1. A tal noite
- Eveline, se descobrisse algo que lhe desse a chance de voltar no tempo,
você o usaria? – perguntou indiferente.
- Laura, querida, essas coisas não existem. Pare de dar asas à loucura!
- Você não respondeu minha pergunta Eveline. – insistiu.
- Não Laura, eu não usaria. Apesar de ter vivido tempos difíceis, os quais
eu gostaria de não ter vivido, não alteraria em nada tudo o que me aconteceu. Acredito
que Deus tem um plano para mim. – sorriu maternalmente.
- Eveline, você e sua religiosidade. Esqueça-a! Responda-me apenas
como um ser livre de tais influências.
- Sim. – falou entre dentes encarando-a.
- Pois eu também usaria. Impediria que meus pais me afastassem de
Renato. Já lhe disse que vez em quando ele vem me visitar todo sorridente? Já lhe
contei nossos planos Eveline? Ah, preciso contar-lhe sobre certa noite. Prepare-se
para coisas quentes e fortes dear.
- Começamos nossa sessão agora. Tem tempo de sobra para me contar
sobre tal noite. Aconteceu há muito tempo?
- Pouco antes de começarmos nossas conversas Evie, mas já conheço
Renato há anos. Ele namorava a sobrinha de uma velha conhecida de minha mãe. E
desde sempre o reparei. Reparava o formato do rosto, suas linhas fortes, aquele
sorriso que me estremece. – Sorriu sozinha. – Os cabelos de tons claros e ainda um
pouco curtos, mas que em breve crescerão idênticos ao de um ator renomado. Suas
pintas na bochecha, as quais eu faço questão de beijar uma por uma a cada encontro
nosso.
- Me parece um lindo rapaz Laura... – disse Eveline por cima dos óculos.
- Em breve você o conhecerá Evie, não se preocupe.
- Claro! Prossiga, por favor, querida! Conte-me sobre a tal noite.
- Oh claro! Depois de vê-lo constantemente pelo meu bairro, decidi
descobrir tudo e mais um pouco sobre ele. No início, consegui poucas informações,
descobri apenas sua idade e que sua família e a minha eram velhas conhecidas.
Descobri alguns locais dos quais ele freqüentava, pessoas com quem ele mantinha
contato e cheguei ao seu nome. Renato. O encontrei numa rede social, fiz o pedido de
amizade e pouco tempo depois ele havia me aceitado e conversamos por uma manhã
e duas tardes inteiras. Encantamos-nos instantaneamente um pelo outro. Tínhamos
muito em comum, um magnetismo, talvez. Saímos por duas noites seguidas e aos fins
de semana, ele me visitava. Tudo corria bem, gostava da sua companhia, me fazia
sorrir só de pensar nele, mas ambos não queriam embarcar num relacionamento sério.
2. -Algum tempo depois, Renato veio à minha casa para assistirmos um filme.
– Continuou Laura.- Eu já o havia informado que não me dava bem com o meu pai,
que poderíamos ter problemas. Mas, ele disse que não se importava desde que visse
o bendito filme comigo. No fim do filme, meu pai apareceu e transtornado armou um
escândalo daqueles! Foi a primeira vez que um cara me viu chorando Evie. Eu me
sentia segura o suficiente ao lado dele para tal façanha. Depois de tal episódio, sentia-
o um tanto distante, mas deixei minha nuvem de dúvidas no alto e sai de baixo dela.
“Xô dúvidas! Saiam de mim!”, dizia eu em meus pensamentos. Mas ainda sim, era
algo que me incomodava. A freqüência de nossos encontros caiu. Notei-o ainda mais
distante. Perguntei o que houve, disse-me que eu não era o esperado dele e
completou dizendo: “o melhor é nos afastarmos, pois você quer algo que eu não posso
te oferecer: um relacionamento sério.” Corrigi-o sobre o meu tal querer, mas mesmo
assim nos afastamos.
- Mas se afastaram? E depois?
- Passei um bom tempo sem vê-lo, quase um mês. Conheci outros caras,
mas ainda sim ainda me recordava daquele seu jeito aéreo de ser. Encontrei-o em um
evento que ocorria na cidade e nos rendemos a um curto “flashback”. Quase dois
meses depois nos reencontramos. Cheguei à prévia da tal noite Evie. Convidou-me
para mais uma noite de filme, me buscaria e deixaria na porta de casa. Disse que não
aceitava um “não” como resposta e que se assim eu fizesse, ficaria tremendamente
chateado. Renato e aquela sua carinha de vampiro de filme adolescente sem dona.
Minha mãe com toda certeza não me permitiria ir até a casa dele para ficarmos
sozinhos inocentemente durante o filme. Pois eu fui escondida. Como o combinado,
me buscou em casa, atrasado como sempre. Chegando à sua casa, nada aconteceu
até os quase vinte minutos de filme. Até que nos beijamos e tudo ficou quente. Evie,
você é casada?
- Não, Laura. Optei por ser solteira até que a morte me separe de mim
mesma. Continue por gentileza.
- Acho que até o momento em questão nunca senti sensação melhor do
que tê-lo, ainda vestido da cintura para baixo, entre minhas pernas. Suas mãos
espertas acariciaram-me mais do que deviam, mas eu não tinha forças para pará-lo.
Eu queria que aquilo continuasse! Até me lembrar que eu estava naqueles dias, se é
que me entende. Pronto! Não podia rolar, fiquei mais chateada do que Renato. Não
falei nada sobre isto com ele, apenas disse que ainda não era o momento e o que
todas as virgens dizem para protelar na hora H.
Eveline não conseguia conter o riso.
- E o que houve? Continue, a tal noite está interessantíssima!
- Não ria Evie! Estávamos devidamente excitados e não podia acontecer
nada por causa deste imprevisto. Porém, logo depois vi que de fato não era o
momento. O que Renato desejava era apenas mais uma noite de sexo selvagem e
apenas isto. Eu queria mais e mais eu não teria. Levou-me para casa com a sublime
promessa de não mudar comigo mais uma vez. Mas ele não cumpriu, claro. No dia
seguinte, já estava mudado e monossilábico. Marquei outro encontro e agora quem
3. não aceitaria não como resposta era eu! Mais uma vez, me buscou em casa e fomos
para a casa dele. Chegando lá comecei meu discurso já previamente ensaiado:
- Pois é chegado o momento da verdade! Tenho dois motivos verdadeiros
para negar-lhe fogo aquele dia! – disse eu irritada.
- Quais são eles? – Renato sorriu irônico.
- Primeiro e mais importante: o que você queria eu não poderia lhe dar.
Apenas uma noite, eu quero mais e mais sei que não vou ter. Cometi a loucura de
apaixonar-me por você. E não me interrompa. Segundo e irrelevante motivo: estava
naqueles dias na data em questão. – a essas alturas, eu estava mais vermelha que
um pimentão.
- Vou tomar banho e logo em seguida lhe respondo a altura seus motivos.
Quinze minutos e estarei aqui.
Quinze minutos para ele equivaliam ao dobro deles. Pouco depois o
escutei me pedindo para fazer o favor de pegar sua toalha. Irritada com a resposta que
Renato me arrumou, resolvi lhe aprontar uma brincadeira.
Enrolei-me na toalha e entrei no banheiro. Bati no box para lhe chamar a
atenção.
- Quer sua toalha? Pegue-a de mim. – provoquei.
Como um louco, Renato saiu do box. Ainda molhado do banho pegou não
só a toalha, mas a mim também. Jogou-me na cama e suas mãos espertas entraram
em cena novamente. Não houve uma parte do meu corpo que fora esquecida por ele.
Despedi-me de minha timidez e me deixei levar. Só não sabia que Renato não me
daria tempo para respirar. Os tempos de virgem agora seriam esquecidos. Até hoje
ainda não descobri onde deixei minha timidez. Evie, minhas mãos pareciam ter vida
própria, pois passeavam e arranhavam as costas dele. Seu nome e palavras
indecentes tomaram conta dos meus lábios e pensamento. Suspiros e gemidos se
confundiam no grande e silencioso quarto dele. Só de relembrar fico estremecida. Não
nos contentamos com uma única vez aquele dia, chegamos juntos ao clímax cinco
vezes.
- Seu Renato é um bruto! – disse Eveline constrangida. – Mas Laura, a
cada dia que vem aqui, você muda esta noite. Comparei minhas anotações e sim,
você sempre retira ou acrescenta algo. Procuro alguma conexão, mas caio em um
poço de contradições.
- Você está insinuando que estou louca Evie?
- Claro que não minha querida. Mas desde que sou psiquiatra da
Instituição Mamphs, você se contradiz. Seus pais haviam me alertado sobre isto.
Laura, você se lembra que Renato fora assassinado brutalmente há dois anos?
- Mas é claro que meu amor não foi assassinado! A única louca que vejo
nesta sala é você! – esbravejou ela aos prantos. – Ele vem me visitar todos os dias!
Eu o abraço, o vejo, o tenho comigo!
4. - Laura, acalme-se, por favor. Vamos para o seu quarto, você precisa
descansar e Renato virá visitá-la não é? Então vamos...
Laura foi deixada em seu quarto. Os enfermeiros fecharam a porta e
minutos depois jogaram um recorte de jornal debaixo da porta do quarto 2026. A
menina de corpo magro, cabelos longos e olhos verdes correu para pegá-lo.
Morte de jovem assassinado há dois anos é solucionada.
Segundo investigações da polícia Renato (23) foi confundido com um traficante e espancado até a morte por bandidos.
Desta vez, não houve tempo hábil para impedir que Laura se enforcasse
com o lençol.
Thaís
11/09/2012