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do Colono e do Motorista.
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que passou o dia pastando
amarrado ao poste de luz.
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Lá vai a rainha da Festa
do Colono e do Motorista.
Pobrezinha da nossa rainha.
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à troisLavar a louça,
tatear tua porcelana na pele dos pratos,
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O jantar de ontem me fez tão mal.
Não foi o cordeiro,
não foi o Cabernet.
Teu marido
é que não me desce.
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Escolhias maçãs
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Eu te valorizava,
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nosso carrinho estava cheio,
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Poemas em preto e branco

  • 1. poemas em preto e branco Poemas de Escobar Nogueira Fotografias de Leonardo Brasiliense
  • 2. expo siçãoPreto, todo preto, o touro. Preto preto, azul de preto. Pelos, cascos, focinho preto. Todo o touro preto. Duas demãos da noite, pretume relampejante. Uma tonelada de touro. Touro a peso de ouro. Não o touro bravo de Wall Street, mas guaxo e mocho, touro de montar a cavalo, de sentar e pensar num sofá, touro de passar a mão e sentir um tapete. Um touro mitológico. Zeus em couro de angus. Não o touro de Creta, a branca fera, mas a negrura de Osíris, touro Ápis. Touro consagrado com sua roseta de campeão da raça na feira. Touro preto, todo preto, e, na penumbra, a sombra de um negro segurando seu cabresto.
  • 3. Faltou luz e se fez um silêncio do século XVI. Jogamos cartas para passar tempo. Uma vela pincelava o rosto dela, quadro de Caravaggio. novela das7 É tua vez de comprar, disse-lhe. Pelo drama da boca na máscara grega, não era o naipe que esperava. Minha vez de descartar. Até hoje guardo o ás de copas que ela desejava.
  • 4. Cento e cinquenta, cento e cinquenta, cento e cinquenta, cento e cinquenta, tenho cento e cinquenta, cento e cinquenta, cento e cinquenta, cento e cinquenta, vinte parcelas de cento e cinquenta, vou bater o martelo, vou vender o cavalo, filho do Freio de Ouro, cria da Freio de Prata, pintura de animal, picasso malacara, vou vender por apenas vinte parcelas de cento e cinquenta, cento e cinquenta, cento e cinquenta, dou-lhe uma, cento e cinquenta, dou-lhe duas, cento e cinquenta, ninguém mais, ninguém mais, cento e cinquenta... dou-lhe três, vendido por cento e cinquenta. menino com cavalo para portinari Na arquibancada do pavilhão, arrematado de amor pelo cavalo, um menino, sentado sobre as mãos.
  • 5. Como se fosse meio cego, lequeando o baralho, Nego Vlade lê seu jogo. Sua cara cartografa as cartas, sua tristeza é não ter um coringa para formar uma sequência, para completar uma trinca. Niko solta um sete de copas e chora estar para o amor. Só na próxima volta, como se noutra vida, poderá cavar seu ouro. Andrei se desarma. Descarta um valete de espadas e deixa na mesa a mão decepada. Alguém tem sua dama. tarô de tirésias Nego Vlade finge força, a carta parece de pedra. Seu braço, um guindaste, descarrega e desvira um rei de paus que não presta. Não me serve o naipe. O rei parece o Dostoiévski. Tenho a impressão, ligeira, de que estamos numa prisão, na Sibéria. Como se eu fosse meio cego.
  • 6. Lá vem a rainha da Festa do Colono e do Motorista. A semana recém começa, ela está voltando da roça e seus olhos bleu de Chartres parecem duas bolitas cravejadas no pátio. Domingo foi coroada a rainha da paróquia. Mas hoje é segunda-feira, é preciso buscar o terneiro que passou o dia pastando amarrado ao poste de luz. coloninha Lá vai a rainha da Festa do Colono e do Motorista. Pobrezinha da nossa rainha.
  • 7. manger à troisLavar a louça, tatear tua porcelana na pele dos pratos, o carimbo de tua boca na borda das taças. O jantar de ontem me fez tão mal. Não foi o cordeiro, não foi o Cabernet. Teu marido é que não me desce.
  • 8. avenda Escolhias maçãs e as riscava da tua lista. Eu te valorizava, estacionado entre as prateleiras, produtos e preços, no supermercado. Quando me dei conta, nosso carrinho estava cheio, eu era teu marido e nunca tinha me visto te vendo.
  • 9. coluna Veste Prada, cheira Chanel, usa anel da Boucheron e pulseira da Louis Vuitton. Salto agulha, sola vermelha, ela pisa na sala com seu Christian Louboutin. Pronta para a festa do Oscar que vai passar na televisão, ela assiste ao telejornal e acha uma vergonha, uma pouca vergonha, a desigualdade social.
  • 10. obelisco Os meninos foram estudar na cidade. Quando seus pais morreram, fizeram as contas, depois arrendaram, depois venderam o campo. No meio da lavoura de trigo, solitário, um anjo guarda o jazigo dos antigos proprietários.
  • 11. Jorge Luis Borges vai ao cinema com Maria Kodama. Ela vai ver, ele vai ouvir o novo filme de Ingmar Bergman. O poeta está cego. Maria lerá as legendas, dirá, en su lengua, o sueco. Mas Kodama está muda. Não vê como traduzir o vermelho gritante do cenário, o branco sussurrante do figurino. O filme não teria começado para Borges, não fossem os relógios e seus sotaques dublando o idioma do tempo em suas sessões pela casa. Na tela se desenrola a fita de fotogramas: Na antecâmara, Maria dorme numa poltrona. No quarto, Agnes dorme numa cama e lentamente acorda para o pesadelo da vida. Vai à escrivaninha e escreve: "é manhã de segunda-feira e estou com muita dor." Uma pausa... um traço. Sublinha a palavra dor. A caneta raspa no papel. Borges rebobina e rememora a sonoplastia do seu ofício. borges vai ao cinema com maria
  • 12. Supermercado Beltrame Santa Rita Remates Restaurante Augusto Sociedade Caravel Lisiane Belmonte Luna Escobar Nogueira Saionara Zago Vitor Biasoli Rivail Pascoal de Lima D I A G R A M A Ç Ã O agradecimentos