Carta de Brasília

Aquiles Lins
Aquiles LinsEditor em Brasil 247

Juristas e líderes políticos condenam o estado exceção em vigor no Brasil

CARTA DE BRASÍLIA
CONTRA A EXCEPCIONALIDADE NO SISTEMA DE JUSTIÇA
Brasília, 29 de maio de 2017
Juristas, políticos, estudantes e membros da sociedade civil, reunidos em Brasília, no dia 29 de maio de 2017, no Memorial Darcy
Ribeiro - Universidade de Brasília-UnB, por ocasião da realização do Seminário “Estado de Direito ou Estado de Exceção? A
Democracia em Cheque” promovido pela Fundação Perseu Abramo e pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia, e com o
objetivo de debater e refletir sobre o Estado Democrático de Direito e o Sistema de Justiça na atual conjuntura da política brasileira,
vêm a público manifestar grave preocupação com o uso excessivo da excepcionalidade jurídica por membros do
Ministério Público e do Judiciário, fraturando a essência constitucional e convencional das garantias do Justo Processo e dos
princípios elementares que o acompanham em qualquer sociedade democrática.
1. Defensores que somos de uma sociedade livre, justa e fraterna e reconhecendo a complexidade da sociedade brasileira –
historicamente oligárquica e desigual no acesso à justiça e sistemicamente corrupta – enfatizamos que as conquistas
decorrentes do princípio do Devido Processo Legal são irrenunciáveis garantias das quais decorrem o Estado de
Inocência, a Imparcialidade do Juiz, a Motivação das Decisões, a Proibição da Prova Ilícita, a Isonomia, a Publicidade dos Atos
Processuais, a Inafastabilidade da Jurisdição, a Ampla Defesa e a Assistência Jurídica Gratuita;
2. Conscientes de que a Constituição brasileira e a ampla legislação de amparo infraconstitucional asseguram o que é consenso
universal, disposto no artigo 10º da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, entendemos que não há hipótese
que possa justificar um juízo excepcional, nem mesmo para o nobre e necessário fim do combate à
corrupção;
3. Conhecedores do esforço da sociedade internacional em criar um Marco Internacional de Combate à Corrupção para enfrentar
um mal que é transnacional e que acompanha os fluxos econômicos e financeiros do capitalismo neoliberal – marcado pela
financeirização, transnacionalização e acumulação sem precedentes da riqueza e do poder em mãos privadas – enfatizamos que
o combate à corrupção no Brasil exige compreender o Estado e a Administração Pública de modo igualmente
sistêmico, não sendo tarefa para um único poder da República;
4. Setores do Judiciário e do Ministério Público, ao justificarem a necessidade do uso de meios e métodos heterodoxos,
transitando indiscriminadamente entre direito e política, criam situações processuais inéditas de desrespeito às regras elementares
do processo democrático para combater “inimigos corruptos e corruptores”, e o fazem por meio de inovações processuais como o
uso indiscriminado da condução coercitiva, da prisão preventiva, da aceitação de provas ilícitas, provas seletivas e indícios como
prova, da delação premiada em condições extremas, situações que transformam o processo em um julgamento de
exceção, corrompendo as funções acusatórias e do juiz natural, não sendo desarrazoado falar em Corrupção do
Sistema de Justiça;
5. Somos conscientes de que a corrupção é um fenômeno social, político, econômico e, como visto, também jurídico
que afeta a todos, mina as instituições democráticas, retarda o desenvolvimento econômico e fragiliza a governabilidade, e precisa
ser firmemente combatida, mas não a qualquer preço, menos ainda às custas de direitos fundamentais tão duramente
conquistados em anos de luta contra a opressão e o arbítrio;
6. Acreditamos ainda que o excesso de punitivismo promovido por setores dentro do Sistema de Justiça, praticado
livremente e sem a devida correição, coloca em risco outras instituições e poderes democráticos, pois que, sendo
praticado pelo próprio judiciário, será inevitavelmente tomado como exemplo de impunidade, de que nada acontecerá
com a atuação que suspende a aplicação da lei, excepcionando o Estado de Direito, com consequências
gravíssimas, como pudemos constatar nos recentes casos de massacre no campo, e perceber com o aumento da violência e
repressão aos movimentos sociais e aos trabalhadores exercendo o direito de manifestação e de greve;
7. Complementarmente, percebemos o papel da Mídia hegemônica, tanto televisiva como escrita, no sentido de reforçar
e justificar a excepcionalidade com o fim de convencer a opinião pública sobre a necessidade de uma “justiça
justicialista” contra um “inimigo comum”: por vezes “a corrupção”, por vezes alvos políticos e partidos escolhidos
seletivamente, em razão de objetivos eleitorais ligados a grupos econômicos, empresariais e oligarquias;
8. Nesse sentido, nós repudiamos o jornalismo praticado por empresas de telecomunicação e jornalismo que, igualmente
corrompidas e corruptoras, mentem, enganam, violam o direito à informação e à verdade dos fatos, sendo
corresponsáveis pela instabilidade institucional e política do Brasil, coniventes com o aumento do autoritarismo, com os retrocessos
sociais e com a violência, não sendo desarrazoado falar em Corrupção da Mídia no Brasil;
9. Inspirados nos debates e reflexões a respeito das fraturas da democracia brasileira desde o impeachment da Presidenta Dilma
Rousseff e no contexto de um legislativo antipopular e corrupto, aprovando as medidas sociais das mais severas que o Brasil já
experimentou, não é sem razão que nos perguntamos se vivemos em um Estado Democrático permeado por
Medidas de Exceção ou se, como entendem alguns, já vivemos efetivamente em um Estado de Exceção;
10. Acreditamos ser direito e dever de todos os que defendem a democracia, denunciar os difíceis percursos do
autoritarismo da sociedade brasileira que, guardadas as distinções em cada tempo histórico, ainda funciona marcada pelas
permanências autoritárias de uma transição democrática malfeita, pactuada e incompleta desde a luta pela Anistia até os dias atuais,
permanências que também se revelaram no Sistema de Justiça brasileiro.
Brasília, 29 de maio de 2017

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  • 1. CARTA DE BRASÍLIA CONTRA A EXCEPCIONALIDADE NO SISTEMA DE JUSTIÇA Brasília, 29 de maio de 2017 Juristas, políticos, estudantes e membros da sociedade civil, reunidos em Brasília, no dia 29 de maio de 2017, no Memorial Darcy Ribeiro - Universidade de Brasília-UnB, por ocasião da realização do Seminário “Estado de Direito ou Estado de Exceção? A Democracia em Cheque” promovido pela Fundação Perseu Abramo e pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia, e com o objetivo de debater e refletir sobre o Estado Democrático de Direito e o Sistema de Justiça na atual conjuntura da política brasileira, vêm a público manifestar grave preocupação com o uso excessivo da excepcionalidade jurídica por membros do Ministério Público e do Judiciário, fraturando a essência constitucional e convencional das garantias do Justo Processo e dos princípios elementares que o acompanham em qualquer sociedade democrática. 1. Defensores que somos de uma sociedade livre, justa e fraterna e reconhecendo a complexidade da sociedade brasileira – historicamente oligárquica e desigual no acesso à justiça e sistemicamente corrupta – enfatizamos que as conquistas decorrentes do princípio do Devido Processo Legal são irrenunciáveis garantias das quais decorrem o Estado de Inocência, a Imparcialidade do Juiz, a Motivação das Decisões, a Proibição da Prova Ilícita, a Isonomia, a Publicidade dos Atos Processuais, a Inafastabilidade da Jurisdição, a Ampla Defesa e a Assistência Jurídica Gratuita; 2. Conscientes de que a Constituição brasileira e a ampla legislação de amparo infraconstitucional asseguram o que é consenso universal, disposto no artigo 10º da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, entendemos que não há hipótese que possa justificar um juízo excepcional, nem mesmo para o nobre e necessário fim do combate à corrupção; 3. Conhecedores do esforço da sociedade internacional em criar um Marco Internacional de Combate à Corrupção para enfrentar um mal que é transnacional e que acompanha os fluxos econômicos e financeiros do capitalismo neoliberal – marcado pela financeirização, transnacionalização e acumulação sem precedentes da riqueza e do poder em mãos privadas – enfatizamos que o combate à corrupção no Brasil exige compreender o Estado e a Administração Pública de modo igualmente sistêmico, não sendo tarefa para um único poder da República; 4. Setores do Judiciário e do Ministério Público, ao justificarem a necessidade do uso de meios e métodos heterodoxos, transitando indiscriminadamente entre direito e política, criam situações processuais inéditas de desrespeito às regras elementares do processo democrático para combater “inimigos corruptos e corruptores”, e o fazem por meio de inovações processuais como o uso indiscriminado da condução coercitiva, da prisão preventiva, da aceitação de provas ilícitas, provas seletivas e indícios como prova, da delação premiada em condições extremas, situações que transformam o processo em um julgamento de exceção, corrompendo as funções acusatórias e do juiz natural, não sendo desarrazoado falar em Corrupção do Sistema de Justiça; 5. Somos conscientes de que a corrupção é um fenômeno social, político, econômico e, como visto, também jurídico que afeta a todos, mina as instituições democráticas, retarda o desenvolvimento econômico e fragiliza a governabilidade, e precisa ser firmemente combatida, mas não a qualquer preço, menos ainda às custas de direitos fundamentais tão duramente conquistados em anos de luta contra a opressão e o arbítrio; 6. Acreditamos ainda que o excesso de punitivismo promovido por setores dentro do Sistema de Justiça, praticado livremente e sem a devida correição, coloca em risco outras instituições e poderes democráticos, pois que, sendo
  • 2. praticado pelo próprio judiciário, será inevitavelmente tomado como exemplo de impunidade, de que nada acontecerá com a atuação que suspende a aplicação da lei, excepcionando o Estado de Direito, com consequências gravíssimas, como pudemos constatar nos recentes casos de massacre no campo, e perceber com o aumento da violência e repressão aos movimentos sociais e aos trabalhadores exercendo o direito de manifestação e de greve; 7. Complementarmente, percebemos o papel da Mídia hegemônica, tanto televisiva como escrita, no sentido de reforçar e justificar a excepcionalidade com o fim de convencer a opinião pública sobre a necessidade de uma “justiça justicialista” contra um “inimigo comum”: por vezes “a corrupção”, por vezes alvos políticos e partidos escolhidos seletivamente, em razão de objetivos eleitorais ligados a grupos econômicos, empresariais e oligarquias; 8. Nesse sentido, nós repudiamos o jornalismo praticado por empresas de telecomunicação e jornalismo que, igualmente corrompidas e corruptoras, mentem, enganam, violam o direito à informação e à verdade dos fatos, sendo corresponsáveis pela instabilidade institucional e política do Brasil, coniventes com o aumento do autoritarismo, com os retrocessos sociais e com a violência, não sendo desarrazoado falar em Corrupção da Mídia no Brasil; 9. Inspirados nos debates e reflexões a respeito das fraturas da democracia brasileira desde o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e no contexto de um legislativo antipopular e corrupto, aprovando as medidas sociais das mais severas que o Brasil já experimentou, não é sem razão que nos perguntamos se vivemos em um Estado Democrático permeado por Medidas de Exceção ou se, como entendem alguns, já vivemos efetivamente em um Estado de Exceção; 10. Acreditamos ser direito e dever de todos os que defendem a democracia, denunciar os difíceis percursos do autoritarismo da sociedade brasileira que, guardadas as distinções em cada tempo histórico, ainda funciona marcada pelas permanências autoritárias de uma transição democrática malfeita, pactuada e incompleta desde a luta pela Anistia até os dias atuais, permanências que também se revelaram no Sistema de Justiça brasileiro. Brasília, 29 de maio de 2017