O prefácio discute a relação entre arte e artista, defendendo que a arte deve revelar a beleza e ocultar o artista. Também afirma que crítica é uma forma de autobiografia e que a moralidade da arte depende do uso perfeito de um meio imperfeito. Por fim, declara que toda arte é completamente inútil.
1. O prefácio de “O Retrato de Dorian Gray”
O seguinte prefácio está na obra “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar
Wilde. Fala de arte e da relação entre a obra e o autor.
Assim como a epígrafe de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de
Machado de Assis,
“Ao verme
que
primeiro roeu as frias carnes
do meu cadáver
dedico
como saudosa lembrança
estas
Memórias Póstumas”
o prefácio de Oscar Wilde também faz parte da obra, poderia, por
exemplo, ter sido dito pela personagem Lord Henry Wotton.
The Preface
O Prefácio
The artist is the creator of beautiful things. To reveal art and
conceal the artist is art’s aim. The critic is he who can translate
into another manner or a new material his impression of beautiful
things.
O artista é o criador de coisas belas. Revelar a arte e
ocultar o artista é o objetivo da arte. O crítico é ele o
que sabe traduzir para um outro modo ou para um novo
material a sua impressão das coisas belas.
The highest as the lowest form of criticism is a mode of
autobiography. Those who find ugly meanings in beautiful things are
corrupt without being charming. This is a fault.
A mais alta assim como a mais baixa forma de crítica é um
modo de autobiografia. Aqueles que encontram torpeza nas
coisas belas são corruptos sem sedução. Isso é um defeito.
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2. Those who find beautiful meanings in beautiful things are the
cultivated. For these there is hope. They are the elect to whom
beautiful things mean only beauty.
Os que encontram significações belas nas coisas belas são
os cultos, Para esses há esperança. Eleitos são aqueles
para quem as coisas belas apenas significam beleza.
There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well
written, or badly written. That is all.
Um livro moral ou imoral é coisa que não existe. Os livros
são bem escritos ou mal escritos. Apenas isso.
The nineteenth century dislike of realism is the rage of Caliban
seeing his own face in a glass.
A aversão do século dezenove pelo Realismo é a fúria de
Caliban ao ver a sua cara ao espelho.
The nineteenth century dislike of romanticism is the rage of Caliban
not seeing his own face in a glass. The moral life of man forms part
of the subject-matter of the artist, but the morality of art consists
in the perfect use of an imperfect medium. No artist desires to prove
anything. Even things that are true can be proved. No artist has
ethical sympathies. An ethical sympathy in an artist is an
unpardonable mannerism of style. No artist is ever morbid. The artist
can express everything. Thought and language are to the artist
instruments of an art. Vice and virtue are to the artist materials
for an art. From the point of view of form, the type of all the arts
is the art of the musician. From the point of view of feeling, the
actor’s craft is the type. All art is at once surface and symbol.
Those who go beneath the surface do so at their peril. Those who read
the symbol do so at their peril. It is the spectator, and not life,
that art really mirrors. Diversity of opinion about a work of art
shows that the work is new, complex, and vital. When critics
disagree, the artist is in accord with himself. We can forgive a man
for making a useful thing as long as he does not admire it. The only
excuse for making a useless thing is that one admires it intensely.
A aversão do século dezenove pelo Romantismo é a queixa de
Caliban1 por não ver a sua cara ao espelho. A vida moral
do homem faz parte do tema tratado pelo artista, mas a
moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio
imperfeito. Nenhum artista quer provar coisa alguma. Até
as coisas que são verdade podem ser provadas. Nenhum
artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num
artista é um imperdoável maneirismo do estilo. Um artista
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3. nunca é mórbido. O artista pode exprimir tudo. Pensamento
e linguagem são para o artista instrumentos de uma arte.
Vício e virtude são para o artista materiais para uma
arte. Sob o ponto de vista da forma, o modelo de todas as
artes é a arte do músico. Sob o ponto de vista do
sentimento, é a profissão do actor o modelo. Toda a arte é
ao mesmo tempo superfície e símbolo. Aqueles que vão além
da superfície o fazem a suas expensas. Aqueles que lêem o
símbolo o fazem a suas expensas. É o espectador, não a
vida, o que a arte realmente espelha. Diversidade de
opiniões sobre uma obra de arte revela que a obra é nova,
complexa e vital. Quando os críticos divergem, o artista
está em consonância consigo mesmo. Podemos perdoar um
homem que faça alguma coisa útil, contanto que ele não a
admire. A única justificativa para fazer uma coisa inútil
é que ela seja profundamente admirada.
All art is quite useless.
Toda a arte é completamente inútil.
Nota:
1. Caliban – o monstro da Tempestade, de Shakespeare, filho de uma
feiticeira e de um demônio, sempre revoltado, mas sempre submisso à
magia de Próspero.
http://nicolas-pelicioni.blogspot.com/
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