1. “Eleéumafigura
fantástica,umcarado
bem.Somosamigos
háquase50anos”
JoséTomáz,aposentado,Santos
Aprovação
“Éumaboainiciativaessa
decolocarpoesianarua.
Eunãotinhanotado”
SáviodeSá,aprendizdeimportação,
Santos
CARLOTACAFIERO
DAREDAÇÃO
O olhar eloquente, a fala cal-
ma, com pausas reflexivas, e a
utilizaçãodepalavrasraramen-
te ouvidas em uma conversa
coloquial são características
que revelam a personalidade
cultivadanaliteraturaporBar-
ney Days, o zelador poeta de
Santos.
Em uma das cenas mais em-
blemáticas do filme O Carteiro
e o Poeta, o personagem Mario
Rupolo conta a Pablo Neruda
queestá apaixonado e lhe pede
um poema para conquistar o
amordabelaBeatrice.Indigna-
do,oescritorlheresponde:“Eu
nem a conheço. Um poeta pre-
cisaconhecerseuobjetodeins-
piração!Nãopossoinventaral-
godonada”.
Fora da ficção, Luís Vagner
Dias – nome de batismo de
Barney–viveusituaçãopareci-
da,quandoajudouumamigoa
reatar com a amada por meio
de um poema de autoria dele.
“Eu não conhecia a mulher,
mas fiz um poema para ela a
partir da descrição feita pelo
meu amigo. Com a poesia, eu
tentochegaràessênciadaspes-
soas”,diz.
Aos 47 anos, Barney escreve
poemas e aforismos desde a
adolescência. Hoje, os desen-
volve atrás do balcão da porta-
ria de um edifício comercial na
Rua José Ricardo, no Centro
Histórico – ao qual ele chama
de “confessionário” devido aos
desabafos que escuta das pes-
soasquealitrabalham.
Com olhos e coração atentos
ao movimento externo e inter-
no das pessoas, Barney exerci-
taacapacidadedetraduzirsen-
timentos por meio das pala-
vras, que lhe “vêm como setas
aopensamento”,conformediz.
São reflexões metafísicas
que trazem alento para si e pa-
ra os outros em momentos de
tensão, como aconteceu em
umdiaútilde2005.“Quandoo
preço do café caiu, os correto-
res estavam muito nervosos.
Um amigo que negocia sacas
passou pela portaria e pegou
um pedaço de papel em que eu
tinha escrito um pensamento.
Ele gostou e colou em uma pa-
rede perto da entrada do edifí-
cio. Muitos que leram aquilo
meagradeceram”.
Afrase era esta: “O tempo de
dizer adeus não chegou a mim.
Mas o tempo de agradecer a
Deus por eu existir, agradeço
todososdias”.
POESIANARUA
Com o desejo de tocar mais
gente com as palavras, o poeta
começou a colar novos versos,
todos os dias, em um muro na
da Rua do Comércio, na frente
do edifício Rubiácia. “São poe-
mas e pensamentos que escre-
vo à mão, com caneta piloto.
Troco-os periodicamente por-
que estragam fácil sob a chuva
eosol”.
Acaligrafiabonita,eleapren-
deu quando trabalhava com o
pai, o cearense Francisco Flo-
rentino Dias, conhecido como
Chicor,porcausadascoresque
utilizava nos letreiros de faixas
eplacasquefaziasobencomen-
da para o comércio santista,
entreosanos70e80.
A mãe, Marili Alves Dias,
também era migrante, vinda
deMaceió,evemdelaapreocu-
pação do poeta com o bem-es-
tar das pessoas: ela era enfer-
meira.
Quinto dos seis filhos do ca-
sal, Barney conta que a família
estava em São Vicente quando
amãe começou a sentir as con-
trações do parto, mas que ele
nasceu em Santos porque fal-
tou vaga na maternidade da
cidade. “Nasci santista e cresci
vicentino.Digoquetenhooco-
raçãodividido”.
Cresceu tímido e ganhou o
apelido de Barney – persona-
gem do desenho animado Os
Flintstones – ainda criança,
por causa dos pés chatos. “Eu
tinha8anos.Umgrandalhão
da rua me apelidou e eu cho-
rei. Com isso, o apelido pe-
gou. Quando entrei para o
teatro amador da Cidade,
adotei o nome artístico de
Barney Days”, conta o poeta,
que se lembra de ter atuado
nas peças Aid’s Nós, entre
1987 e 88, e Creia ou Morra,
em 1991, além de autos de
Natal. “O meu pai dizia que
aquilonãodariafuturo”.
GENTILEZA
Barney é figurinha carimba-
da no Centro da Cidade e,
guardadasasproporções,de-
senvolve vocação parecida
comadeoutropoeta,ofamo-
so Profeta Gentileza, que se
deslocava pelas ruas do Rio
de Janeiro como uma figura
mística, deixando mensa-
gensdeamoretolerâncianos
murosdacidade.
Querido principalmente
pelos comerciantes e traba-
lhadores das ruas do Comér-
cioe15deNovembro,Barney
distribui gentileza por meio
do contato direto: “Gostei da
sua aura. Você tem uma per-
sonalidadebonita”,disseaes-
ta repórter após a entrevista.
“Afotógrafadojornal(Nirley
Sena) é atenciosa, conseguiu
deixar-me à vontade para a
foto.Eumordiaoslábioseela
pedia várias vezes para eu re-
laxar”, destacou o zelador,
que um dia sonhou com os
palcos, mas fez do balcão da
portariaoseupúlpitodepoe-
sia.
“Eugostei,masachoque
deveriaterpoesiatambém
naorla.NoCentro,ospoemas
ficammeioperdidos”
SilmaraPlaconá,funcionáriapública,SP
Chuvas
Aschuvasquetemolham/
sãoáguasqueteglorificam/
Aschuvasquealiviam/Sãoáguas
quesemisturamcomastuas
lágrimas/Aschuvasquete
semeiam/Desdeosprincípiossão
asqueteproviram/comograndes
sementesdaterra/Sãoáguas
queteregam
NIRLEYSENA
“Acheimuitolegal.
Fazagenterefletir.
Tinhaquetermaisdisso
pelasruas”
SandraMaria,funcionáriapública,Santos
“Nummundodetanta
violência,aindahápessoas
preocupadasemtransmitir
umamensagemboa”
JansenTelesdeOliveira,motorista,Santos
Liberdade
deVoarNaáguasousangue/naterrasoumatéria/naalmasouamor/enoamorsemprepoesia.
Mulher
Mulheres,fortalezasimensuráveis/
Melodiasdeamoresincandescentes/
Delíriosdospoetasincansáveis/
Musasinefáveisdenossasmentes/
Mulher,agrandesementedenossas
gerações/
Fezdoventre,nossosninhos/
paraganharmosasasevoarmos
emmultidões
FOTOSCLAUDIOVITORVAZ
BarneyDays,
oporteiropoeta
Nos muros e portas da Rua do Comércio, ele
cola seus poemas, hábito que cultiva desde
2005. Os textos são escritos à mão, com
caneta piloto e atraem as pessoas
E-4 Galeria ATRIBUNA Domingo 2
www.atribuna.com.br junho de2013