O documento discute a experiência de Viktor Frankl nos campos de concentração nazistas e como ele encontrou sentido e propósito mesmo nessas situações extremas de sofrimento. Também reflete sobre a importância de lembrar os horrores do Holocausto e do antissemitismo para as gerações atuais.
1. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 1
3º CONGRESSO LAUSANNE de Evangelização Mundial reúne mais de 4 mil pessoas na África do Sul
RENÉ PADILLA
MORDOMIA
RESPONSÁVEL
PAUL FRESTON
AÇÃO SOCIAL CRISTÃ:
A HUMILDADE AMOROSA
RICARDO GONDIM
SONHOS E UTOPIAS
(IM)POSSÍVEIS
SOFRIMENTO“Quando não somos capazes de mudar uma situação,
somos desafiados a mudar a nós mesmos”
www.ultimato.com.br NOVEMBRO-DEZEMBRO 2010 • ANO XLIII • Nº 327
FECHAMENTOAUTORIZADO.PodeserabertopelosCorreios.
FECHAMENTOAUTORIZADO.PodeserabertopelosCorreios.
3. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 3
Q
uando Cornélio se encontrou com Pedro
na entrada de Cesareia, o militar romano
ajoelhou-se e curvou a cabeça diante do
ex-pescador da Galileia. Imediatamente,
Pedro fez com que ele se levantasse e
disse: “Fique de pé, pois eu sou apenas um homem como
você” (At 10.26).
O ser humano não pode ser tratado como Deus por
outro ser humano. Nem pode desejar tal coisa para si
mesmo. Deus está acima de qualquer ser angelical e
de qualquer pessoa. Está escrito: “Temam o Senhor, o
seu Deus, e só a ele prestem culto” (Dt 6.13; Mt 4.11,
NTLH).
O verdadeiro cristão precisa aprender e executar
duas artes gêmeas: a arte de levantar os que estão
indevidamente ajoelhados e a arte de fazer ajoelhar os
que estão indevidamente em pé. Ambas são difíceis e
requerem sabedoria e coragem.
Mesmo sob contínuas e exageradas palmas, o
ser humano não pode esquecer-se de que é um ser
humano. Mesmo gostando de colecionar muitos títulos
e diplomas, muitas coroas e cetros, muita importância
e dinheiro, ele não pode perder a cabeça nem aceitar
qualquer tipo de veneração ou adoração reservada
unicamente a Deus. A história bíblica e a história secular
ensinam que as pessoas que se deixam glorificar como
Deus podem ser vergonhosamente humilhadas, como
aconteceu com Herodes Antipas I, que não sustou a
impressão dos fenícios de que ele era um deus e não um
homem, provocando o juízo imediato de Deus. Esse
Herodes, neto de Herodes, o Grande (que mandou
matar as crianças de Belém), morreu comido de vermes
dez anos depois da ressurreição de Jesus (At 12.23).
O ensino bíblico é que ninguém deve se ajoelhar
diante de qualquer figura, imagem, astro, anjo, ser
humano canonizado, autoridade religiosa (como era o
caso de Pedro) ou potestade do ar. A esperança cristã
é que, pelo menos na plenitude da salvação, todos os
joelhos se curvem diante de Jesus. Esse anelo percorre
toda a Bíblia:
“Todos os orgulhosos se curvarão na sua presença, e
o adorarão todos os mortais, todos os que um dia vão
morrer” (Sl 22.29).
“Venham, fiquemos de joelhos e adoremos o Senhor.
Vamos nos ajoelhar diante do nosso Criador” (Sl 95.6).
“Juro pela minha vida, diz o Senhor, que todos se
ajoelharão diante de mim e todos afirmarão que eu sou
Deus” (Is 45.23 e Rm 14.11).
“Deus deu a Jesus a mais alta honra e pôs nele o nome
que é o mais importante de todos os nomes, para que,
em homenagem ao nome de Jesus, todas as criaturas no
céu, na terra e no mundo dos mortos, caiam de joelhos e
declarem abertamente que Jesus Cristo é o Senhor, para a
glória de Deus, o Pai” (Fp 2.9-11).
De ordem prática, nada é mais importante do que
a obrigação de levantar quem está indevidamente
ajoelhado e de pôr de joelhos quem está indevidamente
em pé!
A obrigaçãode levantar
quem está indevidamente ajoelhado e
de pôr de joelhos
quem está indevidamente em pé
Abertura
4. 4 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
A
té ler Em Busca de Sentido, quase nada sabia sobre Viktor Frankl.
Agora, sinto-me impulsionado a tornar conhecida a experiência
desse psiquiatra vienense em Auschwitz e em outros campos de
concentração, de setembro de 1942 até o fim da Segunda Guerra Mundial,
em abril de 1945. Sua história é ao mesmo tempo perturbadora e terapêutica.
Perturbadora porque revela a extensão da maldade humana; terapêutica
porque mostra o caminho da sobrevivência. Basta ler a declaração de Frankl,
publicada em Who’s Who in America: “Vi o sentido da minha vida ajudando os
outros a ver um sentido em suas próprias vidas”.
Como prisioneiro, Frankl pergunta: “Como é possível que pessoas
de carne e osso cheguem a infringir tamanho sofrimento a outros seres
humanos?”. Como psiquiatra, ele responde: “Entre os guardas de um campo
de concentração existiam sádicos por excelência, no sentido estritamente
clínico, que eram escolhidos deliberadamente para compor os pelotões
excepcionalmente rigorosos”.
Os adultos e os jovens de hoje não conhecem a recente história dos
horrores do antissemitismo e da Segunda Guerra Mundial. Os que dela
participaram como causadores, vítimas ou expectadores, quase todos já
morreram. Esse é o motivo da matéria de capa desta edição.
Há exatamente 70 anos, entre o Natal e o Ano-Novo de 1940, a Alemanha
nazista despejou 120 toneladas de explosivos de alta potência e 22 mil bombas
incendiárias sobre Londres. Que neste ano, nossos votos de Feliz Natal e Feliz
2011 sejam mais honestos e agradecidos, e menos formais e secularizados.
Tanto o nazismo na Alemanha na década de 1930 como o comunismo em
Angola e Moçambique na década de 1970 transformaram o Natal numa festa
nacional sem teor religioso. Hoje, a comemoração do nascimento de Jesus é
muito mais consumista do que religiosa, independentemente de o governo ser
de direita ou de esquerda. Tentemos resgatar a riqueza do cristianismo!
Elben César
Nota
Com alegria, reafirmando o compromisso de Ultimato com a questão indígena, esta edição traz
no exemplar do assinante o encarte Indígenas do Brasil. Há muitos dados novos sobre os desafios
missionários para a igreja com relação aos indígenas. Se o seu exemplar não traz o encarte e você deseja
recebê-lo, escreva para <indigena@amtb.org.br>.
Carta ao leitor
ISSN 1415-3165
Revista Ultimato – Ano XLIII – Nº 327
Novembro-Dezembro 2010
www.ultimato.com.br
Publicação evangélica destinada à evangelização
e edificação, não denominacional, Ultimato
relaciona Escritura com Escritura e acontecimentos
com Escrituras. Visa contribuir para criar uma
mentalidade bíblica e estimular a arte de encarar os
acontecimentos sob uma perspectiva cristã. Pretende
associar a teoria com a prática, a fé com as obras,
a evangelização com a ação social, a oração com a
ação, a conversão com santidade de vida, o suor de
hoje com a glória por vir.
Circula em meses ímpares
Diretor de redação e jornalista responsável:
Elben M. Lenz César – MTb 13.162 MG
Arte: Liz Valente
Impressão: Plural
Tiragem: 35.000 exemplares
Colunistas: Alderi Matos • Bráulia Ribeiro
Carlinhos Veiga • Marcos Bontempo
Paul Freston • René Padilla
Ricardo Barbosa de Sousa • Ricardo Gondim
Robinson Cavalcanti • Rubem Amorese
Valdir Steuernagel
Notícias: Lissânder Dias
Participa desta edição: Eunice Nalamele Chiquete
Publicidade: anuncio@ultimato.com.br
Assinaturas e edições anteriores:
atendimento@ultimato.com.br
Reprodução permitida: Favor mencionar a
fonte. Os artigos não assinados são de autoria
da redação.
Publicado pela Editora Ultimato Ltda., membro
da Associação de Editores Cristãos (AsEC)
Editora Ultimato
Telefone: (31) 3611-8500
Caixa Postal 43
36570-000 — Viçosa, MG
Administração: Klênia Fassoni • Ana Cláudia Nunes
Daniela Cabral • Ivny Monteiro • Lucas Rolim Menezes
Luci Maria da Silva
Editorial e Produção: Marcos Bontempo
Bernadete Ribeiro • Djanira Momesso César
Fernanda Brandão Lobato • Gláucia Siqueira
Paula Mendes • Paulo Alexandre Lobato
Finanças/Circulação: Emmanuel Bastos
Aline Melo • Ana Paula Fernandes • Cristina Pereira
Daniel César • Edson Ramos • Luís Carlos Gonçalves
Rodrigo Duarte • Solange dos Santos
Vendas: Lúcia Viana • Lucinéa Campos
Romilda Oliveira • Sabrina Machado
Tatiana Alves • Vanilda Costa
Estagiárias: Jaklene Batista • Juliani Lenz
fundada em 1968
4 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2010
A históriapode ser perturbadora e
terapêutica ao mesmo tempo
Julien Hequembourg Bryan
6. 6 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
71.
A
palavra “mas”, ou seus sinônimos (porém,
contudo, todavia), é uma conjunção
adversativa que liga dois termos ou duas
orações estabelecendo uma ideia de
contraste ou de oposição. Ela é muito usada pelos
historiadores que contam um fato, logo a seguir
contrabalançado por outro. De modo edificante e
convincente, o médico e historiador Lucas, autor
do Evangelho que leva o seu nome e do primeiro
compêndio da história da igreja cristã, usa e abusa
dessa conjunção, como vemos nos exemplos a seguir,
retirados de Atos dos Apóstolos:
Vocês mataram o Senhor, mas Deus o ressuscitou,
livrando-o do poder da morte (2.23-24).
Vocês prenderam os apóstolos e puseram guardas
vigiando os portões, mas naquela mesma noite Deus
abriu os portões e levou os apóstolos para o lado de
fora da cadeia (5.17-26).
Vocês crucificaram Jesus, mas o Deus dos nossos
antepassados o ressuscitou e o colocou à sua direita
como Senhor e Salvador (5.30-31).
Vocês ficaram com tanta raiva dos apóstolos que
resolveram matá-los, mas Deus levantou Galileu, um
dos membros do Sinédrio e um mestre de grande
respeito, que fez vocês mudarem de ideia (5.33-42).
No passado, os irmãos de José o venderam para ser
escravo no Egito, mas Deus estava com ele: livrou-o
de todas as aflições e ainda usou esse acontecimento a
bem do povo de Israel (7.9-16).
Um de vocês, um moço chamado Saulo, muniu-
se de documentos oficiais e rumou para Damasco
com autoridade para localizar e algemar homens e
mulheres seguidores de Jesus e levá-los para as cadeias
de Jerusalém; mas, próximo do trevo de Damasco,
Jesus apareceu a ele e mudou repentinamente o rumo
de sua vida (9.1-19).
Vocês resolveram matar Saulo porque ele provava
poderosamente que Jesus era o Messias. Assim, vocês
colocaram vigias em todos os portões da cidade
para ele não fugir com vida de Damasco, mas Deus
frustrou os planos de vocês e Saulo escapou por uma
abertura que havia na muralha (9.19-26).
Por sua herança judaica, Pedro não podia fazer
amizade com não-judeus e muito menos hospedar-se
com eles, mas Deus lhe mostrou repetidamente que
ele não deveria chamar de impuro aquilo e aqueles
que ele havia purificado (10.1-48).
Vocês mataram Jesus, pregando-o numa cruz, mas
Deus o ressuscitou no terceiro dia e fez com que ele
aparecesse a nós. E comemos e bebemos com ele
(10.39-41).
Vocês tiraram Jesus da cruz, o puseram num
túmulo e ainda conseguiram que Pilatos mandasse
uma guarda para impedir que alguns de nós
violássemos a sepultura e roubássemos o corpo dele
para simular uma ressurreição, mas Deus o ressuscitou
e, durante muitos dias, Jesus apareceu a nós sem
deixar dúvida de que estava vivo (13.27-31).
Vocês sabem que Davi morreu, foi sepultado e
apodreceu na sepultura, mas isso não aconteceu com
aquele que Deus ressuscitou, nosso Senhor Jesus
Cristo (13.33-37).
Todas as passagens anteriores mostram
sobejamente a soberania de Deus sobre tudo e sobre
todos na história. Não só no passado, mas também
no presente e no futuro. Não só com os primeiros
seguidores de Jesus, mas também com os seguidores
de hoje!
Pastorais
7. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 7
Como é possível sobreviver num
campo de concentração?
Viktor Emil Frankl: o salmista do
século 20
Uma palavra deViktor Emil Frankl
para animar os desalentados
Galeria dos sobreviventes
Mesmo à distância, fui obrigado
a conviver com os horrores do
antissemitismo e da Segunda Guerra
Mundial
3 Abertura
4 Carta ao leitor
6 Pastorais
8 Cartas
12 Frases
14 Mais do que notícias
16 Números
16 Notícias
22 Nomes
36 De hoje em diante...
38 Novos acordes
40 Altos papos
42 Meio ambiente e fé cristã
60 Caminhos da missão
CAPA
SEÇÕES
Leia mais
www.ultimato.com.br
Sumário
ABREVIAÇÕES:
AS21 - Almeida Século 21; BH - Bíblia Hebraica; BJ - A Bíblia de
Jerusalém; BP - A Bíblia do Peregrino; BV - A Bíblia Viva; CNBB -
Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; CT - Novo
Testamento (Comunidade de Taizé); EP - Edição Pastoral; EPC - Edição
Pastoral - Catequética; HR – Tradução de Huberto Rohden; KJ - King
James (Nova Tradução Atualizada dos Quatro Evangelhos); NTLH - Nova
Tradução na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica da Bíblia. As
referências bíblicas não seguidas de indicação foram retiradas da Edição
Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, ou da Nova Versão
Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional.
Da linha de frente
20 Sobre a dor, Bráulia Ribeiro
O caminho do coração
44 Simplicidade e permanência
Ricardo Barbosa de Sousa
Missão integral
47 A formação de discípulos (parte 1)
René Padilla
Ética
48 Ação social cristã: a humildade
amorosa, Paul Freston
Reflexão
52 Brasil: um protestantismo
neoanabatista?, Robinson Cavalcanti
54 Sonhos e utopias (im)possíveis
Ricardo Gondim
Redescobrindo
a Palavra de Deus
56 Deus dá testemunho de si mesmo
Valdir Steuernagel
História
58 Cristãos e política: uma relação
imprescindível
Alderi Souza de Matos
Especial
61 3º Congresso Lausanne de
Evangelização Mundial reúne mais
de 4 mil pessoas na África do Sul
Ponto final
66 O veterinário, Rubem Amorese
24
26
28
30
32
8. 8 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Coração, juventude e fé
Mais uma abençoada edição de
Ultimato! Louvado seja Deus por esse
trabalho. Muito interessante a pesquisa
com os jovens, mostrando que, como
igreja, precisamos dar respostas a eles.
Infelizmente, vivemos respondendo
perguntas que já não são mais feitas. A
matéria abre os olhos para a importância
de uma igreja que envolva essa moçada,
contextualizando o evangelho de Cristo.
Ensinar a essa geração o que diz a
pastoral da mesma edição: focar sempre
no final. Precisamos voltar a pregar sobre
o futuro, sobre a esperança da vida eterna,
e crer que aqui “todas as coisas cooperam
para o bem daqueles que ama a Deus”. É
urgente mostrar a eles a essência, o que
realmente importa. Como diz Ricardo Gondim,
“a juventude engana”.
David Livingstone, Guarapuava, PR
Achei interessante e de grande valor a edição
de setembro/outubro de 2010. Como sempre,
Ultimato traz assuntos importantes do meio
evangélico. Como jovem, não pude deixar
de dar uma atenção maior à matéria sobre a
juventude evangélica atual. Fiquei motivado em
saber que hoje muitos jovens têm assumido
liderança em suas igrejas; isso é motivo de
glorificação a Deus. A responsabilidade, o
comprometimento com as coisas do reino de
Deus é o melhor caminho a se trilhar para nos
tornarmos cada vez mais santos e separados.
Timóteo Santana, C. dos Goytacazes, RJ
Leonardo Boff
Devemos orar muito pelo Boff. Ele é como uma
pobre ovelha que se desviou do rebanho, não
por causa da fome ou da sede, mas por causa
da vaidade de sua sabedoria e acúmulo de
conhecimentos que acabaram ofuscando
sua fé, sua humildade e sua obediência.
Ele se esqueceu que a sabedoria humana
é fugaz e traiçoeira, que nos ensoberbece
e envaidece. A Bíblia diz que “a sabedoria
deste mundo é loucura aos olhos de Deus”
(1Co 3.19). Se Boff compreendesse isso,
ele seria não o Lutero do século 21, mas o
Paulo de Tarso do século primeiro! É curioso
notar que discursos como os de Boff brotam
nos claustros dos mosteiros e nas celas dos
conventos, onde se encontra terreno fértil e
ocioso na mente de alguns intelectuais, ditos
filósofos, teólogos, exegetas. Não surgem de
um padre simples do interior, que faz o terço,
se mortifica, faz novena, reza o ofício divino
e ainda atende vinte ou trinta comunidades
pobres. Em vez de críticas venenosas,
precisamos subir o monte das Oliveiras para
orar, parar junto ao poço de Jacó para ouvir e
entrar na casa de Zaqueu para converter os
pecadores. A igreja é uma instituição divina
regida por homens pecadores. Quanto maior
a instituição, maiores são as chances de
perigos e abusos.
Pe. Jaime Pinto, Barbacena, MG
Anúncio
Cartas
9. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 9
Parabenizo Ultimato por publicar o artigo de
Leonardo Boff. Concordo com a reflexão dele.
É um chamamento feito à própria igreja, com
a finalidade de nos fazer refletir e perceber
que a verdadeira crise que a assola é interna.
Infelizmente, os homens que detêm o poder
e a governam fecham os olhos para isso.
Está na hora de a igreja rever sua postura
e sua forma de poder piramidal, pois não
corresponde mais às necessidades do nosso
tempo. Nesse sentido, é necessário à igreja
dar um passo a mais, pois, do contrário, ela
estará decretando sua falência. Sou religioso
estigmatino.
Pe. José de Amorim, Rio de Janeiro, RJ
Gostei muito do artigo de Leonardo Boff —
mais do que do infeliz comentário de Odayr
Olivetti. A afirmação de que “ocasionalmente
Deus levanta nas fileiras da Igreja Romana
vultos assim [como os pregadores calvinistas
fiéis]” cria um ar de superioridade, que o texto
de Boff condena.
Pedro Almeida, Itapecerica da serra, SP
Fiquei impressionado com o comentário do
historiador presbiteriano Alderi Souza de
Matos sobre o artigo de Boff. Todos que leem
o teólogo “católico” sabem que ele não é muito
alinhado às Escrituras. Porém, dizer que Boff é
sincrético porque associa a fé cristã à ecologia
é lamentável! As Escrituras, principalmente no
Antigo Testamento, dão grande ênfase ao fato
de que os hebreus associavam a fé à ecologia,
isto é, ao cuidado com a terra. Será que Alderi
pensa que a fé cristã é associável apenas
aos credos, ritos, liturgias e instituições? Ora,
toda a criação geme de dor pela manifestação
dos filhos de Deus, quando ela mesma “será
libertada da escravidão da decadência em que
se encontra” (Rm 8.21).
Fabiano Alves, Belo Horizonte, MG
Lugar de encontro
Recebo Ultimato há vários anos. Sempre leio a
revista toda e quero externar minha satisfação,
especialmente com as últimas edições. Destaco
a profundidade dos artigos e a abertura de
mente, sem proselitismo e sem ataques às
outras designações e opções religiosas.
Ultimato está se tornando um espaço de
debates e estudos para que haja mais
entendimento e uma busca sadia por mais
união e ecumenismo. A edição de setembro/
outubro trouxe ótimos artigos, como o de
Leonardo Boff, Robinson Cavalcanti, Ricardo
Gondim, Valdir Steuernagel, Alderi Souza
de Matos e Odayr Olivetti. Que a revista se
torne um lugar de encontro das diversas
tendências para a unidade cristã para um
mundo melhor.
Ernesto Casiraghi, Barra Mansa, RJ
Grande Comissão
John Stott, em 1966, concordava que a
exclusividade da missão era pregar, converter
e ensinar. Dez anos depois, reconheceu que
a ação social também faz parte da Grande
Comissão. Jesus diz: “Como o Pai me
enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21).
Ele é o modelo. O Senhor não veio apenas
buscar e salvar os perdidos (Lc 19.10), mas
também servir no mundo. Ele alimentou
famintos, curou enfermos, abençoou
crianças, ajudou mulheres, ministrou a
leprosos e até ressuscitou mortos.
Richar Hoover, Pindamonhangaba, SP
Anúncio
10. 10 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Anúncio
Voz do que clama no deserto
Conheci Ultimato por meio do meu
pastor e desde então sou assinante. A
revista tem sido um canal de Deus para
mim, pois sou um jovem presbítero de 33
anos e pastor de uma igreja Assembleia
de Deus. Ultimato tem me ensinado
sobre questões sociais, políticas e
religiosas. Continuem sendo a voz do que
clama no deserto.
Alexandre Leonardo, Nova Iguaçu, RJ
Além do aborto
A igreja brasileira não pode discutir nas
eleições apenas o aborto. Não discutimos
outros temas importantes para o país;
parece que somos usados na época
das eleições para “santificarmos” um
candidato e “demonizarmos” outro.
Infelizmente, isso é perceptível até em
articulistas experientes. Parece que
sabemos tocar apenas “samba de uma
nota só”. Deixemos a ingenuidade para
os tolos!
Pr. Adauto Cangussu, Vinhedo, SP
O bem e o mal
A xenofobia é uma estratégia da
oposição. Nos últimos meses,
multiplicou-se uma onda de difamações
contra as campanhas do PT e seus
aliados. A oposição escolheu incluir
nas redes ligadas aos sistemas
religiosos, basicamente cristãos
católicos e evangélicos, a velha disputa
entre bem e mal. Para assombrar as
massas religiosas, suscitam temas
polêmicos à moral cristã, como aborto,
homossexualismo, ateísmo, perda das
liberdades e satanismo. Claro, nem todos
os cristãos estão envolvidos. Em ambas
as tradições há repúdios explícitos
à desinformação e à proliferação
de informações inverídicas nessas
eleições. Não é a primeira vez e não
será a última. O essencial é saber do
agravante, a dose xenófoba, o medo do
desconhecido mascarado de aversão
e a difusão do preconceito no entorno
das manifestações de líderes e igrejas
cristãs. Há exemplos no passado:
inquisições, nazi-fascismo, racismo,
apartheid. É desnecessário descrever
o que é verdade ou mentira, pois as
calúnias sem sustentação se revelarão
com o tempo, restando a vergonha
aos que, em nome de Deus, serviram-
se desses artifícios. A xenofobia é
abominável. É utilizar-se de uma suposta
“pureza” para eliminar as “impurezas”
de um determinado grupo ou sociedade,
abstraindo-se de qualquer senso crítico,
criando estereótipos e ódio na sociedade.
Pr. Luis Sabanay, Brasília, DF
Pedófilos lá e cá
Não é somente a Igreja Católica
Romana que tem líderes religiosos
pedófilos; a igreja evangélica também
os tem. É preciso perguntar o que
leva uma organização qualquer,
que se diz seguidora de Cristo, a
ter tantos predadores em seu meio.
Como Ultimato é uma revista do meio
evangélico, cabe a ela apresentar e
discutir tal questão.
Dilys Rees, Goiânia, GO
Cartas
11. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 11
Fale conosco
Cartas à Redação
• cartas@ultimato.com.br
• Cartas à Redação, Ultimato,
Caixa Postal 43, 36570-000, Viçosa, MG
Inclua seu nome completo, endereço,
e-mail e número de telefone. As cartas
poderão ser editadas e usadas em mídia
impressa e eletrônica.
Economize Tempo Faça pela Internet
Para assinaturas e livros acesse
www.ultimato.com.br
Assinaturas
• atendimento@ultimato.com.br
• 31 3611-8500
• Ultimato, Caixa Postal 43, 36570-000,
Viçosa, MG
Edições Anteriores
• atendimento@ultimato.com.br
• www.ultimato.com.br
PT – O partido que nunca foi
governo
O PT é governo sim. Há 8 anos governa com
o patológico PMDB.
O bispo Robinson logra o leitor separando
o lulismo do petismo. Tal qual o peronismo,
o chavismo e o castrismo, o lulismo é a
mutação degenerada populista de um
partido. Porém, ainda representa a essência
partidária. Não sei como um artigo tão
tendencioso foi parar na revista. Ou desejo
não saber. Espero que no futuro Ultimato
siga as instruções que o articulista escreve
na última linha: “orar, discernir e intervir”.
André Sena Pereira, Cachoeiro de
Itapemirim, ES
O termo lulista foi acertadíssimo, pois
Lula é bem maior que o PT. Com a saída
da liderança do PT, após sucessivos
escândalos, seria natural o preenchimento
dos espaços com a base aliada; só sobraram
eles. A partir daí o que se viu foi a festa da
democracia, em que os capitalistas mais
flexíveis e adaptáveis às rápidas mudanças
características de um mundo globalizado
ficaram mais ricos, os que não tiveram esse
dinamismos ficaram mais pobres, os pobres
compraram celular, comeram mais carne e
compraram carros velhos, a classe média
comprou carros zero e financiou suas casas;
isso não podemos negar. Excelente texto.
Victor Lux, Campo Grande, MG
Homônimas?
O artigo Pesquisa revela luta de missionários
contra pecados sexuais (“Notícias”,
setembro/outubro de 2010) menciona que
a Columbia Biblical Seminary and School
of Missions pertence à Universidade de
Columbia. Porém, a faculdade pertence à
Columbia International University. Apesar do
nome coincidente, não se trata da mesma
instituição. Confira: www.ciu.edu.
Bruno Ferreira, São Paulo, SP
Errata
— O nome correto do instituto citado no
artigo Um retrato da juventude evangélica
(setembro/outubro de 2010) é Bertelsmann
Stifung.
12. 12 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
“Para o cristianismo, é impossível estruturar uma compreensão
das origens, desenvolvimento ou destino humano sem alguma
referência a Deus.
Alister E. McGrath, teólogo e escritor, autor de O Delírio de Dawkins
“É tempo de conhecer o Deus que está mais
interessado em nossos afetos do que em nossos
feitos, mais atento ao nosso caráter do que aos nossos
discursos.
Osmar Ludovico da Silva
“O orgulho científico entorpece a mente dos
pesquisadores, fazendo-os desprezar aquilo que
desconhecem.
Marcus Zulian Teixeira, pesquisador da faculdade de
medicina da USP
“Adesconfiança é o fermento do descompromisso. A
confiança é fértil; a desconfiança, estéril.
Emílio Odebrecht
“Precisamos nos lembrar sempre de que somos
interdependentes. Ninguém é inteiramente
autossuficiente.
Desmond Tutu, arcebispo anglicano sul-africano
“Odependente de crack deve receber apoio social e
deve ser tratado com critérios semelhantes aos
que usamos no caso dos hipertensos, dos diabéticos, dos
portadores de câncer, Aids e outras doenças crônicas.
Drauzio Varella, médico
“A fé é um dom que devemos
agradecer a Deus. Ela nos
faz superar a escuridão da vida e as
dificuldades.
Dom Eusébio Scheid, arcebispo emérito do
Rio de Janeiro
“O fato de ser humano significa
ter e reconhecer limites e
defeitos para, inclusive, tentar superá-los.
Rosely Sayão
“A mídia é mantida por seres humanos
e eles adoram dinheiro. O papel-
moeda transmite a sensação de bem-estar,
de felicidade. E a imprensa existe com o
propósito maior de agradar, falar o que o
povo quer ouvir.
Lúcio Sant’Ana, jornalista
“Do dia para a noite você consegue
encher um templo ou um estádio
de gente. Basta dizer o que a pessoas
gostam de ouvir. O assunto pecado [por
exemplo] é antipático e tem sido evitado,
mas é real, assim como são reais o céu e
o inferno.
Antônio Gilberto da Silva, consultor
teológico e doutrinário da CPAD
“As águas correm em direção
à separação [de um casal], e
remar contra a maré é para a minoria.
J. B. Libânio, teólogo jesuíta
”
”
”
”
”
”
”
”
”
”
”
FRASES
“A hipocrisia é um elemento intrínseco da dinâmica civilizada. Negar
o caráter universal da hipocrisia é fundar um novo tipo de má-fé,
mais falsa ainda, porque se traveste de pureza d’alma.
Luiz Felipe Pondé ”
WagnerMoraes
MatthiasAsgeirsson
14. 14 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Embora amarrado,
Jesus nunca esteve
tão desamarrado
como na Sexta-Feira
da Paixão!
C
uriosamente, Isa-
que foi amarrado
no monte Moriá
por Abraão e colocado
sobre o altar (Gn 22.9),
e Jesus foi amarrado no
Getsêmani pelos soldados
romanos (poder civil) e
pelos guardas do templo
(poder religioso), sob as
ordens de um comandante
militar (Jo 18.12). Isaque,
após a intervenção de Deus,
foi logo desamarrado. Jesus
caminhou amarrado do
jardim à casa de Anás e
da casa de Anás à casa de
Caifás (Jo 18.24).
É provável que ele con-
tinuasse amarrado quando
percorreu o caminho da
casa de Caifás ao Pretório,
do Pretório ao palácio de
Herodes e do palácio outra
vez ao Pretório. Ele teria se
apresentado amarrado tan-
to a Pôncio Pilatos como
a Herodes Antipas. Talvez
o Senhor só tenha ficado
livre das cordas quando,
pouco antes das nove horas
da manhã, precisou de
mãos soltas para carregar a
própria cruz, do Pretório ao
Calvário. Porém, ao chegar
ao Lugar da Caveira, suas
mãos foram presas outra
vez — não amarradas uma
na outra como antes, mas
pregadas ao madeiro.
A julgar pelas aparências,
todo o quadro, do jardim
das Oliveiras ao jardim da
casa de José de Arimateia,
mostra Jesus amarrado
e Satanás desamarrado.
Porém, o que aconteceu
naquela sexta-feira lúgubre
foi exatamente o contrário.
Jesus nunca esteve tão de-
samarrado e Satanás nunca
esteve tão amarrado como
naquele período de, no má-
ximo, doze horas! A vitória
de Jesus estava escondida
por trás daquelas cordas. É
por isso que ele havia dito
poucos dias antes: “Quan-
do eu for levantado (na
cruz), atrairei todo o mun-
do a mim” (Jo 12.32, BV).
Nesse dia, Jesus foi elevado
e Satanás, abaixado, como
se lê: “Agora o príncipe
deste mundo será lançado
abaixo” (Jo 12.31, BJ).
Os cristãos apenas de
tradição, que não con-
seguem crer na natureza
divina de Jesus, na morte
expiatória, na gloriosa
ressurreição e no poder que
ele tem de submeter todos
os poderes aos seus pés —
enxergam um Jesus física
e figuradamente amarrado
e o príncipe deste mundo
completamente desamar-
rado. Nesse caso, não vale
a pena alguém pensar ou
afirmar que é cristão. E
como a maior parte da
pregação do evangelho feita
hoje não tem o objetivo de
gerar convicção do peca-
do, nem da justiça, nem
do juízo (Jo 16.8), mas de
prometer cura e prosperi-
dade, aumentar o número
de fiéis e arrecadar dízimos
e similares — a quantidade
de pseudo-cristãos tem
aumentado como nunca.
E
m junho de 2010,
quarenta brasileiros
da alta sociedade fo-
ram convidados pelo dono
de uma joalheria do Rio de
Janeiro para um jantar no
Olympe, um dos restauran-
tes mais caros da cidade. To-
dos eram compradores em
potencial de um relógio su-
íço que custa 400 mil reais.
Se todos tiverem efetivado
a compra, foram gastos 16
milhões de reais. A caixa do
relógio é de ouro, com rubis
na parte posterior. O alar-
me avisa horas, minutos e
segundos, com sonoridades
distintas.
+DO QUE NOTíCIAS
400 mil
reais no
pulso
esquerdo
15. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 15
+DO QUE NOTíCIAS
É
a psicanalista
Anna Verônica
Mautner, da
Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo,
quem denuncia: “A eco-
nomia quer que eu use
muitos aparelhos para
que o mercado fique
aquecido e em movi-
mento”. Entre eles, ela
menciona o micro-on-
das, o forninho, o liqui-
dificador, a batedeira, a
máquina de lavar louça,
o freezer e a secretária
eletrônica. Usamos tais
aparelhos para trabalhar
por nós e para que nos
sobre tempo. Na prática,
“ficamos mais passivos,
A
falta de continui-
dade, em qualquer
área da vida, é um
problema sério. No que diz
respeito à escolaridade do
eleitor brasileiro, a porcen-
tagem dos que começaram
o ensino fundamental
e não terminaram é de
33,1 (contra 7,6). Os que
começaram o ensino médio
e não chegaram ao final é
de 18,9 (contra 13,2). E os
que começaram algum curso
Tempo para
ver o sol se
pôr e a maré
subir!
Os que
param no
meio do
caminho
mas não menos ocu-
pados”. À vista disso, a
psicanalista recomenda:
“Proponho inverter o
jogo: roubar o tempo
poupado pelas máqui-
nas para voltar ao ritmo
da vida real. Sempre
que possível, quero ver
o sol se pondo. Não
quero ser submetida
ao pôr-do-sol editado.
Quero esperar a maré
subir. [...] Vamos rou-
bar tempo para voltar
a viver, um pouco
que seja, a hora de
60 minutos, fazendo”
(Folha de S. Paulo,
caderno “Equilíbrio”,
08/06/2010.
superior e não se formaram é
de 2,7 (contra 3,8).
Isso lembra a enorme
quantidade de discípulos de
Jesus que o abandonaram
algum tempo depois de
terem se aproximado dele
— problema que faz parte
da história do cristianismo.
Costuma-se dizer que o nú-
mero de ex-crentes é maior
do que o número de crentes
arrolados hoje em diferentes
igrejas e denominações.
PatrizioMartorana
BlasLamagni
Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 15
16. 16 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
NÚMEROS NOTíCIAS
Psicólogos e psiquiatras cristãos
vão sentar-se no divã
Quem se acostumou
a aconselhar pessoas
agora vai sentar-se
no divã e avaliar sua
própria atuação no
uso do poder. O título
“Subjetividade e poder
nas relações humanas
— a vida e atuação do
profissional de ajuda”, reflete
a principal temática do 17º Congresso Nacional do Corpo
de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), que acontece de 21 a 24 de
abril de 2011 em Brasília, DF. Paralelamente, ocorrerá um encontro latino-
americano de profissionais da área.
“Escolhemos aliar o tema do poder com a situação de um ‘profissional
de ajuda’, como é o caso de psicólogos, psiquiatras e também pastores, para
investigar como as relações de poder traspassam as relações de ajuda, para
bem e para mal”, explica o presidente do CPPC, Karl Kleper.
O segundo dia do congresso será dedicado a seminários sobre os mais
diversos assuntos, como: “Poder e misericórdia”, “Consumo de álcool e seus
efeitos sobre a sexualidade”, “Cuidados no envelhecimento” e “A morte como
dinâmica da vida”.
A expectativa é receber pelo menos duzentas pessoas que poderão ouvir
mais de vinte palestrantes. Entre eles os argentinos, doutores em psiquiatria,
Carlos Hernandéz e Ricardo Zandrino. Qualquer pessoa pode participar.
Informações: www.cppc.org.br.
Martinho Lutero terá jardim na
Alemanha
A Federação Luterana Mundial (FLM) apresentou em julho deste ano o
projeto de construção do Jardim de Lutero, que será finalizado em 2017, por
ocasião da comemoração dos 500 anos da Reforma Protestante. O projeto
arquitetônico, marcado por referências a números da Bíblia e da Reforma,
será um parque para caminhadas, passeios e lazer.
Serão plantadas quinhentas árvores. No centro, o monumento Rosa de
Lutero terá 40 metros de diâmetro e uma cruz como ponto de referência.
Árvores provenientes de todos os continentes formarão um jardim oval, com
uma elipse de 70 metros de largura e uma distância de 95 metros (as 95 teses
de Lutero) de seu foco.
O Jardim de Lutero está sendo construído onde no passado estavam as
fortificações da cidade alemã de Wittenberg, local em que o monge fixou
suas 95 teses no dia 31 de outubro de 1517. “As raízes das quinhentas árvores
irão se firmar, seus galhos estender-se-ão mundo afora, como aconteceu com
os ensinamentos de Lutero”, empolga-se o pastor luterano Heitor J. Meurer.
Para conhecer o projeto na íntegra, acesse www.luthergarten.de.
29.900.000
brasileiros ainda são pobres, com
renda familiar per capita abaixo de 130
reais.
35
caminhões cheios de mercadorias
(televisores e máquinas de lavar)
roubadas após o terremoto no Chile
foram devolvidos “espontaneamente”
depois da ameaça policial.
140.000
habitantes da zona rural migram para
os centros urbanos da Ásia a cada dia.
A população urbana mundial deverá
passar dos atuais 50% para 70% em
quarenta anos.
605
viúvas brasileiras entre 15 e 19 anos
recebem pensão pela morte do esposo
idoso ou aposentado. Segundo os
especialistas, “os números levantam
a suspeita de que podem estar
ocorrendo casamentos forjados para
assegurar às famílias a manutenção
do benefício após a morte do
aposentado”.
7.000.000
de dólares são gastos a cada ano pela
prefeitura de Los Angeles na remoção
de grafites.
300.000
bebês poderiam ser salvos da morte
todos os anos com técnicas de
reanimação neonatal. Só no Brasil,
diariamente, quinze recém-nascidos
morrem de asfixia na primeira semana
de vida.
SarahBarth
Por Lissânder Dias
18. 18 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
NOTíCIAS
Evangélicos fazem campanha
contra resolução da ONU
A campanha Free to Believe (livres para crer), da Missão Portas Abertas
Internacional, está reunindo pela internet assinaturas de cristãos de todo o mundo
contra a Resolução de Difamação Religiosa, que deve ser submetida à votação em
dezembro deste ano na assembleia geral da ONU.
Segundo a Portas Abertas, a resolução é uma estratégia da Organização da
Conferência Islâmica, que pretende legitimar as ações de governos islâmicos contra
minorias religiosas. A Conferência Islâmica, que compreende 57 países, lançou a
proposta ainda em 1999 e insiste para que ela seja aprovada. “Os direitos humanos
são exatamente isso — direitos pertencentes a indivíduos —, mas essa resolução
procura dar esses direitos a uma religião específica. Ela vai contra a lei dos direitos
básicos que existem para proteger os seres humanos, não as crenças religiosas ou os
sistemas”, diz o texto da campanha.
Citando exemplos de perseguição a cristãos pelos governos do Sudão e do
Paquistão, a página da campanha Free to Believe na internet oferece recursos,
como apresentação em PowerPoint, vídeos, arquivos para marca-página e adesivos.
Os interessados podem participar até 22 de novembro. Informações: www.
portasabertas.org.br/freetobelieve.
Indígenas assumem desafio de
traduzir a Bíblia
Mais de cem
indígenas de 59
etnias brasileiras
se reuniram de
29 de agosto a
3 de setembro,
junto com outros
cem missionários
não-indígenas,
no 1º Fórum
Brasileiro Sobre o
Uso das Escrituras
em Línguas
Indígenas, em
Anápolis, GO. No documento final intitulado “Carta de Anápolis”, os indígenas
se comprometeram a “promover a tradução da Bíblia para todos os povos que não
a possuem”. O Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas
(CONPLEI) designou Leonízia Gama, da etnia Tukano, para liderar as ações de
tradução.
Os indígenas presentes no fórum também assumiram o esforço de apoiar a
educação teológica e secular de indígenas e “de lutar por uma sociedade mais justa,
democrática e igualitária”.
Segundo o Relatório Etnias Indígenas Brasileiras, publicado em 2010, há 181
línguas indígenas no Brasil. Hoje, 58 delas possuem porções bíblicas, o Novo
Testamento ou a Bíblia completa em seu próprio idioma — material que serve a
66 etnias.
Grupo de trabalho no 1º
Fórum Brasileiro Sobre o Uso
das Escrituras em Línguas
Indígenas
20. 20 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
bela, nos comove e vai comover as
gerações que virão.
Na intensa prova do Ironman em
Kona, os corpos perfeitos das primeiras
horas da chegada dão lugar à beleza
da resistência. Os triatletas renomados
chegam oito horas depois do início.
Porém, não são eles os heróis. Até à
meia-noite, dezessete horas depois
do início da corrida, os vitoriosos são
esperados. Alguns chegam mancando,
mal conseguindo caminhar; outros,
correndo com as forças finais que não
sabiam que tinham. Coloco-me num
lugar escuro do percurso, antes da
virada dos últimos quatro quilômetros,
e com a voz embargada grito “você vai
chegar!” para o para-atleta com pernas
mecânicas em cima de lâminas, ou
para a velhinha claudicante. A pintura
no chão diz: “compromisso são 260.3
quilômetros”. Eles finalmente passam
pela chegada em estado de êxtase. O
cansaço e a dor como uma droga os
impulsionando para frente. Alguns
desmaiam, vomitam. A voz do locutor
grita: “Sandra Smith, de 58 anos, você
é um Ironman!”. E ali, na intensidade
da dor do máximo esforço, eles sabem
que venceram.
O importante no Ironman não
é chegar primeiro. É simplesmente
chegar. Cada um vencendo a si mesmo.
O sobrevivente do câncer, o jovem
que perdeu as pernas, a mulher obesa
que perdeu quarenta quilos, o pai que
perdeu o filho. Todos são campeões e
celebrados como tais. E todos sabem
que sem dor na vida não há vitória.
Muitos creem em um Deus
compatível com a dor. Seu plano
superior justifica tudo e a dor como
E
nquanto o fagote avança
no lúgubre primeiro
movimento da Sinfonia
6 de Tchaikovsky, a
melodia da dor vai se
desenhando. A vida ainda se debate na
valsa propositalmente desequilibrada
do segundo movimento e na marcha
do terceiro. Vida à procura de
sentido, de equilíbrio. A vida na dor
finalmente cede à morte no quarto
movimento e vai se esvaindo até o
silêncio.
Picasso brinca com o rosto humano
e o descobre torto, desconexo. Então
pinta “Guernica”, o quadro da dor
da guerra, no qual homens e animais,
aos pedaços, se debatem no lençol
negro da incompreensão. O sol é uma
lâmpada sem força. Não há outra
expressão além da dor soberana, e as
gentes que se entregam à morte. A dor
transforma o homem; porém, ainda
um mal menor cede lugar à glória do
final, a glória inescrutável do divino
que triunfará. Deus está no meio da
dor. Porém, ele não se alegra nela nem
a planejou. A Bíblia não nos mostra um
Deus impassível, mas o inspirador da
“Guernica”. Seu coração se contorce em
dores, diz o profeta chorão ao descrevê-
lo. Vem o Filho e encarna a descrição
profética mostrando-nos o rosto, o
corpo, o coração da dor na cruz. Não há
dor maior do que a da rejeição suprema
àquele que era o amor supremo.
Como o Deus da cruz pode ser
impassível? Mel Gibson criou no
filme A paixão, a teologia visual do
sofrimento. “Em toda a angústia deles,
foi ele angustiado” (Is 63.9). A dor que
a humanidade se autocausou em sua
rebelião, sempre foi dele também. Todo
o universo sofre nosso pecado. Porque
Cristo dói, a dor humana é bela como a
Sinfonia 6.
Certa amiga perdeu dois de seus
três filhos. Encontro com ela depois da
morte do segundo, muda, sem saber o
que dizer. Ela se queixa do abandono.
Ninguém a visita. Além dos filhos,
perdeu os amigos. A morte incomoda.
Ela diz que as pessoas não sabem como
se portar diante da dor que ela carrega
e se afastam. Até os cristãos têm medo
do contágio da dor, como uma lepra.
— “Por quê? A dor é minha, não é
deles”, ela diz. — “Não, amiga. Ela é de
todos”. Mas um dia, como os Ironman,
cruzaremos com dor a linha de chegada
para contemplar a vitória de estar com
ele.
Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante trinta anos.
Hoje mora em Kailua-Kona, no Havaí, com sua família e está
envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia.
É autora de Chamado Radical. braulia.ribeiro@uol.com.br
Sobre a dor
DA LINHA DE FRENTE Bráulia Ribeiro
Deus está no meio da dor. Porém,
ele não se alegra nela nem a
planejou
22. 22 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Arquivopessoal
A carta não enviada,
mas publicada
N
a década de 1970,
Guilherme Luz era cercado por
sete mulheres: a esposa e seis
filhas. Ele precisava de uma memória
de elefante para não trocar os nomes. A
esposa chama-se Ivonete; as filhas, Luzia,
Yonne, Ivete, Ionete, Iete e Inete. Além
delas, havia os filhos Paulo, Afonso e
Marcos.
O cônego anglicano Benedito
Guilherme Ferreira Luz, de 80 anos, e
Ivonete, de 74, casaram-se em janeiro de
1957, há quase 54 anos.
Por ocasião de seu 80º aniversário,
em outubro, “pressentindo que se
aproxima o dia da minha viagem para a
cidade do repouso eterno”, escreveu, mas
não enviou, uma carta à esposa e aos
vários filhos, genros, netos e bisnetos.
A carta começa com a citação do
melhor texto sobre decrepitude e morte
jamais escrito: “A vida vai se acabar
como uma lamparina de ouro cai e
quebra, quando a sua corrente de prata
se arrebenta, ou como um pote de barro
se despedaça quando a corda do poço se
parte. Então o nosso corpo voltará para
o pó da terra, de onde veio, e o nosso
espírito voltará para Deus, que o deu”
(Ec 12.6-7, NTLH). Em seguida, há um
recado para Ivonete:
“Como se passaram depressa os dias,
desde quando constituímos família
até os dias de hoje! Coisas tão bonitas
aconteceram conosco e nós não nos
apercebemos delas!
Quantas vezes o Deus eterno falou
aos nossos corações: ‘Descansem um
pouco, separem um tempinho só para
vocês! Eu não quero vocês cansados e
estressados!’. Nós, porém, não obede-
cemos.
Milhares de manhãs ensolaradas
descortinaram belezas deslumbrantes
de dias felizes que vivemos e nós não
nos demos conta. Poucas vezes, porém,
nuvens escuras toldaram nossos céus
e entenebreceram nossos crepúsculos,
nossos olhos de albinos se abriram no
meio da noite e viram apenas as feiuras
e os defeitos!
Antes que a ‘lamparina de ouro’ caia
e se quebre, quero te pedir perdão por
todas as vezes que, mesmo sem querer,
fui injusto contigo, te magoei, te feri,
te fiz sofrer.
Oh! Minha amada, minha esposa,
minha companheira de mais de meio
século de vida, eu te amo e sempre irei
te amar!”.
Depois dessas confissões e decla-
rações de amor, o padre anglicano
dirigiu-se aos descendentes da primei-
ra, da segunda e da terceira gerações:
“Lamento não ter sido um bom
exemplo de esposo, pai, sogro, avô e
bisavô. Deploro tê-los decepcionado
tantas vezes.
Tenho sido omisso ante a superfi-
cialidade da vida que alguns de vocês
têm levado. Não os tenho incentivado
à busca de uma vida plena, que só
pode ser realizada no entendimento
e na práxis do discurso de Cristo:
‘Eu vim para que tenham vida e vida
com abundância’ (Jo 10.10). Vida em
abundância é a disposição de rebentar
os grilhões do egoísmo e da dureza de
Nomes
coração que nos impedem de perdoar
e de condescender. É o ato de romper
com toda a soberba e orgulho que nos
faz pensar que somos superiores, quan-
do, na verdade, apenas escondem nossa
inferioridade e mesquinhez.
Estou convencido de que a vida
abundante é muito difícil, talvez
impossível de ser vivida plenamente
aqui na terra, pois implica autodoação,
renúncia, desprendimento, práticas de
atos de justiça e ausência de erros. Não
obstante, sua característica utópica deve
ser sonhada, tentada e buscada.
Não sou e nunca pretendi ser um
santo. Também jamais fui um vilão.
Apesar de meus esforços racionais, na
busca e investigação constante da verda-
de, e embora desejasse ser justo, bom,
puro e perfeito, senti minha incapacida-
de para tanto, vi em mim apenas erros,
fraquezas, limitações e descobri não
poder ser nada mais do que um homem.
Antes que “o pote de barro se
despeda[ce]”, necessito do doce perdão
de vocês. Perdão por não saber expressar
o grande amor que sempre cultivei por
vocês. Perdão por todas as vezes que fui
infiel, injusto, ingrato, intolerante, inca-
paz, egoísta, ausente, omisso e fraco.
E na certeza de que já recebi o perdão
de Deus e de vocês, sinto-me feliz em
poder cantar, desde agora, com todas
as forças, o Nunc Dimittis, do velho
Simeão (Lc 2.29), e descansar em paz!”.
Na internet
Da descrença quase total para o ministério da
Palavra, por Guilherme Luz. (Edição de julho/agosto
de 2000.)
24. 24 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Como é possível realizar
trabalhos braçais ao relento, sem
luvas e agasalhos apropriados, se o
termômetro marca 20 graus abaixo de
zero? Como é possível não explodir
de raiva ao ver o capataz com luvas
grossas e casaco de couro forrado de
peles?
Como é possível ficar mais de trinta
meses sem escrever e receber cartas?
Como é possível conviver, em
barracos superlotados, com pessoas
até então estranhas, de vários
países da Europa, com idiomas e
comportamentos diferentes e com
profissões e níveis diversos? (Certa
ocasião havia 1.100 prisioneiros
numa cobertura que comportava, no
máximo, duzentas pessoas.)
Como é possível
sobreviver
num campo de
concentração?
C
omo é
possível
acomodar,
em cada
uma das
três camas
de tábua de um triliche, nove
prisioneiros deitados de lado,
um atrás do outro? (Qualquer
metrô transporta, no horário
de pico, no máximo 9,8
pessoas em pé por metro
quadrado.)
Como é possível manter
o organismo vivo com 300
gramas de pão e um litro de
sopa por dia durante meses
a fio?
24 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2010
Capa
Como é possível suportar “a mais
inconcebível falta de higiene” por causa
do acúmulo de gente e da ausência ou
escassez de vasos sanitários apropriados?
Como é possível continuar vivo
apesar da saudade de pessoas, coisas e
acontecimentos, dentro de um cercado
de arame farpado, com fios de alta
tensão, torres de vigia e holofotes acesos
a noite inteira?
Como é possível não se desesperar por
completo se, do lado de fora, em dois
barracões, estão quatro grandes câmaras
de gás venenoso e se quase todo o dia se
vê a fumaça que sai da chaminé do forno
crematório levando consigo as cinzas dos
que ontem estavam no mesmo barracão?
Como é possível lidar com a sensação
de estar andando atrás de seu próprio
— SOFRIMENTO —
25. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 25
cadáver, de ser um cadáver vivo, de
ser uma partícula numa massa de
carne humana cercada por todos os
lados?
Como é possível não ceder à
tentação do suicídio, não satisfazer
a vontade de “ir para o fio”
(agarrar-se à cerca elétrica para
morrer)?
Como é possível sujeitar-se à
morosidade do tempo se, num
campo de concentração, “um dia
demora uma semana”?
Como é possível não perder a
identidade própria depois de ser
despojado de todos os documentos,
de todos os bens e até de nome e
sobrenome em troca de um mero e
comprido número?
Como é possível não perder a
autoestima sem ver o próprio rosto no
espelho durante dois anos e meio?
O austríaco Viktor Emil Frankl,
nascido em Viena cinco anos depois do
século 19 e morto na mesma cidade três
anos antes do século 21, conseguiu passar
por cima de todos esses impossíveis.
Antes de ser levado para o campo de
concentração de Theresienstadt em
setembro de 1942, Frankl, aos 37 anos,
já tinha um doutorado em medicina e era
um conhecido e respeitado neurologista
e psiquiatra. Depois de passar por outros
campos de concentração, inclusive
Auschwitz, e ser libertado pelo exército
americano em abril de 1945, Frankl
tornou-se chefe do Departamento de
Neurologia do Hospital Policlínico de
Viena e doutorou-se em filosofia.
Valendo-se de sua própria experiência,
fundou a logoterapia, muitas vezes
chamada de “terceira escola vienense
de psicoterapia” (depois da psicanálise
de Freud e da psicologia individual de
Adler).
Em seu mais famoso livro (Em
Busca de Sentido, com mais de 9
milhões de exemplares vendidos),
Viktor Frankl explica a razão de sua
sobrevivência: “Não há dúvida de que
o amor-próprio, quando ancorado em
áreas mais profundas, espirituais, não
pode ser abalado por uma situação de
tremendo sofrimento”.
Foi por isso que ele escreveu
também o não menos famoso A
Presença Ignorada de Deus.
Samuelson,Lt.A.E.
26. 26 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Capa
A
psicóloga clínica Izar
Aparecida de Moraes
Xausa, coordenadora da
comissão científico-tecnológica
do Serviço Interconfessional de
Aconselhamento (SICA), em Porto
Alegre, pode estar exagerando ao
chamar o psiquiatra Viktor Emil
Frankl de “o salmista do século 20”.
Porém, ela tem diversas razões, já
que há uma coincidência entre a
sede de Deus expressa nos Salmos
e a redescoberta dessa mesma
dependência na experiência, nas
abordagens psicológicas e nos livros
de Frankl.
Sem constrangimento algum, o
salmista confessa sua sede interior
de Deus. No Salmo 42 (Como a
corça anseia por águas correntes, a
minha alma anseia por ti, ó Deus.
A minha alma tem sede de Deus,
do Deus vivo), no Salmo 63 (Ó
Deus, tu és o meu Deus, eu te busco
intensamente; a minha alma tem
sede de ti! Todo o meu ser anseia por
ti, numa terra seca, exausta e sem
água), no salmo 84 (A minha alma
anela, e até desfalece, pelos átrios
do Senhor; o meu coração e o meu
corpo cantam de alegria ao Deus
vivo) e no Salmo 143 (Estendo as
minhas mãos para ti; como a terra
árida, tenho sede de ti).
Viktor Frankl, por sua vez,
garante que sobreviveu aos campos
de concentração por causa de sua
fé pessoal em Deus, que lhe dava
e mostrava o sentido da vida. Izar
lembra que, “num dos primeiros
discursos públicos depois da guerra,
Frankl testemunhou o poder
sustentador da fé num Deus pessoal
e vivo”. Ele poderia parafrasear Davi
na situação difícil em que este se
encontrava: “Todo o meu ser anseia
por ti nesse campo de concentração,
sem nome, sem família, sem
consultório, sem cartas, sem livros,
sem nada”.
Outro comportamento
coincidente entre o salmista do
século 10 antes de Cristo e o
salmista do século 20 depois de
Cristo é que ambos olhavam para
as alturas. O salmista da Bíblia
proclama: “Levanto os meus olhos
para os montes e pergunto: De
onde me vem o socorro? O meu
socorro vem do Senhor, que fez os
céus e a terra” (Sl 121.1-2, NVI).
Gordon W. Allport, ex-professor de
psicologia de Harvard, ousa dizer
que, por terem transformado tudo,
em especial a psicologia profunda,
em “psicologia das alturas”, os
estudos de Viktor Frankl deram
origem ao “movimento psicológico
mais importante de nosso tempo”.
Tanto os médicos como os pacientes
têm de olhar para os montes, para
cima, para as alturas, para Deus,
onde encontrarão a chave de tudo:
o sentido da vida. Só assim será
possível vencer o vazio existencial,
que Frankl diz ter sido a neurose do
século 20.
Um dos livros escritos por ele
chama-se Der Unbewusste Gott, que
na verdade é sua tese de doutorado
em filosofia (1948). Em vez de
traduzir como O Deus Inconsciente,
os tradutores brasileiros Walter O.
Schlupp e Helga Reinhold deram ao
livro o sugestivo título de A Presença
Ignorada de Deus. O maior trunfo
de Frankl é não se envergonhar de
crer na existência de Deus como
pessoa e mostrar que essa existência
está arraigada no interior de
qualquer um, em qualquer lugar e
em qualquer tempo. Nesse sentido,
mesmo não sendo cristão (era
judeu), Frankl foi um pregador de
Deus como os profetas do Antigo
Testamento. Como psicólogo e
psiquiatra, ele mostrava que “além
do elemento instintivo, havia o
elemento espiritual inconsciente”.
Na logoterapia, fundada por
Frankl e geralmente chamada
de “a terceira escola vienense de
psicoterapia”, “o homem é levado
não tanto para fora de uma doença,
como em direção a uma verdade”
(Izar Aparecida). Na psicanálise,
explica ele, “o paciente se deita
num divã e conta ao médico
Viktor Emil Frankl
o salmista do século 20
— SOFRIMENTO —
27. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 27
coisas que, às vezes, não são muito
agradáveis de contar; na logoterapia,
no entanto, o paciente pode ficar
sentado normalmente, mas precisa
ouvir coisas que, às vezes, são
muito desagradáveis de se ouvir”.
Para Frankl, “o ser humano não é
impelido pelo impulso, mas puxado
pelos valores”.
Tudo isso se reveste de um valor
muito maior se nos lembrarmos
que, nas décadas de 1930 e 1940,
o ambiente na Alemanha nazista
não era nem um pouco favorável
ao cristianismo. Hitler dizia que
todas as religiões eram semelhantes
e que nenhuma delas teria futuro.
O alvo oculto do Führer era fazer
o que Jesus fez com a figueira
infrutífera: “despedaçar as raízes
e os ramos do cristianismo”. Não
seria necessário abrir guerra contra
os cristãos, fossem católicos ou
protestantes. Bastava impedir que
as igrejas fizessem qualquer coisa
diferente do que estavam fazendo,
ou seja, perdendo terreno dia-a-
dia. Naquele período, um dos mais
sombrios da história, Hitler soube
substituir a Páscoa e o Natal por
festividades nacionais sem teor
religioso, e a cruz pela suástica, o
emblema nazista. Já que o credo do
Cristo judeu ensinava uma “ética
efeminada de piedade”, os pais
foram desencorajados a mandar seus
filhos a qualquer escola religiosa.
Para substituir o cristianismo, foi
instituído “o culto do Führer, do
sangue e do solo”. Em 1937, mais
de 100 mil alemães abandonaram
formalmente a igreja católica.
Uma pequena porcentagem
de católicos e protestantes era
praticante.
Apesar de ter sido
irresponsavelmente chamado
de ateu tanto por Freud quanto
por um padre durante um
ofício religioso na famosa Igreja
Votiva de Viena, Frankl era um
judeu religioso. Na infância,
ele e o irmão mais velho eram
obrigados a ler poemas em
hebraico ao pôr-do-sol de toda
sexta-feira, quando começava
o sábado judaico. O exemplo e
as palmadas do pai fizeram de
Viktor Emil Frankl um daqueles
judeus ou não-judeus “tementes a
Deus” de que fala o livro de Atos
(10.2; 16.14; 18.7). Porém,
aquele que é chamado “o salmista
do século 20”, “o Copérnico da
psicologia”, “o médico do vazio
existencial” e “o psicólogo da
religião humana” nunca se tornou
seguidor ou discípulo de Jesus.
Visão do campo de concentração de Auschwitz no
inverno, onde Viktor Frankl foi aprisionado pelos nazistas
Prisioneiros judeus em campo de concentração nazista
Chmouelaten.wikipedia
28. 28 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Capa
Uma palavra de Vikto
para animar os desal
Q
uando Paulo e
Barnabé, em cerca
de 46 depois de
Cristo, entraram
num sábado na sinagoga de
Perge, na costa sul da atual
Turquia, os responsáveis lhes
disseram: “Se vocês têm alguma
palavra para animar o povo,
podem falar agora” (At 13.15,
NTLH). Paulo não perdeu a
oportunidade. Ele discursou
de tal modo que as pessoas
“pediram com insistência
que eles voltassem no sábado
seguinte a fim de falarem sobre
o mesmo assunto” (At 13.12,
NTLH).
A seguir, o leitor vai
encontrar palavras, não de
Paulo, mas de Viktor Frankl,
o famoso psiquiatra austríaco
que passou quase três anos em
campos de concentração (veja
Como é possível sobreviver num
campo de concentração?, pág.
24.)
Sobre a arte de viver
• Não procurem o sucesso.
Quanto mais o procurarem e
o transformarem num alvo,
mais vocês vão errar. Porque
o sucesso, como a felicidade,
não pode ser perseguido;
ele deve acontecer, e só tem
lugar como efeito colateral
de uma dedicação pessoal
a uma causa maior do que
— SOFRIMENTO —
29. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 29
or Emil Frankl
lentados
a pessoa, ou como subproduto da
rendição pessoal a outro ser.
• A vontade de humor — a tentativa de
enxergar as coisas numa perspectiva
engraçada — constitui um truque
útil para a arte de viver.
• Com o fim da incerteza chega
também a incerteza do fim.
• Quem não consegue mais acreditar
no futuro — seu futuro — está
perdido num campo de concentração.
• O prazer é e deve permanecer efeito
colateral ou produto secundário.
Ele será anulado e comprometido à
medida que se fizer um objetivo em
si mesmo.
• O ser humano é um ser finito e sua
liberdade é restrita.
Sobre o sentido da vida
• Ouso dizer que nada no mundo
contribui tão efetivamente para a
sobrevivência, mesmo nas piores
condições, como saber que a vida da
gente tem um sentido.
• O que o ser humano realmente
precisa não é um estado livre de
tensões, mas antes a busca e a luta por
um objetivo que valha a pena, uma
tarefa escolhida livremente. O que ele
necessita não é a descarga de tensão
a qualquer custo, mas antes o desafio
de um sentido em potencial à espera
de ser cumprido.
• O sentido de vida difere de pessoa
para pessoa, de um dia para o outro,
de uma hora para outra. O que
importa, por conseguinte, não é o
sentido da vida de um modo geral,
mas antes o sentido específico da vida
de uma pessoa em dado momento.
• O sentimento de falta de sentido
cumpre um papel sempre crescente na
etiologia da neurose.
• As pessoas têm o suficiente com o
que viver, mas não têm nada por que
viver; têm os meios, mas não têm o
sentido.
• O niilismo não afirma que não
existe nada, mas afirma que tudo é
desprovido de sentido.
Sobre a arte de sofrer
• Se é que a vida tem sentido, também
o sofrimento necessariamente o
terá. Afinal de contas, o sofrimento
faz parte da vida, de alguma forma,
do mesmo modo que o destino e a
morte. Aflição e morte fazem parte da
existência como um todo.
• Precisamos aprender e também
ensinar às pessoas em desespero que
a rigor nunca e jamais importa o que
nós ainda temos a esperar da vida,
mas sim exclusivamente o que a vida
espera de nós.
• Deus espera que não o decepcionemos
e que saibamos sofrer e morrer, não
miseravelmente, mas com orgulho!
• Ninguém tem o direito de praticar
injustiça, nem mesmo aquele que
sofreu injustiça.
• Quanto mais uma pessoa esquecer-se
de si mesma — dedicando-se a servir
uma causa ou amar outra pessoa —,
mais humana será e mais se realizará.
• Sofrimento, de certo modo, deixa de
ser sofrimento no instante em que se
encontra um sentido, como o sentido
de um sacrifício.
• O sofrimento desnecessário é
masoquismo e não ato heroico.
Sobre o “nem tudo está perdido”
• Se houve um dia na vida em que a
liberdade parecia um lindo sonho,
virá também o dia em que toda a
experiência sofrida no passado parecerá
um mero pesadelo.
• O ser humano é capaz de viver e até de
morrer por seus ideais e valores.
• O passado ainda pode ser alterado e
corrigido.
• Quando já não somos capazes de
mudar uma situação, somos desafiados
a mudar a nós próprios.
• Quando o paciente está sobre o chão
firme da fé religiosa, não se pode
objetar ao uso do efeito terapêutico de
suas convicções espirituais.
• Uma das principais características da
existência humana está na capacidade
de se elevar acima das condições
biológicas, psicológicas e sociológicas,
de crescer para além delas.
• As pessoas decentes formam uma
minoria. Mais que isso, sempre serão
uma minoria. Justamente por isso, o
desafio maior é que nos juntemos à
minoria. Porque o mundo está numa
situação ruim. E tudo vai piorar mais
se cada um de nós
não fizer o melhor
que puder.
Todas as frases foram retiradas do
best-seller Em Busca de Sentido,
publicado em alemão em 1945.
30. 30 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Capa
Galeria dos sobreviventes
Jó antes de Habacuque
Jó, o patriarca de Uz, de um dia
para o outro, perdeu toda a riqueza
(11.500 cabeças de gado) e quase
todos os empregados (administradores,
agricultores, boiadeiros, carreiros,
cortadores de lã, guardas das torres de
vigia, plantadores de capim, roçadores
de pasto, tiradores de leite, tratadores
de animais, vendedores de gado etc.).
Perdeu os dez filhos quando a casa
onde eles estavam comemorando
o aniversário do irmão mais velho
desabou e soterrou todos eles. No
dia seguinte, havia dez caixões com
defuntos para Jó enterrar. Pouco depois
da perda dos bens e dos filhos, Jó
perdeu a saúde — o mais precioso bem
que alguém pode possuir. A doença
era tão desgastante que o levava a
desejar ansiosamente a morte. Poderia
ser dermatose escamosa, elefantismo,
eczema crônico, melanoma ou outra.
Ele portava “feridas terríveis, da sola dos
Prisioneiros do campo de concentração de Buchenwald, no leste da Alemanha. Um
deles é Max Hamburger, que se tornou psiquiatra na Holanda, e outro é Elie Wiesel,
que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1986.
PrivateH.Miller.
pés ao alto da cabeça”, raspava-se com
caco de louça e ficou tão desfigurado
que seus amigos não o reconheceram
e começaram a chorar em alta voz
diante daquele quadro aterrador
(Jó 2.12-13). O mesmo fazendeiro
perdeu a companhia religiosa e o
aconchego da esposa, tão enlutada
quanto ele. Ela se revoltava contra Deus
e queria que o marido fizesse o mesmo
(Jó 2.9). A esposa de Jó mantinha-
se à distância por questões de saúde:
“Minha esposa não chega perto de mim
por causa do mau cheiro que sai de
minha boca quando falo” (Jó 19.17,
BV). O incrível sofredor experimentou
ainda a dor da solidão, após a ruína
financeira e a nova e feia aparência: “Os
meus parentes me abandonaram e os
meus amigos esqueceram-se de mim”
(Jó 19.14). Como se não bastasse todo
esse sofrimento, Jó teve de enfrentar o
juízo temerário de todos, especialmente
dos amigos mais íntimos, que
interpretaram sua desgraça como castigo
por algum pecado secreto que ele teria
cometido.
Apesar dessa inexplicável e incontida
enxurrada de dores e de injustiças, o
patriarca de Uz resistiu a tudo por todo
o tempo, ancorado numa única pessoa e
numa única esperança: “Eu sei que meu
Redentor vive, e que no fim se levantará
sobre a terra” (Jó 19.25).
Habacuque antes de Paulo
Cerca de 2.500 anos antes da ameaça
nazista, os judeus enfrentaram a
ameaça babilônica. O grande império
de Nabucodonosor estava dominando
o mundo. Duas poderosas nações já
haviam caído: a Assíria em 612 antes
de Cristo, e o Egito, sete anos mais
tarde, na famosa batalha de Carquemis
(605 a. C.). A próxima nação a ser
cercada, destruída e ocupada seria Israel,
mais propriamente Judá, o reino do sul.
A escassez de comida e a consequente
— SOFRIMENTO —
31. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 31
fome eram iminentes. Boa parte da
população seria deslocada para longe
de sua pátria e muitos sofreriam como
escravos e trabalhadores forçados.
A beleza de Jerusalém seria coisa
do passado. Suas riquezas seriam
pilhadas e levadas pelos invasores.
Para continuar a viver, os que tinham
algum bem o trocariam por comida
(Lm 1.1-12). Crianças diriam às mães:
“Estou com fome! Estou com sede!”.
Sem pão para comer nem água para
beber, as crianças cairiam pelas ruas
e os bebês morreriam aos poucos
nos braços das mães. Estas, por sua
vez, por causa da fome, perderiam o
controle e devorariam os filhinhos
que tanto amavam. Os mortos, tanto
jovens como velhos, seriam largados
nas ruas (Lm 2.11-21). Os que haviam
morrido no campo de batalha seriam
considerados mais felizes do que os que
morreriam depois, por causa do caos
posterior à guerra (Lm 4.9).
Não obstante, frente a essa situação
catastrófica prestes a acontecer, um
homem chamado Habacuque, que era
profeta e poeta, explica como poderia
sobreviver: “Ainda que as figueiras
não produzam frutas, e as parreiras
não deem uvas; ainda que não haja
azeitonas para apanhar nem trigo
para colher, ainda que não haja mais
ovelhas nos campos nem gado nos
currais, mesmo assim eu darei graças
ao Senhor e louvarei a Deus, o meu
Salvador. [Pois] o Senhor é a minha
força. Ele torna o meu andar firme
como o de uma corça e me leva para
as montanhas, onde estarei seguro”
(Hc 3.17-19, NTLH).
Paulo antes de Viktor Frankl
Quando Jesus apareceu a Saulo no
trevo da cidade de Damasco, capital da
Síria, perto do final da primeira metade
do século primeiro, ele não escondeu
do futuro apóstolo que haveria
sofrimento por causa do evangelho
(At 9.16). De acordo com o relatório
desse sofrimento, contido na Segunda
Carta aos Coríntios, escrita em 55
depois de Cristo, Paulo foi apedrejado
uma vez, espancado três vezes,
chicoteado cinco vezes (cada uma com
39 açoites) e passou por três naufrágios
(num deles ficou 24 horas boiando
no mar). Além disso, ele muitas vezes
ficou sem dormir, sem comer, sem
beber, sem se vestir e sem se agasalhar.
Experimentou toda sorte de perigos (de
morte, de enchentes, de assaltos), nas
mãos de conterrâneos, de estrangeiros,
de ladrões, de falsos irmãos etc., tanto
na cidade como no deserto e em alto-
mar. E como se não bastasse, Paulo foi
preso várias vezes e passou muito tempo
atrás das grades, em Filipos, Jerusalém,
Cesareia e principalmente em Roma.
Apesar de todas essas circunstâncias
e acontecimentos adversos, o apóstolo
sobreviveu sem maiores desgastes
físicos ou emocionais. E ele explica o
segredo: “Sei o que é estar necessitado
e sei também o que é ter mais do que é
preciso. Aprendi o segredo de me sentir
contente em todo lugar e em qualquer
situação, quer esteja alimentado ou
com fome, quer tenha muito ou tenha
pouco. Com a força que Cristo me
dá, posso enfrentar qualquer situação”
(Fp 4.12-13).
E hoje?
A sobrevivência é um desafio também
para o mundo contemporâneo. Antes
do término da Segunda Guerra
Mundial, ninguém sabia muito
sobre os campos de concentração da
Alemanha nazista e sobre o tamanho
do holocausto — nem os próprios
alemães. Hoje, não percebemos que
também estamos dentro de outros
campos de concentração, que tornam
a sobrevivência da fé e da moral
quase impossível. Quantos mortos o
narcotráfico e o crime já deixaram no
mundo todo desde o final da Segunda
Guerra até hoje? A lei do mais forte
prevalece, a cultura da corrupção é uma
regra fixa, a determinação de destruir os
ramos e raízes da fé cristã continua (seja
pela perseguição e morte de cristãos
em países islâmicos fechados ou pelos
escândalos que os próprios cristãos
cometem), a propaganda do ter em
vez de ser é esmagadora, a chamada ao
consumismo é praticamente irresistível,
a defesa da homossexualidade e da
não-durabilidade do casamento é
crescente, a pornografia e a violência
sexual generalizam-se, e assim por
diante. A mídia abraça e divulga todas
essas coisas, das tirinhas aos editoriais,
das novelas aos noticiários. Certamente,
as características, os sintomas e
os descaminhos contemporâneos
podem ser vistos como um campo
de concentração acentuadamente
sutil. O excelente vídeo “Qualidade
de vida do mundo contemporâneo”,
da TV Cultura, do qual participam
filósofos e educadores brasileiros, diz
que estamos perdendo a capacidade de
pensar, estamos perdendo a vitalidade
e estamos sendo manipulados e
conduzidos pela voz tirânica da
prioridade do mercado, pelo ascetismo
e pelo individualismo. Tudo isso leva
à desgraça do tal vazio existencial,
diagnosticado por Viktor Frankl como
a neurose do século. Seriam essas
coisas mais leves do que aquelas que
Jó, Habacuque e Paulo sofreram? A
Bíblia fala muito sobre a difícil arte da
sobrevivência. Jesus chega a perguntar:
“Quando o Filho do Homem vier,
será que vai encontrar fé na terra?”
(Lc 18.8, NTLH).
Jó
Apesar disso tudo
Eu sei que o meu Redentor vive
E finalmente aparecerá na terra.
Habacuque
Ainda que as figueiras não produzam
frutas e as parreiras não deem uvas
Ainda que não haja azeitonas para
apanhar nem trigo para colher
Ainda que não haja mais ovelhas nos
campos nem gado nos currais
Mesmo assim eu darei graças ao
Senhor e louvarei a Deus, o meu
Salvador.
Paulo
Aprendi o segredo de me sentir
contente em todo lugar e em toda
situação
Quer esteja alimentado ou com fome,
quer tenha muito, quer tenha pouco.
Com a força que Cristo me dá, posso
enfrentar qualquer situação.
o cântico dos
sobreviventes
32. 32 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Mesmo à distância, fui
obrigado a conviver
com os horrores do
antissemitismo e da
Segunda Guerra Mundial
Capa
T
enho a impressão de que a brutalidade da
Segunda Guerra Mundial, ocorrida na primeira
metade do século passado, desde a invasão
da Polônia (1º de setembro de 1939) até a
assinatura do ato formal da rendição do Japão (2 de
setembro de 1945), me fizeram algum mal. Durante
minha infância e adolescência as notícias da guerra
eram diárias. Não chegavam com a rapidez de hoje, mas
chegavam. Quem não sabia ou não tinha idade para ler,
ouvia a Rádio Mayrink Veiga ou a Rádio Tupi. Quem
podia ler, ouvia o rádio e lia os jornais diários. Algumas
fotos dramáticas da guerra, que eu via na primeira página
do Correio da Manhã, que meu pai assinava, até hoje estão
arquivadas em minha memória. Porém, houve também
o lado “bom” da guerra. Eu e milhares de outras pessoas
nos decepcionamos com o super-homem imaginado
na mesma Europa, alguns anos antes das duas grandes
guerras. Enquanto o sofrimento e a morte causados
pelo ódio, pela prepotência e pela violência levavam
alguns ao espanto, à descrença, ao desespero, ao suicídio
e à liberdade de costumes — eu fui levado a conhecer
a profundidade e a loucura da maldade humana (que
prefiro chamar de pecado) e a esperar novos céus e nova
terra, não por meio do homem, mas daquele que veio para
consertar o que havia sido estragado. Há duas certezas que
tenho agasalhado há mais tempo e com mais entusiasmo:
uma diz respeito à queda e a outra à redenção. Dois
textos bíblicos são esclarecedores e deles sempre me
recordo: “Por um só homem entrou o pecado no mundo”
(Rm 5.12) e “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado
do mundo” (Jo 1.29).
A seguir, em ordem cronológica, alguns dos lances mais
importantes do antissemitismo e da Segunda Guerra Mundial.
1933
30 de janeiro
Sou uma criança de quase 3 anos.
Tenho um sobrenome alemão. Minha
avó paterna era filha de alemães.
Nesse dia, o austríaco Adolf Hitler,
que se dizia alemão, é empossado
aos 44 anos como chanceler da
Alemanha. O presidente Hindenburg
termina seu discurso de posse com
estas palavras: “E, agora, senhores,
sigamos com Deus”.
1934
2 de agosto
Falece o presidente Paul von Hindenburg, aos 87 anos. Hitler
torna-se chefe de Estado. O exército presta juramento de lealdade
ao Führer.
1935
15 de setembro
O Reichstag (o parlamento alemão) aprova as leis de Nuremberg,
que proíbem o casamento e todas as formas de relacionamento
sexual entre judeus e alemães, privam os judeus da cidadania e
fazem da suástica o emblema da Alemanha.
1936
17 de junho
Heinrich Himmler torna-se chefe da polícia de toda a Alemanha,
inclusive da Gestapo (polícia secreta do Estado). Hitler torna-
Fonte:DeutschesBundesarchiv
Bild146-1990-048-29A
Adolf Hitler
— SOFRIMENTO —
se
33. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 33
responsável apenas perante si mesmo e mais ninguém,
podendo remover qualquer limitação ao seu poder, dentro ou
fora da lei. Sou apenas um menino de 6 anos.
1937
13 de dezembro
Tenho quase 8 anos. Meu pai é pastor das igrejas
presbiterianas de Campos e Itaperuna, no norte fluminense,
e comemora 36 anos. Nesse mesmo dia, tropas japonesas
comandadas pelo general Iwane Matsui cometem atrocidades
na China. Matam soldados e civis e estupram mulheres.
Estima-se que cerca de 20 a 40 mil mulheres tenham
sido violentadas, crianças e idosas. Houve fuzilamentos,
decapitações e crucificações. Civis eram enterrados vivos
ou pendurados pela língua. Bebês eram jogados ao ar e
perfurados à baioneta.
1938
30 de outubro
Curso a primeira série do primário. Na escola dominical, sou
transferido do primário para o intermediário. Orson Welles
transmite pelo rádio uma adaptação do romance A Guerra
dos Mundos, de H. G. Wells, passando a real impressão de
que o planeta estava sendo invadido por extraterrestres.
9 de novembro
Membros de organizações nazistas armados de machados e
marretas destroem 29 lojas de departamentos e residências
judaicas, na Alemanha e na Áustria. Sinagogas e cemitérios
judeus são profanados. Mais de 30 mil judeus são enviados
para os campos de concentração.
1939
3 de agosto
Físicos húngaros e o cientista alemão Albert Einstein, de 60
anos, alertam o presidente americano Franklin D. Roosevelt
de que as pesquisas com energia nuclear realizadas na
Alemanha poderiam levar os nazistas à construção de uma
bomba nuclear. Einstein pergunta: “Devemos dar fim à raça
humana ou a humanidade deve renunciar à guerra?”. Eu
ainda não completei 10 anos.
3 de setembro
Inglaterra e França declaram guerra à Alemanha. Dois dias
antes, a Alemanha havia invadido a Polônia.
1940
10 de maio
A Alemanha invade a Holanda e a Bélgica.
14 de junho
A Alemanha toma Paris.
26 de setembro
O filósofo Walter Benjamin, nascido em Berlim no seio
de uma família judaica, comete suicídio aos 48 anos. Ele
tentava, junto com outros refugiados, atravessar a fronteira
entre França e Espanha para escapar dos nazistas que haviam
ocupado Paris três meses antes. Benjamin era doutor em
filosofia e crítico de ideias
e fatos. Deixou três livros e
vários ensaios publicados em
diversos periódicos.
29 de dezembro
Em um domingo entre
o Natal e o Ano-Novo, a
Alemanha, em três horas de
fogo e terror, despeja 120
toneladas de explosivos de
alta potência e 22 mil bombas
incendiárias no centro de
Londres. Oito igrejas são destruídas.
1941
7 de dezembro
Torpedeiros e bombardeiros japoneses conseguem destruir
ou danificar oito encouraçados, três cruzadores e três
destroyers americanos que estavam em Pearl Habor. O ataque
aéreo e naval durou apenas uma hora e meia e destruiu
188 aeronaves dos Estados Unidos, além de avariar outras
155. Os japoneses perderam só 29 aeronaves e cinco
minissubmarinos. Morreram 1187 pessoas da marinha
americana.
1942
20 de janeiro
Na escola dominical, sou transferido do departamento
intermediário para o secundário. Reinhard Heydrich, chefe
dos serviços de segurança do Terceiro Reich, reforça o
enrijecimento das medidas antissemitas e explica que, por
conta da guerra e da escassez de recursos, os 11 milhões
de judeus que ainda estavam na Europa não poderiam
permanecer no continente nem emigrar. A solução final para
o problema seria o assassinato em massa. Os judeus já haviam
sido excluídos de todos os cargos públicos (o que significava
a perda de direitos de pensão), das profissões (inclusive do
magistério, da medicina e do direito), dos esportes e das
artes. Cartazes com os dizeres “não queremos judeus aqui”
já haviam sido afixados em estâncias de férias, restaurantes e
hotéis. Qualquer nazista podia espancar, expulsar ou roubar
um judeu impunemente.
23 de fevereiro
Faltam dois meses para eu
completar 12 anos. Começo
a fazer o “ginásio” no
Colégio Batista Fluminense.
As rádios e os jornais
anunciam o suicídio do
casal Elizabeth e Stefan
Zweig, acontecido no dia
anterior em Petrópolis,
RJ. Zweig, de 60 anos, um
judeu nascido em Viena,
era famoso no mundo inteiro por seus romances (Amok,
IsaMorais
Walter Benjamin
Casal Zweig
CasaStefanZweig
34. 34 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Capa
A Confusão dos Sentimentos) e biografias (Maria Antonieta,
Erasmo de Rotterdan). Forçado pelos nazistas a deixar a
Áustria, veio parar no Brasil em agosto de 1936. Não resistiu
à depressão causada pelos problemas mundiais e matou-se.
“Em boa hora e conduta ereta, achei melhor concluir uma
vida na qual o labor intelectual foi a mais pura alegria e a
liberdade pessoal o mais precioso bem sobre a terra. Saúdo a
todos os meus amigos. Que lhes seja dado ver a aurora desta
longa noite. Eu, demasiadamente impaciente, vou me antes”
(última frase da “declaração” deixada no leito de morte).
6 de junho
Seis meses depois de Pearl Harbor, trava-se a batalha naval
de Midway, nas proximidades do Havaí. Os japoneses
perdem os quatro porta-aviões e mais de duzentas aeronaves,
juntamente com suas tripulações. Os americanos perdem
apenas um porta-aviões.
15 de agosto
O submarino alemão U-507 afunda o navio brasileiro
Baependy no litoral da Bahia, matando 270 das 306 pessoas
que estavam a bordo. Entre os mortos há 142 militares
brasileiros (um major, três capitães, cinco tenentes, oito
sargentos e 125 cabos e soldados). O navio afundou em
dois minutos. Dias antes, o mesmo submarino já havia
posto a pique cinco navios brasileiros. Incluindo os 270
mortos do Baependy, o número de vítimas fatais chega a 607.
Desde janeiro de 1941, o Brasil tinha rompido as relações
diplomáticas com o Eixo.
1944
6 de junho
Exatamente dois anos depois de Midway, os aliados têm
outra vitória decisiva. Ao cair da noite desse dia, 125 mil
soldados americanos, ingleses e canadenses, sob o comando
do general Dwight Eisenhower, já haviam desembarcado ao
longo dos 105 quilômetros da Normandia, na França, até en-
tão dominada pelos alemães. Foi o chamado Dia D. Começa
o colapso do Terceiro Reich.
4 de agosto
Exatamente um mês depois de minha pública profissão
de fé na Igreja Presbiteriana de Campos, aos 14 anos,
a menina judia-alemã Anne Frank, apenas um ano
mais velha, é localizada no sótão secreto de um prédio
comercial de Amsterdã e levada com outros sete judeus
para o campo de concentração em Bergen Belsen. Ela
não pôde levar consigo o diário escrito desde junho de
1942.
1945
27 de janeiro
Estamos de férias na praia de Grussaí. Tomo
conhecimento de que tropas soviéticas invadem um
complexo de campos de concentração nos arredores de
Oswiecim, na Polônia, e do que os nazistas faziam com
os judeus. O major Anatoly Shapiro, que comandou
a operação, teria dito: “Eu vi os rostos das pessoas que
libertamos; elas passaram pelo inferno”.
14 de fevereiro
Aviões da Força Aérea Inglesa (RAF) bombardeiam
Dresden, na Alemanha, e 33 quilômetros quadrados da
cidade são destruídos pelo incêndio causado por uma
mistura de explosivos capaz de se perpetuar sozinha.
Mais de 25 mil pessoas morrem.
9 de abril
Preso desde 1943 por ajudar
a introduzir clandestinamente
quatorze judeus na Suíça,
o pastor luterano alemão
Dietrich Bonhoeffer, de
apenas 39 anos, é enforcado
sob a acusação de alta traição.
Ex-aluno de Karl Barth,
Bonhoeffer obteve o doutorado
em teologia na Universidade
Anuncio
Dietrich Bonhoeffer
35. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 35
de Berlim aos 21 anos. Ele foi um dos organizadores da
chamada Igreja Confessante, que reunia cerca de um
terço do clero protestante em oposição a Hitler. Por dois
anos, Bonhoeffer dirigiu o seminário dessa igreja, fechado
em 1937 por ordem do governo.
27 de abril
O exército americano liberta os prisioneiros dos campos
de concentração de Dachau. Entre eles estava o psiquiatra
vienense Viktor Emil Frankl, de 40 anos.
30 de abril
Uma semana depois de comemorar meu 15º
aniversário, Adolf Hitler, aos 56 anos, e Eva Braun,
23 anos mais nova e com quem ele havia se casado na
véspera, cometem suicídio depois de almoçar com seu
nutricionista e seus secretários. Ela se envenenou e ele
deu um tiro na boca.
7 de maio
O coronel-general Alfred Jodl, do alto comando alemão,
assina os termos de rendição incondicional da Alemanha
no quartel general dos Aliados, situado em uma escola
em Reims, na França. Após cinco anos, oito meses e sete
dias, está encerrada a fase europeia da Segunda Guerra
Mundial.
6 de agosto
A Enola Gay, uma fortaleza voadora americana, lança
sobre a cidade japonesa de Hiroshima o Little Boy — a
primeira bomba nuclear do mundo. O artefato causou
destruição em um raio de 1,6 quilômetro quadrado, além
de arruinar e incendiar outros 11 quilômetros quadrados
circundantes. Dos 255 mil habitantes, 70 mil morreram
após a explosão.
2 de setembro
A bordo de um navio americano, o governo e o alto
comando militar japonês assinam o ato formal de
rendição às tropas aliadas. Encerra-se a fase asiática da
Segunda Guerra Mundial. Sou um adolescente. Começo
a estudar clarineta para tocar na pequena orquestra da
igreja presbiteriana. Publico no Jornal Mocidade meu
primeiro artigo e no jornal O Puritano, minha primeira
oração escrita. Inicio namoro com uma das moças que
professaram a fé comigo.
Fontes:
• 1001 Dias que Abalaram o Mundo. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.
• História do Século 20, vol. 4. São Paulo: Abril Cultural, 1970.
• Morte no Paraíso; a tragédia de Stefan Zweig. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
IWMCollectionsIWMPhotoNo.BU8604
Cena de destruição em uma rua de
Berlim em julho de 1945
36. 36 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
A
partir de hoje, com a
ajuda de Deus, vou
enfrentar a inveja.
Não vou mais mentir
dizendo para mim
que não sou invejoso. Confessarei o
pecado da inveja e me porei contra
ela, suficientemente convencido
de que é uma doença capaz de me
destruir e tão grave “como câncer”
(Pv 14.30, NTLH).
A inveja não é algo de pequena
monta. Ela está sempre ao lado
de outras coisas terríveis (as
tais obras da carne de que fala
Gálatas 5.19-21). A inveja não é
passiva; não cruza os braços; não fica
parada em momento algum. Ela é
ativa, dinâmica e incontrolável. Se
não for barrada na nascente, leva
o invejoso automaticamente ao
crime. Não foi a inveja de Caim que
provocou o primeiro assassinato da
história (Gn 4.8)? O livro de Gênesis
conta que “Isaque tinha tantas
ovelhas e cabras, tanto gado e tantos
empregados, que os filisteus acabaram
ficando com inveja dele”. A inveja
dos vizinhos levou-os a entupir todos
os poços dos quais o patriarca se
servia para matar a sede do gado e regar
a lavoura (Gn 26.14-15). Foi por inveja
que os irmãos de José o venderam para
ser escravo no Egito (At 7.9).
A inveja no âmbito religioso é um
problema sério na história passada e
presente da igreja cristã. Porque Deus
aceitou com agrado a oferta de Abel
e não a de Caim, este “ficou furioso
e fechou a cara”. E acabou matando
o irmão (Gn 4.5, NTLH). Jesus foi
entregue a Pilatos para ser condenado à
morte por causa da inveja incontrolada
dos chefes dos sacerdotes, como
facilmente enxergou Pilatos (Mc 15.10).
Poucas semanas depois, os saduceus
ficaram com tanta inveja do sucesso dos
apóstolos que os mandaram prender
(At 5.17-18). Tanto em Antioquia
como em Tessalônica, Paulo sofreu
horrores por causa da inveja dos judeus
(At 13.45; 17.5). Havia sérios problemas
de inveja na igreja de Corinto, além de
“brigas, manifestações de ira, divisões,
calúnias, intrigas, arrogância e desordens”
(2Co 12.20). Na igreja primitiva,
Paulo foi obrigado a admitir que alguns
pregavam Cristo “por inveja e discórdia”
(Fp 1.15). Pedro também percebeu que
Simão, o mago do Samaria, batizado
Não quero invejar nem os
de dentro nem os de fora!
DE HOJE EM DIANTE...
por Filipe, queria o batismo do Espírito
Santo porque estava “cheio de inveja,
uma inveja amarga como fel” (At 8.23).
Diante dessas realidades, o que preciso
fazer é mortificar a inveja no meu
coração, onde ela mora — antes que ela
saia de lá e cometa seus desatinos.
Estou ciente de que posso invejar
também os que estão do lado de fora da
igreja. Dou graças a Deus pelo conselho,
possivelmente de Davi: “Não se aborreça
por causa dos maus, nem tenha inveja
dos que praticam o mal. Pois eles vão
desaparecer logo como a erva, que seca”
(Sl 37.1-2, NTLH). Já tive inveja da
prosperidade dos não-crentes (Sl 73.3),
mas me curei quando Deus me mostrou
a transitoriedade do sucesso deles e o seu
destino final (Sl 73.16-19). Já decorei
a insistente palavra do sábio dos sábios,
que me diz: “Não inveje os pecadores
em seu coração” (Pv 3.31; 23.17; 24.1).
Os Provérbios de Salomão me garantem
também que “os pecadores não têm
futuro; [pois] são como uma luz que está
se apagando” (Pv 24.20).
Estou tomando uma grande decisão:
a de sufocar a inveja. Mas não a tomo
sozinho. Tomo-a na certeza do auxílio de
cima! Que o Senhor me socorra!
38. 38 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
NOVOS ACORdES Carlinhos Veiga
De Todos os
Ângulos
Denis
Campos
Denis Campos é um
garoto com pouco mais de
20 anos. Um cara dado a
poesias. Cultiva um blog
com suas criações literárias,
sempre com novidades. De
Todos os Ângulos é o seu
primeiro CD e contém
doze canções, todas de sua
autoria. Partilha a criação
de uma elas com Elly
Aguiar e de outras duas
com Jorge Ervolini. No
contato com o material
percebe-se que há uma
unidade bem legal em
toda concepção do
trabalho, desde o material
gráfico, passando pelas
composições e arranjos.
Ou seja, ele mostra a
cara de Denis Campos.
A direção musical e os
arranjos são de Jorge
Ervolini. A produção
artística é de Denis e
Ervolini. Uma banda de
respeito mandou ver nas
execuções. Participação
especial dos intérpretes
Diego Venâncio e Gerson
Borges. Contatos pelo
www.myspace.com/
denisscampos.
Jesus in Blues
André de
Oliveira
Essa é mais uma faceta do
surpreendente, inquieto e
criativo André de Oliveira.
Ele já gravou vários
trabalhos temáticos, como
adoração e forró (gravado
no Nordeste com músicos
locais), sem falar na série
de CDs de seu personagem
Reverbério — uma mistura
de humor com crítica
pesada às bizarrices do
meio evangélico. Agora, ele
vive o seu momento blues.
Reuniu uma banda que
conhece bem a linguagem
desse estilo musical e
mandou ver. “Tudo blues”,
“Kitsch”, “Contramão do
tempo”, “Aqui” e “Jesus in
blues” utilizam os clichês
musicais característicos,
incluindo gaitas e guitarras
choradas. Participação
do intérprete Caleb de
Oliveira em três canções.
A produção executiva é
de Marcus Castro e ele
foi gravado no Studio
Scheffield por Claudiano
Amorim e Joãozinho
Costa. Contatos:
andrereverberio@hotmail.
com ou (31) 8691-9597.
Revolução
do Amor
Ortegas
Os irmãos Matheus,
Rafa e Pedro formam os
Ortegas. Eles são filhos do
conhecido Gerson Ortega,
que desde o fim dos anos
70 traz significativas
contribuições para a
música cristã brasileira.
E os meninos seguem a
mesma trilha musical.
Multi-instrumentistas, se
revezam nas autorias das
canções. Revolução do Amor
é um álbum engajado. A
faixa título foi composta
na viagem que Matheus
fez ao Haiti para apoiar
a igreja sofrida daquele
país, após o fatídico
terremoto em janeiro de
2010. Ao todo são dez
faixas, nas quais o pop
predomina. Esbanjando
tecnologia, Henrique
Soares cuidou dos arranjos,
gravações e mixagens.
A master foi feita por
Nike Fossenkemper, do
Turtle Tone Studio, em
Nova York. O resultado
é uma sonoridade
bem contemporânea e
encorpada. Conheça mais
pelo www.ortegas.com.br.
Transmitir
Nando
Padoan
Transmitir é o segundo
trabalho de Nando
Padoan. Com influências
marcantes da black
music, traz um repertório
de doze canções com
letras voltadas para a
adoração. Dentre elas,
destacam-se “Louve ao
Senhor”, “Transmitir”
(com participação de
Paulo César Baruk),
“Cântaros” (canção
de Edilson Botelho)
e “Vem comigo” (um
hit dançante e cheio de
brincadeiras). Além de
compositor, intérprete e
instrumentista, Nando
é também o produtor e
arranjador musical do
álbum. Em sua formação,
passou pela Escola de
Música e Tecnologia e
estudou linguagem e
estruturação musical.
Transmitir mostra toda
sua versatilidade musical
e técnica. Para ouvir
algumas canções e saber
mais sobre o autor, visite
www.myspace.com/
nandopadoan. No site é
possível adquirir o CD.
42. 42 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Mordomia responsável
MEIO AMBIENTE E fé cristã René Padilla
o fato de que Deus delegou aos seres
humanos um papel único na criação. O
texto mostra claramente que a criação
da humanidade é um ato singular que
se distingue de todos os demais atos da
criação de Deus. Com efeito, no grande
poema de Gênesis 1, a humanidade é a
coroação de toda a obra criadora de Deus.
Esta conclusão é reforçada pela referência à
humanidade como imagem e semelhança de
Deus. O que significa isto? Em que sentido
se pode dizer que a humanidade se parece
com Deus?
A variedade de interpretações que se
tem sugerido não deixa espaço para o
dogmatismo sobre o tema, mas parece
que a interpretação mais apropriada é
a que leva em conta o significado das
imagens em tempos antigos no Oriente
Médio. De acordo com a ideologia
real, aceita amplamente nessa região
geográfica e especialmente no Egito, o
rei era considerado como a imagem de
Deus: representava a Deus diante de seus
súditos. Ao mesmo tempo, a imagem do
rei o representava perante seus súditos em
territórios conquistados. Aparentemente,
estas ideias proveem uma boa base
histórica para se pensar que a referência
à humanidade como a imagem de Deus
significa que a humanidade representa a
Deus e foi revestida com sua autoridade na
criação. Esse é o fundamento da dignidade
de todo ser humano, sem exceção.
Esta interpretação se ajusta muito
bem à tarefa específica que Deus confia
à humanidade segundo Gênesis 1.28.
À humanidade, por ser a imagem de
Deus — e a sua representante na criação —,
é delegada a autoridade de Deus: o
poder de procriar e de submeter a terra.
Além da procriação, a vocação humana
fundamental é o controle da ordem do que
foi criado em cumprimento ao mandato
cultural — cumprimento por meio do qual
N
ós, evangélicos em geral,
não temos dado ao tema
do meio ambiente a devida
atenção. É urgente abordá-lo
sob uma perspectiva bíblica
e voltada para o cumprimento da missão
a que Deus nos chamou como mordomos
de sua criação em um mundo onde reinam
dois males intimamente ligados entre si: o
abuso dos recursos da criação e a injustiça
social.
A afirmação com que a Bíblia se inicia
não dá lugar a dúvidas: “No princípio,
criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). Na
terra que surge do nada pelo poder de sua
Palavra, Deus cria, em primeiro lugar, o
cenário para a vida humana. Depois, sobre
este cenário, coloca o homem e a mulher,
criados à sua imagem e semelhança, e lhes
comissiona o mandato cultural: “Frutificai,
e multiplicai-vos, e enchei a terra, e
sujeitai-a” (Gn 1.28a).
Como no caso da existência de Deus,
a revelação bíblica considera indiscutível
a humanidade manifesta que é a imagem de
Deus na criação. Esta é a base da mordomia
responsável no uso e cuidado dos recursos
naturais e também para o desenvolvimento
científico e tecnológico, não em função do
crescimento econômico, mas sim como o
meio de cumprir o propósito de Deus para
sua criação e, assim, dar glória ao Criador.
Há quem afirme que a origem da
situação atual, marcada por uma profunda
crise ecológica, está na tradição judaico-
cristã, segundo a qual Deus destinou ao
ser humano a tarefa de submeter a terra.
A exploração destrutiva da natureza, se
diz, é o resultado da arrogância humana
com respeito à natureza. No entanto, não
há nada na tradição judaico-cristã que
sugira que o domínio que a humanidade
é chamada a exercer sobre a terra tem de
ser exercido independente de Deus e da
criação, como se a humanidade fosse dona,
e não apenas um mordomo da criação.
Ao contrário, a raça humana é concebida
como feita do “pó da terra”, formada por
criaturas terrestres que dependem do fruto
da terra para sua manutenção (Gn 1.29-30)
e em total dependência do Deus de quem
procede a vida (ver Gn 2.7).
Em síntese, Deus, o Criador do
universo, escolheu compartilhar sua
soberania com criaturas que são sua imagem
e semelhança, mas foram feitas do pó da
terra e têm a vocação de reger sobre a terra
como colaboradores de Deus em liberdade
e obediência. A recuperação dessa vocação
é um aspecto essencial de nossa missão no
mundo.
Na próxima edição, exploraremos o que
isto significa em relação à crise ecológica
atual, que se manifesta no aquecimento
global.
Traduzido por Wagner Guimarães
C. René Padilla escreve regularmente na coluna “missão integral”
(veja pág. 47).
ManuMohan
Deus nos chamou como mordomos
de sua criação em um mundo onde
reinam dois males intimamente
ligados entre si: o abuso dos recursos
da criação e a injustiça social
44. 44 ULTIMATO I Novembro-Dezembro 2010
Simplicidade e permanência
D
De vez em quando
gosto de reler Cartas
de um Diabo a seu
Aprendiz, de C. S.
Lewis. Sua habilidade
em perscrutar os labirintos da
tentação me impressionam. Ele nos
ajuda a reconhecer nossa enorme
ingenuidade e a profunda sagacidade
do inimigo.
O CAMINHO DO CORAçãO Ricardo Barbosa
Não importa o quanto
nossas igrejas e ministérios
sejam sofisticados. Se no
final não encontrarmos
as mesmas coisas de
sempre, significa que nos
perdemos com o meio e
não alcançamos o fim
Em uma dessas cartas, o Diabo
reconhece que o verdadeiro
problema dos cristãos é que eles são
“simplesmente” cristãos. O laço que
os une é a vida comum que eles têm
em Cristo. Ele então aconselha seu
sobrinho: “O que nós desejamos,
se não houver mesmo jeito e os
homens tiverem de tornar-se cristãos,
é mantê-los num estado de espírito
que eu chamo de cristianismo e
alguma outra coisa [...]. Substitua
a fé em si por alguma moda com
colorido cristão.
Faça com que
tenham horror
à Mesma Coisa
de Sempre”.
A “mesma
coisa de
sempre”
nos deixa
entediados. Ser
“simplesmente”
cristão, para
muitos, não
é suficiente.
Precisamos
de coisas novas. Sempre. Modelos
novos de igreja, um jeito diferente
de cantar, formas inovadoras de
culto, estratégias sofisticadas de
crescimento, e por aí vai. Somos
movidos pelas novidades, não pela
profundidade. Nosso interesse está na
variedade, não na densidade.
O reverendo A. W. Tozer, num
artigo intitulado “A velha e a nova
cruz”, comenta o mesmo fenômeno:
“Uma nova filosofia brotou dessa
nova cruz com respeito à vida cristã,
e dessa nova filosofia surgiu uma
nova técnica evangélica — um novo
tipo de reunião e uma nova espécie
de pregação. Esse novo evangelismo
emprega a mesma linguagem que
o velho, mas o seu conteúdo não
é o mesmo e sua ênfase difere da
anterior”.
O Diabo, na carta ao seu sobrinho
aprendiz, diz: “O horror pela mesma
coisa de sempre é uma das mais
preciosas paixões
que incutimos
no coração
humano — uma
fonte infinita
de conselhos
estúpidos, de
infidelidade
conjugal e de
inconstâncias
na amizade”. A
lista poderia se
estender, mas o
que se encontra
por trás desse
“horror pela mesma coisa de sempre”
é a grande atração pelo novo seguida
de uma profunda distração pelo
essencial. O que a novidade faz é
direcionar nossa atenção para outras
preocupações, dando mais valor aos
meios e não aos fins.
A formação espiritual cristã
sempre requereu, basicamente,
obediência a Cristo no seu chamado
a proclamar o evangelho, fazer
OveTøpfer
45. Novembro-Dezembro, 2010 I ULTIMATO 45
que o confessam como Senhor e Rei.
Jesus apresenta um evangelho que
transforma de dentro para fora. O
que o vaso contém é infinitamente
maior e mais valioso que o vaso. Ele
cresce como uma pequena semente
de mostarda. A simplicidade está na
natureza própria do evangelho.
A permanência define o caráter
pessoal e relacional da fé. Permanecer
em Cristo é permanecer ligado
como galho na videira. É somente
nessa permanência que recebemos
de Cristo sua vida e a transmitimos
aos outros. Permanecer é mais do
que conhecer — é manter-se em
constante e dinâmico relacionamento.
As novidades não transformam o
caráter; a permanência, sim. Para C. S.
Lewis, a maturidade é algo que “todos
alcançam na velocidade de sessenta
minutos por hora, independentemente
do que façam e de quem sejam”.
Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana
do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em
Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.
Anúncio
discípulos, integrá-los numa
comunidade trinitária e ensiná-los
a guardar a sua palavra. Ensiná-los
a se comprometerem com o serviço
como expressão de amor para com o
próximo e com o cultivo e a prática
de disciplinas espirituais como
oração, jejum, arrependimento,
confissão, leitura e meditação nas
Escrituras e contemplação.
Não importa o quanto nossas
igrejas e ministérios sejam
sofisticados. Não importa o
volume de novidades e tecnologias
que oferecemos. Se no final não
encontrarmos as mesmas coisas de
sempre, significa que nos perdemos
com o meio e não alcançamos o fim.
Existem dois aspectos que
considero fundamentais na
experiência espiritual cristã:
simplicidade e permanência. Quando
perguntaram para Jesus como o
reino de Deus viria, ele respondeu
afirmando o seu caráter discreto.
Não viria com grande estardalhaço.
Se estabeleceria dentro daqueles