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Pegadas de 
Sangue 
Lucas Zanella
1. 
O sol ardia no céu, cegando todos que se atreviam a 
olhar para cima. 
Para Cornélio, o sol ardia ainda mais. O homem 
de cabelo preto e barba curta andava se arrastando. 
Seus olhos brilhavam e pareciam já estarem cegos. Seu 
sangue fervia e seu cérebro explodia. 
- Senhor? - uma moça de vinte e tantos anos o 
parou, um pouco mais jovem que ele, embora, naquelas 
condições, ele parecesse mais velho. Parecia 
preocupada com o bem-estar do desconhecido. - Ah, 
meu deus. Venha comigo! 
Ela o arrastou para um banco, logo abaixo de 
uma grande árvore, numa praça vazia. 
Cornélio sentia sua boca seca, gritando por algo 
que saciasse sua sede. Ele sabia o que faria isso.
- O senhor quer que eu chame alguém? - ela 
tornou a perguntar. 
- Muito obrigado, minha jovem - sua voz estava 
rouca por conta da idade que chegava correndo. - Se 
aproxime, lhe falarei o número de meu filho! 
Ela o obedeceu. Certamente não desconfiaria de 
um pobre velho que caía aos pedaços. A desconhecida 
se agachou e aproximou o ouvido de sua boca, já 
pensando que ele não teria forças para falar. 
Não foi rápido e tampouco indolor. Mordeu-a 
num instante e o sangue que caía do pescoço pingava 
no chão duro e ardente, debaixo da sombra emitida 
pela grande árvore. Cornélio saciava sua sede e 
restaurava sua juventude, a mulher gritava e 
lentamente morria. Ele não parecia se importar, afinal, 
já eram décadas de gritos e mortes.
A moça, Camila, era gentil e se preocupava com 
os outros. Não possuía filhos e seus pais moravam em 
outra cidade, mas estava noiva de Bruno, e achava que 
fosse realmente, com ele, ser feliz para sempre . Talvez 
até mesmo fosse ser, fosse ter uma vida feliz. Apenas 
não teria porque resolveu, numa tarde monótona, parar 
para ajudar uma pobre alma. 
Cornélio já se sentia restaurado. O homem 
voltara a ter sua aparência de quase 30 anos e estava 
saudável. Apesar do sol, agora teria sangue o suficiente 
para chegar em casa e trancar-se dentro dela. Quanto 
à moça? Ah, deixe-a aí , pensou. 
Essa não é uma história onde vampiros são 
bonzinhos. Essa é a vida real, aqui eles matam pessoas 
inocentes e não possuem um pingo de emoção. E é 
assim como um deles foi descoberto.
2. 
Victor examinava papéis, mas sem nenhuma esperança 
no olho ou alma. 
Sentado em sua cadeira, em frente a sua mesa, 
os papéis se pareciam mais com uma grande 
montanha de decepção. Nunca antes se sentira assim, 
tão decepcionado. Exceto, talvez, três anos atrás. 
Sempre há aquela hora em que você se vê no 
espelho e percebe que não há nada para fazer em 
relação ao que ocorreu no passado. O que aconteceu 
não pode ser mudado, pois é impossível. 
Isso aconteceu para Victor quando ele jogou na 
pilha outra pasta cheia de folhas completas e vazias ao 
mesmo tempo. O aperto no coração veio primeiro, 
como sempre vem, depois foram as lembranças, e, por 
final, a lágrima que caiu primeiro pelo olho esquerdo.
Pousou os dois cotovelos na mesa de madeira 
lisa, pôs os óculos sobre a pilha e passou a mão pela 
cara, limpando as lágrimas e expulsando a tristeza, que 
agarrava-o como se fosse um amado. 
Não conseguiu. A tristeza não o largou, mas a 
esperança o deixou na sarjeta enquanto seguia seu 
rumo o mais longe possível. 
Lorenzo quebrou o clima de tristeza de Victor 
batendo na mesa pequena do grande salão, enquanto 
corria até ele desesperadamente, como um garoto que 
acaba de perceber que perdera a mãe de vista no meio 
de uma multidão. Usava um casaco de couro marrom, 
sapato e calça preta. 
- Merda. Merda. Merda - xingou a mesinha 
enquanto pulava numa perna só, segurando a 
machucada como se isso fosse resolver alguma coisa.
O grande salão da casa de Victor não tinha esse 
nome apenas por ter, mas sim era um enorme salão, 
digno de realizações de danças antigas, com todos os 
cavalheiros de terno e damas de belos vestidos. Possuía 
bastante dinheiro, embora agora isso não importava 
mais. 
Por conta de bons investimentos no passado, 
agora o dinheiro aparecia em sua conta bancária 
automaticamente; ele, por sua vez, perdeu a vontade 
por trabalhar. Escrevia e calculava; estudava e estudava. 
Os cálculos eram sua paixão, sua terceira paixão. 
- Um quilômetro de salão, mas eu precisava ter 
batido na porra da mesa! - criticou-se Lorenzo, agora 
agachado e esfregando o tornozelo com seus olhos 
franzidos. 
Deixara cair ao chão os documentos que 
carregava. Suspirou e os pegou novamente, começou
procurando por Victor na sala onde sempre trabalhava. 
Após tanto tempo, o chefe até mesmo passou a dormir 
ali, investigando sem parar. 
- Victor! - ele disse ao vê-lo. Andou até a mesa 
e estendeu a mão com os papéis. 
- É inútil! - respondeu sem tirar as mãos dos 
olhos e o cotovelo de cima da mesa. 
- Ah, não, Victor. Não novamente. Não é inútil, 
lembre-se disso. Você foi o que me disse para que, 
sempre que você perdesse as esperanças, era para te 
lembrar de que é isso o que quer fazer! 
- E é - concordou. - Mas é inútil querer fazer, é 
inútil fazer - levantou-se e passou a andar pela sala 
apreensivamente. - Há três anos que investigo essa 
merda e não encontro nada há três anos também. É 
inútil. 
- A esperança é a última que morre.
- Não, Lorenzo, a esperança foi a primeira que 
morreu. O que pensei que ainda não tivesse morrido 
era minha vontade, mas até mesmo essa parece ter se 
dado descarga e corrido para longe. 
- Você não tem vontade de encontrar a porra do 
cara que matou elas? - começou a gritar de raiva. 
Ajudava Victor há tanto tempo que passara a também 
se importar sobre o assunto. 
Victor também gritou, de raiva e frustração. 
Lágrimas começaram a novamente escorrer pelo rosto. 
Lágrimas de raiva e de tristeza. 
- É claro que tenho, mas não acho nada há 
tempo demais. Demais para mim, pelo menos. É tarde, 
Lorenzo, ele não deve mais estar na cidade, ou mesmo 
vivo. Provavelmente já foi preso.
Preso por outro assassinato que cometeu, e não 
pelo da minha mulher e filha , pensou. Os policiais 
teriam ligado se tivessem o pegado, não teriam? 
Caiu de joelhos ao chão. Estava sem forças para 
gritar ou continuar em pé. Tudo escorregava pelo seu 
corpo, sua energia parecia o deixar. 
- Victor! - gritou e correu até o amigo, 
ajudando-o a se levantar. Sentou-o num sofá bege e de 
aparência antiga. 
A aparência antiga da casa se dava pelo gosto da 
mulher. Victor também gostou, mas apenas depois que 
tudo ficou pronto. Odiava coisas antigas, mas estava 
disposto a fazer isso se fosse deixar ela feliz. 
Agora, seu próprio desgosto o traíra. Era 
cercado de coisas antigas por todos os cantos: fotos da 
mulher e da filha penduradas nas paredes, sobre a 
mesa, ao lado da cama.
O quarto em que passara a dormir era outro, 
pois não conseguia mais entrar naquele em que ela 
dormira. Temia que não fosse aguentar tamanha 
depressão caso entrasse. E agora, estando repleto de 
teias de aranha que ele mesmo deixara que se 
formassem, a depressão seria ainda maior. 
Ele chorava, pela quarta vez naquele dia. 
Era de noitinha, e o sol já despencara do céu. 
- Eu vou deixar eles lá em cima! - Lorenzo 
olhou para os papéis sobre a mesa. - Se você quiser, 
pode lê-los amanhã. Durma, agora, é melhor que 
durma para que pense melhor sobre o assunto. 
- Não adianta, Lorenzo, não adianta - disse sem 
forças. Já começava a deitar-se no sofá que, após tanto 
tempo, já possuía a forma de seu corpo no couro. 
Lorenzo pôs sob a cabeça do amigo uma 
almofada e deixou-o ali, onde sempre dormia.
... 
Xingou-se em pensamento por terem discutido. 
Aquela não era a vida dele, então não tinha direito de 
interferir. Não sabia o que se passava na cabeça de 
Victor, então não tinha como consolá-lo. 
Sabia, porém, que ele apenas não se matou 
porque queria achar quem as matou antes. Agora, com 
ele sem vontade e esperança, não sabia o que poderia 
acontecer. 
Talvez, amanhã, quando descesse de seu quarto, 
fosse encontrá-lo sobre sua mesa, com o sangue de sua 
cabeça sobre as centenas de papéis que lá estavam. 
Talvez fosse o encontrar no mesmo local, 
deitado no sofá, com um copo de água e pílulas ao seu 
lado. Dormindo em paz, mas nunca acordando. 
Talvez, a caminho da escada que leva para o 
primeiro andar, passaria na frente do quarto dela e
veria a porta aberta. A dor poderia ser tanta que ele 
cairia ao chão, sem nem mesmo ter a chance de, lá no 
Paraíso, chegar para elas e falar que “O encontrou e o 
matou”. 
A mulher não aprovaria, mas ficaria aliviada, se 
é que se pode não ficar aliviado no Paraíso, se é que era 
lá para onde Victor iria quando o matasse. 
Lorenzo sabia que o amigo não pensava sobre 
isso, pois era inútil. Não as verei novamente , é o que 
ele dizia, então é inútil me matar achando que irei . 
Mas, às vezes, quando ele isso dizia, seu olho brilhava. 
Era uma lágrima que ele lutava para segurar, e sempre 
conseguia. 
Não sabia se Victor falava aquilo para ele 
apenas para o tranquilizar ou se realmente pensava 
daquela maneira.
Para Lorenzo, era impossível não pensar sobre 
ver seus entes queridos novamente. Pensava que a vida 
não tinha sentido nenhum se não fosse ter algo após 
tudo isso. 
Passou a mão pelo rosto, querendo parar de 
pensar sobre isso, e conseguiu. 
... 
O sol entrava pela janela e batia no rosto de Victor, 
isso o acordou. Sua cabeça doía. 
Se esquecera, por um minuto, da briga do dia 
anterior. Então se lembrou e achou melhor ao menos 
olhar o que Lorenzo encontrou. 
O amigo o ajudava a encontrar pistas sobre o 
assassinato delas havia um bom tempo, mas nunca 
encontraram nada. Isso o deixava triste. 
Sentou na cadeira e pôs os óculos, então pegou 
os papéis e se preparou com um suspiro longo.
... 
É claro que eles já teriam descoberto o corpo, afinal, 
ele não estava assim tão escondido. 
Caído no meio da praça, era examinado por 
legistas. As duas marcas no pescoço não faziam 
sentido, ao menos não ali na praça. E Victor sabia 
disso; estava escondido atrás de uma árvore, 
observando tudo. 
Em casa, apenas disse para Lorenzo “Vou ir à 
praça” após ler o que o amigo encontrara e correu até 
lá. O amigo conseguira convencê-lo de não parar de 
procurar, e sem nem mesmo tentar. 
Os documentos entregues para Victor não eram 
muito descritivos, tanto porque não eram documentos 
oficiais da polícia, como sempre antes conseguiam. 
Como era um novo assassinato, não havia ainda 
documento algum que pudesse ser comprado de um
policial corrupto. Aquele era apenas um simples papel 
que descrevia imagens vistas numa câmera de 
segurança por um comerciante local. 
E, lendo a descrição, Victor percebeu que era 
ele, o assassino delas . Ele ainda não morrera ou fora 
preso. Estava lá, matando. Sem coração, sem emoção. 
O documento fora escrito por Lorenzo, 
enquanto conversava com a testemunha. 
“O sujeito estava sentado em seu mercado, 
lidando com alguns produtos. O homem conta que 
viu, na tela com imagens da câmera de segurança do 
lado de fora, uma mulher ajudar alguém. Sem som, era 
impossível saber o que dizia, e estava assustado demais 
para sair do mercado e ouvir. Assustado simplesmente 
porque, na tela, nada aparecia. A mulher ajudava 
ninguém. Se inclinou em frente a um banco vazio e 
começou a gritar. O homem conta que ficou em
estado de choque, sem saber a quem chamar ou se 
deveria chamar alguém”. 
Nada. Fora justamente isso o que Victor vira 
nas imagens da câmera de segurança após a morte da 
mulher e da filha. Nada as matava, mas morreram 
mesmo assim. 
Ao contar para a polícia, nem se deram ao 
trabalho de investigar ou ver as filmagens. Chamaram-no 
de louco, e com razão. Após a terrível experiência, 
ficara um pouco louco. 
- Empacotem-na e tirem-na daqui, antes que 
comece a acumular gente! - disse um homem de 
cabelo pouco grisalho que depois começou a coçar a 
cabeça, pensativo. 
Os outros obedeciam. O homem, o chefe, 
andava de lá para cá, mas não viu Victor observando-o. 
Estava apreensivo. Para Victor, isso só podia significar
uma das duas coisas: ou sabia o que acontecia, ou não 
tinha ideia alguma e isso o assustava. 
Aquele assassino era esperto e misterioso, até 
mesmo sobrenatural, então é claro que ele apostou que 
o chefe não fizesse ideia do que lá acontecera. 
Victor fitou o chão, que estava inundado de sangue. A 
mulher, com olhos que gritavam de desespero, era 
levantada e colocada dentro de um saco escuro. 
Se não sabe o que é, jogue no lixo . Foi o que 
Victor pensou ao ver a cena, criticando a atitude dos 
“homens da lei”. Certamente não haveria autópsia ou 
investigação minuciosa, isso porque eles sabiam que 
isso não levaria a nada. 
Para os homens, era melhor nem tocar no 
assunto. Provavelmente contatariam a família da moça 
e diriam que o assassino fora preso, ou então nem se
dariam ao trabalho. Ele, por sua vez, nunca recebera o 
telefonema que mentia. 
Não sabia se iria se sentir pior ou melhor após a 
mentira contada, mas certamente gostaria de tê-la 
recebido anos atrás. Talvez sua vida fosse ser 
totalmente diferente, talvez já teria casado novamente, 
ou, pelo menos, pararia de pensar tanto sobre aquilo. 
Os policiais saíam, e nem mesmo perceberam-no. 
A praça tornava a ficar vazia, mas o sangue ainda 
no chão. E não só o sangue era visto. 
- Ele pisou no sangue - o homem disse 
esperançoso e saiu de trás das árvores, querendo fazer 
parte da atração principal. 
Seguiu com os olhos um caminho vermelho, 
pegadas de um sapato caminhavam sem notar o 
descuido. Andou junto das pegadas do assassino, 
olhando para baixo como se estivesse envergonhado.
- Te peguei - proferiu, sorriu alegremente e 
correu, ainda seguindo as pegadas. 
3. 
Livros e internet, aquele era o século XXI. Os meios 
de e conseguir informação eram infinitos, e ele 
procurara por todos. 
Vampiros. Pff. 
Claro que vampiros não existiam, mas o que 
mais deixava duas marcas de mordida no pescoço de 
suas vítimas? 
Eram tempos modernos, mas inundados de 
lendas ultrapassadas. 
Não aparecia nas filmagens e, ao passar pelo 
espelho no quarto do casal, nada foi visto também. 
Essa era a única explicação, mas vampiros não existem. 
Não podem existir.
Há milênios que descobrimos a escrita, e 
ninguém nunca escreveu um relatório que dizia tal 
palavra proibida: Vampiro. 
Haviam livros, filmes, peças de teatro e até 
mesmo danças que possuíam vampiros, mas era apenas 
isso. Não podemos nos basear em livros fictícios para 
pensar que as coisas são reais, mas, ele se lembrou, seu 
colega era cristão. Será mesmo que não podemos? 
Em tudo o que é escrito ficcionalmente, uma 
pequena parte é real, realmente aconteceu ou é 
baseado na verdade. E se a parte falsa de Drácula fosse 
que ele era um conde, e não um vampiro? Era possível, 
tudo é possível. 
São tempos modernos, mas cheios de ilusões 
antigas. 
Em sua mão direita, ele segurava uma estaca de 
madeira muito bem cortada. Na outra, um crucifixo
com o homem Jesus sofrendo nele. Segurava-os 
firmemente, e não tinha a intenção de largá-los tão 
cedo. 
Largaria a estaca apenas quando estivesse 
banhada de sangue, e o crucifixo apenas quando tivesse 
feito o assassino sofrer, tal como ele sofria, tal como o 
homem preso no próprio crucifixo sofrera, assim como 
todos diziam, mas ninguém parecia ter compaixão. 
Amarás o teu próximo como a ti mesmo , foi o 
que o homem preso ao crucifixo uma vez disse, mas 
ninguém perguntou a Victor se ele precisava de algo. 
Ninguém o amou e teve compaixão pela pobre alma 
do sofrido, apenas pena, dó. 
Soltou um longo suspiro ao parar em frente a 
uma casa grande, de gente rica. Era bela e também de 
aparência antiga, mas muito mais antiga que a sua 
aparentava ser. Parecia ter sido construída décadas,
séculos atrás. E era bem provável que tivesse sido, 
assim como era bem provável que o morador ainda 
fosse o mesmo desde sua construção. 
- A esperança não é a última que morre, 
Lorenzo, são os malfeitores. Estes vivem para sempre. 
Ninguém se lembrará de nomes importantes e 
bondosos, mas falarão de Hitler até o fim dos tempos 
- falou olhando para baixo, como se quisesse 
transmitir a mensagem para o amigo que não estava 
por perto. 
Victor vestia um sobretudo preto e luvas de 
couro da mesma cor. Não percebia, mas estava tão 
misterioso quanto o homem que queria matar. Vestido, 
talvez, como um verdadeiro matador de vampiros. 
Ajustou os óculos com a mão que segurava o 
crucifixo e empurrou um portão enferrujado, cercado
de um muro de pedra que logo começaria a cair aos 
pedaços. 
O morador não cuidava da casa, apenas de si 
próprio. 
A grama estava podre e as flores também. Um 
dia, há muito tempo, deveria ser uma bela casa para se 
morar. Agora, parecia-se mais com uma casa em que o 
próprio Diabo gostaria de morar. 
... 
O caminho de pedras era repleto de ervas daninhas. 
Victor queria sair correndo de lá, seu coração estava 
apertado. Apenas não saía porque a raiva era maior 
que o medo, sempre foi. 
As paredes, já sujas, eram antes de um amarelo 
bonito. As janelas marrons, mas agora com teias de 
aranha e sempre fechadas, como era de se esperar. A
porta, grande e majestosa, estava ainda limpa, ou, pelo 
menos, mais limpa que o resto da casa. 
Claro, à noite ele precisava sair para procurar 
comida, e isso fazia a porta ser a única coisa útil lá. 
Não era noite, mas também o sol não brilhava 
no céu. Victor não sabia mais se entrava ou se batia na 
porta, obrigando-o a sair de casa e encará-lo abaixo 
das nuvens e acima dos germes da terra. 
Victor pôs a mão na maçaneta circular e 
razoavelmente transparente da porta e a empurrou. 
Ouviu-se um longo rangido, alto o suficiente para 
acordar os mortos que descansavam na terra. Ninguém 
apareceu. 
Nada de teias de aranha ou móveis cobertos por 
um pano branco para não pegarem poeira, tudo estava 
limpo até o último centímetro. Era como se o
assassino tivesse um certo cuidado interior pela casa, 
mas pouco ligava para o exterior. 
Sendo um homem que não sai muito de casa, 
porém vive dentro dela quase o dia todo, é até mesmo 
compreensível tal cuidado. 
O primeiro corredor, curto e pouco espaçoso, 
parecia ter sido recentemente lustrado, com as paredes 
lisas e de um marrom bonito. Ao lado da porta de 
entrada, um grande Lírio-da-Paz com suas folhas 
ainda repletas de pequenas gotículas de água. A terra 
fofa por conta do banho que a planta recentemente 
recebeu. 
No chão, o carpete era marrom-claro e possuía 
um padrão de triângulos, com a intersecção entre eles 
sendo de um marrom mais escuro que o da madeira 
das paredes. Não era felpudo, mas belo. Bem ajeitado 
no chão e limpo.
– Preciso admitir – Victor disse para si mesmo 
–, ele até que tem bom gosto! 
A sala principal, logo depois do corredor, era 
grande e a beleza dos móveis antigos permanecia. 
Num dos cantos, um piano branco muito bem 
cuidado. Nas paredes, belas pinturas que, se 
verdadeiras, custam milhões de reais. 
Mais plantas em alguns cantos, desta vez eram 
Palmeira-Ráfias, plantadas em um vaso branco e 
enfeitavam a sala. O piso também era liso e outro 
carpete, agora com um padrão diferente, losangos. 
A cada passo dado, a casa gemia, parecia querer 
que ele fosse embora, mas o homem não obedecia. 
Nenhuma outra alma viva, a única respiração 
ouvida era a dele, e estava acelerada. 
Embora maravilhado, seu medo começara a dar 
pontadas em seu coração. A raiva não era mais
suficiente para o fazer continuar, mas, por persistência, 
continuou mesmo assim. 
Outro corredor, outra sala. Tudo ainda muito 
bem decorado, à maneira medieval. Embora belo, 
vazio. Havia camas em todos os quartos, claro, mas 
Victor sabia que não era uma cama o que ele 
procurava. 
Não, aquele assassino era diferente. As camas, 
embora bem-feitas, eram visivelmente não usadas 
havia anos. Décadas, talvez. Céus, talvez até mesmo 
séculos. 
Em que época viveu aquele vampiro maldito? 
Sua mulher teria adorado aquela casa, insistido 
em conhecer o dono. Ficou feliz por um instante, por 
se lembrar dela, então lembrou-se que estava na casa 
de seu assassino. O pesar voltou ao coração.
Segurou a estaca de madeira com mais força. 
Sua mão, agora vermelha, doía. Na outra, segurava o 
crucifixo pelo colar de pedras brancas pequenas, 
parecidas com minúsculas pérolas. 
O quarto que procurava era o único a não ter 
uma lâmpada, ou ser belo. Era escuro e frio. 
Primeiramente, Victor sentiu na pele a sensação da 
morte, porém não da própria, e sim da dele . Sabia, do 
fundo de seu coração, que era lá onde ele estaria. No 
fundo do quarto, dormindo em pé, no escuro mais 
escuro, apenas esperando pela próxima vítima. 
… 
Baixou os olhos e viu as pegadas vermelhas que o 
levaram à casa. 
– Maldito – falou alto sem querer, porém 
nenhum movimento foi ouvido.
Não entrou no quarto de primeira. Precisou 
antes ir até certa parte do corredor, pegar uma das 
velas do candelabro de parede que iluminava aquela 
área. 
A única área que parecia não ter evoluído com o 
tempo. A única área que parecia realmente ser da casa 
que pertencia a um vampiro. O maldito vampiro. 
Andava e tomava cuidado para não queimar 
suas mãos com a cera que escorria pelo corpo branco 
da vela longa. Com habilidade, segurava o crucifixo na 
mesma mão da vela. 
Manejou chegar em frente a porta, que já não 
estava mais lá, era apenas o batente podre. A chama 
pobremente iluminava uma pequena parte do local. 
– Claro que não pensei em pegar uma lanterna 
– e uma lanterna teria sim sido muito melhor.
Daquela maneira, precisaria entrar no quarto 
para saber se ele estava lá. E isso era algo que Victor 
não queria fazer, nem em um milhão de anos. Mas fez, 
por elas . 
A chama piscava, como uma lâmpada 
defeituosa. O quarto se iluminava por pouco e voltava 
à escuridão. O coração de Victor dava saltos a todo 
momento. 
Aquele lugar sim fazia jus ao exterior feio da 
casa. Teias de aranhas e poeira por toda a parte. Era 
aquilo mesmo que ele esperava ter encontrado ao 
entrar na casa. Finalmente achou o que queria, mas 
não estava feliz. Nem um pouco. 
Mais candelabros não usados e sem velas 
jogados sobre uma mesa de madeira clara e de pernas 
cobertas por teia. Andou e tropeçou em quadros ainda 
mais antigos dos que os da sala principal, agora tão
malcuidados que seria difícil vendê-los por mais de 
cinco reais. 
Achou novamente o que procurava, e 
certamente não ficou feliz. Levou um susto e 
cambaleou para trás. O caixão em pé era bem cuidado, 
porém assustador. Bonito em sua estrutura, mas feio 
por conta das teias de aranha que enfeitavam a parede 
atrás dele. 
Dessa vez sim, fez barulho demais. 
Um riso profundo ecoou pelo quarto. Era uma 
voz grossa e de deboche. Victor apertou ambos os 
objetos contra seu peito. A vela caíra no chão, e agora 
produzia formas diabólicas nas paredes. Sua luz quase 
fora extinguida, mas, por sorte ou azar, conseguiu ver 
que o vampiro começara a abrir seu caixão. 
– Chame-me de Cornélio – falou a voz, o 
caixão ainda abrindo, enquanto rangia. O interior, até
então, completamente escuro. Pôde ver que o vampiro 
acordara para ele, mas não o via se despertar e 
observar-lhe com seus olhos de assassino. 
– Cornélio – concordou, falou em um sopro. 
Brandiu sua estaca como se fosse uma espada e o 
maldito começara a lentamente aparecer, sua face 
sendo iluminada pela tênue chama da vela caída. 
– Mate-me, então. Vamos ver quem é mais 
forte: o pobre humano ou o terrível imortal. 
– Você as matou – falou, olhando-o diretamente 
no olho escuro. – E agora é a hora da minha vingança. 
Atacou-o tal como um guerreiro ataca outro, 
mas eles não estavam numa arena. E tampouco a luta 
era justa. Cornélio agarrou-o pelo braço e impediu seu 
ataque. Sua força era a de mil homens, mas Victor não 
desistiu. Não ainda.
– Não sou um assassino – gritou como se fosse 
uma ameaça. – Sou um sobrevivente. E agora é hora 
sobreviver. 
Andou até o indefeso homem, que tentara uma 
nova chance, agora com o crucifixo. Brandiu-o tal 
como muitos outros homens antes o brandiram, como 
uma arma que servia para matar. 
Funcionou, um pouco. A imagem do homem 
preso ao objeto parecia ácido para os olhos e pele do 
vampiro, que se contorceu todo e grunhiu para Victor. 
Ele ainda apontava o crucifixo para ele. 
Cornélio se levantou rapidamente, agarrando a 
mão com o crucifixo, enquanto gritava de dor, jogou-o 
no chão. 
– Maldito! – rugiu novamente, passando a mão 
no rosto como isso fosse curá-lo.
– Assassino! – Victor gritou com ainda mais 
força, golpeando com a estaca e mirando o coração 
negro do vampiro. 
O maldito o parou logo no último momento, 
com a ponta encostando apenas na superfície de sua 
roupa preta e em farrapos. 
– Não é minha culpa se deixas aquelas por 
quem tem afeição desprotegidas. Se não fosse eu, seria 
um reles ladrão qualquer, procurando por preciosas 
onde certamente não encontraria. 
Jogou-o e ele caiu no chão. Victor derrubara 
também a estaca, estava longe demais para tentar 
pegá-la. 
Olhou para o vampiro com olhos raivosos. 
– A culpa é sua e apenas sua. Assassino é aquele 
que mata o outro sem dó nem piedade, um ser sem 
alma ou coração, que tem prazer ao ver o sofrimento
alheio. É isso o que você é, Cornélio. Ela gritava sem 
parar, e você não parava. E não pôde simplesmente 
acabar com ela, não. Ainda não estava satisfeito. Foi 
quando a criança cometeu o erro de aparecer em seu 
campo de visão. Um ser como você não distingue certo 
do errado. Ela era apenas uma criança! 
Arrastou-se até o crucifixo e agarrou-o com 
força, pondo-se em pé num pulo rápido, agarrando a 
roupa do vampiro e puxando-o para perto de si. 
– Você as matou. E essa é a minha vingança! – 
repetiu e fez o vampiro vestir o crucifixo, as pérolas no 
pescoço, o homem Jesus sobre o peito. 
Ele gritou em dor e, desta vez, a dor parecia ser 
excruciante, queimando todo seu ser. O vampiro 
tentou agarrá-lo novamente, mas não conseguiu, pois 
Victor correu para outra parte do quarto.
Tentou tirar o crucifixo de seu pescoço, 
puxando-o pelas minúsculas pérolas, e foi queimado 
novamente. Caiu de joelhos e o grito não acabava, 
olhou para Victor com olhos de assassino, e virou pó. 
Caiu até a última partícula ao chão e, com isso, 
apagou a chama da vela e o quarto, antes com 
iluminação tênue, se encontrava na completa escuridão 
novamente. 
… 
Victor acordou em sua cama com um sorriso no rosto, 
mas foi por pouco tempo. Demorou consideráveis 
segundos para perceber que nada daquilo realmente 
ocorrera. Era apenas outro sonho, outro sonho onde 
matava o assassino. 
Chorou pela primeira vez naquele dia.

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Pegadas de Sangue: A busca por justiça

  • 1. Pegadas de Sangue Lucas Zanella
  • 2. 1. O sol ardia no céu, cegando todos que se atreviam a olhar para cima. Para Cornélio, o sol ardia ainda mais. O homem de cabelo preto e barba curta andava se arrastando. Seus olhos brilhavam e pareciam já estarem cegos. Seu sangue fervia e seu cérebro explodia. - Senhor? - uma moça de vinte e tantos anos o parou, um pouco mais jovem que ele, embora, naquelas condições, ele parecesse mais velho. Parecia preocupada com o bem-estar do desconhecido. - Ah, meu deus. Venha comigo! Ela o arrastou para um banco, logo abaixo de uma grande árvore, numa praça vazia. Cornélio sentia sua boca seca, gritando por algo que saciasse sua sede. Ele sabia o que faria isso.
  • 3. - O senhor quer que eu chame alguém? - ela tornou a perguntar. - Muito obrigado, minha jovem - sua voz estava rouca por conta da idade que chegava correndo. - Se aproxime, lhe falarei o número de meu filho! Ela o obedeceu. Certamente não desconfiaria de um pobre velho que caía aos pedaços. A desconhecida se agachou e aproximou o ouvido de sua boca, já pensando que ele não teria forças para falar. Não foi rápido e tampouco indolor. Mordeu-a num instante e o sangue que caía do pescoço pingava no chão duro e ardente, debaixo da sombra emitida pela grande árvore. Cornélio saciava sua sede e restaurava sua juventude, a mulher gritava e lentamente morria. Ele não parecia se importar, afinal, já eram décadas de gritos e mortes.
  • 4. A moça, Camila, era gentil e se preocupava com os outros. Não possuía filhos e seus pais moravam em outra cidade, mas estava noiva de Bruno, e achava que fosse realmente, com ele, ser feliz para sempre . Talvez até mesmo fosse ser, fosse ter uma vida feliz. Apenas não teria porque resolveu, numa tarde monótona, parar para ajudar uma pobre alma. Cornélio já se sentia restaurado. O homem voltara a ter sua aparência de quase 30 anos e estava saudável. Apesar do sol, agora teria sangue o suficiente para chegar em casa e trancar-se dentro dela. Quanto à moça? Ah, deixe-a aí , pensou. Essa não é uma história onde vampiros são bonzinhos. Essa é a vida real, aqui eles matam pessoas inocentes e não possuem um pingo de emoção. E é assim como um deles foi descoberto.
  • 5. 2. Victor examinava papéis, mas sem nenhuma esperança no olho ou alma. Sentado em sua cadeira, em frente a sua mesa, os papéis se pareciam mais com uma grande montanha de decepção. Nunca antes se sentira assim, tão decepcionado. Exceto, talvez, três anos atrás. Sempre há aquela hora em que você se vê no espelho e percebe que não há nada para fazer em relação ao que ocorreu no passado. O que aconteceu não pode ser mudado, pois é impossível. Isso aconteceu para Victor quando ele jogou na pilha outra pasta cheia de folhas completas e vazias ao mesmo tempo. O aperto no coração veio primeiro, como sempre vem, depois foram as lembranças, e, por final, a lágrima que caiu primeiro pelo olho esquerdo.
  • 6. Pousou os dois cotovelos na mesa de madeira lisa, pôs os óculos sobre a pilha e passou a mão pela cara, limpando as lágrimas e expulsando a tristeza, que agarrava-o como se fosse um amado. Não conseguiu. A tristeza não o largou, mas a esperança o deixou na sarjeta enquanto seguia seu rumo o mais longe possível. Lorenzo quebrou o clima de tristeza de Victor batendo na mesa pequena do grande salão, enquanto corria até ele desesperadamente, como um garoto que acaba de perceber que perdera a mãe de vista no meio de uma multidão. Usava um casaco de couro marrom, sapato e calça preta. - Merda. Merda. Merda - xingou a mesinha enquanto pulava numa perna só, segurando a machucada como se isso fosse resolver alguma coisa.
  • 7. O grande salão da casa de Victor não tinha esse nome apenas por ter, mas sim era um enorme salão, digno de realizações de danças antigas, com todos os cavalheiros de terno e damas de belos vestidos. Possuía bastante dinheiro, embora agora isso não importava mais. Por conta de bons investimentos no passado, agora o dinheiro aparecia em sua conta bancária automaticamente; ele, por sua vez, perdeu a vontade por trabalhar. Escrevia e calculava; estudava e estudava. Os cálculos eram sua paixão, sua terceira paixão. - Um quilômetro de salão, mas eu precisava ter batido na porra da mesa! - criticou-se Lorenzo, agora agachado e esfregando o tornozelo com seus olhos franzidos. Deixara cair ao chão os documentos que carregava. Suspirou e os pegou novamente, começou
  • 8. procurando por Victor na sala onde sempre trabalhava. Após tanto tempo, o chefe até mesmo passou a dormir ali, investigando sem parar. - Victor! - ele disse ao vê-lo. Andou até a mesa e estendeu a mão com os papéis. - É inútil! - respondeu sem tirar as mãos dos olhos e o cotovelo de cima da mesa. - Ah, não, Victor. Não novamente. Não é inútil, lembre-se disso. Você foi o que me disse para que, sempre que você perdesse as esperanças, era para te lembrar de que é isso o que quer fazer! - E é - concordou. - Mas é inútil querer fazer, é inútil fazer - levantou-se e passou a andar pela sala apreensivamente. - Há três anos que investigo essa merda e não encontro nada há três anos também. É inútil. - A esperança é a última que morre.
  • 9. - Não, Lorenzo, a esperança foi a primeira que morreu. O que pensei que ainda não tivesse morrido era minha vontade, mas até mesmo essa parece ter se dado descarga e corrido para longe. - Você não tem vontade de encontrar a porra do cara que matou elas? - começou a gritar de raiva. Ajudava Victor há tanto tempo que passara a também se importar sobre o assunto. Victor também gritou, de raiva e frustração. Lágrimas começaram a novamente escorrer pelo rosto. Lágrimas de raiva e de tristeza. - É claro que tenho, mas não acho nada há tempo demais. Demais para mim, pelo menos. É tarde, Lorenzo, ele não deve mais estar na cidade, ou mesmo vivo. Provavelmente já foi preso.
  • 10. Preso por outro assassinato que cometeu, e não pelo da minha mulher e filha , pensou. Os policiais teriam ligado se tivessem o pegado, não teriam? Caiu de joelhos ao chão. Estava sem forças para gritar ou continuar em pé. Tudo escorregava pelo seu corpo, sua energia parecia o deixar. - Victor! - gritou e correu até o amigo, ajudando-o a se levantar. Sentou-o num sofá bege e de aparência antiga. A aparência antiga da casa se dava pelo gosto da mulher. Victor também gostou, mas apenas depois que tudo ficou pronto. Odiava coisas antigas, mas estava disposto a fazer isso se fosse deixar ela feliz. Agora, seu próprio desgosto o traíra. Era cercado de coisas antigas por todos os cantos: fotos da mulher e da filha penduradas nas paredes, sobre a mesa, ao lado da cama.
  • 11. O quarto em que passara a dormir era outro, pois não conseguia mais entrar naquele em que ela dormira. Temia que não fosse aguentar tamanha depressão caso entrasse. E agora, estando repleto de teias de aranha que ele mesmo deixara que se formassem, a depressão seria ainda maior. Ele chorava, pela quarta vez naquele dia. Era de noitinha, e o sol já despencara do céu. - Eu vou deixar eles lá em cima! - Lorenzo olhou para os papéis sobre a mesa. - Se você quiser, pode lê-los amanhã. Durma, agora, é melhor que durma para que pense melhor sobre o assunto. - Não adianta, Lorenzo, não adianta - disse sem forças. Já começava a deitar-se no sofá que, após tanto tempo, já possuía a forma de seu corpo no couro. Lorenzo pôs sob a cabeça do amigo uma almofada e deixou-o ali, onde sempre dormia.
  • 12. ... Xingou-se em pensamento por terem discutido. Aquela não era a vida dele, então não tinha direito de interferir. Não sabia o que se passava na cabeça de Victor, então não tinha como consolá-lo. Sabia, porém, que ele apenas não se matou porque queria achar quem as matou antes. Agora, com ele sem vontade e esperança, não sabia o que poderia acontecer. Talvez, amanhã, quando descesse de seu quarto, fosse encontrá-lo sobre sua mesa, com o sangue de sua cabeça sobre as centenas de papéis que lá estavam. Talvez fosse o encontrar no mesmo local, deitado no sofá, com um copo de água e pílulas ao seu lado. Dormindo em paz, mas nunca acordando. Talvez, a caminho da escada que leva para o primeiro andar, passaria na frente do quarto dela e
  • 13. veria a porta aberta. A dor poderia ser tanta que ele cairia ao chão, sem nem mesmo ter a chance de, lá no Paraíso, chegar para elas e falar que “O encontrou e o matou”. A mulher não aprovaria, mas ficaria aliviada, se é que se pode não ficar aliviado no Paraíso, se é que era lá para onde Victor iria quando o matasse. Lorenzo sabia que o amigo não pensava sobre isso, pois era inútil. Não as verei novamente , é o que ele dizia, então é inútil me matar achando que irei . Mas, às vezes, quando ele isso dizia, seu olho brilhava. Era uma lágrima que ele lutava para segurar, e sempre conseguia. Não sabia se Victor falava aquilo para ele apenas para o tranquilizar ou se realmente pensava daquela maneira.
  • 14. Para Lorenzo, era impossível não pensar sobre ver seus entes queridos novamente. Pensava que a vida não tinha sentido nenhum se não fosse ter algo após tudo isso. Passou a mão pelo rosto, querendo parar de pensar sobre isso, e conseguiu. ... O sol entrava pela janela e batia no rosto de Victor, isso o acordou. Sua cabeça doía. Se esquecera, por um minuto, da briga do dia anterior. Então se lembrou e achou melhor ao menos olhar o que Lorenzo encontrou. O amigo o ajudava a encontrar pistas sobre o assassinato delas havia um bom tempo, mas nunca encontraram nada. Isso o deixava triste. Sentou na cadeira e pôs os óculos, então pegou os papéis e se preparou com um suspiro longo.
  • 15. ... É claro que eles já teriam descoberto o corpo, afinal, ele não estava assim tão escondido. Caído no meio da praça, era examinado por legistas. As duas marcas no pescoço não faziam sentido, ao menos não ali na praça. E Victor sabia disso; estava escondido atrás de uma árvore, observando tudo. Em casa, apenas disse para Lorenzo “Vou ir à praça” após ler o que o amigo encontrara e correu até lá. O amigo conseguira convencê-lo de não parar de procurar, e sem nem mesmo tentar. Os documentos entregues para Victor não eram muito descritivos, tanto porque não eram documentos oficiais da polícia, como sempre antes conseguiam. Como era um novo assassinato, não havia ainda documento algum que pudesse ser comprado de um
  • 16. policial corrupto. Aquele era apenas um simples papel que descrevia imagens vistas numa câmera de segurança por um comerciante local. E, lendo a descrição, Victor percebeu que era ele, o assassino delas . Ele ainda não morrera ou fora preso. Estava lá, matando. Sem coração, sem emoção. O documento fora escrito por Lorenzo, enquanto conversava com a testemunha. “O sujeito estava sentado em seu mercado, lidando com alguns produtos. O homem conta que viu, na tela com imagens da câmera de segurança do lado de fora, uma mulher ajudar alguém. Sem som, era impossível saber o que dizia, e estava assustado demais para sair do mercado e ouvir. Assustado simplesmente porque, na tela, nada aparecia. A mulher ajudava ninguém. Se inclinou em frente a um banco vazio e começou a gritar. O homem conta que ficou em
  • 17. estado de choque, sem saber a quem chamar ou se deveria chamar alguém”. Nada. Fora justamente isso o que Victor vira nas imagens da câmera de segurança após a morte da mulher e da filha. Nada as matava, mas morreram mesmo assim. Ao contar para a polícia, nem se deram ao trabalho de investigar ou ver as filmagens. Chamaram-no de louco, e com razão. Após a terrível experiência, ficara um pouco louco. - Empacotem-na e tirem-na daqui, antes que comece a acumular gente! - disse um homem de cabelo pouco grisalho que depois começou a coçar a cabeça, pensativo. Os outros obedeciam. O homem, o chefe, andava de lá para cá, mas não viu Victor observando-o. Estava apreensivo. Para Victor, isso só podia significar
  • 18. uma das duas coisas: ou sabia o que acontecia, ou não tinha ideia alguma e isso o assustava. Aquele assassino era esperto e misterioso, até mesmo sobrenatural, então é claro que ele apostou que o chefe não fizesse ideia do que lá acontecera. Victor fitou o chão, que estava inundado de sangue. A mulher, com olhos que gritavam de desespero, era levantada e colocada dentro de um saco escuro. Se não sabe o que é, jogue no lixo . Foi o que Victor pensou ao ver a cena, criticando a atitude dos “homens da lei”. Certamente não haveria autópsia ou investigação minuciosa, isso porque eles sabiam que isso não levaria a nada. Para os homens, era melhor nem tocar no assunto. Provavelmente contatariam a família da moça e diriam que o assassino fora preso, ou então nem se
  • 19. dariam ao trabalho. Ele, por sua vez, nunca recebera o telefonema que mentia. Não sabia se iria se sentir pior ou melhor após a mentira contada, mas certamente gostaria de tê-la recebido anos atrás. Talvez sua vida fosse ser totalmente diferente, talvez já teria casado novamente, ou, pelo menos, pararia de pensar tanto sobre aquilo. Os policiais saíam, e nem mesmo perceberam-no. A praça tornava a ficar vazia, mas o sangue ainda no chão. E não só o sangue era visto. - Ele pisou no sangue - o homem disse esperançoso e saiu de trás das árvores, querendo fazer parte da atração principal. Seguiu com os olhos um caminho vermelho, pegadas de um sapato caminhavam sem notar o descuido. Andou junto das pegadas do assassino, olhando para baixo como se estivesse envergonhado.
  • 20. - Te peguei - proferiu, sorriu alegremente e correu, ainda seguindo as pegadas. 3. Livros e internet, aquele era o século XXI. Os meios de e conseguir informação eram infinitos, e ele procurara por todos. Vampiros. Pff. Claro que vampiros não existiam, mas o que mais deixava duas marcas de mordida no pescoço de suas vítimas? Eram tempos modernos, mas inundados de lendas ultrapassadas. Não aparecia nas filmagens e, ao passar pelo espelho no quarto do casal, nada foi visto também. Essa era a única explicação, mas vampiros não existem. Não podem existir.
  • 21. Há milênios que descobrimos a escrita, e ninguém nunca escreveu um relatório que dizia tal palavra proibida: Vampiro. Haviam livros, filmes, peças de teatro e até mesmo danças que possuíam vampiros, mas era apenas isso. Não podemos nos basear em livros fictícios para pensar que as coisas são reais, mas, ele se lembrou, seu colega era cristão. Será mesmo que não podemos? Em tudo o que é escrito ficcionalmente, uma pequena parte é real, realmente aconteceu ou é baseado na verdade. E se a parte falsa de Drácula fosse que ele era um conde, e não um vampiro? Era possível, tudo é possível. São tempos modernos, mas cheios de ilusões antigas. Em sua mão direita, ele segurava uma estaca de madeira muito bem cortada. Na outra, um crucifixo
  • 22. com o homem Jesus sofrendo nele. Segurava-os firmemente, e não tinha a intenção de largá-los tão cedo. Largaria a estaca apenas quando estivesse banhada de sangue, e o crucifixo apenas quando tivesse feito o assassino sofrer, tal como ele sofria, tal como o homem preso no próprio crucifixo sofrera, assim como todos diziam, mas ninguém parecia ter compaixão. Amarás o teu próximo como a ti mesmo , foi o que o homem preso ao crucifixo uma vez disse, mas ninguém perguntou a Victor se ele precisava de algo. Ninguém o amou e teve compaixão pela pobre alma do sofrido, apenas pena, dó. Soltou um longo suspiro ao parar em frente a uma casa grande, de gente rica. Era bela e também de aparência antiga, mas muito mais antiga que a sua aparentava ser. Parecia ter sido construída décadas,
  • 23. séculos atrás. E era bem provável que tivesse sido, assim como era bem provável que o morador ainda fosse o mesmo desde sua construção. - A esperança não é a última que morre, Lorenzo, são os malfeitores. Estes vivem para sempre. Ninguém se lembrará de nomes importantes e bondosos, mas falarão de Hitler até o fim dos tempos - falou olhando para baixo, como se quisesse transmitir a mensagem para o amigo que não estava por perto. Victor vestia um sobretudo preto e luvas de couro da mesma cor. Não percebia, mas estava tão misterioso quanto o homem que queria matar. Vestido, talvez, como um verdadeiro matador de vampiros. Ajustou os óculos com a mão que segurava o crucifixo e empurrou um portão enferrujado, cercado
  • 24. de um muro de pedra que logo começaria a cair aos pedaços. O morador não cuidava da casa, apenas de si próprio. A grama estava podre e as flores também. Um dia, há muito tempo, deveria ser uma bela casa para se morar. Agora, parecia-se mais com uma casa em que o próprio Diabo gostaria de morar. ... O caminho de pedras era repleto de ervas daninhas. Victor queria sair correndo de lá, seu coração estava apertado. Apenas não saía porque a raiva era maior que o medo, sempre foi. As paredes, já sujas, eram antes de um amarelo bonito. As janelas marrons, mas agora com teias de aranha e sempre fechadas, como era de se esperar. A
  • 25. porta, grande e majestosa, estava ainda limpa, ou, pelo menos, mais limpa que o resto da casa. Claro, à noite ele precisava sair para procurar comida, e isso fazia a porta ser a única coisa útil lá. Não era noite, mas também o sol não brilhava no céu. Victor não sabia mais se entrava ou se batia na porta, obrigando-o a sair de casa e encará-lo abaixo das nuvens e acima dos germes da terra. Victor pôs a mão na maçaneta circular e razoavelmente transparente da porta e a empurrou. Ouviu-se um longo rangido, alto o suficiente para acordar os mortos que descansavam na terra. Ninguém apareceu. Nada de teias de aranha ou móveis cobertos por um pano branco para não pegarem poeira, tudo estava limpo até o último centímetro. Era como se o
  • 26. assassino tivesse um certo cuidado interior pela casa, mas pouco ligava para o exterior. Sendo um homem que não sai muito de casa, porém vive dentro dela quase o dia todo, é até mesmo compreensível tal cuidado. O primeiro corredor, curto e pouco espaçoso, parecia ter sido recentemente lustrado, com as paredes lisas e de um marrom bonito. Ao lado da porta de entrada, um grande Lírio-da-Paz com suas folhas ainda repletas de pequenas gotículas de água. A terra fofa por conta do banho que a planta recentemente recebeu. No chão, o carpete era marrom-claro e possuía um padrão de triângulos, com a intersecção entre eles sendo de um marrom mais escuro que o da madeira das paredes. Não era felpudo, mas belo. Bem ajeitado no chão e limpo.
  • 27. – Preciso admitir – Victor disse para si mesmo –, ele até que tem bom gosto! A sala principal, logo depois do corredor, era grande e a beleza dos móveis antigos permanecia. Num dos cantos, um piano branco muito bem cuidado. Nas paredes, belas pinturas que, se verdadeiras, custam milhões de reais. Mais plantas em alguns cantos, desta vez eram Palmeira-Ráfias, plantadas em um vaso branco e enfeitavam a sala. O piso também era liso e outro carpete, agora com um padrão diferente, losangos. A cada passo dado, a casa gemia, parecia querer que ele fosse embora, mas o homem não obedecia. Nenhuma outra alma viva, a única respiração ouvida era a dele, e estava acelerada. Embora maravilhado, seu medo começara a dar pontadas em seu coração. A raiva não era mais
  • 28. suficiente para o fazer continuar, mas, por persistência, continuou mesmo assim. Outro corredor, outra sala. Tudo ainda muito bem decorado, à maneira medieval. Embora belo, vazio. Havia camas em todos os quartos, claro, mas Victor sabia que não era uma cama o que ele procurava. Não, aquele assassino era diferente. As camas, embora bem-feitas, eram visivelmente não usadas havia anos. Décadas, talvez. Céus, talvez até mesmo séculos. Em que época viveu aquele vampiro maldito? Sua mulher teria adorado aquela casa, insistido em conhecer o dono. Ficou feliz por um instante, por se lembrar dela, então lembrou-se que estava na casa de seu assassino. O pesar voltou ao coração.
  • 29. Segurou a estaca de madeira com mais força. Sua mão, agora vermelha, doía. Na outra, segurava o crucifixo pelo colar de pedras brancas pequenas, parecidas com minúsculas pérolas. O quarto que procurava era o único a não ter uma lâmpada, ou ser belo. Era escuro e frio. Primeiramente, Victor sentiu na pele a sensação da morte, porém não da própria, e sim da dele . Sabia, do fundo de seu coração, que era lá onde ele estaria. No fundo do quarto, dormindo em pé, no escuro mais escuro, apenas esperando pela próxima vítima. … Baixou os olhos e viu as pegadas vermelhas que o levaram à casa. – Maldito – falou alto sem querer, porém nenhum movimento foi ouvido.
  • 30. Não entrou no quarto de primeira. Precisou antes ir até certa parte do corredor, pegar uma das velas do candelabro de parede que iluminava aquela área. A única área que parecia não ter evoluído com o tempo. A única área que parecia realmente ser da casa que pertencia a um vampiro. O maldito vampiro. Andava e tomava cuidado para não queimar suas mãos com a cera que escorria pelo corpo branco da vela longa. Com habilidade, segurava o crucifixo na mesma mão da vela. Manejou chegar em frente a porta, que já não estava mais lá, era apenas o batente podre. A chama pobremente iluminava uma pequena parte do local. – Claro que não pensei em pegar uma lanterna – e uma lanterna teria sim sido muito melhor.
  • 31. Daquela maneira, precisaria entrar no quarto para saber se ele estava lá. E isso era algo que Victor não queria fazer, nem em um milhão de anos. Mas fez, por elas . A chama piscava, como uma lâmpada defeituosa. O quarto se iluminava por pouco e voltava à escuridão. O coração de Victor dava saltos a todo momento. Aquele lugar sim fazia jus ao exterior feio da casa. Teias de aranhas e poeira por toda a parte. Era aquilo mesmo que ele esperava ter encontrado ao entrar na casa. Finalmente achou o que queria, mas não estava feliz. Nem um pouco. Mais candelabros não usados e sem velas jogados sobre uma mesa de madeira clara e de pernas cobertas por teia. Andou e tropeçou em quadros ainda mais antigos dos que os da sala principal, agora tão
  • 32. malcuidados que seria difícil vendê-los por mais de cinco reais. Achou novamente o que procurava, e certamente não ficou feliz. Levou um susto e cambaleou para trás. O caixão em pé era bem cuidado, porém assustador. Bonito em sua estrutura, mas feio por conta das teias de aranha que enfeitavam a parede atrás dele. Dessa vez sim, fez barulho demais. Um riso profundo ecoou pelo quarto. Era uma voz grossa e de deboche. Victor apertou ambos os objetos contra seu peito. A vela caíra no chão, e agora produzia formas diabólicas nas paredes. Sua luz quase fora extinguida, mas, por sorte ou azar, conseguiu ver que o vampiro começara a abrir seu caixão. – Chame-me de Cornélio – falou a voz, o caixão ainda abrindo, enquanto rangia. O interior, até
  • 33. então, completamente escuro. Pôde ver que o vampiro acordara para ele, mas não o via se despertar e observar-lhe com seus olhos de assassino. – Cornélio – concordou, falou em um sopro. Brandiu sua estaca como se fosse uma espada e o maldito começara a lentamente aparecer, sua face sendo iluminada pela tênue chama da vela caída. – Mate-me, então. Vamos ver quem é mais forte: o pobre humano ou o terrível imortal. – Você as matou – falou, olhando-o diretamente no olho escuro. – E agora é a hora da minha vingança. Atacou-o tal como um guerreiro ataca outro, mas eles não estavam numa arena. E tampouco a luta era justa. Cornélio agarrou-o pelo braço e impediu seu ataque. Sua força era a de mil homens, mas Victor não desistiu. Não ainda.
  • 34. – Não sou um assassino – gritou como se fosse uma ameaça. – Sou um sobrevivente. E agora é hora sobreviver. Andou até o indefeso homem, que tentara uma nova chance, agora com o crucifixo. Brandiu-o tal como muitos outros homens antes o brandiram, como uma arma que servia para matar. Funcionou, um pouco. A imagem do homem preso ao objeto parecia ácido para os olhos e pele do vampiro, que se contorceu todo e grunhiu para Victor. Ele ainda apontava o crucifixo para ele. Cornélio se levantou rapidamente, agarrando a mão com o crucifixo, enquanto gritava de dor, jogou-o no chão. – Maldito! – rugiu novamente, passando a mão no rosto como isso fosse curá-lo.
  • 35. – Assassino! – Victor gritou com ainda mais força, golpeando com a estaca e mirando o coração negro do vampiro. O maldito o parou logo no último momento, com a ponta encostando apenas na superfície de sua roupa preta e em farrapos. – Não é minha culpa se deixas aquelas por quem tem afeição desprotegidas. Se não fosse eu, seria um reles ladrão qualquer, procurando por preciosas onde certamente não encontraria. Jogou-o e ele caiu no chão. Victor derrubara também a estaca, estava longe demais para tentar pegá-la. Olhou para o vampiro com olhos raivosos. – A culpa é sua e apenas sua. Assassino é aquele que mata o outro sem dó nem piedade, um ser sem alma ou coração, que tem prazer ao ver o sofrimento
  • 36. alheio. É isso o que você é, Cornélio. Ela gritava sem parar, e você não parava. E não pôde simplesmente acabar com ela, não. Ainda não estava satisfeito. Foi quando a criança cometeu o erro de aparecer em seu campo de visão. Um ser como você não distingue certo do errado. Ela era apenas uma criança! Arrastou-se até o crucifixo e agarrou-o com força, pondo-se em pé num pulo rápido, agarrando a roupa do vampiro e puxando-o para perto de si. – Você as matou. E essa é a minha vingança! – repetiu e fez o vampiro vestir o crucifixo, as pérolas no pescoço, o homem Jesus sobre o peito. Ele gritou em dor e, desta vez, a dor parecia ser excruciante, queimando todo seu ser. O vampiro tentou agarrá-lo novamente, mas não conseguiu, pois Victor correu para outra parte do quarto.
  • 37. Tentou tirar o crucifixo de seu pescoço, puxando-o pelas minúsculas pérolas, e foi queimado novamente. Caiu de joelhos e o grito não acabava, olhou para Victor com olhos de assassino, e virou pó. Caiu até a última partícula ao chão e, com isso, apagou a chama da vela e o quarto, antes com iluminação tênue, se encontrava na completa escuridão novamente. … Victor acordou em sua cama com um sorriso no rosto, mas foi por pouco tempo. Demorou consideráveis segundos para perceber que nada daquilo realmente ocorrera. Era apenas outro sonho, outro sonho onde matava o assassino. Chorou pela primeira vez naquele dia.