O documento é uma coletânea de poemas curtos que exploram temas como a solidão, o amor, a passagem do tempo e as relações humanas por meio de imagens e símbolos. Os poemas são de estilos variados e abordam diferentes perspectivas.
2. expo
siçãoPreto, todo preto, o touro.
Preto preto, azul de preto.
Pelos, cascos, focinho preto.
Todo o touro preto.
Duas demãos da noite,
pretume relampejante.
Uma tonelada de touro.
Touro a peso de ouro.
Não o touro bravo de Wall Street,
mas guaxo e mocho,
touro de montar a cavalo,
de sentar e pensar num sofá,
touro de passar a mão
e sentir um tapete.
Um touro mitológico.
Zeus em couro de angus.
Não o touro de Creta, a branca fera,
mas a negrura de Osíris, touro Ápis.
Touro consagrado com sua roseta
de campeão da raça na feira.
Touro preto, todo preto,
e, na penumbra,
a sombra de um negro
segurando seu cabresto.
3. Faltou luz
e se fez um silêncio
do século XVI.
Jogamos cartas
para passar tempo.
Uma vela
pincelava o rosto dela,
quadro de Caravaggio.
novela
das7
É tua vez de comprar, disse-lhe.
Pelo drama da boca
na máscara grega,
não era o naipe que esperava.
Minha vez de descartar.
Até hoje guardo
o ás de copas que ela desejava.
4. Cento e cinquenta, cento e cinquenta, cento e cinquenta,
cento e cinquenta, tenho cento e cinquenta,
cento e cinquenta, cento e cinquenta, cento e cinquenta,
vinte parcelas de cento e cinquenta,
vou bater o martelo,
vou vender o cavalo,
filho do Freio de Ouro,
cria da Freio de Prata,
pintura de animal,
picasso malacara,
vou vender por apenas vinte parcelas
de cento e cinquenta,
cento e cinquenta, cento e cinquenta,
dou-lhe uma,
cento e cinquenta,
dou-lhe duas,
cento e cinquenta,
ninguém mais,
ninguém mais,
cento
e
cinquenta...
dou-lhe três,
vendido por cento e cinquenta.
menino com
cavalo para
portinari
Na arquibancada do pavilhão,
arrematado de amor pelo cavalo,
um menino,
sentado sobre as mãos.
5. Como se fosse meio cego,
lequeando o baralho,
Nego Vlade lê seu jogo.
Sua cara cartografa as cartas,
sua tristeza é não ter um coringa
para formar uma sequência,
para completar uma trinca.
Niko solta um sete de copas
e chora estar para o amor.
Só na próxima volta,
como se noutra vida,
poderá cavar seu ouro.
Andrei se desarma.
Descarta um valete de espadas
e deixa na mesa a mão decepada.
Alguém tem sua dama.
tarô
de
tirésias
Nego Vlade finge força,
a carta parece de pedra.
Seu braço, um guindaste,
descarrega e desvira
um rei de paus que não presta.
Não me serve o naipe.
O rei parece o Dostoiévski.
Tenho a impressão,
ligeira,
de que estamos numa prisão,
na Sibéria.
Como se eu fosse meio cego.
6. Lá vem a rainha da Festa
do Colono e do Motorista.
A semana recém começa,
ela está voltando da roça
e seus olhos bleu de Chartres
parecem duas bolitas
cravejadas no pátio.
Domingo foi coroada
a rainha da paróquia.
Mas hoje é segunda-feira,
é preciso buscar o terneiro
que passou o dia pastando
amarrado ao poste de luz.
coloninha
Lá vai a rainha da Festa
do Colono e do Motorista.
Pobrezinha da nossa rainha.
7. manger
à troisLavar a louça,
tatear tua porcelana na pele dos pratos,
o carimbo de tua boca na borda das taças.
O jantar de ontem me fez tão mal.
Não foi o cordeiro,
não foi o Cabernet.
Teu marido
é que não me desce.
8. avenda
Escolhias maçãs
e as riscava da tua lista.
Eu te valorizava,
estacionado
entre
as prateleiras,
produtos
e preços,
no supermercado.
Quando me dei conta,
nosso carrinho estava cheio,
eu era teu marido
e nunca tinha me visto te vendo.
9. coluna Veste Prada,
cheira Chanel,
usa anel da Boucheron
e pulseira da Louis Vuitton.
Salto agulha,
sola vermelha,
ela pisa na sala
com seu Christian Louboutin.
Pronta para a festa do Oscar
que vai passar na televisão,
ela assiste ao telejornal
e acha uma vergonha,
uma
pouca
vergonha,
a desigualdade social.
10. obelisco
Os meninos foram estudar na cidade.
Quando seus pais morreram,
fizeram as contas,
depois arrendaram,
depois venderam
o campo.
No meio da lavoura de trigo,
solitário,
um anjo guarda o jazigo
dos antigos proprietários.
11. Jorge Luis Borges vai ao cinema
com Maria Kodama.
Ela vai ver,
ele vai ouvir
o novo filme de Ingmar Bergman.
O poeta está cego.
Maria lerá as legendas,
dirá, en su lengua, o sueco.
Mas Kodama está muda.
Não vê como traduzir
o vermelho gritante do cenário,
o branco sussurrante do figurino.
O filme não teria começado para Borges,
não fossem os relógios e seus sotaques
dublando o idioma do tempo
em suas sessões pela casa.
Na tela se desenrola a fita de fotogramas:
Na antecâmara,
Maria dorme numa poltrona.
No quarto,
Agnes dorme numa cama
e lentamente acorda
para o pesadelo da vida.
Vai à escrivaninha e escreve:
"é manhã de segunda-feira e estou com muita dor."
Uma pausa... um traço.
Sublinha a palavra dor.
A caneta raspa no papel.
Borges rebobina e rememora
a sonoplastia do seu ofício.
borges vai
ao cinema
com maria
12. Supermercado Beltrame
Santa Rita Remates
Restaurante Augusto
Sociedade Caravel
Lisiane Belmonte
Luna Escobar Nogueira
Saionara Zago
Vitor Biasoli
Rivail Pascoal de Lima
D I A G R A M A Ç Ã O
agradecimentos