Maria Ribeiro: atriz fala sobre carreira e documentário sobre Domingos Oliveira
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● SEGUNDO CADERNO O GLOBO Sábado, 26 de novembro de 2011
PERFIL
“ “
Leonardo Aversa
Ela está toda Às vezes penso que
poderosa hoje já sou Marisa Monte
porque vai atrás e posso não dar
do que quer entrevistas. Mas aí
e faz com total lembro que não sou
competência e que adoro falar
Carolina Dieckmann, atriz Maria Ribeiro
Luiz Fernando Vianna Grant, vejo tudo dele.
Como atriz, seu principal
luiz.vianna@oglobo.com.br
personagem no cinema é a Ro-
M
aria Ribeiro tinha sane dos dois “Tropa de Elite”,
19 anos quando co- dirigidos por seu primo José
nheceu Domingos Padilha. Mais como amante de
Oliveira, então um bom vestido — brasileiro,
com 58. Ela se dividia entre as pois é contra comprar grifes
aulas de Jornalismo na PUC e estrangeiras — do que na con-
os primeiros e indecisos pas- dição de mulher do Capitão
sos como atriz, acompanha- Nascimento, ela já sonha com
dos sem muito crédito ou es- o tapete vermelho do próximo
tímulo por sua família. A meni- Oscar, aonde “Tropa 2” está
na rica, que já tinha dado seus tentando chegar.
m e rg u l h o s n a p i s c i n a d o — Acho a Maria uma atriz de
Country Club, encontrou um mão cheia. Não sei se ela quer
homem de cinema e teatro fas- dirigir outros filmes, mas, se
cinado por Dostoiévski e con- quiser, vai fazer superbem. O
versas regadas a uísque. filme sobre o Domingos é emo-
— Minha família é superfor- cionante — diz Padilha.
mal. Quando cheguei ao Do-
mingos e vi que naquela turma Filme sobre Los Hermanos
não havia separação entre tra- Maria quer fazer um longa
balho e vida, e que da bebida e de ficção inspirado na vida de
da alegria surgia o trabalho, uma amiga que se divide entre
pensei: é aqui que eu quero fi- as nacionalidades brasileira e
car — conta ela. francesa. É uma história sobre
Ao uísque Maria não se con- exílio, fraternidade e um amor
verteu de todo, misturando-o incestuoso. E, ainda, um docu-
com Coca-cola até hoje — e mentário sobre o Los Herma-
Domingos nem tem bebido nos, a banda de seus contem-
mais. Já o restante das carac- porâneos de PUC. Boa de títu-
terísticas do dramaturgo e ci- los, ela já criou um para o pro-
neasta a cativou tanto que ela jeto: “Esse é o começo do fim
começou, em 2002, a acompa- da nossa história”.
nhá-lo com uma câmera. O re- Como atriz, a filmografia
sultado de oito anos de filma- ainda é pequena. Ela recusa
gens é “Domingos”, documen- convites de produções que
tário que, depois de seduzir o não a atraem, como uma ba-
público e a crítica do festival seada em Chico Xavier de que
É Tudo Verdade de 2010, es- Caio Blat participou — “ele é
treou ontem em São Paulo e um operário do cinema”. E vê
chega na próxima sexta-feira como vantagem de ser contra-
a um pequeno circuito de sa- tada da TV Record o fato de
las cariocas. ser menos vista, pois fica com
— Fiquei cinco anos filman- a imagem também menos as-
do sozinha, eu e eu. O Domin- sociada a personagens.
gos dizia: “Você tem que fazer — Nem vejo filmes cheios
um filme.” Mas, na verdade, de atores de novelas, porque
ele queria montar o filme, fa- levo tanto tempo tentando es-
zer do jeito dele. Só depois de quecer que fulana é casada
um tempo se convenceu: “Vo- com beltrano e filha de sicra-
cê é a diretora, vai fundo.” En- no que não consigo entrar na
tão, o filme é o meu Domingos história — explica.
— ressalta Maria, que chamou Uma de suas melhores ami-
uma equipe profissional para gas, entretanto, é assídua em no-
completar o documentário, MARIA RIBEIRO lança seu primeiro longa-metragem como diretora, planeja outros e interpreta garota de programa na série “Oscar Freire 279” velas, estando agora em “Fina
em que dispensa os tradicio- estampa”: Carolina Dieckmann.
nais depoimentos de amigos — Nós nos conhecemos na
Um ‘muito obrigado’ e até
do retratado e usa apenas co- segunda versão de “Confissões
mo figurantes, em algumas ce- de adolescente” (peça dirigida
nas, gente do peso de Fernan- por Domingos) e ficamos ami-
da Montenegro. gas porque temos uma vida
— Um homem não cabe afetiva parecida: casamos com
num filme, numa biografia um homem mais velho, tive-
o novo álbum de família
nem mesmo numa autobiogra- mos um filho, casamos com
fia. É o Domingos da Maria — um homem mais novo, tivemos
endossa o próprio Domingos. outro filho. Ela está toda pode-
— Ela está no meu primeiro rosa hoje porque vai atrás do
círculo de amigos. Acho que que quer e faz com total com-
me confunde um pouco com a petência — exalta Carolina.
figura paterna. Maria não grava comerciais
Um Portinari no banheiro
Maria Ribeiro estreia documentário de gratidão a Domingos Oliveira ao lado do marido e não aceita
cachê para “fazer presença”
Uma relação tão próxima
justifica que ela tenha conse-
e prepara filme sobre a casa em que passou a maior parte de sua vida em festas. Mas, ao contrário
de muitos colegas, afirma não
guido três longas entrevistas ligar para os paparazzi:
sem qualquer outra pessoa à — Quem vai ao Sushi Leblon
volta (Maria perguntava e ope- gos ambientado no Rio de mer, eu punha a câmera em ci- ria muito a bagagem, nem tan- série “Oscar Freire 279”, que o e ao Zuka quer ser visto, né? En-
rava a câmera digital), nas 1964 e no qual o álcool tempe- ma da mesa e deixava ligada. to a atriz. E, para afrontar a cé- Multishow vem exibindo às se- tão, é estar com o cabelo decen-
quais ele afirmou coisas como ra amores e dores. Eles brincavam: “Maria acha lula mater burguesa, ela acei- gundas-feiras, Maria já apare- te, dar um tchauzinho e relaxar.
ser dono de uma obra medío- Fã dos chamados “filmes que é cineasta.” Não acho. Ci- tou tarefas como intensas ce- ceu — e aparecerá mais — bei- Lançando filme, aparecendo
cre. E ela ainda teve autorida- pessoais” (“Ana dos 6 aos 18”, neasta, para mim, é o Spiel- nas de sexo em “Tolerância” jando a atriz Lívia de Bueno e na TV e ainda em cartaz no tea-
de para, diante do pedido do de Nikita Mikhalkov; os do berg. Mas é uma história pes- (2000), de Carlos Gerbase. fazendo cenas de sexo. Entu- tro — em “Deus é um DJ”, co-
amigo para retirar o trecho do americano Wes Anderson; e, soal forte que eu quero contar. — Foi horrível. Passei seis siasmada pelo texto de Anto- média crítica aos reality shows
filme, mantê-lo, ainda que so- claro, os de Domingos), Maria Depois que o João (Moreira Sal- meses tomando remédio (cal- nia Pellegrino e pela direção que está apresentando no Oi
mado a uma explicação me- quer fazer sobre seus parentes les, seu ex-professor na PUC) fez mantes). Não quero que meus de Marcia Farias, acredita que Futuro do Flamengo —, Maria
lhor de Domingos: “Não sou ri- um longa-metragem que já o “Santiago” (sobre o mordomo filhos vejam — afirma a mãe seus filhos verão as imagens diz sentir falta de recato. Mas,
val do Dostoiévski.” tem título provisório: “A últi- de sua casa), liberou — diz. de João, de 8 anos, e Bento, de no futuro sem problemas. em seguida, reconhece que o
— O filme funciona como um ma casa da rua”. Assim é cha- Mãe e padrasto se mudaram 1 e meio, que também não faz João é fruto de seu casa- silêncio pode lhe ser custoso.
“muito obrigado” a ele e para mada por vizinhos, porteiros e para um apartamento de 400 questão de que eles venham a mento com Paulo Betti, 23 — Às vezes penso que já
que outras pessoas possam seguranças a mansão da Rua metros quadrados na Avenida assistir a “Histórias de amor anos mais velho e que, além sou Marisa Monte e posso não
ouvir o que eu sempre gostei Viúva Lacerda, no Humaitá, Ruy Barbosa, no Flamengo, e duram 90 minutos” (2009), em de tirá-la da Viúva Lacerda, jo- dar entrevistas. Mas aí lembro
de ouvir — diz a diretora. em que a família viveu por têm uma casa em Avignon, no que forma um movimentado gou-a num turbilhão de infor- que não sou e que adoro falar
Os próximos projetos cine- mais de 20 anos. Em janeiro Sul da França. A vida não é ma- triângulo amoroso com seu mações políticas e culturais. — diverte-se ela, que disse em
matográficos de Maria estão li- passado, mãe e padrasto ven- drasta para Maria — embora marido, Caio Blat, e a argenti- — Foi lindo, mas não é fácil, 2010 à revista “TPM”, da qual é
gados às suas famílias: a de deram a casa. Da coleção de seu pai tenha perdido algo em na Luz Cipriota. — Pelo menos aos 24 anos, ver oito filmes do colunista, que queria ser gos-
sangue e a de Domingos. Com obras de arte, que lhes permi- cavalos e casamentos. Permi- o Caio matou a vontade de me (cineasta japonês Yasujiro) Ozu tosa, afastando a fama de cool,
a segunda, se patrocínios per- tia ter um Portinari no banhei- tiu-lhe aprender inglês, fran- ver com outra mulher, porque em quatro dias — lembra.— e que agora elege a Rita de
mitirem, vai ser coprodutora e ro, restou um Di Cavalcanti. cês, conhecer bem arte e se só assim mesmo. Também gosto de pôr um ves- “Oscar Freire 279” como o
atriz em “Barata Ribeiro”, ro- — Passei 2010 todo filmando tornar uma atriz de boa baga- Como Rita, a garota de pro- tido curto, falar bobagem, ver exemplo extremo do que dese-
teiro autobiográfico de Domin- a casa. Sentávamos para co- gem intelectual. A família que- grama formada em Filosofia da cinema porcaria. Adoro Hugh ja ser: “gostosa inteligente”. ■