SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
A “escola” do caciquismo, ou a democracia sitiada
                                       Jornal Público, 15/01/2012

                                           Elísio Estanque
                 Faculdade de Economia/ Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

     O caciquismo, a troca de favores ou o tráfico de influências não são obviamente fenómenos
novos, nem tãopouco são um exclusivo da democracia portuguesa. Uma democracia “com
falhas”, que registou recuos em 2011 e que corre riscos de se degradar ainda mais. É verdade que
muitos outros fatores, entre eles os grupos de interesse e as organizações secretas, terão tido aí
um papel ativo. Mas há um problema de fundo, que é mais vasto, inscrito na sociedade, que
remete para os aparelhos partidários e para a história da nossa democracia. Uma parte das
gerações mais jovens desinteressou-se da política e dos partidos, outra parte herdou-lhes os
piores vícios. É desta última que me ocupo.
     Nos últimos 37 anos, as estruturas dos partidos políticos, enquanto trabalhavam e
aperfeiçoavam a retórica laudatória dedicada aos seus chefes, foram acenando aos mais jovens
com cargos e oportunidades, criando afinidades pessoais e montando a oligarquia necessária para
assegurar os seus próprios cargos e interesses. Não foi apenas isto, é certo. Mas foi e é muito
isto. O talento e o mérito de cada um têm pouca importância, a não ser quando se conjugam com
as fidelidades adequadas, os padrinhos e as tutelas, ou seja, as melhores sedes para a chave do
sucesso. E o problema é que este esquema se replica e agrava, quer a juzante, no seio do aparelho
de Estado, quando os partidos alcançam o poder (basta lembrar os últimos escândalos a envolver
as cumplicidades maçónicas com as secretas ou as nomeações do Governo para os novos órgãos
da EDP), quer a montante, na sociedade e no campo associativo, nas estruturas de juventude,
onde as “jotas” disputam influência e preparam os respetivos partidos do futuro.
     Com isto, os partidos, sobretudo os do arco do poder, criaram uma “escola” para as gerações
mais novas, fazendo temer o pior quanto ao futuro da democracia. Repare-se, por exemplo, no
associativismo universitário, e atente-se no que se passa na maior associação académica do país,
a AAC (Associação Académica de Coimbra), que se orgulha – e bem – de no passado ter sido
um viveiro de intelectuais e de ativismo cívico. Hoje, tornou-se um microcosmos que reflete
todos os tiques de caciquismo e de perversão dos valores democráticos. As estratégias eleitorais
para a Direção Geral (DG-AAC), onde a abstenção é da ordem dos 60 por cento ou mais, a
fidelização dos votantes e as vantagens eleitorais definem-se segundo dois critérios essenciais:
quem angaria mais apoios financeiros; e quem conseguiu criar uma máquina de cacicagem mais
eficiente. Basta olhar as centenas de pelouros e “coordenadores” que os programas exibem em
cada eleição, por baixo da respetiva foto, para se perceber o que mais motiva e fideliza os jovens
a uma dada candidatura (uma das listas tinha cerca de 800 nomes no seu organigrama).
     Os apoios financeiros podem derivar das ligações partidárias do respetivo candidato – já
que, embora os partidos e as suas “jotas” jurem que nada têm a ver com o assunto, o certo é que,
não raro, os ex-dirigentes assumem, depois, cargos de relevo nas juventudes partidárias – ou da
proximidade dos cabeças de lista com os interesses empresariais e as marcas de bebidas que
detêm direitos de exploração e comercialização na queima das fitas com base em convenções
com a AAC (o mercado da cerveja é enorme e muito lucrativo em Coimbra) e ainda,
eventualmente, de algum papá com mais poder económico a velar pelo futuro do filhinho. E as
fidelidades eleitorais dependem muito mais da adesão e do ruido das “claques de apoio”, das


                                                   1
ligações pessoais e do trabalho dos “caciques” do que das propostas em causa, de resto, a maioria
delas inócuas. Esta lógica encontra no ritualismo académico, com os seus ingredientes
hierárquicos e despóticos, um terreno particularmente fértil.
     O caloiro chega, imaturo e frágil, e vê-se envolvido num mundo novo (não falo aqui das
minorias e dos residentes nas “Repúblicas”, que são a exceção). Um mundo de jogos e rituais,
onde, deslumbrado com tanto hedonismo e aventura para usufruir, é levado a participar
ativamente, pois a sua integração na comunidade passa por aí. Esse momento inaugural é
reconhecido como decisivo na estruturação das futuras identidades de grupo do novato. O
padrinho, o mais velho, que o inicia e lhe incute o espírito praxista, que fala melhor, que tem
influência junto da turma, dos “amigos dos copos” e por vezes junto das “meninas” que o elegem
como o seu fã, torna-se uma referência. Perante um público pouco exigente e não politizado
(onde o debate e a reflexão são inexistentes), a adesão faz-se mais por razões estéticas do que de
conteúdo. Interessa menos o que pensa e propõe o candidato do que a sua imagem e
“performance”. Um jovem com este perfil estará com certeza bem posicionado para uma
trajetória ascendente no associativismo ou como futuro quadro de um partido político. O
Parlamento espera-o. Mas, cuidado. Porque, por este andar, quando chegar a sua hora pode já
não haver Parlamento, nem democracia.




                                                2

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Grafico semanal del ibex 35 para el 20 01 2012
Grafico semanal del ibex 35 para el 20 01 2012Grafico semanal del ibex 35 para el 20 01 2012
Grafico semanal del ibex 35 para el 20 01 2012Experiencia Trading
 
Somex circle open_data_20160123
Somex circle open_data_20160123Somex circle open_data_20160123
Somex circle open_data_20160123Andre Golliez
 
Recipe Book - Learn Cooking
Recipe Book -  Learn CookingRecipe Book -  Learn Cooking
Recipe Book - Learn CookingBazaarcart
 
Karen
KarenKaren
Karenkscu
 
Mobile Game Changers 2013 - The Internet Show & Mobile Show 2013 Presentation
Mobile Game Changers 2013 - The Internet Show & Mobile Show 2013 Presentation Mobile Game Changers 2013 - The Internet Show & Mobile Show 2013 Presentation
Mobile Game Changers 2013 - The Internet Show & Mobile Show 2013 Presentation Ville Kulmala
 
Tratamiento de la esquizofrenia. Caso clinico.
Tratamiento de la esquizofrenia. Caso clinico. Tratamiento de la esquizofrenia. Caso clinico.
Tratamiento de la esquizofrenia. Caso clinico. ugcsaludmentalaxarquia
 
Presentación Caso Clínico: Esquizofrenia No-Diferencial
Presentación Caso Clínico: Esquizofrenia No-DiferencialPresentación Caso Clínico: Esquizofrenia No-Diferencial
Presentación Caso Clínico: Esquizofrenia No-DiferencialZuleyka Solís
 

Destaque (13)

Grafico semanal del ibex 35 para el 20 01 2012
Grafico semanal del ibex 35 para el 20 01 2012Grafico semanal del ibex 35 para el 20 01 2012
Grafico semanal del ibex 35 para el 20 01 2012
 
PM 10-04-30_Tag_der_Offenen_Tuer.pdf
PM 10-04-30_Tag_der_Offenen_Tuer.pdfPM 10-04-30_Tag_der_Offenen_Tuer.pdf
PM 10-04-30_Tag_der_Offenen_Tuer.pdf
 
Paulo guachizaca l
Paulo guachizaca lPaulo guachizaca l
Paulo guachizaca l
 
Somex circle open_data_20160123
Somex circle open_data_20160123Somex circle open_data_20160123
Somex circle open_data_20160123
 
Fuori classe n3
Fuori classe n3Fuori classe n3
Fuori classe n3
 
Recipe Book - Learn Cooking
Recipe Book -  Learn CookingRecipe Book -  Learn Cooking
Recipe Book - Learn Cooking
 
Prueba de Ensayo
Prueba de EnsayoPrueba de Ensayo
Prueba de Ensayo
 
Karen
KarenKaren
Karen
 
Img 4927
Img 4927Img 4927
Img 4927
 
Mobile Game Changers 2013 - The Internet Show & Mobile Show 2013 Presentation
Mobile Game Changers 2013 - The Internet Show & Mobile Show 2013 Presentation Mobile Game Changers 2013 - The Internet Show & Mobile Show 2013 Presentation
Mobile Game Changers 2013 - The Internet Show & Mobile Show 2013 Presentation
 
Tratamiento de la esquizofrenia. Caso clinico.
Tratamiento de la esquizofrenia. Caso clinico. Tratamiento de la esquizofrenia. Caso clinico.
Tratamiento de la esquizofrenia. Caso clinico.
 
Presentación Caso Clínico: Esquizofrenia No-Diferencial
Presentación Caso Clínico: Esquizofrenia No-DiferencialPresentación Caso Clínico: Esquizofrenia No-Diferencial
Presentación Caso Clínico: Esquizofrenia No-Diferencial
 
Famiily planning
Famiily planningFamiily planning
Famiily planning
 

Semelhante a A escola do caciquismo e a democracia sitiada

O sistema partidário português
O sistema partidário  portuguêsO sistema partidário  português
O sistema partidário portuguêsGRAZIA TANTA
 
Eleições autárquicas 2013. no regresso da romaria, tudo como dantes
Eleições autárquicas 2013. no regresso da romaria, tudo como dantesEleições autárquicas 2013. no regresso da romaria, tudo como dantes
Eleições autárquicas 2013. no regresso da romaria, tudo como dantesGRAZIA TANTA
 
As últimas eleições autárquicas. observações e comparações
As últimas eleições autárquicas. observações e comparaçõesAs últimas eleições autárquicas. observações e comparações
As últimas eleições autárquicas. observações e comparaçõesGRAZIA TANTA
 
Política, manifestações e o pensamento conservador no brasil – Parte II
Política, manifestações e o pensamento conservador no brasil – Parte IIPolítica, manifestações e o pensamento conservador no brasil – Parte II
Política, manifestações e o pensamento conservador no brasil – Parte IIUFPB
 
Social-democracia e aparelhismo
Social-democracia e aparelhismoSocial-democracia e aparelhismo
Social-democracia e aparelhismoElisio Estanque
 
Porquê a corrupção. porquê em portugal.
Porquê a corrupção. porquê em portugal.Porquê a corrupção. porquê em portugal.
Porquê a corrupção. porquê em portugal.GRAZIA TANTA
 
O Estado e a mediação política
O Estado e a mediação política O Estado e a mediação política
O Estado e a mediação política GRAZIA TANTA
 
Soltar as ideias, libertar a esquerda
Soltar as ideias, libertar a esquerdaSoltar as ideias, libertar a esquerda
Soltar as ideias, libertar a esquerdaElisio Estanque
 
Democracia, democracia das empresas e wikileaks
Democracia, democracia das empresas e wikileaksDemocracia, democracia das empresas e wikileaks
Democracia, democracia das empresas e wikileaksGRAZIA TANTA
 
A propaganda eleitoral no Brasil - Cristiano Neves de Souza Pereira
A propaganda eleitoral no Brasil - Cristiano Neves de Souza PereiraA propaganda eleitoral no Brasil - Cristiano Neves de Souza Pereira
A propaganda eleitoral no Brasil - Cristiano Neves de Souza PereiraMonitor Científico FaBCI
 
Reforma Política
Reforma PolíticaReforma Política
Reforma PolíticaPT Paraná
 
Quem é o seu líder e com quem eu negocio? Dilemas do defasado sistema políti...
Quem é o seu líder e com quem eu negocio?  Dilemas do defasado sistema políti...Quem é o seu líder e com quem eu negocio?  Dilemas do defasado sistema políti...
Quem é o seu líder e com quem eu negocio? Dilemas do defasado sistema políti...Marcelo Pilon
 
Opiniao 7 o regresso do medo, 2006
Opiniao 7 o regresso do medo, 2006Opiniao 7 o regresso do medo, 2006
Opiniao 7 o regresso do medo, 2006Elisio Estanque
 
Para uma constituição democrática com caráter de urgência – 1
Para uma constituição democrática com caráter de urgência – 1Para uma constituição democrática com caráter de urgência – 1
Para uma constituição democrática com caráter de urgência – 1GRAZIA TANTA
 
A tirania da eficácia
A tirania da eficáciaA tirania da eficácia
A tirania da eficáciaGRAZIA TANTA
 

Semelhante a A escola do caciquismo e a democracia sitiada (20)

O sistema partidário português
O sistema partidário  portuguêsO sistema partidário  português
O sistema partidário português
 
Opinião
OpiniãoOpinião
Opinião
 
Eleições autárquicas 2013. no regresso da romaria, tudo como dantes
Eleições autárquicas 2013. no regresso da romaria, tudo como dantesEleições autárquicas 2013. no regresso da romaria, tudo como dantes
Eleições autárquicas 2013. no regresso da romaria, tudo como dantes
 
As últimas eleições autárquicas. observações e comparações
As últimas eleições autárquicas. observações e comparaçõesAs últimas eleições autárquicas. observações e comparações
As últimas eleições autárquicas. observações e comparações
 
Política, manifestações e o pensamento conservador no brasil – Parte II
Política, manifestações e o pensamento conservador no brasil – Parte IIPolítica, manifestações e o pensamento conservador no brasil – Parte II
Política, manifestações e o pensamento conservador no brasil – Parte II
 
Social-democracia e aparelhismo
Social-democracia e aparelhismoSocial-democracia e aparelhismo
Social-democracia e aparelhismo
 
Oficina 6
Oficina 6Oficina 6
Oficina 6
 
Porquê a corrupção. porquê em portugal.
Porquê a corrupção. porquê em portugal.Porquê a corrupção. porquê em portugal.
Porquê a corrupção. porquê em portugal.
 
O Estado e a mediação política
O Estado e a mediação política O Estado e a mediação política
O Estado e a mediação política
 
Soltar as ideias, libertar a esquerda
Soltar as ideias, libertar a esquerdaSoltar as ideias, libertar a esquerda
Soltar as ideias, libertar a esquerda
 
Democracia, democracia das empresas e wikileaks
Democracia, democracia das empresas e wikileaksDemocracia, democracia das empresas e wikileaks
Democracia, democracia das empresas e wikileaks
 
A propaganda eleitoral no Brasil - Cristiano Neves de Souza Pereira
A propaganda eleitoral no Brasil - Cristiano Neves de Souza PereiraA propaganda eleitoral no Brasil - Cristiano Neves de Souza Pereira
A propaganda eleitoral no Brasil - Cristiano Neves de Souza Pereira
 
Reforma Política
Reforma PolíticaReforma Política
Reforma Política
 
Quem é o seu líder e com quem eu negocio? Dilemas do defasado sistema políti...
Quem é o seu líder e com quem eu negocio?  Dilemas do defasado sistema políti...Quem é o seu líder e com quem eu negocio?  Dilemas do defasado sistema políti...
Quem é o seu líder e com quem eu negocio? Dilemas do defasado sistema políti...
 
Opiniao 7 o regresso do medo, 2006
Opiniao 7 o regresso do medo, 2006Opiniao 7 o regresso do medo, 2006
Opiniao 7 o regresso do medo, 2006
 
Reporter capixaba 84
Reporter capixaba 84Reporter capixaba 84
Reporter capixaba 84
 
Reporter capixaba 84
Reporter capixaba 84Reporter capixaba 84
Reporter capixaba 84
 
605 an 31 janeiro_2017.ok
605 an 31 janeiro_2017.ok605 an 31 janeiro_2017.ok
605 an 31 janeiro_2017.ok
 
Para uma constituição democrática com caráter de urgência – 1
Para uma constituição democrática com caráter de urgência – 1Para uma constituição democrática com caráter de urgência – 1
Para uma constituição democrática com caráter de urgência – 1
 
A tirania da eficácia
A tirania da eficáciaA tirania da eficácia
A tirania da eficácia
 

Mais de Elisio Estanque

O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215Elisio Estanque
 
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214Elisio Estanque
 
Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Elisio Estanque
 
Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Elisio Estanque
 
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Elisio Estanque
 
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Elisio Estanque
 
Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Elisio Estanque
 
Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Elisio Estanque
 
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Elisio Estanque
 
Ee_publico_entrevista-1
  Ee_publico_entrevista-1  Ee_publico_entrevista-1
Ee_publico_entrevista-1Elisio Estanque
 
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20Elisio Estanque
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Elisio Estanque
 
Des globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeDes globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeElisio Estanque
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Elisio Estanque
 
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2Elisio Estanque
 
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14Elisio Estanque
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Elisio Estanque
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Elisio Estanque
 
Uma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoUma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoElisio Estanque
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisElisio Estanque
 

Mais de Elisio Estanque (20)

O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215
 
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
 
Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?
 
Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo
 
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
 
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
 
Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)
 
Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)
 
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
 
Ee_publico_entrevista-1
  Ee_publico_entrevista-1  Ee_publico_entrevista-1
Ee_publico_entrevista-1
 
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
 
Des globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeDes globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho ee
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016
 
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
 
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016
 
Uma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoUma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismo
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
 

A escola do caciquismo e a democracia sitiada

  • 1. A “escola” do caciquismo, ou a democracia sitiada Jornal Público, 15/01/2012 Elísio Estanque Faculdade de Economia/ Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O caciquismo, a troca de favores ou o tráfico de influências não são obviamente fenómenos novos, nem tãopouco são um exclusivo da democracia portuguesa. Uma democracia “com falhas”, que registou recuos em 2011 e que corre riscos de se degradar ainda mais. É verdade que muitos outros fatores, entre eles os grupos de interesse e as organizações secretas, terão tido aí um papel ativo. Mas há um problema de fundo, que é mais vasto, inscrito na sociedade, que remete para os aparelhos partidários e para a história da nossa democracia. Uma parte das gerações mais jovens desinteressou-se da política e dos partidos, outra parte herdou-lhes os piores vícios. É desta última que me ocupo. Nos últimos 37 anos, as estruturas dos partidos políticos, enquanto trabalhavam e aperfeiçoavam a retórica laudatória dedicada aos seus chefes, foram acenando aos mais jovens com cargos e oportunidades, criando afinidades pessoais e montando a oligarquia necessária para assegurar os seus próprios cargos e interesses. Não foi apenas isto, é certo. Mas foi e é muito isto. O talento e o mérito de cada um têm pouca importância, a não ser quando se conjugam com as fidelidades adequadas, os padrinhos e as tutelas, ou seja, as melhores sedes para a chave do sucesso. E o problema é que este esquema se replica e agrava, quer a juzante, no seio do aparelho de Estado, quando os partidos alcançam o poder (basta lembrar os últimos escândalos a envolver as cumplicidades maçónicas com as secretas ou as nomeações do Governo para os novos órgãos da EDP), quer a montante, na sociedade e no campo associativo, nas estruturas de juventude, onde as “jotas” disputam influência e preparam os respetivos partidos do futuro. Com isto, os partidos, sobretudo os do arco do poder, criaram uma “escola” para as gerações mais novas, fazendo temer o pior quanto ao futuro da democracia. Repare-se, por exemplo, no associativismo universitário, e atente-se no que se passa na maior associação académica do país, a AAC (Associação Académica de Coimbra), que se orgulha – e bem – de no passado ter sido um viveiro de intelectuais e de ativismo cívico. Hoje, tornou-se um microcosmos que reflete todos os tiques de caciquismo e de perversão dos valores democráticos. As estratégias eleitorais para a Direção Geral (DG-AAC), onde a abstenção é da ordem dos 60 por cento ou mais, a fidelização dos votantes e as vantagens eleitorais definem-se segundo dois critérios essenciais: quem angaria mais apoios financeiros; e quem conseguiu criar uma máquina de cacicagem mais eficiente. Basta olhar as centenas de pelouros e “coordenadores” que os programas exibem em cada eleição, por baixo da respetiva foto, para se perceber o que mais motiva e fideliza os jovens a uma dada candidatura (uma das listas tinha cerca de 800 nomes no seu organigrama). Os apoios financeiros podem derivar das ligações partidárias do respetivo candidato – já que, embora os partidos e as suas “jotas” jurem que nada têm a ver com o assunto, o certo é que, não raro, os ex-dirigentes assumem, depois, cargos de relevo nas juventudes partidárias – ou da proximidade dos cabeças de lista com os interesses empresariais e as marcas de bebidas que detêm direitos de exploração e comercialização na queima das fitas com base em convenções com a AAC (o mercado da cerveja é enorme e muito lucrativo em Coimbra) e ainda, eventualmente, de algum papá com mais poder económico a velar pelo futuro do filhinho. E as fidelidades eleitorais dependem muito mais da adesão e do ruido das “claques de apoio”, das 1
  • 2. ligações pessoais e do trabalho dos “caciques” do que das propostas em causa, de resto, a maioria delas inócuas. Esta lógica encontra no ritualismo académico, com os seus ingredientes hierárquicos e despóticos, um terreno particularmente fértil. O caloiro chega, imaturo e frágil, e vê-se envolvido num mundo novo (não falo aqui das minorias e dos residentes nas “Repúblicas”, que são a exceção). Um mundo de jogos e rituais, onde, deslumbrado com tanto hedonismo e aventura para usufruir, é levado a participar ativamente, pois a sua integração na comunidade passa por aí. Esse momento inaugural é reconhecido como decisivo na estruturação das futuras identidades de grupo do novato. O padrinho, o mais velho, que o inicia e lhe incute o espírito praxista, que fala melhor, que tem influência junto da turma, dos “amigos dos copos” e por vezes junto das “meninas” que o elegem como o seu fã, torna-se uma referência. Perante um público pouco exigente e não politizado (onde o debate e a reflexão são inexistentes), a adesão faz-se mais por razões estéticas do que de conteúdo. Interessa menos o que pensa e propõe o candidato do que a sua imagem e “performance”. Um jovem com este perfil estará com certeza bem posicionado para uma trajetória ascendente no associativismo ou como futuro quadro de um partido político. O Parlamento espera-o. Mas, cuidado. Porque, por este andar, quando chegar a sua hora pode já não haver Parlamento, nem democracia. 2