Este documento discute um recente conflito entre justiça e comunicação social em Portugal. Descute como o Ministério Público ordenou vigilância de jornalistas para descobrir suas fontes, violando o segredo das fontes e a liberdade de imprensa. Também analisa jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos protegendo o segredo das fontes dos jornalistas.
1. Justiça e Comunicação Social: um recente conflito
O respeito pelo segredo das fontes dos jornalistas, consagrado no
art.º 38.º da CRP, é uma das maiores garantias de uma
comunicação social livre e independente, capaz de exercer o seu
direito/dever de informar. Nas sociedades cada vez mais
complexas em que vivemos, com múltiplos centros de poder com
uma infinita capacidade de ocultação de informação relevante
para a opinião pública, é essencial que os cidadãos estejam
seguros que os jornalistas têm acesso às mais diversas fontes de
informação, sem estas correrem riscos diversos ou... secarem,
pura e simplesmente.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem, de forma
sistemática, afirmado a importância da liberdade de expressão
como direito matricial numa sociedade democrática, de que é
parte integrante o direito à informação. Para o TEDH, não é
possível existir verdadeira informação sem estar garantido o
acesso às fontes da informação, pelo que já produziu numerosa
jurisprudência ao longo dos anos que protege o carácter
confidencial da ligação do jornalista às suas fontes – cfr., entre
outras, as decisões nos casos Goodwin c. Reino Unido (1996),
Nordisk Film & TV A/S c. Dinamarca (2005), Voskuil c. Holanda
(2007), Financial Times Ltd e outros c. Reino Unido (2009),
Telegraaf Media Nederland Landelijke Media B.V. e outros c.
Holanda (2012 ).
Recentemente, no nosso país, tivemos uma demonstração prática
de desprezo pelo segredo das fontes e pela liberdade de
informação, com ações de vigilância pela PSP, ordenadas pelo
Ministério Público no âmbito de um processo em que se investiga
2. o crime de violação de segredo de justiça, com captação de
fotografias de jornalistas em locais públicos e seguindo os seus
passos de forma a tentar descobrir as suas fontes. Além disso,
parece que também foram acedidas contas bancárias de
jornalistas, certamente com o intuito de provar o pagamento de
dinheiro a essas fontes a troco da informação obtida, tese que é
regularmente veiculada pelos sectores mais retrógrados da nossa
magistratura que têm a comunicação social como uma associação
criminosa.
A divulgação desta atuação do Ministério Público teve grande
impacto mediático, tendo-se pronunciado sobre a mesma as mais
diversas personalidades, em geral verberando-a por
desproporcionada e, quiçá, ilegal. Em termos estritos de direito
ordinário, parece que essas vigilâncias não serão ilegais, não
sendo necessária autorização do juiz de instrução, uma vez que
não há interceção de comunicações, mas está errado quem
defende que não devem ser utilizados critérios de
proporcionalidade na utilização dos meios de investigação
quando estão em causa direitos fundamentais tão relevantes
como a liberdade de expressão e de informação, nomeadamente
na sua vertente do respeito pelo segredo das fontes.
É certo que, em 1997, na sequência da sucessiva divulgação do
conteúdo de diversos processos criminais respeitantes a figuras
do poder, nomeadamente político, o segredo de justiça passou,
apressadamente a constar da Constituição mas, tal facto e a
necessidade de investigar o crime de violação de segredo de
justiça, não podem justificar o desprezo pela protecção do
segredo das fontes.
O TEDH, no caso Ressiot e outros v. França (2012), que respeitava
a buscas realizadas nos escritórios dos jornais L’Équipe e Le Point,
bem como nas residências de jornalistas acusados de violar o
segredo de justiça e de receptação, veio a declarar que tinha
havido violação do artigo 10.º da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos por parte da França. Na verdade, cabendo às
autoridades descobrir a origem das fugas ocorridas na
investigação sobre um possível doping de ciclistas, o governo
francês não demonstrara que tinha preservado um justo
equilíbrio de interesses ao realizar as buscas. As medidas
tomadas pelas autoridades, no entender do TEDH “não eram
razoavelmente proporcionais à prossecução dos fins legítimos
prosseguidos, tendo em conta os interesses de uma sociedade
democrática em garantir e manter a liberdade de imprensa”.
3. No caso português das vigilâncias aos jornalistas, também me
parece que a devida proporcionalidade não terá sido respeitada
mas como a Procuradora-Geral da República mandou, no passado
dia 14 de Janeiro, averiguar a atuação do MP por pretender saber
se este “exorbitou das suas competências”, aguardemos pelas
conclusões da competente averiguação...
Francisco Teixeira da Mota