Laurindo de Almeida foi um violonista brasileiro que construiu uma carreira de sucesso nos Estados Unidos. Ele deixou o Brasil em 1946 e se apresentou com sucesso na Europa antes de se mudar para os EUA, onde ganhou cinco prêmios Grammy. Apesar de seu sucesso internacional, Laurindo recebeu pouco reconhecimento no Brasil durante sua vida.
1. PERSONAGEM
LAURINDO DE misfério norte, porém, seu nome é
símbolo de brilho e qualidade. Por
lá os especialistas concordam: a pri-
meira vez que escutaram a suave
mistura dos ritmos sincopados da
ALMEIDA
América do Sul com a eterna flexi-
bilidade do jazz foi no violão de Lau-
rindo de Almeida.
O músico nasceu em 2 de setem-
bro de 1917, na cidade paulista de
Prainha, hoje Miracatu. De família
muito pobre, tinha catorze irmãos.
Oito deles morreram. Laurindo foi o
quarto a sobreviver e passou a infân-
cia ouvindo a mãe praticar no piano
peças de Chopin e Mozart.
Durante a Revolução Constitucio-
nalista de 32, assim como todos os
rapazes de sua idade, o músico, en-
tão com quinze anos, alistou-se pa-
ra a guerra. Não chegou porém a ir
aos campos de batalha, já que uma
forte gripe o atirou na cama. Recu-
perando-se no hospital de Santo An-
dré, Laurindo teve a oportunidade
de ouvir o violão de Aníbal de Aze-
vedo, o Garoto, quando este se
apresentou num show especial para
os doentes. Laurindo ficou fascina-
do pelo talento de Garoto e não per-
deu a oportunidade. Tratou de fa-
zer amizade com o músico que, por
sua vez, deu a grande dica para o jo-
vem aspirante a violonista: o negó-
cio era ir para o Rio de Janeiro, on-
de as coisas estavam acontecendo.
Três anos depois, Laurindo bai-
xava em terras cariocas. Passou fo-
me, dormiu em bancos de praças.
Conseguiu o primeiro emprego na
rádio Mayrink Veiga, onde também
começavam a despontar talentos co-
mo Cármen Miranda e Sílvio Cal-
das. Depois, Laurindo passou a to-
car, com muito sucesso, nas noita-
das do Cassino da Urca. Tudo pa-
recia ir muito bem, até que em
Laurindo de Almeida construiu uma carreira de sucesso nos Estados Unidos. 1946, um decreto moralista, assina-
do pelo presidente Dutra, proibiu o
44 jogo no país.
B)ossa nova? Conheço essa his- de 1947 instalado de bagagens e ar- A saída para o violonista foi o
tória muito bem. Tudo começou co- mas, quer dizer, talento e violão, em porto. Pegou o primeiro vapor em
migo, uns trinta anos atrás, lá nos plagas norte-americanas. No Brasil, direção à Europa. Pagou a passa-
Estados Unidos..." Não existe arro- Laurindo de Almeida é um nome gem divertindo com sua música os
gância no comentário do cidadão conhecido apenas nos círculos res- passageiros e tripulantes. Apresen-
paulista Laurindo de Almeida, des- tritos dos iniciados no jazz. No he- tou-se em Portugal, Espanha, Fran-
2. PERSONAGEM
ca, Bélgica, Holanda e Alemanha.
Quando já pensava seriamente
em fazer do Velho Continente a sua
morada definitiva, recebeu um pol-
pudo cheque da gravadora RCA,
pelos direitos autorais da música "Al-
deia de roupa branca", composição
sua desconhecida no Brasil, mas um
grande sucesso nas rádios norte-
americanas. Não pensou duas vezes:
fez as malas e partiu para os Estados
Unidos.
Em Los Angeles, a pátria univer-
sal do sucesso, Laurindo estrearia no
cinema com um solo no filme A
Song is Bom, onde também faz uma
pequena ponta como figurante. Per-
cebeu que, participando de trilhas
sonoras, poderia engordar sua con-
ta bancária. Como compositor ou in-
térprete emprestou seu talento a
centenas de filmes, geralmente de
classe B. Também temperou com o O violonista brasileiro apresentou-se, em 1987, no Free Jazz Festival.
som de seu violão a trilha sonora de
Bonanza, um célebre seriado-wes- nacional da Canção, promovido pe- pa e até da América do Sul, como
tern para a TV. la Rede Globo. Não foi feliz. Como a Argentina, por exemplo. "Do Bra-
Fez amizade com o baixista Harry não o conhecia, o público prestou sil recebo muito pouco", lamenta.
Babasin, com o qual concebeu um pouca atenção a seu violão. Em Laurindo de Almeida só veio a
modo de tocar diferente de tudo o 1978, nem sequer o convidaram pa- ser convidado a participar do princi-
que se fazia na ocasião. Não cedeu ra o Festival de Jazz de São Paulo, pal evento de jazz de seu país — o
à tentação do som eletrificado e co- embora tivesse sido contratado pa- Free Jazz Festival — em 1987, mes-
meçou a destacar das massas musi- ra a série de apresentações o baixis- mo assim porque Tom Jobim, ini-
cais os improvisos instigantes, funda- ta Ray Brown, na época um inte- cialmente contratado pelos organiza-
mentados nas linhas rítmicas dos grante de seu conjunto. dores, desistiu das apresentações.
choros, baiões, sambas e até mesmo Os norte-americanos, no entan- Humildemente, o instrumentista as-
meros batuques. to, souberam valorizar o talento de sumiu seu lugar. Na noite de estreia
Integrante da big band do consa- Laurindo, concedendo-lhe nada em São Paulo, a locutora do even-
grado arranjador e compositor Stan menos do que cinco prémios to anunciou: "Com vocês, o grande
Kenton, Laurindo de Almeida rapi- Grammy, o Oscar da indústria fono- violonista Laurindo de Oliveira
damente firmou seu prestígio num gráfica. Somente nos Estados Uni- (sic)". O músico deu pouca atenção
país de génios como Charlie Chris- dos é que o violonista teve a chance à gafe, e explicou: "Há um certo
tian, Johnny St. Cyr, Lonnie John- de gravar regularmente. desdém do povo brasileiro, que não
son, Freddie Green, Eddie Lang ou No Brasil, seus LPs são uma rari- dá muita importância aos seus pró-
Eddie Condon. dade. Um dos últimos lançados no prios valores. A história está cheia de
No despertar da década de 50, país, em 1982, pelo selo Eldorado, exemplos: a pianista Guiomar No-
com Babasin e o saxofonista Bud quase não inclui amostras do reper- vaes e a cantora Bidu Sayão, prati-
Shank, Laurindo gravou dois LPs tório nacional: só a "Insensatez", de camente ignoradas em seu próprio
onde já apareciam sugestões daqui- Tom e Vinícius, e um medley do fil- país, foram tratadas como deusas lá
lo que seriam as características har- me Or/eu do Carnaval. No mais, fora. E, se retrocedermos um pou-
mónicas da bossa nova: "Brazillian- Laurindo de Almeida toca desde co mais, temos o caso de Santos Du-
ce n° l" e "Brazilliance n° 2". Gershwin até o tradicional "Concier- mont, que teve de ir à França para
Gorducho, careca, de jeito man- to de Aranjuez", de Rodrigo. inventar o avião. Não quero meter
so e hábitos discretos, Laurindo de Naturalizado norte-americano, o o pau no meu país, mas esta é que
Almeida testou várias vezes sua po- violonista conta que nas listas que re- é a verdade. Eu adoro os brasileiros,
pularidade em terras brasileiras de- cebe da ASCAP (entidade que re- mas sinceramente não sei quando é
pois de sua partida. Apresentou-se colhe os direitos autorais dos músi- que eles vão começar a apreciar o
em 1967 durante o I Festival Inter- cos) constam países da Ásia, Euro- que é seu".