A partir das últimas décadas do século XX, e com maior intensidade a partir dos anos de 1990, são notórias no cenário dos debates em torno do trabalho docente novas tendências epistemológicas à base da formação do educador, propondo mudanças em direção ao delineamento de um novo paradigma pedagógico de formação. Contudo, esse movimento não vem se dando de forma homogênea. Os múltiplos olhares sobre os contextos da modernidade vêm constituindo um mosaico multifacetado de concepções, disputas e tensões.
O TRABALHO DOCENTE DE ASSISTENTES SOCIAIS E ENGENHEIROS NO ENSINO SUPERIOR
1. Problemas sobre os professores principiantes em seus processos de inserção
profissional
INFORME DE INVESTIGAÇÃO
O TRABALHO DOCENTE DE ASSISTENTES SOCIAIS E ENGENHEIROS NO
ENSINO SUPERIOR
PORTES, Lorena Ferreira
lorenafportes@gmail.com
Universidade Estadual de Londrina- UEL
CARNEIRO, Isabel Magda Said Pierre
isabelmsaid@yahoo.com.br
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Palavras-chave: Trabalho Docente- Formação Pedagógica- Saberes Docentes
Introdução
A partir das últimas décadas do século XX, e com maior intensidade a partir dos anos de
1990, são notórias no cenário dos debates em torno do trabalho docente novas
tendências epistemológicas à base da formação do educador, propondo mudanças em
direção ao delineamento de um novo paradigma pedagógico de formação. Contudo, esse
movimento não vem se dando de forma homogênea. Os múltiplos olhares sobre os
contextos da modernidade vêm constituindo um mosaico multifacetado de concepções,
disputas e tensões.
Neste cenário, indagações são formuladas acerca da formação dos educadores com
formação de ‘bacharelado’ que atuam na docência universitária. Não se questiona tanto o
domínio do conhecimento de suas áreas disciplinares específicas, como, principalmente,
a pedagogia que fundamenta o seu trabalho como docentes. Durante décadas vem se
discutindo a formação de professores no âmbito dos cursos de Ensino Superior, os
saberes necessários à sua prática, o papel dos mesmos na sociedade, a configuração
dos bacharelados, tecnológicos, licenciaturas, os pólos a serem privilegiados nos cursos
(PIMENTA, 1997; SAVIANI, 1996; SCHON, 2000), porém, a preocupação com a
formação para a docência dos formadores universitários das diversas categorias de
profissionais que atuam na sociedade não tem ocupado os debates com a mesma
intensidade. Prioriza-se a formação para a pesquisa e predomina a dissociação entre
teoria e prática e a fragmentação entre pesquisa e ensino. A prática do professor
universitário é valorizada em relação ao domínio dos conteúdos específicos e à produção
científica.
Permeado por essas reflexões e preocupações, o artigo tem por finalidade apresentar os
dados parciais de uma pesquisa realizada em março de 2013 com assistentes sociais
docentes no curso de Serviço Social de uma instituição privada no município de Curitiba
e com professores engenheiros que lecionam nos cursos de Ensino Superior do Instituto
Federal do Ceará, sendo um da área da Telemática, outro da Indústria e um da área de
2. Química e Meio Ambiente. A pesquisa desencadeou-se como fruto das discussões
realizadas no I Simpósio Internacional sobre Desenvolvimento Profissional Docente
realizado no início de 2013, na capital paranaense, quando foi criado um grupo
denominado EFOCES - Estudos sobre Formação Continuada no Ensino Superior, que
teve como tarefa inicial desenvolver uma pesquisa com professores do ensino superior
para investigar como a formação docente está sendo pensada e trilhada.
Uma aproximação conceitual: O TRABALHO DOCENTE
O estudo sobre o trabalho docente no ensino superior requer, primeiramente, uma
compreensão sobre o que o caracteriza, quais suas particularidades. Fundamentalmente,
o ensino é visto como uma ocupação secundária ou periférica em relação ao trabalho
material e produtivo. Como aponta Bourdieu e Passeron (1970), os agentes escolares
têm sido vistos como trabalhadores improdutivos, seja como agentes de reprodução da
força de trabalho necessária à manutenção e ao desenvolvimento do capitalismo seja
como agentes de reprodução sociocultural. Contudo, esta visão do trabalho não
corresponde à realidade socioeconômica das sociedades modernas. Para se contrapor a
tal argumento, Tardif e Lessard (2012) defendem que longe de ser uma ocupação
secundária em relação à hegemonia do trabalho material, o trabalho docente constitui
uma das chaves para a compreensão das transformações atuais das sociedades do
trabalho. A primeira constatação é de que o trabalhador produtor de bens materiais está
em queda em todas as sociedades modernas avançadas. A segunda é de que na
sociedade dos serviços, grupos de profissionais, cientistas e técnicos ocupam
progressivamente posições importantes e até dominantes em relação aos produtores de
bens materiais, considerando a sociedade da informação ou do conhecimento. A terceira
constatação é de que essas novas atividades trabalhistas estão relacionadas
historicamente às profissões e aos profissionais que são representantes típicos dos
novos grupos de especialistas na gestão dos problemas econômicos e sociais com
auxílio de conhecimentos fornecidos pelas ciências naturais e sociais. A quarta expõe
que é essencial observar o crescente status de que gozam, na organização
socioeconômica, nas sociedades modernas avançadas, os ofícios e profissões que têm
seres humanos como objeto de trabalho. Como afirmam os autores “o importante aqui é
compreender que as pessoas não são um meio ou uma finalidade de trabalho, mas a
matéria-prima do processo do trabalho interativo e o desafio primeiro das atividades dos
trabalhadores” (p.20).
Nessa perspectiva, o trabalho docente, que é um trabalho interativo, é uma das
profissões mais antigas, tão antiga quanto a medicina e o direito. O número de
profissionais que atuam na docência é extremamente significativo e, apesar de suas
contribuições, o estudo da docência entendida como um trabalho continua negligenciado.
Todo trabalho sobre e com seres humanos faz retornar sobre si a humanidade de seu
objeto, não podendo se reduzir à sua transformação objetiva, técnica, instrumental, pois
levanta as questões complexas de poder, da afetividade, da ética, que são inerentes à
interação humana, à relação com o outro.
Diferentes autores se debruçam a investigar sobre o trabalho docente, apresentando
concepções diferenciadas, por vezes, antagônica. Para Perreunod (2002) a docência é
uma semiprofissão, como um ofício em vias de profissionalização. Para o autor, todas as
profissões são ofícios//arte ou modo de se fazer algo, mas nem todo ofício é profissão.
Dessa forma, acentua que “para serem profissionais de forma integral, os professores
3. teriam que construir e atualizar as competências necessárias para o exercício profissional
e coletivo da autonomia e da responsabilidade” (p. 12).
Nóvoa (1995) argumenta que a docência exige e pressupõe duas dimensões: possui um
conjunto de conhecimentos e de técnicas necessários ao exercício qualificado da
atividade docente; envolve saberes que não são meramente instrumentais, mas que
integram perspectivas teóricas; outra dimensão diz respeito à adesão de valores éticos e
normas deontológicas que regem não apenas o cotidiano educativo, mas também as
relações no interior e no exterior do corpo docente.
Para Veiga (2012), a docência é o trabalho dos professores que desempenham um
conjunto de funções que ultrapassam a tarefa de ministrar aulas. A docência implica uma
atividade especializada e requer formação profissional para seu exercício:
“conhecimentos específicos para exercê-lo adequadamente ou, no mínimo, a aquisição
das habilidades e dos conhecimentos vinculados à atividade docente para melhorar sua
qualidade” (p. 14)
Assim, é preciso considerar os diferentes saberes que estão implicados e imbricados na
prática docente. Tardif (2012), em seu livro Saberes Docentes e Formação Profissional
apresenta que a prática docente integra diferente saberes, com os quais o corpo docente
mantém diferentes relações. Para o autor, os saberes profissionais dos professores, isto
é, os saberes que estão articulados com os conhecimentos, competências, habilidades,
que eles utilizam efetivamente em seu trabalho diário para desempenhar suas atividades
e atingir seus objetivos. O saber docente é um saber plural, formado por saberes
oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais.
Os saberes da formação profissional se expressam pelo conjunto de saberes transmitidos
pelas instituições de formação de professores. Esses saberes são destinados à formação
científica ou erudita dos professores. Os saberes disciplinares integram a prática docente
através da formação dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pela
universidade. São saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento,
aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se encontram nas
universidades, sob a forma de disciplinas. São transmitidos nos cursos e departamentos
universitários. Emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes.
Os saberes curriculares correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a
partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela
definidos e selecionados. Apresentam-se através de programas escolares que os
professores devem aprender a aplicar. Os saberes experienciais são baseados no
trabalho cotidiano do professor e no conhecimento de seu meio. Eles nascem da
experiência e são por ela validados. Incorporam-se à experiência individual e coletiva sob
a forma de habitus e de habilidades de saber-fazer e de saber-ser. Podem ser chamados
de saberes experienciais ou práticos. (TARDIF, 2012)
Pimenta (2009) ao abordar os saberes da docência, reconhece que para saber ensinar
não bastam a experiência e os conhecimentos específicos, mas se fazem necessários os
saberes pedagógicos ou didáticos. Esses se reinventam a partir da prática social da
educação. Como aponta Gonçalves (2010), os saberes pedagógicos se constituem na
prática de ensino e fundamentam a docência. O saber ensinar representa uma
elaboração pessoal do professor ao confrontar-se com o processo de transformar em
saber de ensino o conteúdo aprendido no percurso de sua profissão, na interação, a
4. partir de uma reflexão crítica coletiva, que possibilita uma nova compreensão do ensinar
e, assim, sucessivamente.
Para elucidar que nem toda prática docente é uma prática pedagógica, Franco (2011),
explicita que ambas se estruturam em uma relação dialética, pautadas pelas mediações
entre totalidade e particularidade. Portanto, práticas pedagógicas são práticas sociais que
se organizam para dar conta de determinadas expectativas educacionais de um grupo
social, defendendo a existência de um coletivo. A prática docente avulsa, sem ligação
com o todo, perde o sentido. Conforme a referida autora: A prática pedagógica realiza-se
por meio de sua ação científica sobre a práxis educativa, visando compreendê-la,
explicitá-la a seus protagonistas, transformá-la mediante um processo de conscientização
de seus participantes, dar-lhe suporte teórico, teorizar com os atores, encontrar na ação
realizada o conteúdo não expresso das práticas” (p. 169).
Outro elemento destacado pelos estudiosos da temática é que a prática docente é, como
aponta Franco (2011, p. 165) “o exercício de convicções que foram tecidas histórica e
coletivamente”. Respaldando-se em Sacristán (1999), a autora enfatiza que as práticas
profissionais ao mesmo tempo em que dependem de decisões individuais organizam-se
também a partir de normas coletivas adotadas por outros professores e pelas regulações
burocráticas e administrativas da organização escolar. Nesse sentido, pensar a prática
docente pressupõe compreendê-la nas suas múltiplas dimensões, “considerada como
uma prática social historicamente construída, condicionada pela multiplicidade de
circunstâncias que afetam o docente, realiza-se como práxis, num processo dialético que,
a cada momento, sintetiza as contradições da realidade social em que se insere”
(FRANCO, 2011, p. 167)
Metodologia
A pesquisa que subsidia a nossa reflexão se insere numa abordagem qualitativa de
investigação, a partir de um estudo de caso realizado no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia (IFCE), Campus Maracanaú-CE e em uma faculdade privada em
Curitiba- Pr. As informações apresentadas e analisadas aqui foram extraídas a partir de
questionário aplicado com 03 (três) professores engenheiros que atuam nos cursos de
Ensino Superior do Instituto Federal do Ceará, sendo um da área da Telemática, outro da
Indústria e um da área de Química e Meio Ambiente e com 07 (sete) professores
assistentes sociais que atuam no curso de Serviço Social na faculdade privada. O
questionário foi constituído de questões voltadas para as motivações, escolhas
profissionais, trabalho pedagógico, formação inicial e continuada e o impacto trabalho
exercido na vida profissional do professor.
Os sujeitos da pesquisa Engenheiros docentes serão identificados como E1, E2 e E3 e
os Assistentes Sociais docentes como AS1, AS2, AS3, AS4, AS5, AS6 e AS7. Na análise
de resultados, as respostas fornecidas pelos docentes serão expostas e interpretadas de
maneira qualitativa, visando alcançar o objetivo de refletir sobre a formação dos
profissionais que atuam no Ensino Superior.
Apresentação e Análise dos Dados
Sobre a profissão de professor, dois entrevistados possuem a mesma visão, ou seja, que
é uma profissão gratificante e interessante, tendo em vista que os alunos reconhecem o
seu trabalho como relevante para a formação e construção do ser humano. Um deles
comenta: “Eu gosto de lecionar. É uma gratificação muito grande quando você chega no
final do semestre e tem aquele reconhecimento dos alunos. As duas turmas que eu
5. lecionei no final do semestre, eu sinto que eles gostaram da disciplina, aprendeu com a
disciplina, reconhece o valor dos docentes” [...] (E1)
Outra visão é destacada pelo entrevistado E2 que considera a profissão docente muito
desvalorizada, já que, para ele, o profissional só é reconhecido quando possui uma
titulação como mestrado ou doutorado e não pela capacidade que tem em ensinar, como
ele afirma: “Eu acho uma profissão muito desvalorizada, porque nós somos valorizados
pelo título, nós não somos valorizados pela capacidade que nós temos de ensinar”. Sobre
a desvalorização da docência, outros entrevistados comentam que “Penso que deveria
ser mais valorizada e incentivada. As condições de trabalho em instituições privadas são
precárias, há pouco investimento em pesquisa e existe, também, uma visão
mercadológica no ensino” (AS1); “.Como não há incentivo e investimento institucional nos
aspectos mencionados por mim, justifico minha insatisfação” (AS4); “A falta de
valorização profissional expressa nas condições precárias de trabalho (professor horista)
é o principal” (AS7). As respostas dos professores nos fazem pensar sobre o significado
da profissão socialmente. Apesar da docência suscitar um conjunto de conhecimentos
específicos, por vezes é considerada como um trabalho secundário que não exige um
processo formativo e que basta gostar de lecionar ou se comunicar. Outro elemento
presente é a desvalorização salarial que acaba por sucatear o trabalho docente,
provocando certo desprestígio social pela profissão. Em alguns discursos, se faz
presente a valorização, mas nas condições objetivas de trabalho, na falta de
investimentos na formação continuada dos educadores pelas instituições de ensino, na
exploração de seu trabalho e na apropriação das suas capacidades pela lógica
produtivista e mercadológica do ensino, a desvalorização se faz presente de forma
aviltante.
Diante dessa compreensão, o professor, na busca de sua profissionalidade e na melhoria
de sua formação, seja inicial ou continuada, deve ter uma visão ampla da sociedade e
das relações de poder para ser capaz de situar sua profissão no contexto social
brasileiro. É importante que o docente perceba que deve lutar pela transformação em
suas condições de trabalho, por melhores salários e avanços na carreira, sem os quais
de nada adianta o discurso da profissionalidade e da pesquisa enquanto forem mantidas
as atuais condições de trabalho.
Compreendendo a complexidade e multidimensionalidade do trabalho docente, os
professores entrevistados elucidam que a docência exige diversas formas de saberes e
experiências adquiridas ao longo de sua história de vida e carreira profissional, o que
aponta um dos entrevistados (E1) quando afirma que a vivência em ministrar aulas
particulares e o apoio que recebe do setor pedagógico da instituição onde trabalha são
suas principais referências para o preparo da docência. Explicita um Assistente Social
Professor que para ser docente no ensino superior é preciso “saber ouvir, pesquisar, ter
um posicionamento crítico frente à educação e à realidade social, buscar aproximar o
discurso em sala de aula com o cotidiano, estabelecer uma relação dialógica, respeitosa
e ética com seus pares e buscar se capacitar continuamente” (AS1). Através desta fala
ratificamos que para ser professor no ensino superior, não basta dominar os saberes de
sua área, ser um especialista em uma determinada área do saber, mas é preciso
estabelecer uma transposição didática desse conhecimento, provocando uma relação de
construção e reconstrução do conhecer, uma apropriação crítica e analítica dos
conteúdos abordados de forma que estes subsidiam a interpretação e análise da
6. realidade, buscando não só compreendê-la mas transformá-la, no sentido de dar
respostas às demandas postas pelo real, colocando-se numa condição de sujeitos
propositivos e engajados socialmente. Nesta perspectiva, retomando a fala do professor,
a docência no ensino superior exige uma atitude investigativa constante, mediada pela
pesquisa. A pesquisa se constitui como capacidade/propriedade de indagação e
construção da realidade. Para Minayo (2010), pesquisar constitui uma atitude e uma
prática teórica de constante busca e, por isso, tem a característica do acabado provisório
e do inacabado permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade
que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados,
pensamento e ação. A pesquisa é uma ferramenta de desvelamento do real, de buscar
criticamente e, também, propositivamente, compreender a realidade, superando sua
percepção imediata e fragmentada, de questionar, problematizar, mas também, de
pensar em respostas, em possibilidades para essa mesma realidade. Nesse sentido, é
preciso destacar que a pesquisa tem uma função de princípio educativo.
Outros entrevistados afirmam que ser professor exige “estar aberto para o debate e
questionamentos. Deve ser criativo, dinâmico e aberto às mudanças” (AS2), e que o
docente “precisa estar continuamente estudando/pesquisando, desenvolvendo
habilidades diversas como administração, disciplina, criatividade, capacidade de
autocritica, respeito às diferenças” (AS3). Evidenciamos nesses trechos que a reflexão é
um elemento imprescindível no fazer profissional do docente, pois pressupõe um diálogo
e um repensar contínuo sobre o fazer e o saber fazer, perguntando-se sistematicamente
sobre o que, como, por que, para que e para quem se faz. Pela práxis, é possível fazer
trilhar esse caminho. A práxis, para Vázquez (1977) é atividade humana transformadora
da realidade natural e humana. Ela tem caráter intencional e consciente. Nela,
compreendemos a racionalidade da prática. Exige um pensar sobre o fazer,
proporcionando um saber-fazer crítico, estabelecendo um diálogo profícuo entre teoria e
prática. Assim, o docente se constitui, emprestando o conceito de Zeichner (1993) como
um prático-reflexivo, que é aquele que pensa sobre sua prática, sobre sua ação. A
reflexão é um processo que ocorre antes, depois e durante a ação, constituindo-se como
um processo de reflexão na e sobre a ação.
Na realidade, percebe-se que os professores exercem um saber experiencial, pois eles
desenvolvem saberes específicos no exercício de suas funções e na prática de sua
profissão. Como afirma Tardif (2012), os saberes profissionais e experienciais possuem
origem na prática cotidiana. O professor constrói a sua identidade vivenciando e
realizando na sala de aula uma prática que o mesmo acha adequada, seja exercendo
uma que obteve anteriormente ou construindo a sua própria metodologia. Associado a
essa experiência profissional, o entrevistado E2 destaca os bons professores que teve
em seu processo formativo os quais servem de referência na sua atuação docente: […]
“se você tem um bom exemplo você segue. Eu acho que eu tive bons exemplos. Então
eu tento mais ou menos imitar esses bons exemplos. Bons exemplos que eu falo é na
minha ótica, bons exemplos que me fizeram aprender, que me fizeram motivar, que me
fizeram escolher a área, então, eu acredito que a gente é motivado por exemplos, eu
sempre admirava a postura de professor, sempre idolatrava aquela forma de ensinar”.
O entrevistado E3 ao reconhecer que no início de sua carreira profissional não se sentia
preparado para ensinar, afirmou que sua construção como professor se deu a partir de
algumas experiências na área, bem como por meio de uma prática imitativa. Com o
7. aperfeiçoamento de suas ações, atualmente, ele busca, inicialmente, identificar o perfil
dos alunos, conforme revela o seguinte depoimento: “Hoje, o que eu tento buscar é que a
cada ano, aliás, a cada semestre, eu tento nos primeiros dias entender como é que é
mais ou menos o perfil da minha turma, saber se é uma turma fraca ou uma turma
interativa, as turmas são muito diferentes aqui”.
Sobre os saberes docentes, os professores defendem que ele são plurais e que não se
resumem ao conhecimento curricular, mas que exigem outras competências e
conhecimentos. Essa compreensão é evidenciada nas falas: “O exercício da docência
exige conhecimentos e competências específicas que o bacharelado não propicia (AS5);
“não basta ter uma boa base do conteúdo, mas é necessário saber transmitir esse
conteúdo aos discentes” (AS 2); “a docência exige o desenvolvimento de habilidades e
competências pedagógicas que precisam ser apreendidas. Não se nasce professor,
torna-se. Só o domínio técnico e teórico é insuficiente para desempenhar a profissão de
professor” (AS4); “Tão importante quanto deter os conteúdos a serem socializados com
os estudantes é ter a capacidade profissional (no campo do magistério) para fazer essa
socialização de conhecimentos a partir de posturas, técnicas e estratégias que aumentem
a possibilidade de apreensão dos conteúdos pelos estudantes”(AS6); “a docência
demanda conhecimentos específicos que nem sempre estão presentes nos cursos de
graduação e pós-graduação, com exceção dos cursos de Pedagogia” (AS7).
Respaldados nas falas apresentadas, compreendemos que o trabalho docente articula
diferentes e articulados saberes que se expressam em conhecimentos, competências,
habilidades, referências teóricas e princípios éticos-políticos. Diante dessas
considerações, nos referenciamos em Faustini (2004), que, partindo dos saberes
profissionais de Tardif e dos saberes da ação pedagógica de Gauthier apresenta os
saberes práticos docentes que são organizados, na prática, como um amálgama
dinâmico de diferentes saberes, pela ação do professor diante de diferentes situações de
ensino. Esses saberes, para a autora, não se restringem apenas ao conhecimento
acadêmico, originado de conteúdos específicos ou de conteúdos didático-pedagógicos.
Também não são conhecimentos filosóficos que possibilitam uma análise crítica dos
demais conhecimentos formalizados. Tampouco se restringem aos conhecimentos
oriundos da experiência prática docente. Eles respaldam-se em todas as modalidades de
saberes acima descrito. Faustini (2004, p. 72) expõe que o saber prático, portanto, é um
saber que articula o saber formalizado e o saber da experiência e que vai constituindo
num saber profissional docente. O docente-assistente social não ensina só experiência,
nem somente conhecimento sistematizado. Em seu cotidiano de ensino, é autor de um
tipo especial de saberes que nascem da própria prática – esse é o saber prático.
Através dessa exposição compreendemos e defendemos que a prática docente é política,
pois pressupõe um olhar crítico sobre o real, projetando, através do ato educativo, um
posicionamento ideo-politico, contribuindo para a construção de uma nova sociabilidade
humana. A dimensão política é imprescindível no exercício da docência universitária, pois
[...] “o professor, ao entrar na sala de aula para ensinar uma disciplina, não deixa de ser
um cidadão [...] ele tem uma visão de homem, de mundo, de sociedade, de cultura, de
educação que dirige suas opções e suas ações mais ou menos conscientemente. Ele é
um cidadão, um “politico”, alguém compromissado com seu tempo, sua civilização e sua
comunidade e isso não se desprega de sua pele no instante em que entra em sala de
aula”. (MASETTO, 2012, p. 39)
8. O trabalho docente, construído histórica e coletivamente, que incide no desenvolvimento
pessoal e profissional do professor, implica, também em uma atitude investigativa
constante mediada pela ação reflexiva, uma vez que a prática docente possui uma
dimensão política, que ultrapassa o saber fazer, mas implica em um por que e para que
fazer. Como explicita a entrevistada AS7 “Considero que a docência exige uma formação
crítica, humanista e interdisciplinar que vise contribuir com a construção de uma nova
sociedade na qual a democracia e a cidadania se realizem plenamente para todos (as)” e
como esclarece o entrevistado AS4 “o professor do ensino superior tem que ter a
coragem e a honestidade de olhar pra dentro de si - de tempos em tempos - e responder
à seguinte pergunta: "estou dando o melhor de mim em minha prática docente?".
Pensar em uma prática reflexiva no levar a superar uma reflexão ocasional, pois esta é
inerente ao agir humano, de forma espontânea e acrítica. A reflexão é um exercício
contínuo e em constante movimento que permite olhar para o que se faz, para o que se
fez, projetando uma ação vindoura. Esse olhar é intencional e não deve ser pensando de
forma esporádica e factual, mas condição permanente da prática docente. Da mesma
forma que não deve ser defendida somente como instrumento que responda aos anseios
e interesses do professor, mas como expressão de uma consciência profissional, como
afirmou Perrenoud (2002), questionando os professores que só refletem por necessidade
e que abandonam o processo de questionamento quando se sentem seguros. Estes,
para o autor, não são reflexivos.
O desenvolvimento de uma prática reflexiva possibilita ao docente além de um olhar
retrospectivo e projetivo, uma intervenção mais eficiente no seu cotidiano profissional,
pois permite reorientar ações, retroalimentar intenções e refazer caminhos, tenho por
finalidade maior compreender as demandas que se fazem presentes, evidenciando os
problemas e buscando estratégias interventivas para sua superação, tendo como
referência os saberes construídos na sua trajetória profissional que possibilitam a análise,
o repensar crítico e as respostas interventivas. Portanto, uma prática reflexiva não se
limita à ação. Concordamos com Perrenoud (2002, p 55) quando defende a ideia de que
“refletimos sobre o como, mas também sobre o porquê”. O ato educativo, por ser político,
implica em posicionamento ético. Dessa forma, o pôr teleológico nos provoca a
reavivarmos a prática docente, explicitando as suas finalidades e interesses, assumindo-
os.
Considerações Finais
A necessidade de formação para a docência tornou-se objeto de consenso cada vez mais
generalizado no contexto universitário constituído de profissionais que, embora dominem
seus distintos campos do saber, não possuem formação específica para o trabalho
pedagógico, esse considerado fundante de uma prática que se distingue das atividades
de pesquisa. Mesmo quando essa formação existe, ela tem se resumido, muitas vezes, a
uma disciplina de Didática no Ensino Superior ou a estágios de curta duração na
graduação.
Grande parte dos professores, especialmente, em início de carreira, não possui clareza a
respeito da racionalidade pedagógica que perpassa a docência, calcando muitas vezes
essa numa perspectiva conteudista, tecnicista. Podemos observar isso de uma maneira
mais acentuada nos profissionais não licenciados, ou seja, bacharéis, oriundos das mais
diversas áreas da ciência e que optam pela docência. Esses profissionais, embora com
ampla experiência em suas áreas específicas, encontram-se muitas vezes
9. despreparados para exercer o magistério. Assim, a transformação do conhecimento
científico numa linguagem pedagógica de compreensão dos significados e sentidos da
matéria não acontece com tranquilidade para o aluno, o que afeta a articulação entre
àquele conhecimento e a prática profissional a qual se destina. A isto se acrescenta uma
concepção técnico-instrumental da docência, além de que não revelam compreensão do
que seja o currículo por competência proposto pelas diretrizes nacionais de formação.
Nesse contexto, as reflexões tecidas no artigo, embora almejem consolidar um referencial
de análise da racionalidade pedagógica que dá suporte ao trabalho dos docentes com
formação de bacharelado, se constituem igualmente em elementos de análise da
pedagogia universitária numa concepção apoiada em determinados pressupostos do que
é o trabalho pedagógico e de princípios que o regem. Assim, pretendeu-se desenvolver
uma análise sobre alguns princípios fundantes da racionalidade subjacente a práxis
situada do profissional de educação em contexto universitário, assim como identificar
elementos teórico-metodológicos que permitem a análise dessa prática e seus processos
de construção. Buscou-se problematizar, também, sobre o que caracteriza o trabalho
docente, bem como seus saberes, apostando na importância de uma formação
pedagógica. Essa formação que é contínua e constantemente revista precisa contribuir
para a qualificação da prática docente, subsidiando a construção dos diferentes saberes
que estão imbricados no trabalho docente. Dessa forma, é preciso considerar a
multiplicidade de saberes envolvidos que se articulam e se complementam. São os
saberes disciplinares e curriculares, bem como os saberes da experiência, mas
importante também, são os saberes pedagógicos, que articulam os demais saberes e
potencializam uma formação didática do docente. Evidenciar esses saberes e buscar a
mobilização dos mesmos na prática docente se faz oportuno e desafiador. Portanto, não
é uma tarefa das mais fáceis, pois pressupõe aprendizado permanente e um diálogo
crítico com diferentes áreas do saber, rompendo com uma visão endógena e solitária do
fazer profissional e atentando para a sua dimensão coletiva, onde participam diferentes
sujeitos sociais, históricos e singulares.
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