Sô Dote ao voltar, logo notou a falta das rapaduras. Despistadamente, verificou o bornal de Sô Belito, encontrando lá as dita-cujas. Com rapidez trocou elas por dois tijolos, deixando o bornal no mesmo lugar. Já mais tarde, bem “alto”, devido o efeito das “branquinhas” que havia tomado, Sô Belito tomou o rumo de casa, feliz com as duas rapaduras que levava. Pelo caminho ele foi pensando: “Hoje a mulher vai ficar sastifeita! Duas rapaduras! E ela que sempre diz que eu gasto tudo em cachaça!...” Chegando em casa, jogou o bornal sobre a mesa da cozinha e foi logo gritando para a mulher: _ “Ô Maria! Dá seu jeito e faz logo um café! Tô doido pra tomá um café fresquinho!” A mulher, logo respondeu: _ “Faço, sim! Mas ocê vai lá no terreiro cortar a cana e passar na engenhoca pra fazê a garapa!” Belito, rindo satisfeito, mostrou o bornal: _ “Precisa de cana não, muié! Comprei duas rapaduras lá no boteco de Sô Dote! Taqui no bornal!” A mulher atiçou o fogo no fogão, pôs mais água pra ferver e pegando o bornal, falou: _ “Tá pesado! Até que enfim ocê trouxe alguma coisa pra casa sem ser litro de pinga!” Tirando as “rapaduras” do bornal, exclamou surpresa: _ “Belito!!! Olha aqui!!! Isso é tijolo!!!”
  • 39. 038 Ele, esfregando os olhos, disse: _ “Num acredito!!! Cumé que Sô Dote pôde fazê uma brincadeira dessas comigo?!...” COISAS DE BÊBADOS Aprino e Mané Fostino, dois cachacistas militantes, certo dia se encontraram na encruzilhada da Fazenda do Baía, já sob o efeito da “branquinha”. _ “Tá voltando, Mané?” Perguntou Aprino. _ “Não, tô ino!” Respondeu Mané Fostino. _ “Ino pra onde? Pra Presidente ou pra Piranga?” _ “Pra Presidente, uai!” _ “Ora, será que eu tô bebo? Aí ocê vai é pra Piranga!” _ Será?! Eu tô é ino!” _ “Não! Cê tá é voltano! Vão trocá de lugar pra vê! E agora, cê tá ino ou tá voltano?” _ “Eh, acho que eu tô voltano!... Bão, lá vem Chico Vazio. Vão perguntá pra ele?” Chico Vazio, de nome Francisco Washington, outro cachacista declarado, chegou-se aos dois perguntando: _ “Cês tão ino ou vino?” _ “Ih!... É isso que nós qué sabê!... Que que ocê acha? Olha a posição do Mané. Cê acha que ele tá ino ou tá voltano de Piranga?” Chico Vazio, olhou a posição do Mané, fechou um olho e olhando bem pra encruzilhada da Fazenda, disse: _ “Tá difícil!... Essa encruzilhada num para de andá!... Lá vem Zé Pinheiro, vão perguntá pra ele...” Zé Pinheiro chegou até onde estavam. Fez o “sinal-da- cruz” – uma mania que ele tinha – e cumprimentou-os: _ “Bom dia prô cês! Algum problema?” Aprino foi logo dizendo: _ “Sô Zé, diz pra gente, pra tirá a duda. Pela posição do Mané, ele tá ino ou voltano de Piranga?” _ “Ele tá ino!” Respondeu Zé Pinheiro.
  • 40. 039 _ “Eu num falei, Mané? Aquela hora cê tava era vino de Calambau!” Mané Fostino, coçando a cabeça, falou: _ “Bão, já que tá arresolvida a questão, eu vou pra Rua! Té logo prô cês!” _ “Nós vai junto, uai! Num tem nada mesmo pra gente fazê! Que que ocê vai fazê na Rua?” _ “Bão, primeiro a gente passa na venda do Brás, lá atrás da Igreja, toma umas pingas...” _ “... Depois vai no Bar de Chico Borges...” _ “... Bebe mais outras...” _ “... Depois vai no Boteco Tomba Copo...” _ “... Toma outras pingas...” _ “... Passa no Vicente Ferreira... No Zé Fernandes...” _ “... Na venda do Idú...” _ “... No Boteco da Biri...” _ “... No Zé Salomé...” _ “... No Antônio Toninho...” _ “... No Mário Venâncio...” _ “... No Joaquim Pascoal...” _ “... Entra na Rua Nova...” _ “... Na Farmácia de Zécelmino, num passa não! Lá num tem pinga!...” _ “... Passa na venda de Sô Gentil... Desce o morro da ponte e vai no Sô Caquim...” _ “... Volta pra Praça e vai no Leonídio...” _ “... No Silvério e no Ladinho Vidigal, num passa não! Lá também num tem pinga!...” _ “... Aí chega atrás da Igreja outra vez e entra no Brás...” _ “... Bebe mais pinga... e...” _ “... Xiiii!... Vai começá tudo de novo!...”
  • 41. 040 AS ENXADAS DA POLÍTICA Com a emancipação política do Município veio o “prego- no-sapato” dos pessedistas: A mudança do histórico nome de Calambau para Presidente Bernardes! A partir daí a política local tomou outros rumos. Pais contra filhos, irmão contra irmão e até esposas contra maridos! Famílias separadas, tudo em nome do PR e do PSD! Manuel da Cachaça acendeu o cigarro de palha, deu uma baforada, tomou uma pinguinha, raspou a garganta e começou a contar: _ “A separação política era tão grande na segunda eleição municipal, que o PR distribuiu enxadas “Jacaré” e o PSD distribuiu enxadas “Tarza”, para os eleitores da zona rural. Um dia tava eu no Bar do Chico Borges, lá na praça, quando Zé Grilo, um trabalhador avulso, destes que pegam serviço de capinar quintal e plantar horta, chegou ao Bar com sua enxada às costas. Volta e meia chegou Zé Martinho, um preto forte que trabalhava como diarista na Fazenda da Água Limpa. Zé Grilo era do PSD e Zé Martinho do PR. Conversa-vai, conversa-vem, e entre uma cachacinha e outra, o assunto chegou onde não devia: Política! Zé Martinho olhou pra enxada de Zé Grilo e falou: _ “Enxada Tarza... Muito boa pro seu tipo de serviço, Zé Grilo. Fofar canteiro de horta e terra macia! Enxada boa é Jacaré, que aguenta terra dura sem desbeiçar!” Zé Grilo sentiu a provocação do outro e logo disse: _ “Já tive uma Jacaré, Zé Martinho. Engraçado, não me dei bem com ela não! Com seis meses de uso ela tava desbeiçada! Virou um “cacumbu” dei ela pro meu filho de seis anos brincar! Ainda tá la em casa! Ultimamente cortei o cabo dela pra usar como martelo! Só pra isso que ela serve!” Zé Martinho sentiu que estava perdendo terreno e foi logo retrucando: _ “Cê deve ter capinado pedra com ela pra desbeiçar tão fácil! Enxada Jacaré é melhor que Tarza, todo mundo sabe disso!”
  • 42. 041 Zé Grilo pegou a enxada de Zé Martinho, passou o dedo pelo corte, deu uma estocada com a unha do polegar pra verificar o tinido e disse: _ “Olha aí, nem tinir ela tine! Parece mais um sino rachado! E além do mais já está trincada, vai partir no meio e nem vai servir pra martelo! Enxada boa é Tarza, que além de tudo é PSD!” Zé Martinho não gostou da provocação e foi logo dizendo: _ “Que PSD que nada, sô! Bão mesmo é enxada Jacaré, que é PR! Olha a sua aí, já está desbeiçando! Bão será se quem tá usando não desbundá!” Foi falar e levar! Zé Grilo meteu o olho da enxada na testa de Zé Martinho! Foi bater, sangue esguichar e o homem cair desacordado! Chico Borges veio logo acudir dizendo: _ “Dá o fora Zé Grilo! O Sargento vai chegar já! Cê sabe que ele é puxa-saco do PR! A coisa pode engrossar pro seu lado!” Antes de sair, Zé Grilo olhou pra Zé Martinho ainda zonzo no chão e disse: _ “Seu merda, cê vai ficar muito tempo com este “galo” na testa! Isto é pra aprender que enxada boa é Tarza! Viva o PSD!” Zé Grilo ficou acoitado algum tempo na Fazenda do Seringa, de Sô Zé Maria Carneiro, pai de Sô Ninico, candidato a Prefeito do PSD! Quando o PSD ganhou a eleição, ele pendurou uma enxada Tarza novinha na janela de sua casa, e quando Zé Martinho passava, ele batia na enxada com o cacumbu da Jacaré e gritava: _ “Óia o tinido da bicha! Óia o som do PSD!” Zé Martinho, que ficou com um fundo na testa, com o tempo acabou mudando pra Porto Firme.
  • 43. 042 COPARRA Certo dia encontrei o João Pedro no açougue do Márcio Pinto. Vendo-o cabisbaixo, de blusa de frio em pleno calor, com a cara de quem está doente, perguntei-lhe: _ “O que foi, João Pedro? Tá perrengue?” Ele, esfregando as mãos, respondeu: _ “Xiii!... Tô ruim! Tô vino do médio! Tô mar!...” _ “ Vindo de onde, João Pedro?” _ “Do médio, do dotôre, fui consurtá! As coisas num tão boas pra mim, não!” _ “Por que, João Pedro?” _ “Óia, eu tava dum jeito que cê pricisava vê!... Num dizano danado, sem contá com um piriri que num sarava! Eu chegava em casa, a muié fazia aquela comidinha gostosa, eu distampava a panela e dizia: Qué não, tá ruim! Ela fazia aquela broa cheirosa, eu punha na boca e "guspia" dizendo: Qué não, tá ruim! Leite, então?! Nem pensá! Só de vê, enjoava! Mas cachaça?! Ôbaaa! SÓ COPARRA!... NA RISCA!...” EFEMÉRIDES CACHACISTAS Lolô dos Costas, cachacista de carteirinha, foi levado ao Hospital, todo arranhado de arame farpado, devido a um tombo que tomara, indo pra casa, sob o efeito da branquinha, lá pros lados do Pai Domingos. No Hospital, perguntaram-lhe o que acontecera, no que ele respondeu, na maior cara de pau: _ “Olha, ontem quando ia pra casa, um baita tamanduá me acercou na estrada, me dando um abraço forte e me arranhando todo!...” Já nosso amigo “Quinca Fubá”, vindo de bicicleta lá do Campo da Limeira, também “alto” pelo efeito da “branquinha”, ao fazer uma curva, perdeu o equilíbrio caindo da bicicleta. No
  • 44. 043 meio do mato um passarinho piou alto: “PIAU!... PIAU!... PIAU!...” “Quinca Fubá”, levantando-se, batendo a poeira, olhou pros lados e pensando que era alguém escondido no mato que gritava: “MIAU!... MIAU!... MIAU!...” gritou: _ “MIAU É A PQP!!!...” Dias depois, topei com Narcísio Catarina, outro cachacista de carteira. Vendo-o com o olho esquerdo machucado, perguntei-lhe o que acontecera, no que me respondeu: _ “Ontem eu fui buscá lenha no mato e um macaco me jogou um tolete de pau no olho!...” A esposa dele, que ouviu a conversa, retrucou: _ “Deve ser daqueles “macacos” que Toninho da Água Limpa põe dentro do litro!!!...” Prá terminar a conversa eu completei: _ “E este macaco deve ser parente do tamanduá que abraçou Lolô dos Costas lá no Pai Domingos e do passarinho que “miou” pra “Quinca Fubá”!...” EU COMO... CÊ COME... TERRA COME!... O certo é que o caso já vinha acontecendo há tempos! Toda a região sabia e comentava! Mas o diabo é que o coitado do Joaquim Altino, ou não sabia, ou não acreditava ou tinha mesmo vocação pra “corno”! Era público e notório o caso de Sá Maria com o seu compadre Quirino Pereira. Era Joaquim Altino sair de casa e lá chegava Quirino Pereira pra dar “assistência à comadre”! Certo dia, Joaquim Altino disse à mulher que iria até a cidade de Piranga, pra resolver uns problemas de escrituras e que só voltaria no dia seguinte. Foi Joaquim Altino sair e Quirino Pereira chegar! E lá ficou, “assistindo” à comadre, nas maiores safadezas!
  • 45. 044 Mas não se sabe “por quê”, Joaquim Altino, já chegando na rua resolveu voltar pra casa! Já era noite quando ele chegou! Soltou o animal, tirou as botas ali mesmo no curral, como era de seu costume, subiu a escada e vendo a casa em silêncio, tomou o rumo do quarto. Ao abrir a porta, deu de cara com os dois na maior sem- vergonhice! Fechou a porta, foi pra varanda, acendeu o cigarro de palha e ficou esperando. Quirino Pereira vestiu rapidamente a roupa, pôs o chapéu e aproximou-se do compadre, abrindo a camisa e mostrando o peito, dizendo: _ “Pode me matar, compadre! Pega o revólver e me dá um tiro bem aqui no coração! Sou um safado sem-vergonha! Num mereço viver! Me mata compadre! Então, Joaquim Altino, soltando a fumaça do cigarro, falou tranquilo: _ “Carece não, compadre!... Matá pra que?!... EU COMO... CÊ COME... TERRA COME!!!...” GARRAPIA Fui comer pato no Zé Cirilo E quando o pato já vinha, Zé Cirilo, prestativo, Me serviu uma “branquinha” À guisa de aperitivo! De tão gostosa a pinguinha, Não tive outra alternativa: Pedi dez engarrafadas Pra poder levar pra casa E beber no dia a dia! Mas quando em casa cheguei Já na porta deparei Com Dona Patroa cismada
  • 46. 045 Que de cara quis saber Pra que tanta “pingaiada”! Com a mão cheia eu conduzia O arsenal bebericante Em direção à cozinha, Enquanto lhe respondia Que era só umas “pinguinhas” Pra beber de vez em quando E que não era todo dia! Mas Dona Patroa que é brava, Não quis conversa fiada, E enquanto me empurrava, No meu ouvido dizia: _ “Joga tudo naquela pia!” Sem ter como retrucar, Abri a primeira garrafa, E enquanto um copo bebia Despejava o resto na pia E a Patroa ria! Abri a segunda garrafa, De novo outro copo eu bebia Despejando o resto na pia Enquanto a Patroa ria! Abri a terceira garrafa E enquanto o resto eu bebia, Joguei o copo na pia E a Patroa já não ria! Quando a quarta eu abria, Joguei o resto no copo, Bebi na pia E já a Patroa eu não via! Quando da quinta eu bebia, A garrafa ria na pia E a rolha eu já comia! Peguei a sexta pia, Joguei o copo no resto Enquanto na garrafa bebia!
  • 47. 046 Com a sétima garrafa vazia, Eu bebia sem copo E lambia a pia! Na oitava, à toa eu ria, E jogava a garrafa no copo E a mão já tremia! Peguei o nono copo, Misturei na garrafa, E na pia xixi já fazia! O décimo copo e o resto, Me jogou na “garrapia”, Não sei o que com a Patroa fazia, Só sei que quando acordei, Tava preso na Delegacia!... MANEZINHO DO PR Manezinho, perrista de “amargar,” embriagado, chegou à Sessão Eleitoral para votar. O Presidente da Sessão, por sinal um pessedista de “papo amarelo”, vendo-o naquela situação, coçou a cabeça e pediu-lhe o Título de Eleitor. Manezinho, contorcendo-se, falou: _ “Titlo?! Pra que titlo?” O Presidente respondeu: _ “Ora, pra você votar! Sem ele, nada de voto!” Então, Manezinho, arrematou a conversa: _ “Acá! Antão vancê num sabe?! Pra votá no PR num pricisa de titlo não, Sô!...”
  • 48. 047 MINEIRINHO FOLGADO Zezé da Silva, mais conhecido por Zezé Gabornate, foi pra São Paulo, com o fim de trabalhar. Por lá ficou uns bons meses, mas esta experiência em São Paulo, em nada mudou os costumes simplórios de Zezé Gabornate. Certo dia, estava ele no BAGACINHAS BAR, que era muito frequentado pelo pessoal daqui que lá reside, quando chegou a Polícia. O pessoal, já acostumado àquela rotina de cidade grande, foi logo colocando as mãos para cima, aguardando a “revista” da PM. Zezé Gabornate, simplório como sempre, continuou com as mãos nos bolsos sem se preocupar. Um soldado se aproximou dele, dizendo: _ “Ponha as mãos pra cima, cara! Rápido!” Zezé, sem entender, perguntou: _ “Pra que por as mãos pra cima, Sô Guarda?” O soldado, ainda com um pouco de paciência, falou: _ “Pra que eu possa lhe dar a “revista”, entendeu?” Rindo, Zezé falou: _ “Me dar revista? Perde tempo não, Sô! Eu não sei lê, nadinha, nadinha!... Só se fô pra vê gravura!...” O soldado, empurrando-o, foi pedindo: _ “Seus documentos! Sua carteira de identidade! Vamos!” Zezé Gabornate, calmamente retrucou: _ “dicumento?! Tá aqui não, Sô! Tá em casa! Dicumento eu num ando com ele não! É pirigoso perdê e se perdê dá um trabaião danado pra tirá outro!” Então o soldado, já com a paciência esgotada, colocando as mãos à cintura, encarou-o, dizendo: _ “Êh, mineiro! Você é bem folgado, não é?!” Zezé respondeu: _ “Bem, pra dizê a verdade, a gente num passa aperto, não! Meu pai tem um sitiozinho lá no Calambau, que produz um pouquinho de tudo... Dá pra vivê com certa forga, sim,
  • 49. 048 Sinhô! Você entende, né?... Mas voltando ao caso dos dicumento, vou te contar que um amigo meu perdeu os dele e...” Nesta altura dos fatos, o soldado já estava entrando na viatura, comentando com os colegas: _ “A gente encontra cada tipo nesta vida!... Ô mineirinho folgado, Sô!...” A PRESA Manuel da Cachaça esfregou bem o fumo antes de colocá-lo na palha. Com mestria de muitos anos de prática, enrolou o cigarro e depois de acendê-lo, tossiu levemente perguntando a seguir: _ “Os moços se lembram bem de Roque Soares, não é? Irmão de Sô Idu e Sô Bastião, que trabalhava junto com eles na Casa Soareza, tão lembrados? Pois bem, o caso que vou contar aconteceu quando a venda de Sô Idu era na Rua São José, na casa velha. Havia um Tenente do Exército que sempre vinha aqui para fiscalizar o Serviço de Alistamento Militar na Prefeitura, e toda vez que aqui chegava, passava na venda de Sô Idu onde tomava um guaraná. Roque, já acostumado com o Tenente, sempre o atendia com presteza. Certa vez ele aqui chegou, como sempre, num jipão do Exército. Parou em frente à venda de Sô Idu, entrou e Roque foi logo lhe servindo o guaraná. O Tenente tomou o primeiro gole e antes que falasse alguma coisa, Roque, vendo que havia uma mulher no carro, perguntou: _ “E pra “presa”, o senhor não vai dar nada, não?” O Tenente, não entendendo, perguntou: _ “Pra quem?!...” Roque respondeu: _ “Pra presa! A mulher feia que está no carro!... O senhor não vai dar a ela um gole pra matar a sede?!”
  • 50. 049 O Tenente, rindo, respondeu: _ “Não é presa, não! É a minha mulher!...” Roque, sem saber como se desculpar, limpava as lentes dos óculos enquanto a mulher que tudo ouvira, gritou do carro: _ “Presa é a mãe e mulher feia é a vó!!!...” MISERICÓRDIA! MIJÁ NA CORDA! Era época de Missões! A Igreja estava cheia! Parecia que toda a população do Velho Distrito de Calambau estava ali reunida! Padre Arlindo acabara de pregar e era aguardada a palavra de mais um Missionário! Sô Teodomiro acabara de chegar com mulher e filhos! Arranjou um canto pra se acomodar e tirando do ombro o inseparável bodoque, colocou-o próximo a uma coluna da igreja. O Missionário iniciou um longo sermão, pregando sobre a salvação da alma, chegando até ao Final dos Tempos, sobre a Ressurreição dos Mortos! Sô Teodomiro, cansado da longa caminhada, encostou- se num canto e “pegou” no sono! A Igreja Velha tinha o piso de tábuas largas e diziam que ali já fora enterrada muita gente, conforme costume antigo. O Missionário, ao pregar sobre a Ressurreição dos Mortos, já de comum acordo com alguém que se alojara sob o piso de tábua, gritava ameaçando os pecadores com o Fogo Eterno, enquanto se escutavam batidas secas no piso da Igreja! O povo assustado, clamava gritando sem parar: _ “Meu Jesus! Misericórdia! Misericórdia! Misericórdia!” Sô Teodomiro, acordando em meio àquela gritaria, esfregou os olhos sonolento, e então, prestando atenção aos gritos, começou a entender: “MISERICÓRDIA! MISERICÓRDIA! MIJÁ NA CORDA! MIJÁ NA CORDA!...” Então ele abriu os olhos, procurou pelo bodoque e pegando-o, disse:
  • 51. 050 _ “Hum!... MIJÁ NA CORDA?!... MIJÁ NA CORDA DO MEU BODOQUE?!!!! ISSO NUNCA!!! VÃO BORA MUIÉ!!!...” A DENTADURA NOVA Joaquim Martins foi ao Jubileu de Congonhas e voltou de dentadura nova! Daquelas que se compravam no balde, experimentando uma a uma! Como ele era muito falante, com poucos dias todos já sabiam que a dentadura, nova, fazia com que ele pronunciasse as palavras carregadas nos “SSS”!... E aconteceu dele ir a Barbacena levar um vizinho, de nome Maurício, para ser internado no Hospício. Mais tarde, após internar o amigo, foi o Joaquim Martins ao Bar do Levi e Jairo, nossos conterrâneos, gente fina, que fica lá na Colônia Rodrigo Silva, tomar uma cerveja. Jairo providenciou uma mesa, serviu-lhe a cerveja, voltou para o balcão de onde lhe perguntou o que fora fazer em Barbacena. No fundo do bar havia um casal de namorados que estavam discutindo! A moça levantou-se para ir ao banheiro. Joaquim Martins, de olho nela, respondeu ao Jairo: _ “Eu vim na ambulânCIA(SSS), junto com a PolíCIA(SSS), trazendo o MauríCIO(SSS), para ser internado no HospíCIO(SSS)!” Foi então que o namorado que brigava com a namorada aproximou-se do Joaquim dizendo: _ “Olha aqui, ôh meu! Vão parar de fazer ‘PSIU’ pra minha namorada?!...”
  • 52. 051 INÁCIO Manuel da Cachaça, vendo o cartaz que anunciava um Forró nas Cruzes, falou: _ “Forró nas Cruzes! Sou capaz de apostar que o Inácio vai estar lá! Ô caboclo pra gostar de um forró! Aliás, ele gosta mesmo é de forró, mulher e futebol! De certa feita ele estava no Forró da U.S.E, quando um de seus filhos chegou e lhe falou: _ “Ôh, pai. Me empresta “cinco mangos” aí! Segunda- feira eu lhe pago!” Inácio pediu licença à dama, com quem dançava, chamou o filho num canto do Salão, deu-lhe o dinheiro e disse: _ “Tá aqui o dinheiro! Agora vê se não me chama de pai aqui dentro, não! Principalmente se eu estiver junto com alguma dama! Entendeu?!” Horas depois, do lado de fora do Salão, o filho lhe perguntou: _ “Ôh, Inácio! Cê vai demorar muito pra ir pra casa?” E Inácio respondeu: _ “Olha lá cumé que fala!... Olha o respeito!... Eu sou seu pai!...” ...................................................................................................... Mas foi numa partida de futebol que o Inácio fez a maior de sua vida! O Juiz havia marcado um pênalti contra o seu time! Confusão formada! Ninguém concordava com o pênalti! O Juiz pôs a bola na marca, os jogadores o cercaram! Bate! Não bate! Não bate! Bate! Na confusão, alguém gritou: _ “Chuta Inácio!” E ele, “fominha” pra bola,“pimba”! Mandou a bola pro barbante!!!... E saiu corrido de campo!!!
  • 53. 052 A RODA DA CARROÇA VELHA O Ministro da Eucaristia passou rumo ao Hospital para dar comunhão a um enfermo. Manuel da Cachaça saudou-o com o chapéu e entrou para o boteco do Zé Cirilo. Acendeu o cigarro, tragou, riu matreiramente e começou a contar: _ “Vi o Ministro da Eucaristia e me alembrei de um caso. Hê! Hê! Hê! Não vou dizer o nome de quem foi pra não complicar! Hê! Hê! Hê! O povo sabe de cada coisa!... Sô Fulano era um homem sério, religioso ao extremo, conhecedor dos “latinorum” da Igreja tal qual um Padre. Só não foi Ministro da Eucaristia porque naquele tempo não havia este cargo! Cuidava das coisas da Igreja, rezava terços, ladainhas e só não celebrava Missa porque não era permitido. Todo mundo tinha confiança nele. Era, como se dizia, um homem íntegro! Um dia, Sô Fulano começou a sentir umas complicações e resolveu consultar com um doutor lá de Viçosa. No consultório, com muito jeito, explicou que estava sentindo uma “comichãozinha” naquele “negócio” e que estava incomodando muito. O doutor, que já conhecia muito bem Sô Fulano, respeitosamente examinou o “dito-cujo”. Em seguida, sentando-se, rabiscou a receita enquanto falava: _ “Êh, Sô Fulano! O senhor está com uma “baita” blenorragia, isto é, está com gonorreia!” Sô Fulano, surpreso, disse: _ “Eu?! Eu com gonorreia?! Mas como?! O senhor me conhece... Sabe que eu sou um homem íntegro!... Onde já se viu isto?! Como é que pude pegar um negócio deste?! Hein, doutor?!...” O médico respondeu, terminando a receita: _ “Como o senhor pegou eu não quero nem saber, mas que é gonorreia, isto eu tenho certeza!” Então Sô Fulano pôs as mãos à testa, em atitude de quem está pensando e falou:
  • 54. 053 _ “Ãh... Agora tô me alembrando!... Lá atras da Igreja tem uma roda de carroça velha, na qual o povo tem o costume de mijar... Outro dia eu mijei nela... Só pode ser lá que eu peguei esta doença... É a única explicação... Só pode ser... Bem, e a receita? Que que o senhor vai me receitar?” O médico passou-lhe a receita. Ele leu e perguntou: _ “Tá aqui o nome do remédio... certo... mas o senhor pôs aqui pra ir ao oculista? Pra que oculista?!” O médico respondeu: _ “Ora, é muito simples! É para o senhor não ficar confundindo “B...” de mulher com “RODA DE CARROÇA VELHA”!!!...” NO ELEVADOR Meu amigo Vivaldino, quando foi pela primeira vez a Belo Horizonte, resolver uns problemas na FETAEMG, ao usar o elevador, chegando ao andar pretendido, perguntou ao ascensorista: _ “Sô moço, quanto é a corrida?” O ascensorista riu dizendo que não era nada e antes que a porta fechasse para o elevador descer, Vivaldino ainda falou: _ “Cê não querer receber, tudo bem! Mas quanto ocê cobra pra me levá na rodoviária?!...”
  • 55. 054 “NOSCO” Sô Amantino Diogo estava trabalhando como pedreiro na construção da Igreja lá de Cruzes. Por lá ficava a semana toda, somente retornando à cidade aos sábados. Num certo sábado, estava ele e Tererê – seu ajudante – passando em frente à casa de Sô Zé Soares, lá no Xopotó, quando resolveu parar pra matar a sede. Sô Zé Soares, vendo-os, foi logo gritando: _ “Ôh, gente! Cês chegaram na hora certa! Vem tomar um café conosco!” Sô Amantino agradeceu, alegando pressa e dizendo que só queria mesmo era matar a sede. Sô Zé Soares serviu-lhes a água e ainda insistiu: _ “Ôh, gente! Tá na hora, não faz cerimônia! Vem tomar um café conosco!” Apesar da insistência, Sô Amantino agradeceu e se despediu seguindo estrada afora, acompanhado por Tererê. Ao se afastar da casa, Tererê falou: _ “Ôh, Amantino! D’ocê num querê o café, tudo bem! Mas eu tava doido é pra comê um pedaço do tal de “NOSCO”!...” O AGOURENTO (Dedicado ao amigo Ivã Moura que me contou este caso) Geraldo Coruja tinha fama de agourento! Se alguém estivesse doente, de cama, após a visita do Geraldo, piorava ou então, morria!... Toda vez que ele visitava um doente, ao sair da casa, ele punha a mão em concha à boca e dizia em voz baixa: _ “Coitado! Num vai longe! Amanhã, quando os pássaros cantarolarem, oh! Já voôu!...” Certa vez ele foi visitar um amigo doente. Este, tão logo tomou conhecimento de que o Geraldo Coruja estava na sala,
  • 56. 055 mandou a mulher escorá-lo com um travesseiro e passar-lhe pó de arroz no rosto para ficar mais corado! _ “Manda entrar o agourento! Desta vez ele vai se dar mal!” Disse o doente, firmemente apoiado no travesseiro! Geraldo Coruja entrou, cumprimentou o amigo e ali ficou batendo papo. Quando saiu da casa e chegou ao bar, as pessoas, curiosas, foram logo saber: _ “E então?! Como está o doente?! Dizem que ele tá corado!...” Geraldo Coruja, pondo a mão em concha à boca, respondeu com aquela fala macia: _ “Se tirá o pó de arroz, tá sem cor! Mas se tirá o trabisseiro, oh! Ele pimba!... Coitado! Num vai longe! Amanhã, quando os pássaros cantarolarem, oh! Já voou!...” O BICHO QUE JÁ COMEU TERRA Meu amigo Valdivino de Oliveira foi quem me contou esta, tomando uma pinga empalhada, lá na Loja SOVIPEL, de Sô Idu. Foi na primeira viagem que ele fez a Congonhas, em época de jubileu, lá pelos idos de 1950... Lá chegando, nosso amigo Valdivino, visitou como bom romeiro, em primeiro lugar, o Senhor do Bonfim. Simples como o povo do Calambau Velho, pôs-se a andar pelas ruas da cidade, e num beco estreito, viu uma multidão se aglomerando numa porta. Aproximou-se curioso quando um sujeito anunciou: _ “Venham, Senhores e senhoras! Venham ver o bicho que já comeu terra mas agora não come mais! É só Cr$ 1,00 (um cruzeiro), entrem pra ver!” Valdivino curioso, meteu a mão no bolso, pagou e entrou puxando a fila. Andou por um corredor escuro e lá na frente, numa sala, um homem mostrava o tal “bicho”, que estava coberto com um lençol, pra quem chegava:
  • 57. 056 _ “Vejam meus Senhores e minhas Senhoras! Aí está o bicho que já comeu terra e agora não come mais!” Puxou o lençol que cobria o “bicho” e lá estava ele: UM VELHO ARADO, QUEBRADO E DESMONTADO!... O RESGUARDO Zé Jorge era muito safado. Bebedor inveterado, na casa dos sessenta anos, não se cansava de falar sobre suas “qualidades” de machão. A mulher, Sá Ana, na casa dos cinquenta e tantos não dava orência aos casos do marido. Certo dia, na rodada de pinga num boteco, Zé Jorge, eufórico, convidou uns amigos pra comer uma galinhada em sua casa. Os amigos duvidaram, e o Ladico até argumentou que na casa do amigo não havia galinheiro! Zé Jorge, estufando o peito, falou: _ “Posso não ter galinheiro, Ladico! Mas no sábado, às nove da noite, nós vamos comer uma galinhada lá em casa! Conto com a presença d’ocês tudo!” No outro dia, sexta-feira, Zé Jorge levantou pensando onde arranjar as “penosas” para o sábado. Depois de matutar bastante, teve a ideia! Foi correndo à casa de Sá Vitalina, lá no Maquixe, que além de ser comadre, tinha um galinheiro “recheado” de “penosas”! Lá chegando, de tardinha, foi logo falando pra comadre Sá Vitalina: _ “Êh, comadre! Tô aperreado hoje, mas tô feliz! Lá em casa chegou mais um infante, um mininão, só vendo!” Sá Vitalina, não entendendo direito, perguntou: _ “Chegou mais um “o quê”, compadre Zé Jorge?” _ “Um infante! Mais um minino, comadre! Mais um filho!” Sá Vitalina, pondo as mãos à cabeça, falou incrédula: _ “Mas é impossível, compadre! Como é que a comadre Sá Ana, naquela idade... Não é possível!...”
  • 58. 057 _ “Mas é a verdade comadre! Não sei como! Tava escondido debaixo da saia dela!... A comadre sabe!... Aquelas saias compridas... Até eu num sabia até onte!... Mas, óia, comadre. Tô com pressa e vim pra avisá e pedi pra comadre duas galinhas, “muncado” de farinha de milho e dois litros de pinga!... Eu preciso comemorá e cuidar do resguardo da Ana com a sopa de galinha!...” _ “Tá certo compadre! Vai lá no galinheiro, pega logo treis galinhas enquanto eu ajeito a farinha e a pinga, que vai no garrafão mesmo, só que é pro compadre devolvê o casco depois!...” Mais tarde, ao chegar em casa, Ana, vendo aquela fartura, perguntou: _ “Onde ocê arrumou tudo isso, home? Olha só o que ocê aprontou dessa vez! Num é trem roubado não, Izé?!...” _ “Que isso muié! As galinhas eu comprei no Sô Zé Vicente, lá do fim da rua, a farinha e a pinga eu comprei com o “cobre” que eu ganhei descarregando o caminhão de Sô Benigue!...” Dia seguinte, sábado, a galinhada foi das boas!... No domingo, Sá Vitalina topou com a comadre Sá Ana, na Missa das onze e foi logo falando: _ “Comadre Sá Ana, cê num tá doida não?! Cadê o resguardo, muié?! Nessa idade!... Cê tá é doida!...” Sá Ana, sem entender, falou: _ “Resguardo?!... Que isso comadre?!... Ficou doida é ocê?!... Eu cá sou muié de ainda pari filho?! Além do mais o que Izé fala sobre seus “dotes” de machão, é pura “rastação-de- papo”!... Eu ter filho?!... Nessa idade?!...” _ “Mas compadre Zé Jorge teve lá em casa e falou que ocê tinha ganhado mais um infante...” E Sá Ana foi logo completando a fala da amiga: _ “... E te pediu galinha e farinha pro resguardo... E pinga pra comemorá... Ele é muito safado!... Ele vai me pagá!... Ora, se vai!...”
  • 59. 058 O CARNAVAL Era Carnaval. A rapaziada entrou no boteco do Zé Cirilo fazendo o maior barulho, fantasiados. Depois que eles saíram, Manuel da Cachaça, rindo matreiramente, falou: _ “Tô me “alembrando” do tempo antigo, quando carnaval era coisa proibida pelo Padre aqui em Calambau. Hê! Hê! Hê! Mas tinham uns corajosos! Gente igual a Zico de Gusta e Teco Paula! Eles não eram brincadeira! Era chegar o Carnaval, os dois vestiam aquela roupa de saco de Mauá, que já estava até parando em pé, que nem aquela fantasia de baralho que o Irmão Diogo vestia todos os anos, pra desfilar no Carnaval, cês tão lembrados? Pois bem, o Padre faltava só excomungar os dois e eles nem ligavam! Cachaça na cuca, violão e pandeiro, roupa de saco e o povoado inteiro, principalmente por parte das beatas, reprovando sem parar! Então o Padre, vendo que não adiantava nada, foi à Piranga e denunciou os dois com o Delegado, um tal de Zé de Té! Ao receberem a intimação, os dois, não se amedrontaram! Por ser o último dia de Carnaval, prepararam uma “seresta” pro Padre! De noite, bem tarde, com a cidade sem luz, foram pra frente da Casa Paroquial. Zico de Gusta no violão e Teco Paula no pandeiro: _ “A denúncia tá formada pelo tal Padre José, Agora é tomá cuidado Com o tal de Zé de Té!” A janela da Casa Paroquial se abriu! A lanterna de seis pilhas varreu a escuridão da rua, fazendo com que os dois saíssem em correria, procurando esconderijo!...”
  • 60. 059 COMPADRE “CRISTO” E COMPADRE “CENTURIÃO” (Dedicado ao amigo Chiquinho Fernandes) Os dois compadres, todos os anos participavam, como atores, das encenações da Semana Santa. Naquele ano os dois estavam “meio brigados” e um deles foi interpretar o papel de Cristo, enquanto o outro foi ser o Centurião romano. Na praça principal havia um lote vago, morrado, no alto do qual sempre se encenava o Calvário. O cortejo seguia subindo o morro. “Compadre Cristo” na frente carregando a cruz e o “Compadre Centurião”, ao seu lado, surrando-o com um chicote de barbante! Então o “Compadre Cristo” falou: _ “Compadre, cê tá batendo com força, “diminói” a força!...” O “Compadre Centurião” retrucou dando mais uma chicotada: _ “Jesus sofreu muito mais e ocê moleza, num tá aguentando umas “lambadinhas” de nada? Toma mais uma pra aprender!” “Compadre Cristo” tornou a falar: _ “Compadre, eu não tô brincando... Se ocê me bater mais uma vez com força, eu largo a cruz e lhe dou uma surra!...” O “Compadre Centurião” riu e disse: _ “Cristo não reagiu aos ferimentos recebidos, e o compadre agora é como o Cristo, não pode reagir! Toma mais uma, seu safado!...” Foi bater e o “Compadre Cristo” parar! Jogou a cruz ao chão, agarrou o “Compadre Centurião” pelo pescoço, deu-lhe um murro no queixo, tomou-lhe o chicote, botando-o a correr morro abaixo, gritando: _ “Seu “fedaputa”! Centurião de merda! Vai bater na sua mãe!...” O povo, surpreso, aplaudia, enquanto alguns mais exaltados gritavam:
  • 61. 060 _ “Muito bem, Jesus! Mete o couro neste safado!!!...” O DOCE DE LARANJA O cheiro agradável do doce de goiaba que se fazia em alguma casa vizinha ao Boteco de Zé Cirilo impregnava o ar, fazendo a gente pensar em queijo mineiro bem maduro ou verdinho. Manuel da Cachaça, respirando fundo falou: _ “Êta cheirinho bão Sô! Isto me alembra o doce de laranja na calda com côco, que Sá Marculina fazia! Hê, Hê, Hê! Todo mundo vivia elogiando o doce dela! Mas foi eu e minha Dora que descobrimo a receita! Foi muito engraçado! Hê, Hê, Hê!” Manuel sorveu a pinguinha, raspou a garganta com aquele “rãm-rãm” característico, retirou o canivete e a palha e enquanto preparava o cigarro, começou a contar: _ “Um dia, eu e minha finada Dora, que Deus a tenha, viemos até a Rua pra assistir a Santa Missa. Na volta, quando a gente passava em frente à casa de Sá Marculina, ela, chegando na janela, gritou pra gente: _ “Oi! Passando de “vento-batido”? Faz favor de voltar! Uai! Onde já se viu isto?!” Paramos e enquanto nos caminhava para a porta da casa, Dora foi se desculpando, dizendo que a gente tava com pressa, pois os meninos tinham ficado sozinhos em casa. Mas não adiantou! Tivemos que entrar e acabamos demorando mais do que devia! Na horinha de sair, Sá Marculina falou: _ “Cês num vai sair sem comer do doce de laranja com côco! Tá um manjar de rico nenhum botá defeito! Cês vão prová e vão gostá! Vem cá pra cozinha! Já, já, eu sirvo ocês!” Fomos até a cozinha e sobre o fogão havia um taxo enorme, cheio de doce de laranja na calda. Sá Marculina nos serviu e depois de obrigar a gente a servir umas duas vezes, foi que Dora, já lavando os pratos, pediu a receita.