O artigo discute como a desaceleração econômica da China pode afetar o crescimento brasileiro. Apesar de alguns receios sobre os efeitos desfavoráveis, a entrada de produtos chineses nos mercados globais já empurrou para cima os preços da energia e da comida. Além disso, as políticas de estímulo dos bancos centrais indicam que os preços devem continuar altos. Para o Brasil, é importante aumentar a produtividade para sustentar o crescimento baseado no mercado interno.
1. Product: OGlobo PubDate: 12-03-2012 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_G User: Schinaid Time: 03-11-2012 20:33 Color: K
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Segunda-feira, 12 de março de 2012 OPINIÃO • 7
O GLOBO
Salários: PAULO GUEDES
interferência
indevida A China e nós
A
percepção é a mesma nos dois la- primários e pelas altas de preços agríco- também que devem continuar em alta os
JOSÉ PASTORE dos do Atlântico. Os países avan- las na esteira do avanço chinês? níveis absolutos dos preços da comida e
N
çados se excederam, e agora o É simples descartar os piores receios dos produtos primários, e não apenas
o Brasil, nem o passado é
previsível. Essa frase, tan- conserto vai levar alguns anos. quanto aos efeitos desfavoráveis da de- seus preços em relação aos salários. A
tas vezes repetidas, seria Os países emergentes são as novas fron- saceleração econômica chinesa. Foi a atuação particularmente pirotécnica do
apenas engraçada se não teiras de crescimento da economia
fosse verdadeira. Isso é o que se vê
entrada dos eurasianos nos mercados Federal Reserve, o banco central ameri-
no projeto de lei 6.393/2009 que o
mundial. Assim, permanece enorme o globais que empurrou para cima os pre- cano, ao desvalorizar continuamente
Congresso Nacional está examinan- interesse pelo Brasil, como pude cons- ços relativos da energia e da comida. A sua moeda, contribui para a aceleração
do. Se transformado em lei, as em- tatar em rápido giro pelo exterior neste taxa de crescimento dos chineses afeta da alta de preços expressos em dólar.
presas serão multadas retroativa- início de 2012.
mente toda vez que uma mulher ga- apenas o ritmo dessa entrada, calibran- Ainda que caíssem esses preços com a
nhar menos do que um homem. A Uma pergunta que me fora feita com in- do sua migração interna de uma econo- desaceleração chinesa, subiria nosso
multa será de cinco vezes a diferen- sistência em Londres, Zurique e Genebra mia de subsistência rumo aos grandes câmbio flexível, aumentando as exporta-
ça verificada em todo o período de foi também a mais frequente em Nova centros urbanos. Mesmo que se abran- ções e reduzindo as importações de mó-
contratação. York, Boston, Chicago, São Francisco e
O efeito retroativo é apenas um de o ritmo de aumento das compras, a veis, calçados, têxteis, automóveis,
dos absurdos que habitam aquele Los Angeles: “A desaceleração econômi- demanda por comida continuará em al- agroindústria — e freando a desindustri-
projeto de lei. Outro é o direciona- ca da China pode derrubar a dinâmica do ta. Por uma aplicação da Lei de Walras, alização em curso.
mento da multa à empregada preju- crescimento brasileiro?” Ou seja, em que
dicada. Eu sempre soube que as
as condições de equilíbrio geral nesta Foi mais fácil desmontar a sinodepen-
multas são sempre recolhidas aos
medida a economia brasileira tem uma economia globalizada indicam preços dência do que falar das reformas de mo-
cofres do governo. dinâmica própria de crescimento, com de energia e de alimentação subindo em dernização, que, assegurando aumentos
Por aí se vê as confusões que uma base em seu mercado interno de consu- relação aos salários por muitos anos. de produtividade, sustentariam a dinâ-
lei mal feita pode acarretar. Ade- mo de massas? Ou teria sido apenas “re-
mais, quem vai determinar a aludi- Ademais, as políticas de reflação dos mica de crescimento baseada no merca-
da diferença de salários e o valor da bocada” pelas exportações de produtos bancos centrais avançados indicam do interno.
multa? Serão os auditores do traba-
lho ou os juízes? Com base em quê?
Concessões de qualidade
É mais um complicador.
E os homens? O que dirão dessa
medida? O que podem eles fazer se
o seu salário for mais baixo do que
o de uma mulher? Essa lei dá ampa-
Alvim
ro para uma reclamatória trabalhis- RAUL VELLOSO dos outros países quando parece dizer:
ta por parte dos homens ou vale compre esse produto a um preço mais
D
apenas para as mulheres? Será que iante da desaceleração do cres- baixo do que os demais estão oferecen-
isso é democrático? É justiça soci- cimento do PIB que acaba de do. Quem não quer isso? Para produzi-
al? ser anunciada, o governo pare- los, ela financia o investimento necessá-
Entrando no mérito, o autor do ce ter finalmente entendido rio com poupança exclusivamente sua.
projeto de lei, deputado Marçal Fi- que, sem atacar as carências e gargalos Ou seja, quem tem poupança, vai longe.
lho (PMDB/MS), passou por cima da infraestrutura de transportes fora do Os chineses dizem que o Brasil chora à
de princípios sagrados da adminis- seu minguado orçamento, será impossí- toa, pois tem um setor de commodities
tração dos recursos humanos — vel a economia brasileira crescer a taxas que vende cada vez mais lá fora a preços
que são o reconhecimento e a valo- mais elevadas. Só que, aqui, a chave é fa- também mais altos, das quais ela é a
rização do mérito dos funcionários. zer concessões de boa qualidade. Por is- maior compradora. Em economia, uns
Isso é fundamental para estimular so, é preocupante que, na rodada que perdem e outros ganham. É sempre as-
os empregados e para gratificá-los acaba de ser concluída, as escolhas te- sim. O difícil é fazer os que ganham com-
à altura. nham sido tão criticadas na mídia. Sem pensarem os que perdem. Paralelamen-
No projeto de lei há não apenas o concessões eficientes, não se aumenta a te, sendo senhores do poder de emitir
desprezo, mas um combate frontal produtividade da economia, especial- suas moedas, americanos e europeus
ao mérito. Levado às ultimas conse- mente da indústria. não hesitarão em despejar liquidez no
quências, isso faria as empresas pa- O governo quer que a economia cres- mundo para suavizar a difícil transição
garem todos os seus funcionários ça a 5 ou 5,5% ao ano. O próprio Banco dos respectivos países para a normali-
pelo piso salarial da categoria. Sim, Central parece ter mudado sua função- dade. Até porque eles podem alegar que
porque nenhuma delas iria correr o objetivo que, agora, conteria outros ob- o Brasil perderia muito com o acirra-
risco de ser pesadamente punida jetivos além das metas de inflação. O fa- mento da crise europeia.
por praticar salários diferenciados to é que há uma onda pró-maior-cresci- Como os novos investimentos em
entre empregados que apresentam mento-econômico no país, e essa pare- concessões são expressivos e uma reali-
desempenhos diferentes. ce se situar entre as maiores preocupa- “invasão” de produtos mais baratos chi- de direcionar suas baterias para cá, dade, a inevitável pressão de entrada de
Será que uma lei desse tipo vai ções da presidente da República. neses e do “tsunami cambial”, expres- quando a opção lá fora é uma taxa de poupança externa para financiá-los im-
mesmo proteger as mulheres ou vai Cabe, contudo, entender que, sem au- são cunhada para a forte entrada de ca- rendimento aproximadamente igual a plicará encolhimento dos demais seto-
promover o nivelamento por baixo mentar a produtividade — que, na mé- pitais no Brasil nos últimos tempos, di- zero? E tome, em consequência, maior res, especialmente da indústria de
da remuneração de homens e mu- dia dos setores vem estagnada há muito ante da crise mundial. Poucos sabem, custo de “carregamento das reservas” transformação, que é o primo pobre
lheres? tempo —, o Brasil só cresce mais se in- mas a poupança externa só ingressa efe- — ou seja, o custo de financiar sua com- nessa briga. Sem se mexer na poupança
Diferenciar salários não é discri- vestir mais em relação ao PIB, ou seja, tivamente no país se houver um déficit pra —, que pressiona a dívida pública e pública, só virá alívio se as concessões
minar. Os salários são diferencia- aumentar, frente ao PIB, uma (ou mais) externo — a outra face da mesma moe- faz o governo arrecadar mais e mais, tiverem boa qualidade e, assim, aumen-
dos segundo um conjunto muito das três fontes de poupança: a pública, a da — de idêntico valor. E isso implica sob pena de perder o controle. Ao final, tarem a produtividade dos usuários, es-
grande de atributos individuais dos privada interna e a externa. maiores importações líquidas de produ- é o contribuinte que, sem saber direito, pecialmente a indústria. Além disso, a
empregados como é o caso, por A poupança privada interna é difícil tos industrializados. encara a conta absurda. indústria deveria brigar junto ao gover-
exemplo: de aumentar a curto prazo. O país gosta Enquanto isso, embora consiga ape- Isso a indústria precisa entender. En- no não só pelo aumento da poupança
(a) da experiência que o funcioná- de consumir e o governo incentiva isso nas apenas suavizar o processo de apre- quanto o governo luta para conter o pública, como pela busca de maior pro-
rio acumulou na profissão, no car- por vários canais. Na pública, o governo ciação cambial, o Banco Central adquire “tsunami” com um dique frágil, a conta dutividade via reformas microeconômi-
go e na empresa; não quer nem ouvir falar em tocar... Isso toneladas de dólares financiando-as co- existe e vai para o contribuinte. Uma ho- cas, onde se destacam as que flexibili-
(b) do conhecimento da sua pro- seria abandonar o velho modelo de locando títulos que pagam a ainda estra- ra essa conta fica inviável, e, convenha- zam o mercado de trabalho, reduzem a
fissão e das demais profissões com crescimento dos gastos correntes, que tosférica — em termos mundiais — taxa mos, não há o que o Brasil possa fazer burocracia, simplificam o sistema tribu-
as quais se relaciona; tem propiciado a viabilização de objeti- de juros Selic, mesmo após ser ajustada para impedir a invasão chinesa, nem a tário e o que não mais. É só retomar o es-
(c) do seu desempenho pessoal e vos de alto valor político-eleitoral. E con- para 9,75% a.a. Com taxas por aqui nes- inundação de moeda estrangeira, a não forço de reforma concebido e iniciado
da sua produtividade; tra o aumento da poupança externa ses níveis, como evitar que os gestores ser as declarações de praxe. pela dupla Palocci/Marcos Lisboa.
(d) de assiduidade, pontualidade, existe o lobby pesado da indústria de financeiros no exterior, inundados de li- A China vem implementando um mo-
zelo, relacionamento com colegas, transformação, que quer se defender da quidez à busca de rendimento, deixem delo econômico em que ela só depende RAUL VELLOSO é economista.
fregueses e clientes;
(e) de sua formação geral, cursos
A vez do investimento
feitos, domínio de língua, habilida-
des especiais;
(f) da sua capacidade de liderar
pessoas e bem se entrosar com as
equipes de trabalho; ALBANO FRANCO fato, a subida do Brasil para o 6, lugar volvimento sustentável exibindo altas todas as condições de pontificar na li-
(g) de curiosidade, exposição a não se deveu apenas a méritos próprios, taxas de crescimento. Em curto prazo, nha de frente das quatro maiores eco-
A
leituras, vontade de estudar conti- recente ultrapassagem do PIB in- a partir de taxas de crescimento eleva- urge redirecionar o modelo de cresci- nomias do mundo. Para tanto, seria
nuamente e inúmeros outros fato- glês guindou a economia brasilei- das, como a China, que em duas déca- mento, baseado na expansão do consu- imprescindível elevar a taxa de inves-
res. ra para o 6, lugar no ranking mun- das se transformou na segunda econo- mo, que já dá nítidos sinais de esgota- timento, atualmente na pálida percen-
A lista é infindável. E a lei atual diz dial, fato que repercutiu interna- mia do globo, mas, no baixo crescimen- mento em face do elevado endividamen- tagem de 20% do PIB.
que os salários devem ser iguais pa- cionalmente. Sem dúvida, uma conquis- to da ultrapassada Inglaterra, pois, en- to das famílias, cuja inadimplência de Nesse sentido, alguns sinais positivos
ra trabalhos de igual valor. ta importante, digna de comemoração. quanto a economia brasileira, no perío- 2010 a 2011 aumentou 21,5%; e, também, foram dados pela presidente e também
Com todo respeito, nobre deputa- Convém relembrar, que nos anos do do 2007-2011, cresceu 23%, o PIB inglês pela rigidez da oferta de uma economia economista Dilma Rousseff ao decidir
do. Vejo no seu projeto de lei uma “milagre”, chegamos a alcançar a 8+ po- cresceu apenas 5%. bem próxima do pleno emprego e com cortar gastos, especialmente de custeio,
tentativa de acabar com o sistema sição, um feito também significativo pa- O desafio agora é manter esta posição inflação em alta, tendo, em 2011, atingi- no montante de R$ 55 bilhões este ano e
de mérito. Isso é muito perigoso. O ra uma época de grandes avanços na e mesmo ultrapassar a França e a Ale- do 6,5%, o topo da meta estabelecida pe- destinar mais recursos para obras de in-
comunismo ruiu por vários moti- economia mundial, subitamente freada manha nos próximos anos. Para tanto, lo Banco Central. fraestrutura e também prosseguir com
vos, mas o combate ao mérito foi pelos dois choques do petróleo e pela potencial de crescimento da produção e Essas informações indicam que para a política de redução da taxa básica de
um dos principais. Quando se com- crise da dívida externa com a forte ele- mercado interno não nos faltam. Faltam- crescer 5% ao ano, sem pressões inflaci- juros, desonerar a importação de má-
bate o mérito, aniquila-se a criativi- vação dos juros. Despencamos, então, nos infraestrutura e reformas microeco- onárias, o Brasil vai ter que elevar as im- quinas e equipamentos e retomar as pri-
dade, o esforço próprio, o progres- para a 12+ ou 13+ posição. nômicas necessárias ao aumento da portações de bens de consumo, o que vatizações com a realização dos leilões
so individual e o crescimento de Hoje, o mundo desenvolvido, especi- poupança interna, da produtividade e, irá intensificar ainda mais o processo de dos aeroportos de Brasília-DF, Guaru-
uma sociedade livre. Tenho certeza almente a Europa (Zona do Euro), atra- consequentemente, da competitividade desindustrialização e aumentar o déficit lhos-SP e Viracopos-SP. Que outras me-
que não foi essa a intenção de Vos- vessa forte crise de endividamento de da economia brasileira; e, naturalmente, da balança comercial. Seria uma forma didas como estas venham a ser adota-
sa Excelência: mas, ao tentar prote- governos, bancos e famílias, que não se uma educação de qualidade. As nossas insensata de crescimento e sem nenhu- das como a total desoneração dos in-
ger as mulheres, o seu projeto des- resolverá apenas com o aumento da li- carências são de geração e distribuição ma sustentabilidade. Por outro lado, se- vestimentos. E, finalmente, com as mu-
protege a todos e a própria demo- quidez a exemplo do que ocorreu com a de energia, rodovias, saneamento bási- ria uma imprudência crescer com afrou- danças ministeriais e a casa arrumada, a
cracia. Essa proposta é descabida e crise da co, portos e aeroportos. Somem-se a is- xamento fiscal e monetário, já que o re- presidente Dilma poderia avançar, reto-
inoportuna. subprime, em 2008, nos Estados Uni- to as relações de trabalho ultrapassa- sultado seria mais inflação. mando as reformas microeconômicas,
dos. Esta levará tempo, pois, como afir- das, sistemas previdenciários deficitári- Resta, pois, priorizar o investimen- tão necessárias à modernização da eco-
JOSÉ PASTORE é professor da FEA-USP, mou a chairman do FMI, Christine Lagar- os, carga tributária exorbitante, setor to, na perspectiva de a economia bra- nomia brasileira.
presidente do Conselho de Emprego e de, “não há uma só economia no mundo público ineficiente; além de outras co- sileira crescer com maior robustez, de
Relações do Trabalho da Fecomercio/SP. que esteja imune à crise, que inclusive nhecidas deficiências no campo políti- maneira prolongada e sustentável nos ALBANO FRANCO FOi deputado federal,
está se intensificando”. Parece não ha- co-institucional. anos vindouros. Sem dívida externa a senador, governador de Sergipe e
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