O documento discute como os crentes precisam olhar para o futuro próximo, remoto e o fim da história. A visão do profeta Jeremias tanto para o "amanhã" sombrio quanto para o "depois de amanhã" radiante entre o cativeiro e a restauração de Israel é destacada. O relógio de Deus continuará marcando o tempo até não haver mais separação entre a criação e o Criador.
3. S
O relógio de Deus tem
corda suficiente para marcar
as horas até o último dia. Só
vai parar quando já não
houver separação entre a
criação e o Criador
Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 3
O relógio não pára!
Abertura
Sempre foi assim. Existem o ontem,
o hoje e o amanhã, e também o antes
de ontem e o depois de amanhã. A
caminhada do ontem mais distante
até o amanhã mais distante é longa.
No meio dos dois estava o hoje, que
não está mais. O relógio não pára, não
atrasa nem adianta. É inútil resmungar,
achar bom ou ruim. É a ditadura
do relógio, o domínio do tempo, a
soberania da história.
O crente precisa aprender a olhar para
o amanhã, para o depois de amanhã e
para o derradeiro amanhã. Em outras
palavras, precisa enxergar o futuro
próximo, o futuro remoto e o fim da
história. Essa visão linear, progressiva e
ampla o livrará das miragens, da sensação
de que perdeu o rumo, da confusão
mental e da miopia escatológica.
Em última análise, o longo ministério
do profeta Jeremias, na época de
Zedequias, o último rei de Israel (598
a 587 a.C.) tinha o propósito de abrir
os olhos do povo tanto para o amanhã
como para o depois de amanhã. O
amanhã seria tenebroso, mas o depois de
amanhã seria radiante. Entre o amanhã e
o depois de amanhã haveria um período
de setenta anos. O povo precisaria ouvir
ambas as predições saídas da boca do
Senhor e acreditar nelas.
Amanhã, isto é, daqui a pouco,
no ano 587 antes de Cristo, o rei
Nabucodonosor, depois de cercar
Jerusalém por um ano e meio, até
acabar todo o pão e toda a resistência,
derrubará os muros, ocupará a
cidade, destruirá o palácio e “todos
os edifícios importantes”, incendiará
e profanará o templo, matará muita
gente, inclusive os filhos do rei, levará
a elite para a Babilônia e vazará os
olhos de Zedequias. O amanhã trará
tudo isso sobre o povo, aquela tríade
repetidamente anunciada por Jeremias:
a espada, a fome e a peste (34.17; 38.2).
Todavia, o profeta não tinha só isso
para dizer. Ele faz outras perdições,
em tom totalmente diferente. Ele
avança no tempo, atravessa o amanhã
sombrio e chega ao radiante depois
de amanhã. Jeremias usa a expressão
“estão chegando os dias” três vezes
(31.6, 31, 38), quando coisas novas e
surpreendentes vão acontecer:
“Eu construirei de novo a nação.
Mais uma vez, vocês pegarão os seus
tamborins e dançarão de alegria (...).
Eu os trarei do Norte [da Babilônia] e
os ajuntarei dos lugares mais distantes
da terra. Com eles virão os cegos e os
aleijados, as mulheres grávidas e as que
estão para dar à luz. Eles vão voltar
como uma grande nação. Quando
eu os trouxer, eles virão chorando e
orando. Eu os levarei para a beira de
águas correntes, por uma estrada plana,
onde não tropeçarão (...). Então as
moças, os moços e os velhos vão dançar
e se alegrar. Eu os animarei e mudarei
o seu choro em alegria e a sua tristeza
em prazer...” (Jr 31.4, 8, 13, NTLH).
No amanhã (o futuro próximo),
o Senhor vai “arrancar, derrubar,
arruinar, destruir e arrasar” o povo
de Israel por causa de todo pecado
cometido. Mas no depois de amanhã (o
futuro mais remoto), o mesmo Senhor
vai “plantar e construir” (Jr 31.28).
Nos dias anteriores, o Senhor os feriu
gravemente com feridas incuráveis e
não-cicatrizantes (30.12-15). Nos dias
posteriores, o Senhor cicatrizará o
seu ferimento e curará as suas feridas
(30.17). O que ocorre entre um
período de tempo e o outro, chama-se
de “mudança de sorte”. As expressões
“mudança de sorte” ou “restaurarei a
sorte” aparecem várias vezes no livro de
Jeremias (30.3, 18; 32.44; 33.7, 11, 26).
O relógio de Deus tem corda (ou
energia) suficiente para marcar as horas
até o último dia. Não parou antes de
ontem, nem ontem, nem hoje e não vai
parar amanhã nem depois de amanhã.
Só vai parar quando “vier o que é
perfeito” (1Co 13.10), na parúsia, no
último derramar do cálice cheio da
ira de Deus (o juízo final), quando
o que é imperfeito desaparecer por
completo e para todo o sempre, quando
chegarem a nova ordem, a nova terra e
os novos céus, quando não houver mais
nenhuma separação entre a criação e
o Criador, quando o ser humano se
libertar da ditadura do tempo e entrar
na eternidade!
JanuszGawron
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4. O Christus Victor e a
transparência de
Patrícia Neme
BillyAlexander
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Editora Ultimato
ULTIMATO Setembro-Outubro, 20084
Fundada em 1968
ISSN 14153-3165
Revista Ultimato
Ano XLI · NÀ 314
Setembro-Outubro 2008
Direção e redação
cartas@ultimato.com.br
Elben M. Lenz César (Jornalista responsável)
MTb 13.162 MG
Administração
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Vendas
Lucia Viana, Lucinéa de Campos,
Romilda Oliveira, Tatiana Alves e Vanilda Costa
Editorial e Produção
Marcos Bontempo, Bernadete Ribeiro,
Djanira Momesso César, Fernanda Brandão
Lobato e Roberta Dias
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Peixoto, Edson Ramos, Emílio Gonçalves,
Luís Carlos Gonçalves, Rodrigo Duarte e
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Luci Maria da Silva, Luiza Oliveira,
Marcela Pimentel e Priscila Rodrigues
Arte - Oliverartelucas
Impressão - Plural
Tiragem - 40.000 exemplares
Łrgão de imprensa evangélico destinado
à evangelização e edificação, sem cor
denominacional, Ultimato relaciona Escritura
com Escritura e acontecimentos com Escritura.
Pretende associar a teoria com a prática, a fé
com as obras, a evangelização com a ação
social, a oração com a ação, a conversão com
a santidade de vida, o suor de hoje com a
glória por vir. Circula nos meses ímpares.
Publicado pela Editora Ultimato Ltda., membro
da Associação de Editores Cristãos (AsEC)
Os artigos não assinados são de autoria da
redação. Reprodução permitida. Obrigatório
mencionar a fonte.
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Carta ao leitor
Nesta edição Ultimato faz um apelo
dramático: Por misericórdia, tirem o
crucificado da cruz! O leitor verá que
ele é justo e oportuno. Os cristãos
têm mais intimidade com a morte de
Jesus do que com a sua ressurreição.
Porém, precisam caminhar do lugar da
caveira para o jardim da casa de
José de Arimatéia. Parece que
o relógio de muitos de nós
enguiçou e parou na hora
nona da sexta-feira e
não nos levou à
hora primeira
do domingo.
Os artistas
sacros pintam
muito mais
o Christus
Mortuus do que
o Christus Victor.
Precisamos de ambos:
do Cristo que desceu ao
Hades e do Cristo que
subiu ao céu; do Cristo
crucificado, morto e
sepultado, e do Cristo
que ressurgiu dos mortos
ao terceiro dia, subiu ao céu
e está assentado à mão direita de Deus
Pai. No que diz respeito a Jesus Cristo,
vamos voltar ao equilíbrio do Credo
dos Apóstolos, pois, como lembra
John Stott, “a morte e a ressurreição
de Cristo [são] verdades centrais,
históricas, físicas, bíblicas e teológicas.
Se esse fundamento for perdido, toda a
superestrutura entrará em colapso” (A
Bíblia Toda, O Ano Todo, p. 278).
A corajosa transparência de Patrícia
Neme, 58 anos, mãe de três filhos,
convertida ao evangelho em 2004,
além de ser um desabafo necessário,
há de mexer com as estruturas
médicas brasileiras (Eu tenho lepra!,
p. 28). A cada ano, segundo o
Ministério da Saúde, o Brasil tem 47
mil novos casos de hanseníase.
O Ultimato 40 anos — Encontro de
Amigos, realizado entre os dias
31 de julho e 2 de agosto em
Viçosa, para comemorar
o 40º aniversário da
revista Ultimato, foi
surpreendente!
Mais de
trezentos
leitores
de vários
Estados
e todos os
colunistas
(exceto Bráulia
Ribeiro) estiveram
presentes e deram uma
excelente contribuição.
O evento foi tão
proveitoso para a igreja
brasileira, que vamos
compartilhar com todos
os leitores o que ali foi
dito e conversado, com singeleza
de coração, na próxima edição da
revista.
Vale a pena encerrar esta carta
com a advertência de Henri
Nouwen: “A gratidão por todo o
nosso passado apaga a amargura,
o ressentimento, o remorso e
a vingança, bem como todas
as desconfianças e rivalidades”
(Meditações com Henri J. M.
Nouwen, nº 99).
E. César
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6. M
Pastorais
“Não faça uma coisa dessas”
58.
ULTIMATO Setembro-Outubro, 20086
O ser humano está sujeito a receber e a recusar
não só o bom, mas também o mau conselho
Mesmo que não seja levado a sério, o
bom conselho não deve ser omitido,
mas dado parcimoniosamente. Se for
para tentar evitar a consumação de uma
intenção pecaminosa, o alerta precisa ser
dado com clareza e autoridade, mesmo
que custe algum preço ao conselheiro.
Quando Joanã, o capitão dos judeus
à época da tomada de Jerusalém pelo
exército caldeu, ofereceu-se para matar
Ismael em benefício da segurança de
Gedalias, o governador disse-lhe de
imediato: “Não faça uma coisa dessas”
(Jr 40.16).
Quando o povo de Israel insistia
em queimar incenso e prestar culto
a outros deuses, por influência das
nações vizinhas, os profetas, dia após
dia, exortavam-no assim: “Não façam
essa abominação detestável” (Jr 44.4).
Quando Amnon, o filho mais velho
de Davi, fingiu estar doente para
receber em seu apartamento a visita
de Tamar, sua irmã por parte de pai, e
fechou a porta para agarrá-la e deitar-
se com ela, a moça gritou: “‘Não, meu
irmão! Não me faça essa violência. Não
se faz uma coisa dessas em Israel! Não
cometa essa loucura’. Mas Amnon não
quis ouvi-la e, sendo mais forte que ela,
violentou-a” (2Sm 13.12-14).
Quando o governador romano
Pôncio Pilatos, sentado em tribunal
entre a cruz e a caldeirinha,
pressionado pelo povo — que, por sua
vez, era pressionado pelos chefes dos
sacerdotes — hesitou a respeito da sorte
de Jesus, sua mulher lhe enviou esta
mensagem: “Não se envolva com este
inocente, porque hoje, em sonho, sofri
muito por causa dele” (Mt 27.19). Mas,
assim como Amnon, Pilatos não seguiu
o conselho da esposa e agiu contra o
seu próprio senso de justiça.
Quando os sobreviventes do cerco
e da tomada de Jerusalém pelo rei
Nabucodonosor intentaram fugir para o
Egito, o profeta Jeremias declarou-lhes
solenemente: “Não vão para o Egito”
(Jr 42.19). Mas eles desobedeceram e
foram buscar a proteção do Faraó, que
não valeu de nada.
Curiosamente, o ser humano está
sujeito a receber e a recusar não só o
bom, mas também o mau conselho.
De um lado, alguns sopram em seus
ouvidos: “Não faça uma coisa dessas”,
“Não cometa essa loucura” ou “Não se
envolva com este inocente”. De outro
lado, há sempre alguém dando a voz de
comando contrário. O conselho de Deus
era para que o homem não comesse o
fruto da árvore do conhecimento do bem
e do mal, mas a serpente aconselhou a
mulher a comer, e Eva, depois de comer,
deu-o a seu marido (Gn 2.15-17; 3.1-4).
Foi Jonadabe, amigo e primo de Amnon,
quem o aconselhou a fingir-se de doente
para satisfazer sua paixão sexual por
Tamar (2Sm 13.3-5). Foi Jezabel quem
aconselhou o marido, Acabe, a tomar
criminosamente a vinha de Nabote, que
ficava ao lado do palácio, o que provocou
o severo juízo de Deus (1Rs 21.1-16).
Essa dupla opção é oposta entre si.
Uma persegue a outra. Muitas vezes,
a voz de uma e a voz da outra saem do
mesmo lugar e têm a mesma energia.
A força do Espírito segreda de um lado
“Não faça” e a força da carne segreda
do outro “Faça”. É uma verdadeira
guerra civil, que durará por toda a vida
terrena.
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7. Seções
Capa
Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 7
“Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo”
IS 55.6
ABREVIAÇÕES:
BH - Bíblia Hebraica; BJ - A Bíblia de Jerusalém; BV - A Bíblia Viva; CNBB - Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; EP - Edição Pastoral;
EPC - Edição Pastoral - Catequética; NTLH - Nova Tradução na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica da Bíblia. As referências bíblicas não seguidas
de indicação foram retiradas da Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, ou da Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional.
Reflexão
Robinson Cavalcanti
Pseudo-pentecostais: nem evangélicos, nem protestantes 36
Ricardo Gondim
Verdade versus alucinação 38
Redescobrindo a Palavra de Deus
“Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento”,
Valdir Steuernagel 40
História
Em defesa do cristianismo, Alderi Souza de Matos 42
Entrevista
Erni Walter Seibert
Best-sellers são substituídos e esquecidos,
mas a Bíblia permanece sempre no topo 46
Da linha de frente
Cuidado, indígenas na pista!, Bráulia Ribeiro 50
O caminho do coração
“O pão nosso de cada dia...”, Ricardo Barbosa de Sousa 52
Arte e cultura
Bem e mal em Gotham City, Mark Carpenter 54
Ponto final
O livro da (minha) vida, Rubem Amorese 66
Tirem o Crucificado da cruz! 20
A imperdoável omissão do padre José de Anchieta 22
Nem tudo é sexta-feira 24
A Reforma colou a exaltação do domingo com
a humilhação da sexta-feira 26
A implicância protestante contra a cruz 26
E são ambos uma só “carne” 27
Abertura 3
Carta ao leitor 4
Pastorais 6
Cartas 8
Quadro de avisos 13
Mais do que notícias 14
Números 15
Frases 19
Novos acordes 53
Deixem que elas mesmas falem 56
Meio ambiente e fé cristã 57
Prateleira 58
Vamos ler! 59
Ação mais que social 60
Agenda 63
Especial
Eu tenho lepra!, Patrícia Neme 28
“O julgamento chegou ao Planalto” 30
O verdadeiro amigo do Noivo faz propaganda do Noivo e não de si mesmo 32
Se o professor pode, eu também posso!, Elben César 64
NA INTERNET
• Buscando a vontade de Deus
(seção “Altos papos”), por
Jeverton Magrão Ledo
www.ultimato.com.br
George
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8. ULTIMATO Setembro-Outubro, 20088
Cartas
O sucesso de Edir Macedo
e a pergunta que fica no ar
Jesus disse que “a vida de um homem não
consiste na quantidade dos seus bens”
(Lc 12.15). Quando entendi isso, parei de
correr atrás de prosperidade material e passei
a estabelecer propósitos de vida coerentes
com os valores eternos do reino de Deus.
MARCUS E. FINK
Atibaia, SP
Li a matéria sobre o bispo Edir Macedo e fiquei
indignada com tamanha ignorância cristã. Quem vocês
pensam que são? Queridos, orem a Deus e peçam a ele
sabedoria para escrever. O que vocês sentem é inveja
do tamanho da obra que o Senhor Jesus faz através
da IURD. Saibam que nós queremos prosperidade,
sim, e não aceitamos doenças, não! Todos os grandes
homens da Bíblia eram prósperos e saudáveis. Quando
Jesus morreu na cruz, levou sobre si todas as nossas
dores e enfermidades. É por causa de pessoas como
vocês que existe tamanha miséria e dor no mundo.
MÁRCIA
Parabéns pela reportagem sobre o bispo Edir
Macedo e a Igreja Universal. Fazia tempo que
me questionava sobre eles e Ultimato respondeu
de forma sensata e bíblica a todos os meus
questionamentos e de muitos outros cristãos. A
revista se revelou como profeta alertando o povo
cristão do lobo trajado de cordeiro.
AMANDA ALVES
Vila Velha, ES
Sinceramente, acho enfadonhas algumas
reportagens como a sobre Edir Macedo e a IURD.
Não pertenço à Universal, mas reconheço o quanto
ela tem feito pelo evangelho. Ultimato poderia
deixar de lado os neopentecostais e os que
acreditam na teologia da prosperidade e usar seu
espaço na mídia para anunciar o evangelho.
ESDRAS MACHADO
Creio que o Senhor chamou a revista Ultimato para ser
mais que uma coletânea sobre teologia, filosofia e
missões. Deus tem desafiado essa prestimosa revista
e ser uma voz profética no cenário nacional. Parabéns
pela ousadia da edição de julho/agosto, por denunciar
o engodo e a estratégia de Satanás em contaminar o
rebanho cristão, de forma sutil, com as deturpações
doutrinárias trazidas pela teologia da prosperidade,
principalmente por intermédio de muitos líderes
neopentecostais, entre eles o maior corruptor da sã
doutrina apostólica na atualidade, o senhor Edir Macedo.
MARCOS GARCIA SOARES
Pastor da Igreja Batista Getsêmani
Brasília, DF
Para que reino vocês trabalham? Deus lhes deu 40 anos
para estarem nessa visão míope? Não sou da IURD, não
consinto com alguns pontos doutrinários dela. Mas
Jesus me ensinou a não dividir o seu reino: a IURD não é
uma seita. Para Ultimato, parece que sim e muito mais.
Deus aviva seu povo e alguns evangélicos represados
lançam jugo do mal. Eu amo o pentecostalismo. Temos
equívocos, mas vocês reformados estão precisando de
uma nova Reforma. Passei pela Igreja Presbiteriana do
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9. Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 9
Brasil e vi como é um Vaticano evangélico. Deus fará pela
IURD o que vocês, o megaciólogo Paul Freston e cúmplices
nunca conseguirão.
APÓSTOLO ALEX CONSACAS
Recife, Pe
Estou escrevendo um livro de memórias e iria fazer
alguns comentários sobre os absurdos das idéias de Edir
Macedo no livro O Bispo. Entretanto, na edição de julho/
agosto de Ultimato, encontrei artigos se contrapondo
àqueles que eram os pontos mais chocantes colocados
por ele, de maneira muito mais consistente e elegante
do que eu faria.
OBADIAS DE DEUS
Santo André, SP
Não gostei das inverdades sobre a Universal do Reino
de Deus publicadas por Ultimato. Fico revoltada
quando as pessoas usam inverdades para ganhar
dinheiro.
MÁRCIA PAES O. CORREIA
São Paulo, SP
Parabenizo Ultimato pela matéria O sucesso de Edir
Macedo e a pergunta que fica no ar. Finalmente uma
revista séria e de credibilidade se propõe a levantar
questões numa área em que muitos se omitem. A
característica de um líder é a sua capacidade e disposição
de fazer perguntas. Fazer perguntas abre-nos o caminho
para informações que podem mudar nossa vida, nossas
prioridades e nosso destino. Ultimamente eu tenho feito
muitas perguntas, em especial em relação à Igreja. Por
exemplo: o crescimento da igreja é um tema palpitante. É
bíblico, pertinente e atual. Devemos buscá-lo com todas
as forças da nossa alma, de todas as formas legítimas,
em todas as frentes, em todos os lugares, em todos os
tempos. Tenho participado de congressos e palestras
sobre crescimento de igreja e percebo que existem
inúmeras e diversificadas “receitas”, que em sua maioria
funcionam realmente — não para mim. Porque essas
pretensiosas “receitas” estão seriamente comprometidas
com a filosofia de mercado, com o culto antropocêntrico,
e não com a glória de Deus e a pureza do evangelho de
Jesus. E minha busca é em resposta a minha pergunta:
Como a Igreja pode crescer em número sem mercadejar
o evangelho de Jesus Cristo? (2Co 2.17). Confesso que
ainda não obtive resposta à minha pergunta. Tenho
constatado que as pessoas estão servindo a Deus pelo
que ele faz, e não pelo que ele é. Não estão à procura de
doutrina, mas de alívio e soluções imediatas para seus
problemas existenciais. Não buscam mandamentos, e
sim consolos. Não querem o perdão, mas explicação
para suas angústias e dificuldades. A Igreja tem sido
procurada como um grande mercado e Deus, como um
grande mercador. A igreja moderna está adaptada ao
usuário ou orientada para o consumidor. E aquelas que
estão atualizadas pela mídia televisiva “privatizam” a fé,
reduzida a um meio de consolo pessoal e identificação
do fiel com a sua igreja. “A indústria do consumo “adora”
Jesus, desde que fature bem.” Então, minha pergunta
continua sem resposta.
REV. MISAEL FERREIRA DE OLIVEIRA
Igreja Presbiteriana do Brasil
Paracambi, RJ
Parabenizo Ultimato pela matéria O sucesso de Edir
Macedo e a pergunta que fica no ar. Como cristão,
vejo tudo isso com muita preocupação e sofrimento.
O Corpo Místico de Cristo e o povo tão pobre e sofrido
não merecem tal deformação. Percebo com tristeza
que cresce ao nosso redor cada vez mais igrejas desse
tipo. Creio que se cumpre em nossos dias o que Jesus
falou: “Cuidado com os falsos profetas” (Mt 7.15). Os
textos da revista são bastante esclarecedores.
PE. VALDIRAM SANTOS
São Paulo, SP
Gostei da análise bíblica e serena como Ultimato
desenvolveu o artigo O sucesso de Edir Macedo e a
pergunta que fica no ar. Parabéns! Interessei-me
também por outra reportagem sobre Edir Macedo (A
igreja de Edir Macedo tornou-se um conglomerado que
mescla religião, mídia, política e negócio, novembro/
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10. ULTIMATO Setembro-Outubro, 200810
dezembro de 2007) citada no artigo. Por favor, enviem-
me essa edição para que eu possa me aprofundar mais
no conhecimento da IURD e do seu fundador.
A. M. DE SOUZA
Recife, PE
Embora muito bem apresentado, bem fundamentado
e biblicamente explicado, gostaria de mencionar algo
que penso ter passado despercebido na análise sobre o
sucesso de Edir Macedo. Achei que faltou a mais séria das
constatações que diferenciam o evangelho segundo Edir
Macedo do evangelho bíblico: o de Edir prepara o crente
para viver neste mundo — materialista e passageiro. Um
evangelho que leva ao egoísmo materialista: ter para ser
e não para abençoar outros. E o mais sério: suas atitudes
como líder são ambíguas. Edir “serve a Deus” na sua igreja
e ao diabo nas suas emissoras de TV e rádio, bem como nos
jornais que nada diferem do mundo. É preciso provar os
espíritos. Não considero a IURD como igreja evangélica. E a
Bíblia ordena que, se alguém pregar outro evangelho, que
seja anátema (Gl 1.8-9). Quanto a Edir Macedo, não tenho
“pergunta no ar”! Está óbvio.
IONE GUIMARÃES
Lavras, MG
Uma amiga está realizando pesquisas sobre a IURD em
Portugal, com vistas ao seu doutorado em ciências sociais.
Enviei-lhe a matéria de capa da edição de julho/agosto
e ela ficou curiosa sobre a informação de que a IURD está
construindo uma grande catedral em Lisboa, fato que
ela desconhecia. Ela sabe de uma catedral no Porto. Se
possível, mandem para ela o endereço da catedral de
Lisboa.
SÉRGIO PRATES LIMA
Rio de Janeiro, RJ
— A informação está no livro O Bispo: “Edir Macedo prevê
para breve a inauguração de uma superigreja em Lisboa,
para 3.500 pessoas. Também será uma catedral, já em
construção, a mil metros do rio Tejo” (p. 252).
Sobre dízimos
Parabéns por terem contrariado na edição anterior os
ensinos errôneos do “evangelho” da nova era, que prioriza
o reino da terra em detrimento do reino dos céus. Pego
carona com Valdeci Santos e vou mais longe do que ele
quando escreveu: “É verdade que o Novo Testamento não
apresenta diretrizes claras sobre a entrega de dízimos
pelos cristãos e esse fator é, no mínimo, surpreendente”.
É mesmo surpreendente que em todo o Novo Testamento
não é encontrado um só mandamento para ser dizimista, ou
mesmo um incentivo claro. As poucas citações estão num
contexto completamente judaizante. Com a extinção do
sacerdócio levítico, veio também a extinção da necessidade
de entregar o dízimo. Entendo que a prática soa como
voz destoante de legalismo, que não combina com a
espontaneidade que a graça propõe. Missões e serviço
social funcionam com oferta voluntária. Por que as demais
coisas não?
DAVI JOSÉ DE OLIVEIRA
Ipatinga, MG
No artigo O que Edir Macedo diz e o que a Bíblia diz
sobre os dízimos e ofertas, poderia se dizer um pouco
mais. Segundo Paulo José F. de Oliveira, autor de
Desmistificando o Dízimo (ABU Editora), “a cobrança
do dízimo no cristianismo surgiu relativamente tarde,
por volta do século 6, assim mesmo não sendo aceita
igualmente por toda a igreja. Embora o Novo Testamento
reconheça que os que servem o altar têm direito a viver do
mesmo, a igreja primitiva não impôs de início o dízimo,
porque as ofertas voluntárias dos fiéis bastavam para as
necessidades do culto e do sustento do reduzido clero.
Assim, nos três primeiros séculos do cristianismo, não
houve pagamento de dízimos, e muitos dos pais, como
Irineu, por exemplo, condenavam o dízimo por considerá-
lo legalista e ritualista, em oposição à espontaneidade das
ofertas voluntárias. Todavia, o crescimento da hierarquia e
o aumento das despesas em decorrência da nova vinculação
da Igreja ao Estado trouxeram consigo a insuficiência do
volume das ofertas voluntárias, o que levou a igreja a
exortar os fiéis a trazerem também os seus dízimos. Assim,
homens como São Jerônimo (na igreja latina) e São João
Crisóstomo (na igreja de fala grega), por volta do final do
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11. Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 11
FALE CONOSCO
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século IV, antes mesmo da queda do Império do Ocidente,
iniciaram a corrente favorável à implementação do dízimo,
de acordo com as prescrições do Antigo Testamento.
Desse modo, a partir de então, o dízimo já era obrigatório
na esfera interna da igreja”. Se cada crente fiel tivesse
a consciência de abençoar financeiramente os que lhes
ensinam os caminhos do Senhor, não precisaríamos ficar
ouvindo tantos discursos em defesa do dízimo. Espero
que um dia a igreja confie mais na provisão de Deus, como
aconteceu com Elias. Não precisaremos fazer tantos apelos
financeiros quando a igreja for tomada por um avivamento
do amor à obra do Senhor. Creio que Deus continuará a
levantar sempre homens e mulheres para sustentar a sua
obra, como aconteceu na época do rei Davi no que diz
respeito à construção do Templo (1Cr 29.1-9).
SÉRGIO MÜLLER
Pastor da Comunidade Cristã Siloé
Joinville, SC
Incapazes de usar a vara...
O artigo Incapazes de usar a vara e incapazes de
recolher a vara (setembro/outubro de 2004) é
maravilhoso! Realmente vivemos dias pavorosos
e sabemos que a tendência é piorar. Que Deus
tenha misericórdia de nós. São tantas catástrofes —
adolescentes que saem de casa para ir ao cinema, ficam
sumidas uma semana e reaparecem no sul do país em
hotel; pai acusado de jogar filha do sexto andar... Que
aprendamos a usar a vara e a recolhê-la também.
ANDRÉIA ALMEIDA LIMA DE FREITAS
São Paulo, SP
Companheira de ministério
Ultimato é mais do que um periódico. É uma fonte segura
de conhecimento bíblico e teológico, um instrumento de
conscientização cristã e uma voz de evangelização. Conheci
a revista durante meus anos no Seminário Teológico em
Pindamonhangaba, SP. Formei-me e continuo tendo-a
como companheira de ministério.
JONATHAS DA SILVA DINIZ
Itaperuna, RJ
Novos convertidos
Ultimato tem alergia a novos convertidos? Não posso
renovar minha assinatura se o editor da revista não começar
a falar sobre o valor que essas pessoas representam. Sou
ex-seminarista salesiano e mestre em antropologia física.
A revista deveria ter um espaço para novos convertidos e
batizados.
JOÃO RIBEIRO DAMASCENO
João Pessoa, PB
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14. CarlosCaetano
A loucura do quinto
homem mais rico
do mundo
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200814
Anotícia de que o quinto homem
mais rico do mundo está
construindo a casa mais cara do
mundo deve ser colocada lado a lado
com o pronunciamento do deputado
Ciro Gomes: “O que gera a violência
é a justaposição da miséria com a
opulência e a excitação da aspiração
da felicidade referida ao consumo”.
Segundo a Agência Ansa, o indiano
Mukesh Ambani pretende inaugurar
no centro de Mumbai seu novo lar,
estimado em 2 bilhões de dólares,
daqui a um ano. O prédio terá 27
andares e nove elevadores. A mulher
de Ambani pretende decorar cada
andar de modo diferente. Além de
seis andares só de estacionamento, a
supermansão terá uma grande sala para
cerimônias, uma sala de espetáculos
e um heliporto. Sobre ser a casa mais
rica, será o mais alto edifício da
Índia (72 metros mais baixo que o
Morro da Urca, no Rio de Janeiro).
O presidente da Reliance, sociedade
que atua em vários setores,
em especial o de petróleo, e
a mulher dele deveriam ler
aquela passagem bíblica
que diz: “Ai de vocês que
adquirem casas e mais
casas, propriedades e
mais propriedades, até
não haver mais lugar
para ninguém e vocês
se tornarem os senhores
absolutos da terra!”
(Is 5.8).
Houve um inglês de origem
humilde que, em 1878,
declarou guerra contra duas
poderosas frentes: a pressão da
pobreza e o poder do pecado. Doze
anos mais tarde, ele publicaria seu
único livro: In Darkest England —
and the Way Out (Na Inglaterra
mais escura — e o caminho de
saída). Trata-se de William Booth
(1829-1912), o pastor metodista
que fundou o Exército de Salvação.
Quando alguém lhe perguntou
quais seriam os maiores perigos
doutrinários do século 20, ele
respondeu de pronto: “Religião sem
Espírito Santo, cristianismo sem
Cristo, perdão sem arrependimento,
salvação sem novo nascimento,
política sem Deus e céu sem inferno”.
Oque aconteceu no Japão no dia
7 de julho de 2008 faz lembrar
o que aconteceu em Jerusalém
no dia 15 do Nisã (fins de abril e
início de maio) do ano 30 depois
de Cristo. Para festejar o Tanabate
(“festival das estrelas”) deste ano,
os japoneses decidiram desligar
todas as luzes em cerca de 70 mil
imóveis por todo o país, por duas
horas (das 20 às 22 horas). No caso
de Jerusalém, quem “desligou” a luz
do sol foi o próprio Criador. Nos
três Evangelhos sinóticos lê-se que
“houve trevas sobre toda a terra,
do meio-dia às três horas da tarde”
(Mt 27.45; Mc 15.33; Lc 23.44). A
escuridão de duas horas no Japão
foi algo natural e programado. A
escuridão de três horas em Israel foi
algo sobrenatural e surpreendente.
Os japoneses queriam visualizar
a beleza do firmamento e Deus
queria mostrar o horror do inferno
que subiu ao Calvário quando Jesus
estava pregado na cruz.
Uma escuridão de
três horas em Israel
e outra de duas
horas no Japão
Céuseminferno
fotomontagemEnzoForciniti/RaphaelBonelli
fotomontagemEricaBurrel/DebieSchiel
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15. LenaPovrzenic
Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 15
númerosnúmeros
200
novos detentos a mais do que
os que saem entram a cada dia
nas prisões brasileiras
111.000
detentos brasileiros são jovens
entre 18 e 24 anos, quase todos
de sexo masculino (80%)
769
soldados, o equivalente a
quase um batalhão, foram
dispensados do Exército
britânico por uso de drogas
250
toneladas de mais de 150
produtos de beleza da marca
Kanechomn são produzidas por
dia
850.000
brasileiros são consumidores
de cocaína, segundo relatório
da ONU
8.700.000
toneladas de e-lixo (lixo
eletrônico) são produzidas na
Europa todos os anos. Apenas
um quarto, ou 2,1 milhões de
toneladas, são devolvidas ou
recicladas
ABíblia diz uma coisa e os jornais,
outra. Os profetas Miquéias e
Isaías, que viveram na mesma época
(entre 750 e 680 antes de Cristo),
garantem que “[numa época futura]
haverá paz universal e todas as escolas
militares e quartéis serão fechados”
(Mq 4.3, BV). No entanto, os jornais,
tendo como fonte o International
Institute for Strategic Studies,
informam que o número de pessoas
nas forças armadas, bem como o de
instrumentos de guerra, aumentam
cada vez mais. Só em quatro países
da Ásia Oriental (Paquistão, Índia,
China e Japão) o número de soldados
chega a quase 4,5 milhões. O poderio
militar desses mesmos países conta
com 36.646 peças de artilharia, 16.189
tanques, 5.044 aviões, 184 navios e
99 submarinos (dos quais quatro são
nucleares). Na América, os Estados
Unidos têm mais de 1,5 milhão de
soldados, 6.520 peças de artilharias,
113 navios e 72 submarinos (todos
nucleares).
Os dois profetas explicam que a paz
universal será possível porque “todas as
armas das nações serão transformadas
em ferramentas úteis, pás, arados
e enxadas”. Tamanha reviravolta
acontecerá porque “naquela época, o
mundo inteiro será dirigido pelas leis
de Deus” e “os grandes problemas
internacionais serão resolvidos pelo
Senhor” (Is 2.3-4, BV).
O texto de ambos os profetas
encerram uma mensagem tão bonita
e alvissareira que a promessa da
transformação dos instrumentos de
guerra em instrumentos de trabalho
foi colocada na entrada do prédio das
Nações Unidas, em Nova York, para
expressar o anseio universal pela paz.
Essas promessas de paz devem ser
consideradas. Elas estão em outro texto
de Isaías: “Nesse dia tão lindo, não
vai mais se ouvir exércitos marchando,
os uniformes de batalha, manchados
de sangue, serão todos queimados”
(9.5, BV). O mesmo oráculo acha-
se no livro dos Salmos: “[O Senhor]
acaba com a guerra em todo o mundo,
quebrando armas e queimando os
carros de guerra” (Sl 46.9, BV).
Não há discordância entre a
Bíblia e a mídia, pois esta se refere
à situação atual e aquela, à situação
futura. Embora estejamos dentro da
era messiânica, que começou com o
primeiro advento de Cristo, ainda não
chegamos à sua plenitude, que ocorrerá
no segundo advento do Senhor, em
poder e muita glória. É só esperar para
ver!
(Veja O relógio não pára!, p. 3)
Escolas e quartéis de
guerra fechados para sempre
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16. Osargentoamericanoeamodelocazaque
Francis
fotomontagemCarlRatcliffe/RhenanFerreira
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200816
Amorte é um caso
sério. Mais para
os jovens do que para
os idosos. Estes vão
se acomodando
lentamente com
a idéia da morte,
mais por fatalidade
do que por renúncia
da vida. Aqueles
esperneiam o quanto
podem e abrem a
boca, na esperança de
relaxar.
É o caso do
sargento do exército
americano Jeff Barillaro,
de 31 anos, que serviu em
Bagdá por 15 meses (de
agosto de 2005 a novembro
de 2006). Para suportar
os reveses da guerra, nas
horas de folga ele fazia
música. Numa de suas
canções, Barillaro escreveu:
“Vou morrer, vou me ferir,
essas coisas sempre vêm à
mente| Ele vai morrer ou
ela vai morrer| É apenas
uma questão de tempo|
Coloco meu uniforme,
coloco meu capacete| Beijo
as fotografias de minha
família, mando um e-mail
à minha garota, para que
ela saiba que eu sinto sua
falta”.
Do outro lado do
mundo, em Nova York,
uma modelo de 20 anos chamada
Ruslana Korshunova, escrevia
poemas e os colocava em seu site de
relacionamentos. Um deles diz: “A
vida é curta. Quebre as regras. Perdoe
rápido. Beije lentamente. Ame de
verdade. Ria descontroladamente. E
nunca lamente nada que tenha feito
você sorrir”.
Curioso é que o sargento
americano que dizia: “Vou morrer”
ainda não morreu, e a modelo
nascida no Cazaquistão e que foi
capa de revistas européias como Elle
e Vogue morreu no dia 28 de junho,
ao cair da janela de seu apartamento
no nono andar de um prédio em
Manhattan.
A morte não tem educação. Ela
não bate à porta. Ela não pede
licença para entrar, como se queixa
o profeta Jeremias: “A morte subiu
e penetrou pelas nossas janelas
e invadiu as nossas fortalezas,
eliminando das ruas as crianças e das
praças os rapazes” (Jr 9.21).
Portanto, vamos nos perdoar
rápido, vamos nos beijar lentamente,
vamos amar de verdade, vamos rir
descontroladamente, vamos valorizar
tudo que há de bom e nos faz sorrir.
E, mais do que tudo, vamos nos
aproximar cada vez mais de Deus,
com quem nos encontraremos face a
face logo depois da morte!
O que não se
pode medir e
o que não se
pode enxergar
Há coisas tão grandes (o
macrocosmo) que não
podem ser medidas. Há coisas
tão pequenas (o microcosmo)
que não podem nem sequer ser
enxergadas. Nunca será possível
descobrir o tamanho do universo.
Nem com o auxílio da oração será
possível também compreender
quão extenso, quão largo, quão
profundo e quão alto é o amor de
Deus (Ef 3.18). Nunca será possível
descobrir o número das estrelas do
firmamento (Gn 15.5), dos grãos
de areia que se acumulam nas
praias do mar nem das partículas
de pó que cobrem o solo. Nunca
será possível ver o que é pequeno
demais, como os átomos, cujos
“diâmetros têm aproximadamente
um décimo de bilionésimo de
metro, muito além do poder do
microscópio”, como explica o
físico Marcelo Gleiser. O Criador
do microcosmo atômico e do
macrocosmo das galáxias seria
também invisível, caso Jesus não
fosse “a revelação visível do Deus
invisível” (Cl 1.15, NTLH)!
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18. ULTIMATO Setembro-Outubro, 200818
“Não basta evitar o nome de sectário,
é preciso também fugir do espírito
sectário.” (S. E. McNair)
E
mbora nascido na Escócia,
Richard Holden era de
formação anglicana, e não
presbiteriana. Desviou-se do evangelho
na juventude, mas a doença o trouxe de
volta a Cristo aos 21 anos. Dois anos
depois, Holden trabalhou por algum
tempo como comerciante no Brasil,
onde aprendeu o português. Mais
tarde foi para os Estados Unidos e lá se
formou em teologia. Voltou ao Brasil,
desta vez como missionário. Chegou
aqui em 1860, cinco anos depois de seu
patrício Robert Reid Kalley, o pioneiro
da igreja congregacional, e apenas um
ano depois de Ashbel Green Simonton,
o pioneiro da igreja presbiteriana.
A princípio, Holden dedicou-se à
evangelização e à distribuição de Bíblias
em Belém do Pará e em Salvador. Na
ocasião, relacionou-se com políticos
liberais e maçons, envolvendo-se,
mesmo que indiretamente, com a
famosa Questão Religiosa (problemas
entre o clero e a maçonaria). Em 1865,
Holden tornou-se pastor auxiliar da
Igreja Evangélica Fluminense, no Rio
de Janeiro. Com a ausência de Kalley
por dois anos e meio, Holden veio a
ser o pastor substituto. Embora fosse
de fato um homem piedoso, bíblico,
apologeta, cortês e falasse fluentemente
o português, alguns se queixavam
dos cultos e das orações longas que o
pastor fazia. Além do mais, Holden
estava cada vez mais influenciado pelo
Movimento dos Irmãos, iniciado em
1825 em Dublin, na Irlanda, também
conhecido equivocadamente como
Irmãos de Plymouth. No início de
1872, ele renunciou ao pastorado e
voltou à Inglaterra.
Naturalmente por influência
de Holden, cerca de doze pessoas
desligaram-se da Igreja Evangélica
Fluminense e formaram o primeiro
núcleo dos Irmãos no Brasil, há 130
anos, no dia 7 de julho de 1878. Talvez
esta tenha sido a primeira divisão na
história do protestantismo brasileiro.
Sempre foi difícil referir-se com
precisão a esse grupo de evangélicos,
porque eles não gostam de etiquetas.
O ideal dos Irmãos, desde o início, é
reunir pecadores nascidos de novo com a
maior singeleza possível, sem burocracia
eclesiástica e sem espírito sectário. Eles
têm a Bíblia como única regra de fé e
prática, mas rejeitam qualquer outro
regimento ou lista de normas quanto
ao procedimento. Prezam muito a
tolerância mútua, embora, como todos
os demais grupos cristãos, nem sempre
consigam na prática alcançar este alvo,
nem mesmo em seus primeiros anos de
história. Por não terem nome próprio,
são chamados de Irmãos Unidos,
Darbistas (por causa do inglês John
Nelson Darby, nascido em 1800 e morto
em 1882, o líder britânico mais influente
do movimento), Irmãos de Plymouth e
Casa de Oração (somente no Brasil).
Entre os mais notáveis servos de
Deus ligados à história dos Irmãos no
Brasil está o inglês Stuart Edmund
McNair, que veio para cá em 1896,
aos 29 anos. Nos lugares em que
McNair morava, ele organizava escolas
bíblicas para a instrução dos moços
crentes visando ter obreiros melhor
preparados. Ele é autor da famosa A
Bíblia Explicada, ainda publicada no
país. As três primeiras edições foram
lançadas pela Casa Editora Evangélica,
fundada por ele em 1933 na cidade
de Teresópolis, RJ. De 1985 para cá
a Casa Publicadora das Assembléias
de Deus (CPAD) já publicou 85.912
exemplares de A Bíblia Explicada,
em dezenove edições consecutivas.
Antes de morrer em 1959, aos 92 anos,
McNair revelou a sua sabedoria ao
escrever, entre outras coisas:
1) O método “cada crente, um
obreiro” é a melhor maneira de
espalhar o evangelho e promover a vida
espiritual dos crentes;
2) O progresso e o aumento de um
trabalho não precisam depender da
ajuda financeira do exterior;
3) Não basta evitar o nome de
sectário, é preciso também fugir do
espírito sectário. Nosso amor fraternal
deve abraçar todos os crentes;
4) Nossos irmãos que estão no
denominacionalismo nos são tão
necessários e podem ser tão queridos
como qualquer outro.
Os Irmãos comemoram
130 anos no Brasil
S. E. McNair
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19. Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 19
Nunca se viu em toda a
história da humanidade
um culto ao ego tão
exacerbado como nos dias
atuais.
Robert Swarav,
psicólogo
Oser humano é
controlado por uma
civilização e pelas leis.
Ele não mata, não porque
não tenha vontade,
mas porque sabe que
será castigado. Somos
todos potencialmente
assassinos.
Caterina Koltai,
psicanalista e socióloga,
professora na PUC–SP
Aterra é finita, a água
é finita, os recursos
marinhos também. O
Brasil quer um lucro
infinito a partir de
recursos finitos.
Maria Sylvia
Carvalho Franco,
professora de filosofia na
USP e na UNICAMP
Em vez de viver na terra
e com ela, nós vivemos
“da” terra.
Carolyn Steel,
pesquisadora britânica
Aética do materialismo
se infiltra na vida
das pessoas, de modo tal
que rompe o tecido de
valores da sociedade. O
egoísmo do atual modelo
social desintegra a família
tradicional e os laços de
amizade e amor que unem
seus membros.
Ushitaro Kamia,
advogado
Todomeninoquerser
homem.Todohomemquer
serrei.TodoreiquerserDeus.
SóDeusquissermenino.
Leonardo Boff,
teólogo
Vamosorarpelasalvação
dasmodelosesuaentrada
triunfalnaNewJerusalem
FashionEternalWeek.
Georgiana Guinle,
colunista do jornal Palavra
Deus ouve o nosso
clamor, mas não é
um deus-supermercado,
que tem uma mercadoria
conforme o poder de
barganha de cada freguês.
Anelise Lengler Abentroth,
teóloga luterana
Overdadeiro perdedor é
aquele que, na última
hora, vai ter a impressão
de que desperdiçou a
sua corrida. O que ele
acumulou, tudo isso me
parece bastante acessório.
Para mim o perdedor é
aquele que não conseguir
viver sua vida com toda
a intensidade que ela
merece.
Contardo Calligaris,
psicanalista
Omaior problema
ambiental do mundo é
o consumismo. O mercado
ensina egoísmo e o
indivíduo cada vez mais está
centrado em si mesmo.
Emílio Moran,
antropólogo cubano
residente nos Estados Unidos
Só pode haver algo de
errado em um mundo
em que tantos fogem para a
esperança, mas encontram
apenas o medo.
Clóvis Rossi,
jornalista
Dar carinho a quem se
ama é a mais inequívoca
demonstração de amor,
tão importante que conta
com um sistema de nervos
específico para detectá-la.
Suzana
Herculano-Houzel,
neurocientista
Dê à sua filha uma chance
de casar com um rapaz
decente (e não estou
falando dessas malditas
classes sociais) em vez de
casar com um pit bull de
boate ou poodle de divã.
Fausto Wolf,
colunista do Jornal do Brasil
DivulgaçãoDivulgação
Divulgação
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20. Capa
20 ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008
Tirem o
Crucificado da cruz!
O cristão que não vê Cristo
nem na cruz nem na
tumba, mas consegue
vê-lo ressuscitado e assentado
à direita de Deus, não se
perturba com os livros
e revistas que enchem o
mercado livreiro e as bancas
de jornais com bobagens
e blasfêmias contra o
“Crucificado Ressuscitado”
do professor Battaglia
Xollob
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21. Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 21
E
nquanto o sol estava nascendo
em Jerusalém na primeira
Sexta-feira Santa da história,
o mais destacado dos doze
apóstolos esvaziou-se de sua coragem
e encheu-se de medo, o que o levou
a negar por três vezes consecutivas o
Senhor Jesus Cristo (Lc 22.54-62).
Enquanto o sol estava se pondo naquele
mesmo dia e lugar, um dos mais
destacados dos 71 membros da Suprema
Corte judaica (mais conhecida como
Sinédrio) esvaziou-se de sua timidez e
encheu-se de coragem, o que o levou
a tirar o corpo morto de Jesus da cruz
(Lc 23.50-53). Se ficasse lá, seria jogado
numa vala qualquer e comido por cães e
abutres como costumava acontecer.
O gesto de José de Arimatéia precisa
ser repetido hoje. A cruz tem um valor
imenso, mas vazia, sem o crucificado,
pois o seu corpo já não está pregado
nela nem deitado sobre a lápide fria
do sepulcro novo do homem rico de
Arimatéia.
O professor Vittorino Grossi, do
Augustinianum, de Roma, lembra
que “a figura humana do crucificado
não se encontra a não ser na primeira
metade do quinto século ”. A mais
antiga até agora conhecida, a de Cristo
nu na cruz, está no Museu Britânico,
em Londres. Pouco mais de cem anos
depois, espalhou-se no Oriente uma
figura dramática da crucificação,
mostrando o Senhor morto, desta vez
vestido com o colobium (uma túnica
sem mangas). Até então, as cruzes que
enfeitavam os monumentos fúnebres
eram cruzes sem o crucificado.
Vincenzo Battaglia, professor de
teologia dogmática no Pontifício
Ateneu Antonianum, em Roma,
usa uma expressão muito feliz, que
encoraja a retirada do crucificado da
cruz. Ele chama Jesus de “Crucificado
Ressuscitado”. Os dois fatos — a
crucificação e a ressurreição — são
inseparáveis, e um não é mais importante
que o outro, nem pode ofuscar o outro.
A cruz tem um valor imenso, mas vazia, sem o crucificado,
pois o seu corpo já não está pregado nela nem deitado sobre
a lápide fria do sepulcro novo do homem rico de Arimatéia
Chama-se de crucifixo o objeto,
esculpido ou modelado, que representa
Cristo na cruz. Foi João VII, o 86º
papa, entronizado em março de 705, o
primeiro a consagrar o uso do crucifixo.
A partir daí parece que houve uma ênfase
artística cada vez maior no sofrimento
de Jesus. No século 13, a coroa real foi
substituída pela coroa de espinhos e a
fronte de Cristo começou a se inclinar
para a terra. Os crucifixos gregos do
século 14 eram figuras grotescamente
retorcidas e esguichando sangue.Um
século antes da Reforma Protestante,
os artistas já haviam substituído no
imaginário e no espírito dos fiéis a
idéia do triunfo de Jesus sobre a cruz
pelo sentimento melancólico e vazio da
compaixão. Passou-se a ter pena de Jesus,
perdendo-se por completo a compreensão
real da cruz e desfocalizando por
completo a ressurreição. Foi por essa
razão que o jovem missionário inglês
Henry Martin, depois de passear por
Salvador, enquanto o navio que o levaria
à Índia permanecia atracado ao porto,
no remoto 1805, registrou em seu diário:
“Há cruzes em abundância, mas quando
será pregada a doutrina da cruz?”.1
Em 1570, durante o pontificado de
Pio V, que revisou o Missal Romano,
em decorrência do Concílio de Trento,
encerrado sete anos antes, tornou-se
obrigatória a colocação do crucifixo
sobre ou acima do altar. Até então, só
o cálice, a pátena (disco de ouro que
cobre o cálice), o pão e o vinho eram
colocados naquele lugar sagrado. A regra
atual é colocar o crucifixo no centro do
altar durante a celebração da missa.
O grande problema do crucifixo é
que ele passou aos fiéis de tradição
católico-romana a idéia do Cristo
morto, tremendamente arraigada na
cultura popular, em especial nos países
ibéricos e em toda a América Latina.
Enquanto não tirarmos o crucificado
da cruz, não será fácil oferecer séria e
bem-sucedida resistência à nova onda
de violência midiática contra o Jesus
das Escrituras, que, como lembra John
Stott “não é homem disfarçado de Deus
nem Deus disfarçado de homem, mas
homem e Deus ao mesmo tempo”.2
O
Jesus, que “é a imagem [visível] do Deus
invisível” (Cl 1.15), passou pela cruz,
mas não permaneceu na cruz. O cristão
que não vê Cristo nem na cruz nem
na tumba, mas consegue ver o Senhor
ressuscitado e assentado à direita de
Deus, não se perturba com os muitos
livros e as muitas revistas que enchem
o mercado livreiro e as bancas de jornal
com muitas bobagens e blasfêmias
contra o “Crucificado Ressuscitado” do
professor Battaglia. A Superinteressante
de julho de 2008 (edição especial), por
exemplo, traz outra vez à tona a passagem
de um evangelho apócrifo (O Evangelho
de Felipe, do segundo século), que diz
que “o Senhor amava Maria [Madalena]
mais do que a todos os discípulos e a
beijava freqüentemente na boca”.3
E,
para obrigar o leitor a acreditar nessa
fantasia, a revista declara que a igreja
manipulou os evangelhos, reconhecendo
como canônicos apenas os livros que
confirmavam a verdadeira tradição cristã.
Notas
1. História Documental do Protestantismo no
Brasil, p. 29.
2. Cristianismo Básico, p. 27.
3. Superinteressante, jul. 2008, edição 254-A,
p. 37.
ultimato 314.indd 21ultimato 314.indd 21 3/9/2008 18:24:173/9/2008 18:24:17
22. Capa
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200822
E
mbora não negassem
em absoluto a natureza
divina de Jesus, muitos
místicos dos séculos
14, 15 e 16 davam mais ênfase
à sua humanidade. E, quando o
contemplavam como homem, o
que mais despertava a atenção deles
não eram as demonstrações de sua
glória e poder, mas o seu sofrimento
e morte. Juliana de Norwich, uma
das grandes místicas da história,
nascida na Inglaterra em 1343, em
seu livro Dezesseis Revelações do
Amor Divino, que só foi publicado
em 1670, descreve, por exemplo,
o Jesus que ela viu numa de suas
visões:
“Vi seu rosto querido, seco,
exangue e pálido com a morte. Foi
ficando mais pálido e sem vida.
Então, morto, tornou-se azulado,
mudando aos poucos para um azul
amarronzado, à medida que a carne
é exortado a imaginar-se implorando
às autoridades para salvar a vida
de Cristo, sentado ao lado dele na
prisão e beijando seus pés e mãos
acorrentados”.2
O livro dá pouca
ênfase à ressurreição do Senhor, um
dos grandes pilares do cristianismo.
(Vale a pena lembrar Paulo: “Se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa
pregação, e vã, a vossa fé”.)
Foi nesse ambiente que nasceu e
cresceu José de Anchieta, espanhol
da Ilha de Tenerife que veio para o
Brasil como missionário da recém-
fundada Companhia de Jesus,
aqui chegando em 13 de julho de
1553, aos 19 anos, antes mesmo
de ser ordenado padre. Um dos
mais notáveis empreendimentos
de Anchieta foi a elaboração do
primeiro catecismo cristão do
Brasil, conhecido como Diálogo
da Fé. Beatificado em 1991 pelo
papa João Paulo II e chamado de
continuava a morrer (...) Era uma
coisa triste vê-lo mudar enquanto
morria pouco a pouco. Também
as narinas murcharam e secaram
diante de meus olhos, e seu corpo
querido foi ficando negro e pardo
ao secar na morte.”
1
Um dos livros de espiritualidade
cristã mais traduzidos e lidos, tanto
por católicos como por protestantes,
é o clássico A Imitação de Cristo,
de Tomás de Kempis, monge
alemão nascido por volta de 1379.
Só no século 16 foram feitas mais
de duzentas edições. Embora seja
comprovadamente um livro de
grande valor, gerador da verdadeira
espiritualidade, A Imitação de Cristo
acompanha o espírito da época,
de centralizar tudo mais no Jesus
homem do que no Jesus Deus.
Segundo a historiadora Karen
Armstrong, ex-freira católica, no
livro de Tomás de Kempis, “o leitor
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23. No catecismo de Anchieta nada
há sobre o túmulo vazio, sobre o
terror que tomou conta dos guardas
romanos, sobre o abraço das mulheres
aos pés de Jesus, sobre a entrada de
Pedro e João no sepulcro agora
desocupado
nem sobre
as diferentes
aparições de Jesus
Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 23
Das 616 perguntas e respostas
do Diálogo da Fé, 168 (mais de
25%) invocam os acontecimentos
da Sexta-feira Santa, desde a saída
de Jesus do Cenáculo até o seu
sepultamento. Qualquer cristão
reformado poderia pôr a sua
assinatura embaixo dessas 168
respostas catequéticas, excetuando-
se apenas aquela que diz que Maria
teria coberto a nudez de Jesus com
o seu véu, simplesmente porque esse
detalhe não se acha em nenhum dos
quatro Evangelhos.
O triste problema do primeiro
catecismo cristão usado no Brasil
é a imperdoável omissão da
ressurreição de Jesus. Nada há
sobre o túmulo vazio, sobre o terror
que tomou conta dos guardas
romanos, sobre a mensagem da
ressurreição dada pelo anjo, sobre
a surpresa das mulheres galiléias
e dos apóstolos, sobre o abraço
aos pés de Jesus e a adoração
das mulheres, sobre a entrada
de Pedro e João no sepulcro
agora desocupado nem sobre as
diferentes aparições de Jesus no
espaço de quarenta dias, entre
a ressurreição e a ascensão. No
catecismo de Anchieta a história
de Jesus termina no túmulo novo
de José de Arimatéia, embora na
última resposta se diga que “o
Senhor se preparava para viver de
novo”.
3
Naturalmente, os leitores
mais atenciosos perguntavam-se:
“Ele só se preparou ou conseguiu
de fato viver de novo?” Graças
a essa desastrosa omissão, José
de Anchieta não passou para os
catecúmenos (o indígena que
morava no Novo Mundo já há
muito tempo, o colono europeu
que chegou em 1500 e o escravo
africano que atravessou o Atlântico
a partir de 1539) o fato que dá
sentido ao cristianismo e completa
tudo o que aconteceu na Sexta-
feira Santa.
Notas
1. Uma História de Deus, p. 275.
2. Idem, ibidem.
3. Diálogo da Fé, p. 193.
“O apóstolo do Brasil”, “O Xavier
da América” e “O dramaturgo do
Novo Mundo”, Anchieta era meio
parente de Inácio de Loyola e tinha
12 anos quando Martinho Lutero
morreu. O catecismo de Anchieta
é bilíngüe (tupi e português) e foi
escrito provavelmente em 1560,
trinta anos depois da Confissão de
Augsburgo (luterana), dois anos
antes do Catecismo de Heidelberg
(reformado) e seis anos antes do
Catecismo Romano (publicado pelo
papa Pio V).
VangelisThomaidis
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24. Capa
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200824
Nem tudo
é sexta-feira
N
o tumultuado século 16, a
Igreja Católica fez muito
mais pela evangelização
dos povos do que a
nascente Igreja Protestante. Enquanto
a Companhia de Jesus enviava levas de
missionários para o Oriente e o Ocidente,
os protestantes só começaram a se
despertar mais amplamente para missões
trezentos anos mais tarde, a partir do
século 19, depois da publicação do livro
de 87 páginas escrito em 1792 pelo inglês
William Carey, com o título Investigação
sobre a Obrigação dos Cristãos de Empregar
Meios para a Conversão dos Pagãos.
Todavia a evangelização do Novo
Mundo foi prejudicada por causa do
misticismo europeu que enxergava mais
a cruz ensangüentada do que o túmulo
vazio, mais a coroa de espinhos do
que a coroa real, mais a desfiguração
de Jesus do que a sua transfiguração,
mais a sexta-feira do que o domingo.
Os jovens missionários que deixavam
pai e mãe na Espanha e em Portugal e
atravessavam corajosamente o Atlântico
por amor a Jesus foram contaminados
pela cultura da época e a transportaram
para cá. A maioria dos cristãos da
América Latina continua sofrendo as
conseqüências de uma evangelização
deficitária, como se pode ver nas
palavras do padre José Francisco
Schimitt, 65 anos, mestre em teologia e
professor do Colégio Marista São Luiz,
em Jaraguá do Sul, SC:
Para muitos católicos, no seu
imaginário religioso, a celebração
mais importante da Semana Santa
é a Procissão do Senhor Morto, na
sexta-feira santa. Uma grande parte do
nosso povo católico ainda não chegou à
verdadeira compreensão de que o Tríduo
Pascal da Paixão e da Ressurreição
começa com a missa vespertina da
Ceia do Senhor, possui o seu centro
na Vigília Pascal e encerra-se com as
vésperas do Domingo da Ressurreição.
1
Dois incidentes comprovam o que o
professor marista afirma. Numa sexta-
feira santa, o professor Jaime Maia dos
Santos, ao atravessar a cidade de Ervália,
encontrou duas faixas estendidas de
um lado ao outro da rua. Na primeira
estava escrito: “‘Silêncio’! Estamos
de luto”. A segunda explicava: “Jesus
morreu!” Noutra sexta-feira santa,
quatro missionários americanos batistas
estavam hospedados num hotel de uma
cidade bem no interior de Portugal. De
repente, um deles, Lois McKinney, hoje
professora na Faculdade Batista de São
Paulo, foi ao piano e começou tocar o
conhecido hino Cristo já ressuscitou. Os
outros três puseram-se a cantar. Então
a recepcionista do hotel fez sinal de
silêncio e pediu-lhes para não cantarem
A tarefa de enfatizar tanto a morte como
a ressurreição de Jesus cabe a todos nós,
católicos e protestantes, sejamos históricos,
carismáticos ou pentecostais
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25. HaraldRotgers
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Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 25
naquele dia triste em que se recordava a
morte de Jesus.
De todas as pessoas que têm
chamado a atenção dos cristãos latino-
americanos para essa miopia religiosa, a
que mais se destaca é John A. Mackay,
um escocês nascido em 1889 que
conheceu profundamente a cultura
ibero-americana, por ter vivido na
Espanha (1915-1916), no Peru (1916-
1925), no Uruguai (1926-1929) e no
México (1930-1932).
No Peru, Mackay lecionou na
Universidade Nacional de San Marcos,
a mais antiga do hemisfério ocidental,
e deu vida nova a uma pequena escola
primária que veio a tornar-se o famoso
Colégio Anglo-Peruano. Encerrado o
seu trabalho missionário na América
Latina, Mackay ocupou vários cargos de
grande responsabilidade: foi presidente
do Seminário Teológico Presbiteriano de
Princeton, em Nova Jersey (1936-1959),
do Conselho Missionário Mundial
(1947-1957) e da Aliança Presbiteriana
Mundial (1954-1959). Quando
estava no México trabalhando com a
Associação Cristã de Moços ele escreveu
o livro The Other Spanish Christ (1932),
traduzido para o espanhol apenas vinte
anos mais tarde (El Otro Cristo Español).
Nessa obra clássica, recomendada
pelo filósofo espanhol José Ortega
y Gasset (1883-1955), John Mackay
mostra que o Cristo que o catolicismo
espanhol introduziu no continente é
uma figura trágica. O outro Cristo, o
Cristo espanhol, “se apresenta diante
de nós como uma vítima trágica,
ferido, morto e manchado de sangue,
ninado nos braços de uma formosa
franciscana, morto para sempre”.
2
O misticismo europeu enxergava mais a cruz ensangüentada
do que o túmulo vazio, mais a coroa de espinhos do que a
coroa real, mais a desfiguração de Jesus do que a sua
transfiguração, mais a sexta-feira do que o domingo
Cinqüenta anos depois da presença
de John Mackay, missionário
presbiteriano, no Peru, o sacerdote
católico romano holandês Henri
Nouwen fez uma visita ao mesmo país
e anotou em seu diário:
Em lugar algum encontrei sinal
de ressurreição, em lugar algum fui
lembrado de que Cristo venceu o
pecado e a morte, e ergueu-se vitorioso
do túmulo. Tudo era sexta-feira da
paixão. A páscoa estava ausente...
A ênfase quase exclusiva no corpo
torturado de Cristo me atinge como
uma perversão das boas novas em uma
história mórbida que intimida... as
pessoas, mas não as liberta.3
Nouwen (1932-1996) é uma pessoa
de peso: além de padre, psicólogo
e escritor, ele foi professor das
Universidades de Haward e Yale,
nos Estados Unidos, e do Seminário
Católico de Ontário, no Canadá.
Como se vê, a igreja brasileira precisa
reparar da melhor maneira possível
e com a maior urgência possível a
herança deixada pelo catolicismo
espanhol e português, ainda arraigada
em muitos fiéis. Alguns olhos nunca
estiveram fechados e outros já se
abriram, mas ainda há muitos olhos
para serem abertos. Essa tarefa cabe
a todos nós, católicos e protestantes,
sejamos históricos, carismáticos ou
pentecostais. E tem que ser feita com
humildade e muito amor.
Notas
1. Ir ao Povo, março de 2005, p. 9.
2. John A. Mackay, Um Escocês com Alma
Latina, p. 83.
3. A Bíblia Toda, O Ano Todo, p. 251.
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Mackay Nouwen
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26. Capa
MarcDietrich
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200826
A Reforma colou
a exaltação do
Domingo com a
humilhação da
Sexta-feira
A
morte e a ressurreição de
Jesus estão lado a lado em
praticamente todos os mais
notáveis credos, confissões de fé e
catecismos das igrejas luteranas e
calvinistas do século 16.
1. No Catecismo Menor do Doutor
Martinho Lutero, de 1529, lê-se que “no
terceiro dia Cristo saiu do sepulcro com o
corpo transfigurado e glorioso e mostrou-
se vivo aos seus discípulos”. Depois,
“Cristo foi elevado às alturas segundo a
sua natureza humana e entrou na glória
de seu Pai a fim de nos preparar lugar”.
2. Na Confissão de Augsburgo
(luterana), de 1530, o artigo 3 diz
que “o mesmo Cristo que desceu ao
inferno, no terceiro dia ressurgiu
verdadeiramente dos mortos, subiu ao
céu e está assentado à destra de Deus”.
3. Na Confissão Escocesa (reformada),
de 1560, há três capítulos sobre os
acontecimentos da Semana Santa,
abordando a morte, a paixão e
o sepultamento (capítulo 9), a
ressurreição (capítulo 10) e a ascensão
de Cristo (capítulo 11).
4. No Catecismo de Heidelberg
(reformado), de 1563, a resposta dada
à pergunta 45 (“Que importância tem
para nós a ressurreição de Cristo?”),
menciona três benefícios: “Primeiro, pela
ressurreição, ele venceu a morte, para que
nós pudéssemos participar da justiça que
ele conquistou por sua morte. Segundo,
nós também, por seu poder, somos
ressuscitados para a nova vida. Terceiro, a
ressurreição de Cristo é uma garantia de
nossa ressurreição em glória”.
O
símbolo do cristianismo,
lembra John Stott, poderia
ser a manjedoura (para
simbolizar a encarnação de Jesus),
a carpintaria
(para dignificar o
trabalho manual
de Jesus) ou
a toalha (para
lembrar o lava-
pés de Jesus).
Mas todos foram
ignorados em
favor da cruz, o
que é totalmente
extraordinário,
porque, na
cultura greco-
romana vigente, a
cruz era objeto de
vergonha. Para
Stott, “a cruz é
um diamante
multifacetado”.1
E para J. Julius
Scott, professor
de Bíblia e
teologia no
Wheaton College, nos Estados
Unidos, a cruz “é a demonstração
suprema do amor que Deus tem pelo
homem pecador”.2
Apesar de tudo isso, algumas
igrejas protestantes brasileiras
evitam colocar a cruz na fachada
e no interior de seus templos. Há
A implicância
protestante
contra a cruz
duas explicações históricas para
esse estranho comportamento.
A completa liberdade de culto só
aconteceu com a Proclamação da
República, em
1889. Até então,
os templos
não católicos
no Brasil, por
força de lei, não
podiam ostentar
exteriormente
símbolos
cristãos,
como cruz e
sinos. Esses
privilégios eram
exclusivos da
Igreja Católica
dominante.
No imaginário
protestante, a
cruz era coisa
católica e não
deveria ser usada
por eles. A outra
razão, o que
agravou ainda
mais o problema, era a presença do
Crucificado na cruz e a adoração de
um Cristo morto.
Notas
1. A Bíblia Toda, o Ano Todo, p. 263-264.
2. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja
Cristã, v. 1. p. 391.
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27. Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 27
T
odas as vezes em que Jesus
anunciava a sua morte,
anunciava também a
sua ressurreição: “Jesus
começou a explicar aos seus discípulos
que era necessário que ele fosse para
Jerusalém e sofresse muitas coisas nas
mãos dos líderes religiosos, dos chefes
dos sacerdotes e dos mestres da lei, e
fosse morto e ressuscitasse no terceiro dia”
(Mt 16.21).
Esse “casamento” da cruz
ensangüentada com o sepulcro
vazio tem sido confessado desde o
terceiro século até hoje, todas as vezes
que cristãos católicos, ortodoxos
e protestantes, recitam juntos ou
sozinhos o Credo dos Apóstolos:
“Creio em Jesus Cristo, que padeceu
sob o poder de Pôncio Pilatos, foi
crucificado, morto e sepultado; desceu
ao Hades; ressurgiu dos mortos ao
terceiro dia; subiu ao céu; está sentado
à mão direita de Deus Pai Todo-
Poderoso”.
Além de mencionar a ressurreição
de Jesus como verdade culminante,
central, fundamental e essencial, a
atual (1998) edição típica do Catecismo
da Igreja Católica (preparado por
ordem do papa João Paulo II, por uma
comissão presidida pelo então cardeal
Ratzinger, atual papa) ensina que ela
deve ser pregada juntamente com a
cruz.
Em Lavras Novas, um pequeno
povoado nas proximidades de Ouro
Preto, MG, cujos habitantes são
descendentes de escravos, há uma
cruz na parte mais alta da rua central
e outra na parte mais baixa. O
padre Marcial Maçaneiro, 42 anos,
doutor em teologia, assessor do setor
ecumênico da CNBB e professor da
Faculdade Dehoniana, em Taubaté,
SP, esteve no povoado recentemente
e observou que nenhuma das duas
cruzes tem a imagem do crucificado,
mesmo que a cruz de cima esteja
coberta pelos instrumentos da paixão,
como a coroa de espinhos, a lança, os
açoites, o martelo e os cravos. Essa cruz
(típica dos Açores e de outras regiões de
Portugal), explica o padre, “simboliza a
vitória de Jesus sobre a morte”.1
Todavia, talvez não haja outra
pregação simultânea da morte e
da ressurreição numa só figura
tão singela e ao mesmo tempo tão
enfática quanto a cruz vazada. Um
dos modelos dessa cruz estava
fincada até bem pouco tempo
no gramado da Universidade
Gwynedd-Mercy, católica, nos
arredores de Filadélfia, nos
Estados Unidos. O artista que
E são ambos uma só “carne”:
a cruz ensangüentada e o sepulcro vazio!
Além de declarar a ressurreição como verdade culminante, central,
fundamental e essencial, o recente Catecismo da Igreja Católica ensina
que ela deve ser pregada juntamente com a cruz
desenhou a cruz vazada chama-se Jay
J. Dugan e devia ser um cristão muito
piedoso. Para ele, nestes dois mil anos
de cristianismo, a cruz tem revelado
só o sofrimento e a morte de Jesus. Ela
não tem simbolizado também a sua
ressurreição, o que é uma lástima. Com
essa preocupação, Jay Dugan projetou a
cruz vazada: “Removi todo vestígio do
seu sangue e agonia ao remover o seu
débil corpo. A cruz é suficiente para
retratar sua crucificação. No lugar do
corpo de Jesus apliquei uma silhueta
abstrata, uma declaração poderosa de
que deixou a cruz e este mundo para
preparar e aguardar o nosso reencontro
com ele no céu”.
Pouco depois, em 1994, Ultimato
conseguiu com a direção da
universidade americana uma cópia do
projeto da cruz vazada e autorização
para construir uma cruz igual no
gramado do Centro Evangélico de
Missões, em Viçosa, MG, que foi
inaugurada em 1996. Por anunciar o
mais puro evangelho — a eficácia da
morte vicária de Jesus, a ressurreição
de Jesus, o sacerdócio de Jesus, a
ressurreição dos mortos, os novos
céus e a nova terra — Ultimato tem
repassado graciosamente o projeto da
cruz vazada a quem o solicita. Por esta
razão, hoje há muitas cruzes vazadas
pelo Brasil afora, junto a templos
protestantes e católicos, em vias
públicas e até em cemitérios.
Nota
1. Ir ao Povo (março de 2006, p. 8).
ÉlbenCésar
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Especial
Patrícia Neme
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200828
Eu tenho lepra!Eu tenho lepra!
Omédico abriu o envelope da
eletroneuromiografia e, num
misto de alívio e preocupação, disse-
me: “Hanseníase neural, em estágio
avançadíssimo”. Ali findavam dois anos
e meio de peregrinação a consultórios
das mais variadas especialidades, sem
que eu obtivesse qualquer resultado (e
quantas vezes outros profissionais me
encaminharam a psicólogos, psiquiatras.
Só ele acreditava que havia algo mais
sério). Tantos exames, tantas quedas
súbitas, causando uma interminável
quebradeira de ossos. Dali, fui ao
dermatologista e, em seguida, ao posto de
saúde, onde iniciei a poliquimioterapia.
Apesar de há muito tempo não receber
uma visita pastoral, ou resposta aos meus
e-mails e telefonemas, com o diagnóstico
na mão, procurei o pastor da minha igreja,
na pretensão de que ele entendesse a razão
da minha rara freqüência aos cultos, pois
mal conseguia andar; tinha dores intensas
nas pernas e braços, além de muita dor de
cabeça. Ele me perguntou: “O que você
deseja que façamos por você?” “Quero
sua unção e sua bênção, tudo o mais está
resolvido”, respondi.
Recebi a unção e a bênção, e nunca
mais tive notícias dele. Afinal, se a arca
da aliança ficou três meses na casa de
Obede-Edom e lhe resolveu a vida, eu
passara quase três anos indo de mal a
pior... E agora, uma lepra!
Aderi à igreja virtual e Silas Malafaia
tornou-se meu pastor durante o meu
caminhar pelo vale do sofrimento; e só
Deus sabe o quanto ele me pastoreou.
Deus o abençoe!
Lepra... Mudaram o nome para
hanseníase — é mais chique. Mas
é lepra, mesmo. Sempre me julguei
muito culta e, na minha “elevada
sabedoria”, essa doença pertencia ao
Antigo Testamento. A transição daquela
época a 2007 foi difícil, mas comecei a
conhecer o mal silencioso que assola o
país, responsável por 90% dos casos em
todo o continente americano. O Brasil
é o segundo país no mundo em número
absoluto de portadores, só perdendo
para a Índia, que tem uma população
cinco vezes maior do que a nossa. O
que será que realmente fizeram com a
CPMF, se até a poliquimioterapia nos é
doada por uma ONG holandesa?
Causada pelo bacilo mycobacterium
leprae, a hanseníase compromete a
pele e os nervos. A transmissão ocorre
pelas vias respiratórias. Os sintomas
são manchas ou lesões cutâneas
esbranquiçadas ou avermelhadas, com
sensação de queimação, ardência,
coceira ou perda de sensibilidade;
também são sintomas da doença
o aparecimento de placas, caroços
vermelhos dolorosos e inchaços no
rosto, dor nas articulações, febre,
inchaço nas pernas, queda de pelos,
além de dor no trajeto dos nervos que
passam pelos cotovelos, punhos, atrás
dos joelhos e tornozelos, causando a
diminuição da força e dormência nas
mãos e nos pés. Quanto mais cedo
diagnosticada, maiores as chances de o
paciente não ficar com seqüelas.
Porém, para o diagnóstico precoce e a
cura, é necessária uma experiência que
poucos dermatologistas adquirem, pois a
parte cosmética de sua especialização lhes
permite maiores lucros; também urgem
algumas condutas de suma importância,
ou jamais conseguiremos erradicar a
hanseníase. Não podemos acreditar
nas estatísticas, em razão do pouco
conhecimento da maioria dos médicos,
o que os leva a diagnósticos em direções
outras, e do medo da discriminação,
que impede muitos portadores de se
apresentarem aos postos de saúde, onde
as estatísticas são elaboradas.
Assim, é preciso: a) que o Ministério
da Saúde faça campanhas elucidativas,
para que o próprio paciente possa
reconhecer os sintomas da doença e
procurar um médico; b) que nossas
igrejas realizem palestras sobre o tema;
c) que as faculdades de medicina
dediquem um espaço maior no currículo
às doenças negligenciadas (hansen,
malária, tuberculose etc.), com um
ensino mais voltado à identificação dos
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29. Bancodeimagensoliver
Patrícia Neme é tradutora, intérprete e poetisa. É
autora de Relicário (Ed. Corifeu).
Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 29
sintomas e não apenas ao tratamento
da doença, principalmente porque a
hanseníase pode ser confundida com
várias outras enfermidades; d) que
os Conselhos Regionais de Medicina
promovam constantemente cursos
sobre o tema, já que a situação no país
é crítica e muitos médicos acreditam
que a lepra está erradicada no Brasil;
e) que se acabe com o infeliz slogan
“Hanseníase tem cura”, que banaliza a
doença, colocando-a quase no mesmo
patamar de um resfriado. Porque muitos
casos são diagnosticados tardiamente,
há muita gente com seqüelas graves (o
meu caso), num processo irreversível
que desmorona a pessoa física e
psicologicamente. Cura parcial não é
cura. Ou quem insiste em tal slogan
obtém algum benefício ao compactuar
com o descaso do governo?
Outros dois aspectos não podem
deixar de ser mencionados, dada a sua
importância na vida dos pacientes. O
primeiro refere-se ao descaso dos peritos
do INSS, que desconsideram relatórios
médicos dos profissionais que nos
acompanham e alteram diagnósticos
segundo sua inspiração momentânea
(um perito “mudou” meu laudo para
osteoartrose e outro, para depressão...
No caso da lepra neural, a boa aparência
do paciente é interpretada como
saúde total, por desconhecerem que a
clofazimina deixa a pessoa com ótima
aparência, bronzeada).
O segundo aspecto refere-se
à ignorância de muitas igrejas
(principalmente evangélicas), que
rejeitam tratamentos médicos porque
“Jesus cura” e ousam afirmar que a lepra
é um castigo de Deus a quem muito peca
(ouvi isso de um pastor. De outro, ouvi
que eu deveria parar com o tratamento,
pois tomar a poliquimioterapia
demonstrava a minha pouca fé). Oséias
4.6 alerta que padecemos por falta de
conhecimento. Até quando seguiremos
com essa insanidade?
Deus cura, é verdade. Mas no tempo
dele e através de diferentes formas, por
exemplo usando a medicina. Ou não
cura (alguém se lembra do apóstolo
Paulo?), por motivos que ele conhece.
E, se ele conhece, isto basta!
A lepra é um processo muito sofrido,
que aumenta com o desconhecimento
dos médicos sobre a doença, o que
não lhes permite que nos orientem da
melhor forma em relação às reações
colaterais do tratamento (quase morri
em função da dapsona, pois sou alérgica
à sulfa). Ninguém explica ao paciente
sobre a necessidade de acompanhamento
por outros especialistas, pois a
poliquimioterapia pode causar hepatite,
anemia, catarata e problemas renais,
um roteiro que percorri todo. E a
dor agiganta-se, quando tememos a
discriminação, o julgamento absurdo
daqueles que deveriam nos acompanhar
espiritualmente.
Pela misericórdia de Deus, e pela
facilidade de acesso aos meios de
informação, tive a felicidade de encontrar
o Portal da Hanseníase (www.hanseniase.
passosuemg.br), um trabalho abnegado e
altamente profissional, voltado a ministrar
cursos on-line a profissionais da área da
saúde e a esclarecer dúvidas de portadores
da doença. Mas e quem não dispõe
desse recurso? E as pessoas mais simples,
perdidas no labirinto da impaciência do
sistema público de saúde? É por elas que
estou aqui.
Quero convidar o leitor a que se
informe sobre esse mal; que não nos
olhe com reservas ou se assuste com
nossas seqüelas físicas — pior seria se
fossem morais. Que nos ajude a buscar
informações e esteja ao nosso lado nessa
luta por uma verdadeira cidadania.
Eu tenho lepra, você tem diabetes,
há quem tenha câncer. Somos todos
merecedores de respeito, tratamento
digno e fraterno. Se assim for, só nos
contagiaremos de amor. Daquele que
eleva e constrói. E cura! Pensemos
nisso, e que Deus nos abençoe.
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30. EspecialEspecial
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200830
Esta informação está mesmo na
Bíblia (Jr 48.21, BP, TEB, NTLH
e NVI). Outras versões usam as
palavras “planície” ou “campina”.
Aqui, de propósito, tomamos a
liberdade de colocar a palavra
Planalto com “P” maiúsculo para
dar a entender que o texto pode se
referir também ao governo brasileiro,
em Brasília, a capital construída
no Planalto Central por Juscelino
Kubitschek e inaugurada em 1960.
Assim como o julgamento de Deus
chegou ao planalto onde ficava uma
das nações mais antiga do mundo
(Moabe), situada entre a metade sul
do mar Morto e o deserto da Arábia,
o julgamento dos altos céus
pode chegar também ao
nosso Planalto,
que abriga a sede do Executivo
Federal, a Câmara dos Deputados,
o Senado Federal, o Superior
Tribunal de Justiça, o Supremo
Tribunal Federal, os ministérios e as
embaixadas de todas as nações. Quem
responde oficialmente pelos acertos
e pelos desacertos do país, diante do
povo, de outras nações e de Deus, no
caso do Brasil, é o Palácio do Planalto,
em Brasília, onde o presidente da
República despacha.
Pode ser que os historiadores não
levem Deus a sério, esquecendo-se de
que ele é o Senhor da história. Mas
eles não tratam de outra
coisa senão contar a
história do apogeu
e da queda
dos muitos
poderosos
impérios
do passado
remoto
(Império
Assírio,
Império Medo-Persa, Império
Babilônico, Império Romano,
Império Mongol etc.) e do passado
recente (Império Britânico, Império
Soviético, Império Japonês, Alemanha
Nazista etc.). Seria ridículo para os
pesquisadores de história e para a
sociedade atribuir tanto a ascensão
como a queda dessas nações à
soberania do Rei dos reis, “o Senhor de
toda a terra” (Mq 4.13; Zc 4.14).
A passagem bíblica “o julgamento
chegou ao planalto” diz respeito
a Moabe. A nação começou com
Moabe, filho de Ló, um dos
sobreviventes da destruição de
Sodoma e Gomorra, em uma relação
incestuosa deste com sua filha mais
velha (Gn 19.37). Ocupava um
pequeno território (57 quilômetros
de comprimento e 40 de largura), na
vizinhança de duas das doze tribos de
Israel (Rúben e Gade). A história do
êxodo de Israel do Egito para Canaã
registra o episódio em que mulheres
moabitas seduziram os israelitas e os
induziram a uma forma de idolatria
que envolvia também relações sexuais
(Nm 25.1-9). Todavia, há uma
moabita que entrou para a história
como mulher especialmente
virtuosa: chamava-
se Rute e seu nome
está na genealogia
de Jesus (Mt 1.5).
“O julgamento
chegou ao Planalto”
Gibson
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31. Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 31
O juízo de Deus contra Moabe é
dramaticamente descrito em Jeremias
48 e em Isaías 15 e 16. A derrota
final aconteceu no ano 582 antes de
Cristo, quando Nabucodonosor, rei
da Babilônia, subjugou os moabitas.
Além da informação de que “o
julgamento chegou ao planalto”, há
outra advertência contra Moabe,
muito mais rude, no mesmo capítulo
48 de Jeremias: “O destruidor
[Nabucodonosor] virá contra todas
as cidades, e nenhuma escapará. O
vale se tornará ruínas, e o planalto será
destruído, como o Senhor falou” (v. 8).
Na história do Antigo Testamento,
os profetas advertiam em primeira
instância Israel, mas não deixavam
inocentes nem desprevenidas muitas
outras nações contemporâneas e seus
governantes, inclusive o poderoso
Nabucodonosor, cujo nome aparece
dezenas de vezes, principalmente em
Jeremias e em Daniel. O dono da
história dizia a respeito da Babilônia:
“Você é o meu martelo, a minha
arma de guerra. [...] Com você eu
despedaço as nações, com você eu
destruo reinos” (Jr 51.20). Mas esse
terrível martelo também foi julgado
e condenado: “Quão quebrado e
destroçado está o martelo de toda a
terra! Quão arrasada está a Babilônia
entre as nações!” (Jr 50.23).
Hoje em dia, essas duras e
implacáveis advertências a qualquer
nação e em qualquer tempo
estão implícitas. Pode-se ler nas
enciclopédias o relato da decadência
de governos que oprimem seus
próprios cidadãos e outras nações.
Portanto, é oportuno lembrar
que o julgamento pode chegar
ao Planalto, à Casa Branca, ao
Kremlin etc.
Pode ser que os historiadores não levem Deus a sério, esquecendo-se de que ele é o
Senhor da história. Mas eles não tratam de outra coisa senão contar a história do
apogeu e da queda dos poderosos impérios de ontem e de hoje
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32. Shutterstock
Especial
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EspEspecial
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200832
Não há como negar: é surpreendente
a propaganda que hoje se faz
de algum pregador bem-sucedido.
Como no caso do pastor americano
Rick Warren, autor de Uma Igreja com
Propósitos, que esteve em São Paulo
no dia 21 de julho de 2008. O cartaz
da promoção transcrevia uma série de
superlativos a respeito de seu sucesso
ministerial: pastor de “uma das maiores
e mais conhecidas igrejas do mundo”,
fundador de um ministério que
“conta com mais de 400 mil pastores
conectados em 163 países”, autor de
um best-seller que alcançou o título de
livro de não-ficção mais vendido no
mundo por três anos consecutivos e
que está na lista dos “100 livros cristãos
que mais mudaram o século 20”, “uma
das cem personalidades mais poderosas
do mundo”, “um dos vinte e cinco
melhores líderes da América”, “uma das
quinze pessoas que fazem a América ser
excelente”, “um dos dez pregadores
mais influentes dos últimos cinqüenta
anos” etc.
A igreja brasileira, ainda não
totalmente acostumada com esses
exageros que ferem ou destroem a honra
devida exclusivamente a Jesus Cristo,
deveria rejeitar o estilo americano
e exercer uma influência contrária.
Embora fosse o precursor de Jesus e um
pregador de multidões (Lc 3.7), e apesar
do alto conceito que o Senhor fazia dele
(Mt 11.11), João Batista tomava todo
o cuidado para não empanar a glória
daquele sobre quem pregava: “Eu sou
amigo do Noivo, e estou cheio de alegria
com o sucesso dele. Ele deve tornar-se
cada vez maior e eu devo diminuir cada
vez mais” (Jo 3.30, BV).
Em entrevista à revista católica Ir ao
Povo, o conhecido padre e jornalista
Augusto César Pereira, declarou: “É
um perigo quando um padre se torna
uma ‘estrela’, porque passa a formar o
rebanho dele mesmo. Nós, os padres,
temos que formar o povo do Cristo
Ressuscitado. Essa é que é a nossa
missão” (junho de 2008, p. 27).
Timóteo Carriker, missiólogo
americano radicado no Brasil, em seu
livro Proclamando Boas-novas!, alerta
para a tentação da construção de
impérios denominacionais, que podem
resultar da excessiva preocupação
apenas com o crescimento numérico de
igrejas, mais por força do proselitismo
do que por força do evangelismo.
O ensino de Rick Warren tem o
seu valor, mas ele e seus promotores
deveriam tomar mais cuidado com
esse tipo de propaganda, muito
bem-sucedida na sociedade poderosa
e consumista, mas imprópria na
promoção do reino de Deus. Talvez
ele próprio teria vergonha de tão
inflacionada promoção pessoal. E, aqui
no Brasil, precisamos acabar com a
associação de uma denominação com o
nome e a figura de seu fundador.
O verdadeiro amigo do
Noivo faz propaganda do
Noivo e não de si mesmo
Adescendência de Adão encontra-se
contaminada pela síndrome de altar.
(...) Somos uma raça que gosta de viver
em destaque. (...) O ser humano comum
sente anseio pela celebridade e não
gosta da sombra do ostracismo. (...) O
exibicionismo no palco é uma deformação
que denota obesidade do ego, em
conseqüência da teimosia dominante do
pecado original. (...) O gênero adâmico
é presunçoso ao extremo e não concorda
com a fronteira da insignificância. (...)
Ninguém gosta de viver à margem do
êxito e das lentes de observação.
O velho homem, espécie gerada no
útero da rebeldia no Éden, não aceita
viver no deserto social ou afastado das
luzes da ribalta. Ele pode até aturar
essa condição por falta de escolha, mas
não é de bom grado. A expectativa
reservada no seu interior é sempre de
uma visibilidade pública e de prestígio
diante da coletividade. Muitos não
querem perder a sua privacidade,
mesmo assim, não gostam de viver na
carceragem do anonimato.
O risco da elevação é você alcançar
o alto da escala e então perceber que
ela se encontra apoiada numa parede
errada. Ninguém que tenha comunhão
com Cristo deveria aspirar ao pódio,
uma vez que ele viveu aqui na terra
almejando apenas glorificar ao Pai,
sem qualquer glamour ou necessidade
de consideração especial. A glória de
Cristo na terra era viver para a glória
do Pai.
(Frases retiradas do artigo Desapeando do
pedestal, de Glênio Fonseca Paranaguá,
pastor da Primeira Igreja Batista de
Londrina, publicado na edição de abril de
2008 de Palavra da Cruz).
A obesidade do ego Glênio Fonseca Paranaguá
Gilber
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36. Stockxpert
Robinson Cavalcanti
Reflexão
ULTIMATO Setembro-Outubro, 200836
Pseudo-pentecostais:
nem evangélicos,
nem protestantes
U
m grande equívoco
cometido pelos sociólogos
da religião é o de por
sob a mesma rubrica de
pentecostalismo dois fenômenos distintos.
De um lado, o pentecostalismo
propriamente dito, tipificado, no
Brasil, pelas Assembléias de Deus; e do
outro, o impropriamente denominado
neopentecostalismo, melhor tipificado
pela Igreja Universal do Reino de
Deus. Um estudioso propôs denominar
essas últimas de pós-pentecostais: um
fenômeno que se seguiu a outro, mas
que com ele não se conecta, pois neo se
refere a uma manifestação nova de algo
já existente. Correntes de sociologia
argentina já os denominaram de
iso-pentecostalismo: algo que parece,
mas não é. Lucidez e coragem teve
Washington Franco, em sua dissertação
de mestrado na Universidade Federal
de Alagoas, quando classificou o
fenômeno representando pela IURD
de pseudo-pentecostalismo: algo que não
é. Um estudo acurado dos tipos ideais,
Assembléia de Deus e Igreja Universal
do Reino de Deus, sob uma ótica
sociológica, ou uma ótica teológica,
nos levará à conclusão que se trata de
duas manifestações religiosas diversas,
que não podem — nem devem — ser
colocadas sob uma mesma classificação.
Ao se somar, a partir do Censo
Religioso, esses dois agrupamentos,
tem-se um alto índice de pentecostais,
constituídos, contudo, pelos que o são
e pelos que não o são. Equiparar ambos
os fenômenos não faz justiça à Igreja
Universal e ofende a Assembléia de
Deus.
Podemos afirmar, ainda, um
segundo equívoco dos analistas:
considerar a IURD e suas congêneres
como evangélicas. Elas próprias, por
muito tempo, relutaram em se ver
como tal, pretendendo ser tidas como
um fenômeno religioso distinto, e
terminaram por aceitar a classificação
evangélica por uma estratégia política
de hegemonizar um segmento religioso
mais amplo no cenário do Estado e da
sociedade civil. O evangelicalismo é
marcado pela credalidade histórica e
pela ênfase doutrinária reformada na
doutrina da expiação dos pecados na
cruz e na necessidade de conversão, ou
novo nascimento.
Se o pseudo-pentecostalismo não
é pentecostalismo, nem, tampouco,
evangelicalismo, também não é
protestantismo. O discurso e a prática
dessa expressão religiosa indicam a
inexistência de vínculos ou pontos de
contatos com a Reforma Protestante
do Século 16: as Escrituras, Cristo, a
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37. Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese
do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política
– teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o
Mundo – desafios a uma fé engajada.
<www.dar.org.br>
Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 37
graça, a fé. Chamar o bispo Macedo de
protestante é de fazer tremer o Muro
da Reforma, em Genebra, e os ossos
de Lutero e Calvino em seus túmulos.
Muita gente tem incluído a IURD,
e assemelhadas, como pentecostais,
evangélicas ou protestantes, para
inflar, de forma triunfalista, os
números, ou por temor de retaliações
legais, ou extralegais, vindas daquelas
instituições. Se sociólogos têm
denominado manifestações novas na
cristandade, como as Testemunhas
de Jeová, os Mórmons, ou a Ciência
Cristã, como seitas para-cristãs,
podemos denominar a Igreja Universal
e congêneres de seitas para-protestantes.
O que se constata, cada vez mais, é
que o fenômeno pseudo-pentecostal
tem concorrido para uma maior
aproximação entre os pentecostais
(já tidos como históricos, por sua
antigüidade e mobilidade social
e cultural) e as igrejas históricas.
De um lado, os pentecostais
redescobrem o valor da história, de
uma confessionalidade e de uma
teologia sólida; do outro, os históricos
vão flexibilizando (ou ampliando)
a sua pneumatologia, reconhecendo
a contemporaneidade dos dons
do Espírito Santo. O fosso entre
pentecostais e pseudo-pentecostais
tende a aumentar, não só pela
aproximação entre pentecostais e
históricos, mas também pela crescente
adesão dos pseudo-pentecostais a
ensinos e práticas sincréticas, com
o catolicismo romano popular e os
O fosso entre pentecostais e pseudo-pentecostais
(Igreja Universal e congêneres) tende a aumentar,
não só pela aproximação entre pentecostais e históricos,
mas também pela crescente adesão dos pseudo-pentecostais
a ensinos e práticas sincréticas
cultos afro-ameríndios. Quando
estudantes de teologia assembleianos,
batistas nacionais ou presbiterianos
renovados aprendem com teólogos
anglicanos (John Stott, J.I. Packer,
Michael Greene, Alister McGrath,
N.T. Wright), e anglicanos, luteranos
ou presbiterianos usam de um
louvor mais exuberante e oram por
cura e libertação, na expressão de
Gramsci, um novo bloco histórico
vai se formando (retardado pelo
extremo fracionamento entre ambos
os segmentos), do qual, é claro, não
faz parte o pseudo-pentecostalismo.
Esse bloco histórico em formação, para
se consolidar, não apenas deve se
conhecer mais mutuamente, somando
conceitos e subtraindo preconceitos,
mas também responder aos desafios de
um pluralismo que inclui a diversidade
do catolicismo romano, o pseudo-
pentecostalismo, o esoterismo, os sem-
religião e um agressivo secularismo,
emoldurado pelo relativismo pós-
moderno. Isso passa, necessariamente,
pelo aprender com a história da
igreja — durante, depois e antes da
Reforma — e pela superação de uma
iconoclastia que, equivocadamente,
equipara o artístico com o idolátrico.
Contamos com estadistas do reino de
Deus, com humildade, visão e coragem
para consolidar esse bloco?
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38. ULTIMATO Setembro-Outubro, 200838
Ricardo Gondim
Reflexão
O
culto pegava fogo. O
frenesi do povo crescia,
estimulado por um
pastor quase grisalho,
engravatado e bastante brilhantina
nos cabelos. Mesmo acostumado a
ambientes pentecostais, estranhei o
exagero dos gestos e das palavras.
Concentrei-me para entender o que
o pastor dizia em meio a tantos
gritos. Percebi que ele literalmente
dava ordens a Deus. Exigia que
honrasse a sua Palavra e que não
deixasse “nenhuma pessoa ali sem
a bênção”. Enquanto os decibéis
subiam, estranhei o tamanho da
sua arrogância. A ousadia do líder
contagiou os participantes. Todos
pareciam valentes, cheios de coragem.
Assombrei-me quando ouvi uma
ordem vinda do púlpito: “Chegou a
hora de colocarmos Deus no canto da
parede. Vamos receber o nosso milagre
e exigir os nossos direitos”. Foi a gota
d’água. Levantei-me e fui embora.
Os ambientes religiosos
neopentecostais se tornaram
alucinatórios porque geram fascínio por
poder e pela capacidade de criar um
mundo protegido e previsível. Por se
sentirem onipotentes, buscam produzir
uma realidade fictícia. Para terem esse
mundo hipotético, os sujeitos religiosos
chegam ao cúmulo de se acharem
gabaritados para comandar Deus. É
próprio da religião oferecer segurança,
mas os neopentecostais querem produzir
garantia existencial com avidez.
Em seus cultos, procuram eliminar as
contingências, com a imprevisibilidade
dos acidentes e os contratempos
do mal. Acreditam-se capazes de
domesticar a vida para acabar com a
possibilidade de seus filhos adoecerem,
de as empresas que dirigem falirem e de
se safarem caso estejam em ônibus que
despenca no barranco. Almejam uma
religião preventiva, que se antecipa aos
solavancos da vida. Imaginam-se aptos
para transformar a aventura de viver
em mar de almirante ou em céu de
brigadeiro.
Acontece que essa idéia de um
mundo sem percalços não passa de
alucinação. Por mais que se ore, por
mais que se bata o pé dando ordens a
Deus, o Eclesiastes adverte: “O que
acontece com o homem bom, acontece
com o pecador; o que acontece com
quem faz juramentos acontece com
quem teme fazê-lo” (9.2).
Mas a pergunta insiste: por que os
cultos neopentecostais lotam auditórios
e ganham força na mídia? Repito, pelo
simples fato de prometerem aos fiéis o
poder de controlar o amanhã, eliminar
os infortúnios e canalizar as bênçãos
de Deus para o presente. Quando
oram, pretendem gerar ambientes
pretensiosamente capazes de antever
quaisquer problemas para convertê-los
em fortuna e felicidade.
Esta premissa deve ser contestada.
Pedir a Deus para nunca se contrariar,
ou para ser poupado de acidentes,
Verdade
versus
alucinaçãoalucinação
FotomotagemJeanScheijen
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39. Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus
Betesda no Brasil e mora em São Paulo. É autor de,
entre outros, Eu Creio, mas Tenho Dúvidas.
<www.ricardogondim.com.br>
Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 39
significa exigir
que ele coloque os
seus filhos em uma
bolha de aço. A
vida é contingente.
Tudo pode ocorrer
de bom e de ruim.
Uma existência sem
imprevisibilidade
seria maçante.
O perigo da
tempestade, a
ameaça da doença,
a iminência da
morte fazem o dia-
a-dia interessante.
A verdade
não produz
necessariamente
felicidade. Verdade
conduz à lucidez.
O delírio, porém,
tranqüiliza e gera um contentamento
falso. Muitos recorrem à religião
porque desejam fugir da verdade e se
arrasam porque a paz que a alucinação
produz não se sustenta diante dos fatos.
Cedo ou tarde, a tempestade chega,
o “dia mau” se impõe e o arrazoamento
do religioso cai por terra. Interessante
observar que Jesus nunca fez promessas
mirabolantes. Como não se alinhou
aos processos alienantes da religião, ele
não garantiu um mundo seguro para os
seus seguidores. Pelo contrário, avisou
que os enviaria como ovelhas para o
meio dos lobos e advertiu que muitos
seriam entregues à morte por seus
familiares. Sem rodeio, afirmou: “No
mundo vocês terão aflições”.
Quando o Espírito conduziu Jesus
para o deserto, o Diabo lhe ofereceu
uma vida segura, sem imprevistos.
As três tentações foram ofertas de
provisão, prevenção e poder, mas ele
as rechaçou porque as considerou
mentirosas. O mundo que o Diabo
prometia não existe.
Porém as pessoas preferem acreditar
em suas ilusões. Fugir da crueza
da vida é uma
grande tentação.
Em um primeiro
momento, parece
cômodo refugiar-
se da realidade,
negando-a. É bom
acreditar que a
riqueza, a saúde,
a felicidade estão
pertinho dos que
souberem manipular
Deus.
O mundo
neopentecostal se
desconectou da
realidade. Seus
seguidores vivem
em negação. Não
aceitam partilhar
a sorte de todos
os mortais.
Confundem esperança com deslumbre,
virtude com onipotência mágica, culto
com manipulação de forças esotéricas
e espiritualidade com narcisismo
religioso.
Os sociólogos têm razão: o
crescimento numérico dos evangélicos
não arrefecerá nos próximos anos.
Entretanto, o problema é qualitativo. O
rastro de feridos e decepcionados que
embarcaram nessas promessas irreais já
é maior do que se imagina.
A demanda por cuidado pastoral vai
aumentar. Os egressos do “avivamento
evangélico” baterão à porta dos
pastores, perguntando: “Por que
Deus não me ouviu?” ou “O que fiz
de errado?”. Será preciso responder
carinhosamente: “Não houve nada de
errado com você. Deus não lhe tratou
com indiferença. Você apenas alucinou
sobre o mundo e misturou fé com
fantasia”.
Soli Deo Gloria.
A verdade conduz à
lucidez. O delírio
tranqüiliza e gera um
contentamento
falso. Muitos
recorrem à religião
porque desejam fugir
da verdade e se
arrasam porque a
paz que a alucinação
produz não se
sustenta diante dos
fatos
FotomotagemJeanScheijen
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