1. O texto descreve a vida e filosofia de Platão em três frases ou menos. 2. Fala sobre a educação de Platão em Atenas e seu encontro com Sócrates, que o influenciou profundamente. 3. Também aborda as viagens de Platão, onde conheceu diferentes filósofos e escolas de pensamento que contribuíram para o desenvolvimento de sua própria filosofia.
2. Platão:
O que é conhecimento?
• SUMÁRIO
• 1. A Vida de Platão
• 2. Resumo da Filosofia e da Moral de Platão
• 3. Breve Apresentação do diálogo “Teeteto”.
3. A Vida de Platão
• Platão nasceu em Atenas no ano 428-427 a.C.,
no povoado de Collytos. Segundo Diógenes de
Laércio, o seu pai Aríston era descendente de
uma família real, a família de Codros, o último
rei de Atenas. A sua mãe, Perictione, irmã de
Carmides e prima de Crítias, o tirano, descendia
de Drópides, que Diógenes de Laércio dizia ser
irmão de Sólon, um dos sete sábios da Grécia.
4. A Vida de Platão
• A tradição mandava que a uma criança, como
Platão, fosse atribuído o nome do seu avô. Portanto,
Platão deveria ter-se chamado Aristocles. Segundo
Diógenes de Laércio, o nome de Platão foi-lhe dado
pelo seu mestre de ginástica, em alusão à sua
corpulência. A família de Platão possuía uma
propriedade em Kifissia, onde atualmente se situa
uma estação terminal da linha 1 do metro de
Atenas. Aí, deve ter aprendido a gostar da calma da
vida rural, mas, muito provavelmente, deve ter
passado a maior parte da sua infância na cidade,
para poder ter acesso à educação própria da sua
condição social.
5. A Vida de Platão
• O mais certo, tendo em conta as suas origens
de nobreza, é que tenha aprendido a honrar
os deuses e a respeitar os rituais da religião,
como era tradição em todas as famílias de
bem. Manterá durante toda a sua vida este
respeito pela religião e imporá esse respeito
nas suas Leis. Para além da ginástica e da
música, que eram a base da educação
ateniense, também terá sido iniciado no
desenho e na pintura.
6. A Vida de Platão
• Em filosofia, a sua formação teria começado
com as lições de um discípulo de Heráclito,
Crátilo, cujo nome foi dado, por Platão, a um
dos seus diálogos. Eram-lhe reconhecidos
talentos para a poesia. Foi testemunha dos
sucessos de Eurípides e Ágaton, e ele próprio
compôs tragédias, poemas líricos e ditirambos.
7. A Vida de Platão
• Com cerca de vinte anos de idade, Platão conheceu
Sócrates. Diz-se que queimou as suas tragédias e que
se dedicou completamente à filosofia. Sócrates tinha
dedicado toda a sua vida a ensinar a virtude aos seus
concidadãos: a reforma (a conversão à virtude) dos
cidadãos era a condição necessária e indispensável
para o bem estar da cidade. Este será também o
objetivo principal da vida de Platão que, tal como o seu
primo Crítias e o seu tio Cármides, ambicionava
dedicar-se a uma carreira política; no entanto, os
excessos dos Trinta (um governo oligárquico de Atenas
composto por trinta magistrados) acabaram por o
horrorizar.
8. A Vida de Platão
• Quando foi restabelecida a constituição democrática
em Atenas, Platão já não estava tão confiante numa
carreira política. A condenação de Sócrates pelo
regime democrático desiludiu-o de forma
irrecuperável e definitiva. Ele tinha mantido a
esperança de que a democracia haveria de melhorar
a vida política; vendo que o mal parecia incurável,
dedicou-se completamente a preparar, através das
suas obras, alterações políticas de fundo, onde os
filósofos, preceptores e governantes da
humanidade, haveriam de pôr fim à maldade que
ele tanto repudiava.
9. A Vida de Platão
• Segundo consta, Platão estaria doente quando
Sócrates bebeu a cicuta, e, por isso, não pôde estar
presente nos seus últimos momentos. Após a morte
do mestre, retirou-se para Mégara (atualmente um
aglomerado agrícola a 43Km de Atenas), para junto
de Euclides e Terpsion, tal como ele, discípulos de
Sócrates. Mais tarde, teve de voltar a Atenas para
cumprir serviço militar na cavalaria. Participou,
segundo parece, nas campanhas de 395 e de 394 da
guerra de Corinto. Na verdade, Platão nunca se
referiu aos seus serviços militares, mas sempre
preconizou os exercícios militares para desenvolver o
vigor físico dos jovens.
10. A Vida de Platão
O desejo de instrução levou Platão a viajar. Cerca de 390,
dirigiu-se ao Egito, levando consigo um carregamento de
azeite para pagar a viagem. Aí, tomou contacto com artes
e costumes com milhares de anos de tradição. Há quem
pense que foi graças ao espetáculo desta civilização, fiel a
antigas tradições, que Platão criou a ideia de que:
• os homens podem ser felizes, se respeitarem as formas
imutáveis de vida,
• a música e a poesia não necessitam de novas criações,
e,
• basta descobrir a melhor constituição e forçar os povos
a aderir a ela para se viver numa cidade justa.
11. A Vida de Platão
• Do Egito, partiu para Cirene (colónia grega na região da
Líbia atual), onde frequentou a escola do matemático
Teodoro, que será um dos interlocutores do Teeteto. De
Cirene, passou para Itália, onde fez amizade com os
pitagóricos Filolau, Arquitas e Timeu. Não é seguro que
tenha sido com estes pitagóricos que Platão passou a
acreditar na migração das almas; mas a eles deve
seguramente a ideia de eternidade da alma, que haveria
de ser a pedra angular da sua filosofia; essa ideia de
imortalidade da alma forneceu a solução para o
problema do conhecimento. Com esses pitagóricos,
Platão aprofundou também os seus conhecimentos em
aritmética, em astronomia e em música.
12. A Vida de Platão
• Dirigiu-se, depois, para a Sicília e, em Siracusa, assistiu às
farsas populares e comprou o livro de um autor de farsas
em prosa. Foi recebido na corte de Dionísio na qualidade
de estrangeiro distinto e conquistou para a filosofia o
cunhado do tirano. No entanto, não durou muito tempo a
cordialidade de Dionísio que o despachou num barco com
destino a Egina (uma ilha a cerca de 27 Km de Atenas, com
a qual, na época, estava em conflito aberto), como escravo
do Lacedemónio Pollis. Felizmente, um Cireneu, que
reconheceu Platão, comprou a sua liberdade pelas vinte
minas que ele tinha valido no mercado de Siracusa (cerca
de 128 dracmas - mal comparando, hoje isso seria algo em
torno de 1 euro). Platão voltou, então, a Atenas, muito
provavelmente com cerca de quarenta anos.
13. A Vida de Platão
• Nesse ano (388 a.C.), Eurípides já tinha morrido e não tinha
sucessor à sua altura, Aristófanes acabava de representar a
sua última tragédia, e o teatro cómico estava em
decadência. A poesia enfrentava um declínio evidente em
Atenas, mas a prosa estava em ascensão. Lísias (que aparece
em, pelo menos, dois diálogos de Platão) escrevia discursos
de defesa em tribunal (parece que escreveu mesmo um
para Sócrates), e Isócrates tinha fundado uma escola de
retórica. Dois discípulos de Sócrates, Ésquines e Antístenes,
que tinham tomado a defesa do mestre, tinham uma escola
e publicavam escritos ao gosto do povo ateniense. Platão
dedicou-se também ao ensino; mas, em vez de o fazer
através da conversa, como Sócrates, fundou uma escola à
imagem das sociedades pitagóricas.
14. A Vida de Platão
Comprou um terreno próximo do ginásio do bosque de
Academos, e aí mandou construir a sua escola. Daí, o nome de
Academia, dado à escola de Platão. Os seus alunos formavam
um grupo de amigos, cujo presidente era escolhido pelos
jovens que, sem dúvida, pagariam uma espécie de cotização.
Não se sabe nada dos vinte anos da vida de Platão, que
decorreram entre o seu retorno a Atenas e a sua nova viagem
à Sicília. Nem nas suas obras se encontra qualquer alusão aos
acontecimentos contemporâneos nessa época, tais como:
• a reconstituição do império marítimo de Atenas,
• aos sucessos de Tebas com Epaminondas,
• à decadência de Esparta.
15. A Vida de Platão
• De volta a Atenas, Platão encontrou Deão que levava uma
vida faustosa. Retomou o ensino. Entretanto, Dionísio,
aparentemente, tinha ganho o gosto pela filosofia. Tinha
chamado à sua corte dois discípulos de Sócrates, Ésquino
e Aristipo de Cirene, e manifestou o desejo de voltar a
encontrar-se com Platão. Na Primavera de 361, enviou
um vaso de guerra ao Pireu. O seu comandante era
portador de cartas de Árquitas de Tarento e de Dionísio,
em que Árquitas lhe garantia a sua segurança pessoal, e
Dionísio lhe relembrava o interesse no retorno de Deão
no ano seguinte. Platão acreditou nestes pedidos e partiu
para Siracusa com um seu sobrinho, Speusipo. Novos
contratempos o esperavam em Siracusa, na Sicília: não
conseguiu convencer Dionísio a mudar de vida.
Entretanto, Dionísio embargou os bens de Deão.
16. A Vida de Platão
• Platão quis partir; o tirano reteve-o, e foi necessária
a intervenção de Árquitas para que ele pudesse
deixar Siracusa, na Primavera de 360. Encontrou,
depois, Deão na cidade de Olímpia. Sabe-se que,
tendo sabido que Dionísio se tinha apropriado da
sua mulher e oferecido a outro, Deão marchou
contra ele em 357 e apoderou-se de Siracusa.
Acabou por ser assassinado quatro anos depois,
em 353. Platão sobreviveu-lhe cinco anos. A
academia de Platão sobreviveu até 529 da nossa
era, ano em que o imperador Justiniano a mandou
fechar.
17. A Filosofia de Platão
• Ninguém falou do bem e do belo com um
entusiasmo tão comunicativo. A vida que vale a
pena ser vivida, diz ele no Banquete, é a do
homem que se elevou do amor pelos corpos
belos, ao amor pelas almas belas, e deste, ao
amor pelas belas ações, depois, ao amor pelas
belas ciências, até à beleza absoluta que
atravessa os corações com um arrebatamento
inexprimível.
18. A Filosofia de Platão
• Nas suas primeiras obras, isto é, nos diálogos chamados
socráticos, Platão, fiel discípulo de Sócrates, dedica-se, tal
como este, a definir as ideias morais. Procura saber o que
é a coragem, a sabedoria, a amizade, a piedade, a virtude.
Sócrates acreditava que basta conhecer o bem para o
praticar, e que, por conseguinte, a virtude é ciência e o
vício é ignorância. Platão manter-se-á fiel, durante toda a
sua vida, a esta doutrina. Tal como Sócrates, honrará os
deuses e defenderá que a virtude consiste em se
assemelhar a eles, tanto quanto o permita a fraqueza
humana. Como Sócrates, acreditará que o bem é o fim
supremo de toda a existência e que é no bem que deve
ser procurada a explicação do universo.
19. A Filosofia de Platão
• Mas, por muito dócil que Platão tenha sido às lições de
Sócrates, a sua grande ambição de saber impediu que se
limitasse ao ensino puramente moral do seu mestre. Antes de
conhecer Sócrates, tinha recebido lições de Crátilo que o
familiarizou com a doutrina de Heraclito. Também estudou as
teorias dos Eleatas (Parménides), de Anaxágoras e os escritos
de Empédocles. Durante a sua viagem a Cirene, aperfeiçoou-se
na geometria e, em Itália, dedicou-se ao estudo da aritmética,
da astronomia, da música e da medicina dos pitagóricos. Tinha
intenção de visitar a Jónia e as cidades costeiras do mar Egeu,
mas a guerra com a Pérsia demoveu-o dessa ideia. Em Abdera
(localidade que se situa atualmente perto das fronteiras da
Grécia com a Turquia e a Bulgária - antiga Trácia), travou
conhecimento com Demócrito e com o atomismo, uma das
mais geniais criações da filosofia grega antes de Platão.
20. A Filosofia de Platão
• De qualquer modo, o sistema de Platão é uma síntese
de tudo o que se sabia no seu tempo, mas sobretudo
das doutrinas de Sócrates, de Heraclito, de Parménides
e dos Pitagóricos. A teoria platônica das ideias é a base
e a originalidade de todo o seu sistema. Inicialmente,
Platão tinha estudado a doutrina de Heraclito que se
baseava no fluir universal das coisas. “Tudo flui, dizia
Heraclito, nada permanece. O mesmo homem não
entra duas vezes no mesmo rio”. Desta ideia, Platão
retira a consequência de que os seres, que se
encontram em perpétuo devir, dificilmente merecem o
nome de seres, e sobre eles só podemos formar
opiniões confusas, incapazes de se justificar a si
mesmas.
21. A Filosofia de Platão
• Não podem ser objeto de uma verdadeira ciência, pois não há ciência
do que está em perpétua mudança; só há ciência do que é fixo e
imutável. Todavia, quando observamos atentamente esses seres em
mutação permanente, damo-nos conta de que reproduzem, dentro da
mesma espécie, características constantes. Estas características
transmitem-se de indivíduo para indivíduo, de geração para geração.
São, portanto, cópias de modelos universais, imutáveis, eternos a que
Platão dá o nome de Formas ou de Ideias. Na nossa linguagem
corrente, entendemos por ideia uma modificação, um ato do espírito.
Na linguagem de Platão, a Ideia exprime, não o ato do espírito que
conhece, mas o próprio objeto que é conhecido. Assim, a Ideia de
homem é a forma ideal de homem, que todos os homens reproduzem
com maior ou menor perfeição.
22. A Filosofia de Platão
• Esta forma é puramente inteligível, isto é, não
se apreende pelos sentidos, mas nem por isso
deixa de ser viva. É mesmo o único ser
verdadeiramente vivo, pois as suas cópias,
estando sempre em mudança, são mortais. A
Ideia de homem é aquilo que realmente existe,
que é eterno e imutável e, por isso, é aquilo que
pode ser conhecido e ser objeto da ciência.
23. A Filosofia de Platão
• Platão ilustrou a sua teoria das Ideias na célebre alegoria da
caverna, onde os homens são comparados a prisioneiros
acorrentados que não podem virar a cabeça para trás e que só
vêem na parede do fundo da sua prisão (à sua frente) as
sombras projetadas dos objetos, que desfilam por trás deles
iluminados pela luz de uma fogueira. Os objetos que passam
por trás dos prisioneiros são os objetos do mundo inteligível (as
Ideias), a luz que os ilumina é a ideia de Bem, origem de toda a
ciência e de toda a existência. Reconhece-se aqui a doutrina de
Parménides (escola Eleata), para quem o mundo não passa de
aparência, e para quem a única realidade é a Unidade. Mas
enquanto, para Parménides, o Ser uno e imutável é uma
abstração, para Platão, é o Ser por excelência, fonte de onde
brota toda a vida.
24. A Filosofia de Platão
• A Ideia do Bem, diz Platão, está no limite do
mundo inteligível: é a última e a que ocupa o
lugar mais alto; admite, em todo o caso, que
existe uma hierarquia de Ideias. No livro X da
República, parece aceitar que todos os objetos da
natureza e as criações do homem, como um
banco ou uma mesa, retiram a sua existência de
uma Ideia e que as Ideias são em número
indeterminado. Mas, habitualmente, só fala das
Ideias do Belo, do Justo e do Bem.
25. A Filosofia de Platão
• A teoria das Ideias está estreitamente associada à
doutrina da reminiscência e da imortalidade da
alma. A nossa alma, que existiu antes de nós e
passará para outros corpos depois de nós, já
conheceu essas deias, mais ou menos vagamente,
num outro mundo. O mito do Fedro mostra-nos a
alma a subir as escadas para o céu, atrás do cortejo
dos deuses, para ir contemplar as Ideias do outro
lado da abóbada celeste. Ela traz de lá uma
lembrança obscura que a filosofia se esforça por
esclarecer. Este esforço de esclarecimento implica
um treino inicial destinado a despertar a reflexão.
26. A Filosofia de Platão
• As ciências que se caracterizam pelo raciocínio puro, a aritmética, a
geometria, a astronomia, são as mais indicadas para nos familiarizar
com o mundo do inteligível. A dialética surge então como o método
mais eficaz. Platão parte da dialética socrática, espécie de conversa,
através da qual se busca a definição de uma virtude. Assim, no
diálogo Laques, os três interlocutores, Laques, Nicias e Sócrates
procuram definir coragem. Laques propõe uma primeira definição:
“O homem corajoso, diz ele, é o que se mantém firme contra o
inimigo”. Sócrates considera esta definição muito pobre, pois a
coragem pode ser aplicada em muitas outras circunstâncias. Laques
propõe, então, uma nova definição: “A coragem é uma espécie de
firmeza”. Mas se essa firmeza se basear na loucura e na ignorância,
responde Sócrates, não poderá corresponder à coragem.
27. A Filosofia de Platão
• Por seu turno, Nicias diz que a coragem é a ciência que nos
permite distinguir aquele que devemos temer daquele de
quem não precisamos de ter medo. A esta definição, Sócrates
apresenta outra objeção. Se a coragem é uma ciência, então
deve ser a ciência de todos os bens e de todos os males; nesse
caso, essa definição aplicar-se-ia à virtude em geral e não
especificamente à coragem. A partir daqui os três
interlocutores separam-se sem alcançarem a definição
procurada. Mas dá para perceber o processo que, de uma
proposição, passa a outra mais compreensiva, até que se
chegue à ideia geral que compreenderá todos os casos e
distinguir-se-á das ideias vizinhas. Platão aplica este método
socrático ao domínio das Ideias, para as alcançar a elas,
subindo das Ideias inferiores até à Ideia do Bem.
28. A Filosofia de Platão
• Temos de começar por uma hipótese a respeito do objeto
estudado. Essa hipótese é verificada pelas conclusões a
que conduz. Se as conclusões forem insustentáveis, a
hipótese é rejeitada. Uma outra hipótese toma o seu
lugar, sujeitando-se ao mesmo procedimento, até que se
encontre uma que resista ao exame da sua
sustentabilidade. Cada hipótese é um degrau que nos
conduz à Ideia. Quando tivermos examinado deste modo
todos os objetos de conhecimento, alcançaremos todos os
princípios (arkai) incontestáveis, não somente em si
mesmos, mas também na sua mútua dependência e na
relação que têm com o princípio superior e absoluto que é
a Ideia de Bem. O diálogo Parménides fornece-nos um
exemplo deste procedimento. Este procedimento exige
uma inteligência superior e um trabalho incansável, de
que só o filósofo é capaz.
29. A Filosofia de Platão
• Mas a dialética não é suficiente para compreendermos
todas as coisas. Há segredos impenetráveis para a razão,
cuja posse os deuses reservaram para si mesmos. Podem,
é verdade, deixar que alguns homens privilegiados
tenham uma visão desses segredos, sem lhes dar o
privilégio de os alcançar plenamente. Os deuses
permitem, por exemplo, que os adivinhos conheçam,
embora imperfeitamente, o futuro e que os artistas
tenham inspirações; é o caso de Sócrates, a quem os
deuses favoreceram, com informações privilegiadas.
Assim, talvez se verifiquem, nos poetas e nas crenças
populares, traços de uma revelação divina, que lançariam
alguma luz sobre as nossas origens e o nosso destino após
a morte.
30. A Filosofia de Platão
• Os Egípcios acreditavam que os homens são julgados pelos
seus atos após a morte, e os Pitagóricos acreditavam que a
alma passa do corpo de um animal para o de um outro.
Platão não desprezou a recolha destas crenças, mas
recusou-se a dá-las como certas. Para ele, são esperanças
ou sonhos que ele expõe em mitos de uma poesia sublime.
A sua imaginação transmite-lhes um brilho mágico e sugere
pormenores tão precisos, que se diria que Platão assistiu
aos mistérios do Além. Encontrou nesse Além limbos, um
purgatório e um inferno eterno reservado à almas
incorrigíveis. Estas visões extraordinárias impressionaram
de tal modo os espíritos do seu tempo e dos tempos
seguintes que os cristãos, modificando-as um pouco,
fizeram delas dogmas religiosos.
31. A Moral Platônica
• A moral de Platão tem um caráter, ao mesmo
tempo, ascético e intelectual. Platão reconhece, tal
como Sócrates, que a felicidade é o fim natural da
vida; mas, ao nível dos prazeres, de que depende a
felicidade, há a mesma hierarquia que caracteriza
as componentes da alma. Cada componente da
alma dá-nos um prazer específico:
• a razão, o prazer de conhecer;
• a coragem, as satisfações da ambição;
• o desejo, os prazeres grosseiros a que Platão
chamou o prazer do lucro.
32. A Moral Platônica
• Para determinar qual destes três prazeres é
superior, basta consultar aqueles que têm
experiência deles. Ora, o artesão, que procura o
lucro, não conhece os outros dois prazeres; o
ambicioso, por seu turno, não conhece o prazer
da ciência; só o filósofo tem a experiência dos
três tipos de prazer e, por isso, é o único capaz de
ter opinião fundamentada sobre todos. Nesta
linha de pensamento, aos seus olhos, o maior e o
mais puro de todos os prazeres é o prazer de
conhecer próprio do filósofo.
33. A Moral Platônica
• Por outro lado, uma vez que ele considera que o corpo é um
empecilho da alma, que é como um objeto de chumbo que
dificulta e impede mesmo que a alma voe para as regiões
superiores da Ideia, é necessário mortificá- lo e libertar a alma,
tanto quanto possível, das necessidades grosseiras que têm
origem no corpo. Assim, a virtude consiste na submissão dos
desejos inferiores ao desejo de conhecer, ao gosto ou amor
pela sabedoria (filosofia). Conhecendo o bem, o homem é
naturalmente virtuoso, pois não é possível vê-lo sem o desejar;
o vício tem sempre origem na ignorância. Embora Platão
reduza a ignorância a um erro de cálculo, ou a um erro de
dialética, nem por isso deixa de a considerar suscetível de ser
punida. O mau, segundo ele, deveria submeter-se, a si mesmo,
a expiar a sua ignorância. Em todo o caso, se escapar neste
mundo, não escapará no outro, pensava Platão.
34. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Sócrates — Dize-me o seguinte: não é verdade que estudas geometria com
Teodoro?
• Teeteto — É.
• Sócrates — E também astronomia e harmonia e cálculo?
• Teeteto — Pelo menos, esforço-me nesse sentido.
• Sócrates — Eu também, jovem; com ele e com quem mais eu considere
competente nesses assuntos. Não obstante, dado que eu apanhe regularmente
bem semelhantes questões, há um ponto insignificante que eu desejaria examinar
contigo e estes aqui. Dize-me o seguinte: aprender não significa tornar-se sábio a
respeito do que se aprende?
• Teeteto — Como não?
• Sócrates — Logo, é pela sabedoria, segundo penso, que os sábios ficam sábios.
• Teeteto — Sem dúvida.
• Sócrates — E isso difere em alguma coisa do conhecimento?
• Teeteto — Isso, quê?
• Sócrates — Sabedoria. Não se é sábio naquilo que se conhece?
• Teeteto — Como não?
• Sócrates — Então, é a mesma coisa conhecimento e sabedoria?
• Teeteto — Sim.
35. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Sócrates — Eis o que me suscita dúvidas, sem nunca eu chegar a uma
conclusão satisfatória: o que seja, propriamente, conhecimento. Será que
poderíamos defini-lo? Como vos parece? Qual de nós falará primeiro?
Quem errar ou atrapalhar-se,
Como burro irá assentar-se,
à maneira do que dizem as crianças no jogo de bola; quem não cometer
nenhum erro, será rei e ficará com o direito de apresentar-nos as perguntas
que entender. Por que não respondeis? Espero, Teodoro, que o meu amor às
discussões não me torne importuno, pelo desejo de estabelecer entre nós um
diálogo capaz de deixar-nos íntimos e apertar mais os laços de amizade.
• Teodoro — De nenhum jeito, Sócrates, chegarás a ser importuno. Porém
pede a um destes meninos que te responda, pois não estou habituado a
esse tipo de conversação e já passei da idade de aprender. Tudo isso fica
bem para eles, que só terão a lucrar; quando se é moço, tudo é fácil.
Porém, uma vez que já começaste, não largues Teeteto, interroga-o.
36. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Sócrates — Ouvistes, Teeteto, o que disse Teodoro? Creio que não pensas
em desobedecer-lhe, além de não ficar bem a um jovem, em assuntos
dessa natureza, não acatar as prescrições de um sábio. Cria coragem, pois,
e responde à minha pergunta: No teu modo de pensar, que é
conhecimento?
• Teeteto — Terei de obedecer, Sócrates, uma vez que o ordenais. De
qualquer forma, se eu cometer algum erro, vós ambos me corrigireis.
• Sócrates — Perfeitamente; no que for possível.
• Teeteto — Então, a meu parecer, tudo o que se aprende com Teodoro é
conhecimento, geometria e as disciplinas que enumeraste há pouco, como
também a arte dos sapateiros e a dos demais artesãos: todas elas e cada
uma em particular nada mais são do que conhecimento.
• Sócrates — És muito generoso, amigo, e extremamente liberal; pedem-te
um, e dás um bando; em vez de algo simples, tamanha variedade.
37. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• O Teeteto , consagrado pela definição clássica do (alethes doxa
meta logou ), é uma obra seminal no estudo da natureza da
episteme e indubitavelmente é um dos mais instigantes
diálogos de Platão. A abrangência dos problemas nele
abordados, especialmente as teorias de Protágoras, Heráclito e
do ser imóvel de Parmênides, adiada no Teeteto e analisada
posteriormente no Sofista segue uma lógica férrea e visa um
público arguto nos problemas filosóficos. O diálogo é uma
obra pertencente à maturidade de Platão e relata a
conversação entre Sócrates e dois geômetras, Teodoro e
Teeteto. O diálogo ocorreu, segundo as notas tomadas por
Euclides de Megara, pouco tempo antes da morte de Sócrates
e quando Teeteto era ainda um jovem (142c). Conforme o
prólogo nos conta, esse texto foi supervisionado diretamente
por Sócrates.
38. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• O diálogo ganha importância, no sentido
epistemológico, quando Sócrates, interessado nas
ciências, põe uma questão para o debate: “aprender
não é tornar -se mais sábio acerca do que se
aprende?” Sendo a resposta de Teeteto afirmativa,
surge a identidade entre saber e sabedoria, isto é,
“saber é o mesmo que sabedoria” (145e), pois só se
é sábio naquilo que se conhece. Mas o que suscita
dúvidas em Sócrates é precisamente o que é o
conhecimento: “será que podemos defini-lo?”
(146a).
39. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• O jovem aprendiz de geometria, entendendo mal a
questão, se atém apenas a exemplos particulares, ou
seja, afirma serem conhecimento a geometria e
disciplinas similares, como também a arte dos
artesãos, todas e cada uma em particular. Sócrates,
com a ironia que lhe era característica, irontamente
ressalta a impropriedade da resposta do jovem, pois
o que se está a procurar não é um saber ‘de quê’ ou
‘o saber de alguma coisa’, nem a ‘sua quantidade’. O
que se quer é “conhecer o que é o saber em si”
(146e).
40. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• A questão agora parece estar mais clara para Teeteto. Seria
igual a que resolveu acerca das potências dos números
irracionais mostrados por Teodoro, isto é, reduzir a uma
única forma uma multiplicidade de números. Entretanto,
Teeteto confessa não ser capaz de resolver a questão
apresentada por Sócrates a respeito do conhecimento.
Porém muitas já foram suas tentativas de examinar o
assunto. Mas, na verdade, nunca se convenceu a respeito
das respostas que encontrou, nem ouvira alguém que
tenha encontrado uma explicação condizente com o que
no momento era exigido. Sócrates rapidamente compara
esta inquietação com as dores de parto, ou seja, Teeteto
não está vazio, mas prenhe, sofrendo por algo que quer vir
à luz.
41. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Sócrates, filho de Fenarete, uma famosa e hábil parteira,
diz também possuir a arte da mãe, porém com a
diferença de não partejar mulheres e sim homens.
Todavia, a grande superioridade de seu trabalho
obstétrico maiêutico é a de possuir a capacidade de
identificar se o que os homens estão prestes a conceber
é fruto legítimo e verdadeiro ou se é apenas alguma
fantasia ou falsidade. Ora, a função de Sócrates é em
muito similar a das parteiras: embora “incapaz de
produzir saberes” (150c), é portador de uma incrível
habilidade de interrogar os outros, induzindo-os a trazer
à luz as ideias e verificar se elas são filhos verdadeiros ou
meras quimeras.
42. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Convém, então, destacar o método socrático-platônico de
inquirição em ação no Teeteto: a maiêutica, que é o
procedimento perfeito na busca da verdade. Para Platão,
cada homem possui em si o conhecimento das verdades
que outrora contemplou no hiperurânio, lugar onde está a
essência, a verdadeira realidade das coisas, a
imaterialidade imutável das Formas–como explica no
Ménon(86b) e no Fédon(70c-77a) –a partir da hipótese da
transmigração das almas por vários corpos em vidas
sucessivas e da reminiscência. Embora o processo da
anamnese não seja referido no Teeteto, nada aí contradiz
os contornos da teoria. A existência da valorização da
sensação e da reflexão sobre ela, como também a definição
do pensamento como atividade psíquica, encaixam-se
perfeitamente como referências à anamnese.
• .
43. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Sendo, pois, imprescindível rememorar para conhecer, segue a
necessidade do método dialético. O método dialético tem como
característica o intuito de alcançar a verdade e não o melhor
argumento. Inicialmente um dos interlocutores propõe uma hipótese a
ser comprovada acerca do assunto em questão; esta hipótese deve ser
examinada criticamente e aperfeiçoada até que se tenha expressado
completamente o seu significado. Através da crítica exercida sobre a
hipótese, esta pode ser refutada definitivamente ou conduzida a um
estado melhor. Platão no Mênon, Fédon e República, propõe e discute
o método dialético que consiste em dois processos fundamentais: o
processo de “identificar e obter as consequências das hipóteses” tal
que sua verdade seja necessária e suficiente para uma determinada
resposta à questão em consideração e, por fim, “verificar ou confirmar
a verdade das hipóteses”, ou seja, determinar se a hipótese em
questão é verdadeira até chegar ao “primeiro princípio não hipotético
de tudo”, a Forma do Bem.
44. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Platão estabelece nos diálogos Mênon, Fédon e República, o método dialético
como instrumento para adquirir conhecimento, a via para chegar, se possível,
à contemplação de verdades sempre existentes (Formas). O mesmo método
é aplicado por Platão no diálogo Teeteto, onde o intuito de definir o que é o
conhecimento é claramente abordado. Porém observamos que o método de
hipótese no Teeteto não opera com Formas inteligíveis nem chega a elas.
Mas, daí, não decorre que não sejam dadas autênticas soluções para o
problema da episteme. Por conseguinte, tanto a arte maiêutica, que é o
método de trazer à luz os conhecimentos velados na alma do interlocutor,
quanto o método dialético, que é o meio, através do diálogo, de conhecer a
verdade (o que é), levam Sócrates a extrair do jovem geômetra Teeteto três
definições de episteme que não serão, porém, mantidas:
45. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
(1) a episteme como sensação (aisthesis), examinada
na primeira parte do diálogo (151e-187a);
(2) a episteme como opinião verdadeira (alethes doxa),
discutida na segunda parte do Teeteto (187b-201c); e, por
último,
(3) a episteme como opinião verdadeira acompanhada
da explicação racional ou logos(alethes doxa meta logou),
analisada na terceira parte (201d-210a)
46. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• A definição que conhecimento é ‘aisthesis’ recebe três interpretações diferentes
e, em cada interpretação, a definição é refutada. Na primeira interpretação, a
definição é dita ser equivalente à tese protagórica que ‘o homem é a medida de
todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são’.
Na segunda interpretação a tese é explicada em termos de um mundo heraclíteo
em que tudo e todos estão em um perpétuo estado de mudança. Contudo, nem
a versão protagórica da tese, nem a heraclítica se mantêm após escrutínio. A
terceira interpretação (que ocorre em 184b-186e) visa a uma versão depurada da
definição de que conhecimento é percepção, onde Sócrates e Teeteto chegam ao
entendimento de que os órgãos dos sentidos são apenas faculdades através das
quais nos relacionamos com o mundo sensível e, entre os objetos percebidos,
existem aqueles que são percebidos por uma faculdade e os que são comuns.
Mas não existe um órgão que percebe as características com uns como, por
exemplo, a semelhança, a diferença, o ser; estes objetos são apreendidos
diretamente pela mente. Portanto, já que o saber envolve a apreensão de
características comuns, não pode ser percepção. Então, o conhecimento
pressupõe outro domínio: deve ser buscado na reflexão sobre os dados da
percepção, no plano da doxa.
47. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Na segunda parte do Teeteto , Platão encaminha a discussão para o
estabelecimento de distinção entre doxa e episteme. Nela, Teeteto
define o conhecimento como ‘alethes doxa’ que, a princípio, parece ser
de fácil refutação. Entretanto, mais preocupado com a natureza da
opinião falsa, Sócrates se detém longamente no exame da possibilidade
de um indivíduo julgar falsamente; hipótese negada pelo sofista. Então,
Sócrates intentará demonstrar como se formam as opiniões falsas
mediante a noção de allodoxia ou da troca de representações; e, por
meio de analogias, a saber, os símiles do bloco de cera e o do aviário;
ambos tentam explicar como ocorre o erro, respectivamente, na
relação entre a sensação e o pensamento e no domínio do puro pensar.
A questão, contudo, encerra-se numa aporia. Retomando, então, a
definição de episteme, Sócrates demonstra por que o conhecimento se
distingue da opinião verdadeira: esta se assenta na mera persuasão,
não possuindo o caráter discursivo e demonstrativo daquela.
48. Apresentação do dialogo “Teeteto”.
• Por fim, na última parte do diálogo, Teeteto
define o conhecimento como opinião verdadeira
acompanhada da explicação racional (alethes
doxa meta logou), definição que é considerada a
primeira formulação do que hoje se chama a
análise clássica do conhecimento: crença
verdadeira justificada. S conhece p, se e somente
se, p é verdadeiro; S acredita que p; S tem
justificativas apropriadas para acreditar em p,
onde p é uma proposição factual qualquer.
49. Conclusão
• Revela-se no Teeteto, diálogo inconclusivo que
fecha o círculo problemático da questão para o
qual não há saída, o sentido eminente da
dialética platônica, que é levar o interlocutor,
graças à maiêutica tantas vezes referida no texto,
a encontrar por si mesmo aquele tipo de solução
específico da filosofia, que jamais acobertando,
disfarçando ou suprimindo os problemas, deixa o
pensamento seguir, livre e criadoramente, o
caminho de suas próprias perplexidades.
50. Influência do Platonismo
• Uma multidão de ideias platónicas exerce ainda uma
influência muito considerável no mundo moderno. Platão é
um autor espiritualista: concebeu a alma como o essencial do
homem. Segundo ele, o homem deve esforçar-se por devolver
à sua alma o estado de pureza que ela perdeu ao unir-se com
o corpo. É deste esforço que depende a sua vida futura. A vida
deve, portanto, ser uma preparação para a morte. A existência
de uma Providência que governa o mundo, a necessidade de
expiação de toda a maldade cometida, a recompensa dos
bons, a punição dos maus num outro mundo e muitas outras
ideias foram incorporadas na filosofia cristã e continuam a
comandar a nossa conduta. Por este motivo, podemos dizer
que nenhum outro filósofo marcou tão profundamente o
pensamento dos antigos e o pensamento dos modernos.