SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
Cultura popular, folclore e cultura de massas (1)

                                     Elísio Estanque
                    Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

                                Diário de Coimbra, 7/09/2007


    No senso comum a noção de cultura tende a confundir-se com “alta cultura”,
isto é, o conjunto de conhecimentos eruditos, que se exprime nas dimensões
artística, literária, filosófica, musical, etc., apenas acessível às elites. Embora se
trate de um conceito com múltiplos sentidos, as ciências sociais entendem a
cultura numa perspectiva mais abrangente, como “um sistema de significados,
atitudes e valores compartilhados, assim como de formas simbólicas através das
quais se expressa ou se encarna”. Por exemplo, as comunidades indígenas, os
grupos étnicos, e as camadas populares em geral possuem também as suas
formas particulares de expressão cultural.
    As sociedades agrárias ou pré-industriais da Europa, bem como as
comunidades étnicas que ainda hoje subsistem em muitas regiões do globo,
acumularam um riquíssimo património de tradições, rituais, costumes, inclusive
musicais e artísticos – isto é, a cultura tradicional ou étnica – que são expressão
da sua identidade colectiva. Esta noção pode, assim, distinguir-se da cultura
erudita (ou “alta cultura”) e da cultura de massas, a qual se liga à chamada
“indústria da cultura” que promove a comercialização “em massa” de todo o tipo
de bens simbólicos e culturais. No mundo global e multicultural de hoje, assiste-
se a uma luta pelo reconhecimento em que a divulgação e apropriação de
símbolos das culturas indígenas (tradicionais ou locais) são reflexo do processo
mais geral de reconversão identitária que atinge os povos e as comunidades do
mundo inteiro. A questão cultural é, pois, um assunto complexo, que encerra
múltiplas conflitualidades e se reveste de contornos políticos.
    À medida que as sociedades se industrializaram e desenvolveram, a
expansão do mercado, a concentração urbana e a força crescente da economia
capitalista, geraram uma ampla classe trabalhadora assalariada, que cresceu a
partir dos centros industriais e deu lugar à cultura popular. Esta – que, de resto,
também não é homogénea, mas sim diversa e plural – emergiu, no fundo, da
mistura de elementos da tradição rural com os novos estilos de vida urbanos e
sub-urbanos (mais adaptados ou mais rebeldes) da sociedade moderna. Nas
sociedades europeias do século XIX – e em Portugal sobretudo ao longo do
século XX – estas formas de cultura tradicional foram profundamente
transformadas e readaptadas perdendo muitos dos seus ingredientes originais.
    O folclore (da noção inglesa “folk” = povo) resulta desse processo. Ele não é
senão a versão adulterada e manipulada de formas artísticas de raiz popular por
parte do Estado e do mercado. Foi isso que aconteceu no caso português
quando Salazar, auxiliado pelo seu ideólogo de serviço, António Ferro, e pela
Igreja católica, traçou uma estratégia minuciosamente planeada que investiu
fortemente na domesticação e instrumentalização das festividades populares, da
arte e da música tradicional, com isso promovendo o entretenimento inócuo e
passivo das classes trabalhadoras. Instituições fascistas como a FNAT (a
famigerada fundação nacional para a alegria no trabalho), copiada do modelo
nazi, foi criada especificamente com esse propósito. Assim, o povo estaria
entretido, esqueceria os sindicatos e afastar-se-ia da tentação subversiva
(comunista ou outra). Em nome da nação, da devoção religiosa, da ordem e da
disciplina erigiu-se o folclore português como produto nacional a exibir ao
estrangeiro, expressão da nossa alegria dócil e dos “brandos costumes”. O
folclore, ontem como hoje, não é senão a negação da verdadeira cultura e
tradição popular.
    No Portugal democrático do pós-25 de Abril a cultura popular acompanhou
as tendências políticas de cada contexto e as suas manifestações foram
igualmente sendo readaptadas ao sabor dos diferentes ciclos. De uma fase em
que o povo era, como dizia a canção do Zeca, “quem mais ordena” (quando os
movimentos populares inundavam as ruas), evoluiu-se para o individualismo, o
consumismo massificado e, outra vez, para o divertimento alienante, agora com
a suprema ajuda das televisões, dos saudosistas do folclore e do mercantilismo
reinante.
Assim, as diferentes dimensões da cultura (erudita, popular ou étnica), longe de
serem espaços confinados e estanques, são dotadas de dinamismo, dialogam e
contaminam-se umas às outras, embora sob lógicas contraditórias e
conflituantes. Nos dias de hoje, dada a força esmagadora do mercado – de bens
materiais e de bens simbólicos, nomeadamente através da TV –, todas essas
dimensões cedem à mesma pressão uniformizadora que apenas busca a
ampliação das audiências e dos consumos. É por essa razão que cabe às
entidades responsáveis, aos criadores e aos agentes culturais resistir a essa
lógica e abrir as diferentes formas de expressão cultural a novos públicos, dando
primazia à qualidade e à criatividade. (continua)

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

SOCIEDADE DE MASSAS E INDÚSTRIA CULTURAL
SOCIEDADE DE MASSAS E INDÚSTRIA CULTURALSOCIEDADE DE MASSAS E INDÚSTRIA CULTURAL
SOCIEDADE DE MASSAS E INDÚSTRIA CULTURALCarlos Benjoino Bidu
 
Esferas culturais: O Popular, o Erudito e o Patrimônio
Esferas culturais:  O Popular, o Erudito e o Patrimônio Esferas culturais:  O Popular, o Erudito e o Patrimônio
Esferas culturais: O Popular, o Erudito e o Patrimônio Carlos Benjoino Bidu
 
O indígena africano e o colono europeu
O indígena africano e o colono europeuO indígena africano e o colono europeu
O indígena africano e o colono europeuISADORA LEAL
 
A emergência da cultura de massas
A emergência da cultura de massasA emergência da cultura de massas
A emergência da cultura de massasVera Oliveira
 
Cultura de Massa e Indústria Cultural
Cultura de Massa e Indústria CulturalCultura de Massa e Indústria Cultural
Cultura de Massa e Indústria CulturalCarlos Benjoino Bidu
 
A Sociedade de Massas
A Sociedade de MassasA Sociedade de Massas
A Sociedade de MassasJairo Felipe
 
Seminário Cultura de Massa
Seminário Cultura de MassaSeminário Cultura de Massa
Seminário Cultura de MassaCassio Campos
 
Cultura de massas .
Cultura de massas .Cultura de massas .
Cultura de massas .TavaresJoana
 
Ciências sociais e humanas
Ciências sociais e humanasCiências sociais e humanas
Ciências sociais e humanasenfanhanguera
 
Alta cultura, cultura popular, cultura de massa
Alta cultura, cultura popular, cultura de massaAlta cultura, cultura popular, cultura de massa
Alta cultura, cultura popular, cultura de massaAline Corso
 
Cultura de massa - teorias da comunicação
Cultura de massa - teorias da comunicaçãoCultura de massa - teorias da comunicação
Cultura de massa - teorias da comunicaçãoLaércio Góes
 
As vozes do património
As vozes do patrimónioAs vozes do património
As vozes do patrimóniomariavlachoupt
 
O que se entende por cultura
O que se entende por culturaO que se entende por cultura
O que se entende por culturaIvon Rodrigues
 
Noção de massa e cultura de massa 3
Noção de massa e cultura de massa 3Noção de massa e cultura de massa 3
Noção de massa e cultura de massa 3Emerson Ribeiro
 

Mais procurados (18)

SOCIEDADE DE MASSAS E INDÚSTRIA CULTURAL
SOCIEDADE DE MASSAS E INDÚSTRIA CULTURALSOCIEDADE DE MASSAS E INDÚSTRIA CULTURAL
SOCIEDADE DE MASSAS E INDÚSTRIA CULTURAL
 
Esferas culturais: O Popular, o Erudito e o Patrimônio
Esferas culturais:  O Popular, o Erudito e o Patrimônio Esferas culturais:  O Popular, o Erudito e o Patrimônio
Esferas culturais: O Popular, o Erudito e o Patrimônio
 
O indígena africano e o colono europeu
O indígena africano e o colono europeuO indígena africano e o colono europeu
O indígena africano e o colono europeu
 
A emergência da cultura de massas
A emergência da cultura de massasA emergência da cultura de massas
A emergência da cultura de massas
 
Cul pop tradicao art.pdf
Cul pop tradicao art.pdfCul pop tradicao art.pdf
Cul pop tradicao art.pdf
 
Cultura de Massa e Indústria Cultural
Cultura de Massa e Indústria CulturalCultura de Massa e Indústria Cultural
Cultura de Massa e Indústria Cultural
 
A Sociedade de Massas
A Sociedade de MassasA Sociedade de Massas
A Sociedade de Massas
 
Seminário Cultura de Massa
Seminário Cultura de MassaSeminário Cultura de Massa
Seminário Cultura de Massa
 
Cultura de massas .
Cultura de massas .Cultura de massas .
Cultura de massas .
 
Ciências sociais e humanas
Ciências sociais e humanasCiências sociais e humanas
Ciências sociais e humanas
 
Alta cultura, cultura popular, cultura de massa
Alta cultura, cultura popular, cultura de massaAlta cultura, cultura popular, cultura de massa
Alta cultura, cultura popular, cultura de massa
 
Cultura de massa - teorias da comunicação
Cultura de massa - teorias da comunicaçãoCultura de massa - teorias da comunicação
Cultura de massa - teorias da comunicação
 
As vozes do património
As vozes do patrimónioAs vozes do património
As vozes do património
 
O que se entende por cultura
O que se entende por culturaO que se entende por cultura
O que se entende por cultura
 
CCS aula 17
CCS aula 17CCS aula 17
CCS aula 17
 
Cultura no Plural
Cultura no PluralCultura no Plural
Cultura no Plural
 
Noção de massa e cultura de massa 3
Noção de massa e cultura de massa 3Noção de massa e cultura de massa 3
Noção de massa e cultura de massa 3
 
Cultura erudita e cultura popular reformulado
Cultura erudita e cultura popular reformuladoCultura erudita e cultura popular reformulado
Cultura erudita e cultura popular reformulado
 

Destaque

Y O G A, M A N A G E M E N T A N D N A M A S M A R A N D R
Y O G A,  M A N A G E M E N T  A N D  N A M A S M A R A N  D RY O G A,  M A N A G E M E N T  A N D  N A M A S M A R A N  D R
Y O G A, M A N A G E M E N T A N D N A M A S M A R A N D Rsangh1212
 
Consciousness To Conscience Dr. Shriniwas Kashalikar
Consciousness To Conscience Dr. Shriniwas KashalikarConsciousness To Conscience Dr. Shriniwas Kashalikar
Consciousness To Conscience Dr. Shriniwas Kashalikarsangh1212
 
Tender 09 504910.Tif (95 Pages)
Tender 09 504910.Tif (95 Pages)Tender 09 504910.Tif (95 Pages)
Tender 09 504910.Tif (95 Pages)guest3793ca6
 
H U M A N P H Y S I O L O G Y D R S H R I N I W A S K A S H A L I K A R
H U M A N  P H Y S I O L O G Y  D R  S H R I N I W A S  K A S H A L I K A RH U M A N  P H Y S I O L O G Y  D R  S H R I N I W A S  K A S H A L I K A R
H U M A N P H Y S I O L O G Y D R S H R I N I W A S K A S H A L I K A Rsangh1212
 
S U P E R H A P P I N E S S D R
S U P E R  H A P P I N E S S  D RS U P E R  H A P P I N E S S  D R
S U P E R H A P P I N E S S D Rsangh1212
 
Vruddha Trihi Samruddha Bestseller For Sexy Aging Dr. Shriniwas Kashalikar
Vruddha Trihi Samruddha Bestseller For Sexy Aging Dr. Shriniwas KashalikarVruddha Trihi Samruddha Bestseller For Sexy Aging Dr. Shriniwas Kashalikar
Vruddha Trihi Samruddha Bestseller For Sexy Aging Dr. Shriniwas Kashalikarsangh1212
 
Empreendimento ARPOADOR RIO CONCEPT
Empreendimento ARPOADOR RIO CONCEPTEmpreendimento ARPOADOR RIO CONCEPT
Empreendimento ARPOADOR RIO CONCEPTVALPI-RS
 
Namasmaran B E S T S E L L E R O N S U P E R L I V I N G Dr
Namasmaran  B E S T S E L L E R  O N  S U P E R L I V I N G   DrNamasmaran  B E S T S E L L E R  O N  S U P E R L I V I N G   Dr
Namasmaran B E S T S E L L E R O N S U P E R L I V I N G Drsangh1212
 
W H Y N A M A S M A R A N D R
W H Y  N A M A S M A R A N  D RW H Y  N A M A S M A R A N  D R
W H Y N A M A S M A R A N D Rsangh1212
 
Wasser in Bildern und Zahlen
Wasser in Bildern und ZahlenWasser in Bildern und Zahlen
Wasser in Bildern und ZahlenDRK
 
H O L Y B A S I L D R
H O L Y  B A S I L  D RH O L Y  B A S I L  D R
H O L Y B A S I L D Rsangh1212
 
What is a pm worth
What is a pm worthWhat is a pm worth
What is a pm worthApptivo
 
Swacchata Marathi Bestseller Dr. Shriniwas Kashalikar
Swacchata Marathi Bestseller Dr. Shriniwas KashalikarSwacchata Marathi Bestseller Dr. Shriniwas Kashalikar
Swacchata Marathi Bestseller Dr. Shriniwas Kashalikarsangh1212
 
Grafico semanal del ibex 35 para el 05 01 2012
Grafico semanal del ibex 35 para el 05 01 2012Grafico semanal del ibex 35 para el 05 01 2012
Grafico semanal del ibex 35 para el 05 01 2012Experiencia Trading
 
S A M Y A K V A I D Y A K Dr
S A M Y A K  V A I D Y A K  DrS A M Y A K  V A I D Y A K  Dr
S A M Y A K V A I D Y A K Drsangh1212
 
N E W S T U D Y O F G I T A N O V 14 D R S H R I N I W A S J
N E W  S T U D Y  O F  G I T A  N O V 14  D R  S H R I N I W A S  JN E W  S T U D Y  O F  G I T A  N O V 14  D R  S H R I N I W A S  J
N E W S T U D Y O F G I T A N O V 14 D R S H R I N I W A S Jsangh1212
 

Destaque (19)

Y O G A, M A N A G E M E N T A N D N A M A S M A R A N D R
Y O G A,  M A N A G E M E N T  A N D  N A M A S M A R A N  D RY O G A,  M A N A G E M E N T  A N D  N A M A S M A R A N  D R
Y O G A, M A N A G E M E N T A N D N A M A S M A R A N D R
 
Consciousness To Conscience Dr. Shriniwas Kashalikar
Consciousness To Conscience Dr. Shriniwas KashalikarConsciousness To Conscience Dr. Shriniwas Kashalikar
Consciousness To Conscience Dr. Shriniwas Kashalikar
 
Tender 09 504910.Tif (95 Pages)
Tender 09 504910.Tif (95 Pages)Tender 09 504910.Tif (95 Pages)
Tender 09 504910.Tif (95 Pages)
 
H U M A N P H Y S I O L O G Y D R S H R I N I W A S K A S H A L I K A R
H U M A N  P H Y S I O L O G Y  D R  S H R I N I W A S  K A S H A L I K A RH U M A N  P H Y S I O L O G Y  D R  S H R I N I W A S  K A S H A L I K A R
H U M A N P H Y S I O L O G Y D R S H R I N I W A S K A S H A L I K A R
 
Circolare 163 2011
Circolare 163 2011Circolare 163 2011
Circolare 163 2011
 
S U P E R H A P P I N E S S D R
S U P E R  H A P P I N E S S  D RS U P E R  H A P P I N E S S  D R
S U P E R H A P P I N E S S D R
 
Vruddha Trihi Samruddha Bestseller For Sexy Aging Dr. Shriniwas Kashalikar
Vruddha Trihi Samruddha Bestseller For Sexy Aging Dr. Shriniwas KashalikarVruddha Trihi Samruddha Bestseller For Sexy Aging Dr. Shriniwas Kashalikar
Vruddha Trihi Samruddha Bestseller For Sexy Aging Dr. Shriniwas Kashalikar
 
Parkierantrag
ParkierantragParkierantrag
Parkierantrag
 
Empreendimento ARPOADOR RIO CONCEPT
Empreendimento ARPOADOR RIO CONCEPTEmpreendimento ARPOADOR RIO CONCEPT
Empreendimento ARPOADOR RIO CONCEPT
 
Namasmaran B E S T S E L L E R O N S U P E R L I V I N G Dr
Namasmaran  B E S T S E L L E R  O N  S U P E R L I V I N G   DrNamasmaran  B E S T S E L L E R  O N  S U P E R L I V I N G   Dr
Namasmaran B E S T S E L L E R O N S U P E R L I V I N G Dr
 
W H Y N A M A S M A R A N D R
W H Y  N A M A S M A R A N  D RW H Y  N A M A S M A R A N  D R
W H Y N A M A S M A R A N D R
 
Wasser in Bildern und Zahlen
Wasser in Bildern und ZahlenWasser in Bildern und Zahlen
Wasser in Bildern und Zahlen
 
H O L Y B A S I L D R
H O L Y  B A S I L  D RH O L Y  B A S I L  D R
H O L Y B A S I L D R
 
What is a pm worth
What is a pm worthWhat is a pm worth
What is a pm worth
 
Swacchata Marathi Bestseller Dr. Shriniwas Kashalikar
Swacchata Marathi Bestseller Dr. Shriniwas KashalikarSwacchata Marathi Bestseller Dr. Shriniwas Kashalikar
Swacchata Marathi Bestseller Dr. Shriniwas Kashalikar
 
Cloud Computing
Cloud ComputingCloud Computing
Cloud Computing
 
Grafico semanal del ibex 35 para el 05 01 2012
Grafico semanal del ibex 35 para el 05 01 2012Grafico semanal del ibex 35 para el 05 01 2012
Grafico semanal del ibex 35 para el 05 01 2012
 
S A M Y A K V A I D Y A K Dr
S A M Y A K  V A I D Y A K  DrS A M Y A K  V A I D Y A K  Dr
S A M Y A K V A I D Y A K Dr
 
N E W S T U D Y O F G I T A N O V 14 D R S H R I N I W A S J
N E W  S T U D Y  O F  G I T A  N O V 14  D R  S H R I N I W A S  JN E W  S T U D Y  O F  G I T A  N O V 14  D R  S H R I N I W A S  J
N E W S T U D Y O F G I T A N O V 14 D R S H R I N I W A S J
 

Semelhante a Opiniao 2a cultura popular (1), 2007

T12 povo como construção social, 2000
T12 povo como construção social, 2000T12 povo como construção social, 2000
T12 povo como construção social, 2000Elisio Estanque
 
Opiniao 2b cultura popular (2), 2007
Opiniao 2b cultura popular (2), 2007Opiniao 2b cultura popular (2), 2007
Opiniao 2b cultura popular (2), 2007Elisio Estanque
 
Conceito de cultura
Conceito de culturaConceito de cultura
Conceito de culturalicasoler
 
da cultura popular a cultura negra
da cultura popular a cultura negrada cultura popular a cultura negra
da cultura popular a cultura negraAlex Sandro
 
SI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
SI sobre cultura popular tradicional e música folclóricaSI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
SI sobre cultura popular tradicional e música folclóricaritabonadio
 
Si sobre cultura popular tradicional e música folclórica
Si sobre cultura popular tradicional e música folclóricaSi sobre cultura popular tradicional e música folclórica
Si sobre cultura popular tradicional e música folclóricaritabonadio
 
Sociologia cultura - 2º ano- estudar para prova
Sociologia  cultura - 2º ano- estudar para provaSociologia  cultura - 2º ano- estudar para prova
Sociologia cultura - 2º ano- estudar para provaSocorro Vasconcelos
 
Material 7 - Cultura e Antropologia.pptx
Material 7 -  Cultura e Antropologia.pptxMaterial 7 -  Cultura e Antropologia.pptx
Material 7 - Cultura e Antropologia.pptxWillianVieira54
 
Cultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoCultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoWendell Santos
 
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...UNEB
 
Cultura e ideologia unidade 6 capitulo 18
Cultura e ideologia unidade 6 capitulo 18Cultura e ideologia unidade 6 capitulo 18
Cultura e ideologia unidade 6 capitulo 18Péricles Penuel
 
Interculturalidade
InterculturalidadeInterculturalidade
InterculturalidadeBajoca
 
[NITRO] FAQ - DIRH08F01 - Direito e Humanidades.pdf
[NITRO] FAQ -  DIRH08F01 - Direito e Humanidades.pdf[NITRO] FAQ -  DIRH08F01 - Direito e Humanidades.pdf
[NITRO] FAQ - DIRH08F01 - Direito e Humanidades.pdfBrunoCosta364836
 
Aula 07 Alta Cultura, Cultura Popular e Cultura de Massa
Aula 07   Alta Cultura, Cultura Popular e Cultura de MassaAula 07   Alta Cultura, Cultura Popular e Cultura de Massa
Aula 07 Alta Cultura, Cultura Popular e Cultura de MassaElizeu Nascimento Silva
 
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educaçãoReflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educaçãoProfessor Gilson Nunes
 

Semelhante a Opiniao 2a cultura popular (1), 2007 (20)

T12 povo como construção social, 2000
T12 povo como construção social, 2000T12 povo como construção social, 2000
T12 povo como construção social, 2000
 
Opiniao 2b cultura popular (2), 2007
Opiniao 2b cultura popular (2), 2007Opiniao 2b cultura popular (2), 2007
Opiniao 2b cultura popular (2), 2007
 
Conceito de cultura
Conceito de culturaConceito de cultura
Conceito de cultura
 
da cultura popular a cultura negra
da cultura popular a cultura negrada cultura popular a cultura negra
da cultura popular a cultura negra
 
SI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
SI sobre cultura popular tradicional e música folclóricaSI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
SI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
 
Si sobre cultura popular tradicional e música folclórica
Si sobre cultura popular tradicional e música folclóricaSi sobre cultura popular tradicional e música folclórica
Si sobre cultura popular tradicional e música folclórica
 
Sociologia cultura - 2º ano- estudar para prova
Sociologia  cultura - 2º ano- estudar para provaSociologia  cultura - 2º ano- estudar para prova
Sociologia cultura - 2º ano- estudar para prova
 
Material 7 - Cultura e Antropologia.pptx
Material 7 -  Cultura e Antropologia.pptxMaterial 7 -  Cultura e Antropologia.pptx
Material 7 - Cultura e Antropologia.pptx
 
Aula II- História e Cultura.pptx
Aula II- História e Cultura.pptxAula II- História e Cultura.pptx
Aula II- História e Cultura.pptx
 
produção simbólica
produção simbólicaprodução simbólica
produção simbólica
 
Cultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoCultura e Humanização
Cultura e Humanização
 
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
 
Experienciando a modernidade na américa latina
Experienciando a modernidade na américa latinaExperienciando a modernidade na américa latina
Experienciando a modernidade na américa latina
 
Cultura e ideologia unidade 6 capitulo 18
Cultura e ideologia unidade 6 capitulo 18Cultura e ideologia unidade 6 capitulo 18
Cultura e ideologia unidade 6 capitulo 18
 
Interculturalidade
InterculturalidadeInterculturalidade
Interculturalidade
 
[NITRO] FAQ - DIRH08F01 - Direito e Humanidades.pdf
[NITRO] FAQ -  DIRH08F01 - Direito e Humanidades.pdf[NITRO] FAQ -  DIRH08F01 - Direito e Humanidades.pdf
[NITRO] FAQ - DIRH08F01 - Direito e Humanidades.pdf
 
Cultura sociologia. 3 ano 1 semestre parcial
Cultura sociologia. 3 ano 1 semestre parcialCultura sociologia. 3 ano 1 semestre parcial
Cultura sociologia. 3 ano 1 semestre parcial
 
Aula 07 Alta Cultura, Cultura Popular e Cultura de Massa
Aula 07   Alta Cultura, Cultura Popular e Cultura de MassaAula 07   Alta Cultura, Cultura Popular e Cultura de Massa
Aula 07 Alta Cultura, Cultura Popular e Cultura de Massa
 
2-2020 art Cult pop.pdf
2-2020 art Cult pop.pdf2-2020 art Cult pop.pdf
2-2020 art Cult pop.pdf
 
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educaçãoReflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação
 

Mais de Elisio Estanque

O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215Elisio Estanque
 
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214Elisio Estanque
 
Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Elisio Estanque
 
Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Elisio Estanque
 
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Elisio Estanque
 
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Elisio Estanque
 
Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Elisio Estanque
 
Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Elisio Estanque
 
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Elisio Estanque
 
Ee_publico_entrevista-1
  Ee_publico_entrevista-1  Ee_publico_entrevista-1
Ee_publico_entrevista-1Elisio Estanque
 
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20Elisio Estanque
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Elisio Estanque
 
Des globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeDes globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeElisio Estanque
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Elisio Estanque
 
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2Elisio Estanque
 
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14Elisio Estanque
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Elisio Estanque
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Elisio Estanque
 
Uma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoUma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoElisio Estanque
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisElisio Estanque
 

Mais de Elisio Estanque (20)

O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215
 
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
 
Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?
 
Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo
 
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
 
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
 
Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)
 
Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)
 
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
 
Ee_publico_entrevista-1
  Ee_publico_entrevista-1  Ee_publico_entrevista-1
Ee_publico_entrevista-1
 
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
 
Des globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeDes globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho ee
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016
 
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
 
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016
 
Uma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoUma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismo
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
 

Opiniao 2a cultura popular (1), 2007

  • 1. Cultura popular, folclore e cultura de massas (1) Elísio Estanque Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Diário de Coimbra, 7/09/2007 No senso comum a noção de cultura tende a confundir-se com “alta cultura”, isto é, o conjunto de conhecimentos eruditos, que se exprime nas dimensões artística, literária, filosófica, musical, etc., apenas acessível às elites. Embora se trate de um conceito com múltiplos sentidos, as ciências sociais entendem a cultura numa perspectiva mais abrangente, como “um sistema de significados, atitudes e valores compartilhados, assim como de formas simbólicas através das quais se expressa ou se encarna”. Por exemplo, as comunidades indígenas, os grupos étnicos, e as camadas populares em geral possuem também as suas formas particulares de expressão cultural. As sociedades agrárias ou pré-industriais da Europa, bem como as comunidades étnicas que ainda hoje subsistem em muitas regiões do globo, acumularam um riquíssimo património de tradições, rituais, costumes, inclusive musicais e artísticos – isto é, a cultura tradicional ou étnica – que são expressão da sua identidade colectiva. Esta noção pode, assim, distinguir-se da cultura erudita (ou “alta cultura”) e da cultura de massas, a qual se liga à chamada “indústria da cultura” que promove a comercialização “em massa” de todo o tipo de bens simbólicos e culturais. No mundo global e multicultural de hoje, assiste- se a uma luta pelo reconhecimento em que a divulgação e apropriação de símbolos das culturas indígenas (tradicionais ou locais) são reflexo do processo mais geral de reconversão identitária que atinge os povos e as comunidades do mundo inteiro. A questão cultural é, pois, um assunto complexo, que encerra múltiplas conflitualidades e se reveste de contornos políticos. À medida que as sociedades se industrializaram e desenvolveram, a expansão do mercado, a concentração urbana e a força crescente da economia capitalista, geraram uma ampla classe trabalhadora assalariada, que cresceu a partir dos centros industriais e deu lugar à cultura popular. Esta – que, de resto, também não é homogénea, mas sim diversa e plural – emergiu, no fundo, da mistura de elementos da tradição rural com os novos estilos de vida urbanos e sub-urbanos (mais adaptados ou mais rebeldes) da sociedade moderna. Nas sociedades europeias do século XIX – e em Portugal sobretudo ao longo do século XX – estas formas de cultura tradicional foram profundamente transformadas e readaptadas perdendo muitos dos seus ingredientes originais. O folclore (da noção inglesa “folk” = povo) resulta desse processo. Ele não é senão a versão adulterada e manipulada de formas artísticas de raiz popular por parte do Estado e do mercado. Foi isso que aconteceu no caso português quando Salazar, auxiliado pelo seu ideólogo de serviço, António Ferro, e pela Igreja católica, traçou uma estratégia minuciosamente planeada que investiu fortemente na domesticação e instrumentalização das festividades populares, da
  • 2. arte e da música tradicional, com isso promovendo o entretenimento inócuo e passivo das classes trabalhadoras. Instituições fascistas como a FNAT (a famigerada fundação nacional para a alegria no trabalho), copiada do modelo nazi, foi criada especificamente com esse propósito. Assim, o povo estaria entretido, esqueceria os sindicatos e afastar-se-ia da tentação subversiva (comunista ou outra). Em nome da nação, da devoção religiosa, da ordem e da disciplina erigiu-se o folclore português como produto nacional a exibir ao estrangeiro, expressão da nossa alegria dócil e dos “brandos costumes”. O folclore, ontem como hoje, não é senão a negação da verdadeira cultura e tradição popular. No Portugal democrático do pós-25 de Abril a cultura popular acompanhou as tendências políticas de cada contexto e as suas manifestações foram igualmente sendo readaptadas ao sabor dos diferentes ciclos. De uma fase em que o povo era, como dizia a canção do Zeca, “quem mais ordena” (quando os movimentos populares inundavam as ruas), evoluiu-se para o individualismo, o consumismo massificado e, outra vez, para o divertimento alienante, agora com a suprema ajuda das televisões, dos saudosistas do folclore e do mercantilismo reinante. Assim, as diferentes dimensões da cultura (erudita, popular ou étnica), longe de serem espaços confinados e estanques, são dotadas de dinamismo, dialogam e contaminam-se umas às outras, embora sob lógicas contraditórias e conflituantes. Nos dias de hoje, dada a força esmagadora do mercado – de bens materiais e de bens simbólicos, nomeadamente através da TV –, todas essas dimensões cedem à mesma pressão uniformizadora que apenas busca a ampliação das audiências e dos consumos. É por essa razão que cabe às entidades responsáveis, aos criadores e aos agentes culturais resistir a essa lógica e abrir as diferentes formas de expressão cultural a novos públicos, dando primazia à qualidade e à criatividade. (continua)