Este documento descreve a história de Elzéard Bouffier, um homem que dedicou sua vida a plantar árvores e transformar uma região desolada em uma floresta. Ao longo de décadas, ele plantou milhares de árvores sozinho, enfrentando dificuldades, mas persistindo em seu trabalho. Isso eventualmente levou à transformação completa da paisagem e da qualidade de vida dos moradores locais.
3. IV
A partir de 1920, nunca estive mais de um ano sem visitar Elzéard Bouffier. Nunca o vi esmorecer nem duvidar. E, no
entanto, só Deus sabe os obstáculos que ultrapassou! Não fiz contas às suas contrariedades. Mas pode-se facilmente
imaginar que, para alcançar tal proeza, tenha sido preciso vencer a adversidade; que, para alcançar o sucesso de uma tão
grande paixão, tenha sido preciso lutar contra o desespero. Tinha plantado, durante um ano, mais de dez áceres. Morreram
todos. No ano seguinte, abandonou os áceres para retomar as faias, que se deram ainda melhor que os carvalhos.
Para se ter uma ideia mais ou menos exata do seu caráter excecional é preciso não esquecer que se manifestava numa
solidão total; tão total que, para o final da vida, tinha perdido o hábito de falar. Ou poderia apenas não ver nisso necessidade?
Em 1933 recebeu a visita de um guarda-florestal muito peculiar. O funcionário intimou-o a não fazer lume fora da casa, por
poder pôr em perigo o crescimento daquela floresta natural. Era a primeira vez, disse-lhe esse homem ingénuo, que se via
uma floresta crescer sozinha.
Ácer (bordo) - é um género botânico pertencente à família Aceraceae. O seu porte pode ser arbóreo ou arbustivo. Existem aproximadamente 128 espécies, na
sua maioria nativas da Ásia, mas algumas também ocorrem na Europa, África Setentrional e América do Norte
4. Nessa altura, ele ia plantar faias a doze quilómetros de casa. Para evitar as idas e vindas – uma vez que já tinha setenta e
cinco anos – estava a pensar construir uma cabana de pedra junto ao local das plantações. Foi o que fez no ano seguinte.
Em 1935, uma verdadeira delegação administrativa veio observar a floresta natural. Havia uma alta personalidade das
Águas e Florestas, um deputado, técnicos. Pronunciaram-se muitas palavras inúteis.
Decidiu-se fazer qualquer coisa e, felizmente, não se fez nada, a não ser a única coisa útil: pôr a floresta sob a proteção do
Estado e proibir que os carvoeiros cortassem árvores.
Era impossível não se ficar subjugado pela beleza dessas jovens árvores em pleno vigor. Elas exerceram o seu poder de
sedução sobre o próprio deputado.
Tinha um amigo entre os chefes da guarda-florestal na delegação.
Expliquei-lhe o mistério.
5. Num dia da semana seguinte fomos os dois à procura de Elzéard Bouffier.
Encontrámo-lo em pleno trabalho, a vinte quilómetros do local que a delegação tinha visitado.
Este chefe da guarda-florestal não era meu amigo por acaso. Ele conhecia o valor das coisas. Soube manter silêncio.
Ofereci-lhes os ovos que tinha trazido, dividimos a merenda pelos três e ali passámos algumas horas em contemplação
silenciosa da paisagem.
A encosta por onde tínhamos vindo estava coberta de árvores com seis a sete metros de altura. Recordei o aspeto da região
em 1913, um deserto…
O trabalho pacífico e regular, o ar revigorante das montanhas, a frugalidade e, sobretudo, a serenidade da sua alma tinham
dado àquele ancião uma saúde quase solene. Era um atleta de Deus.
6. Perguntei-me quantos hectares ele iria ainda cobrir de árvores.
Antes de nos irmos embora, o meu amigo fez apenas uma breve sugestão sobre certas espécies às quais o terreno parecia
convir. Mas não insistiu. "Pela simples razão” - disse-me depois – “que esse homem sabe mais do que eu". Ao fim de uma
hora de caminhada, já depois de deixar amadurecer em si mesmo a questão, acrescentou: "Ele sabe muito mais do que todos
nós. Encontrou uma bela maneira de ser feliz!"
Foi graças ao meu amigo que, não apenas a floresta, mas também a felicidade daquele homem se viram protegidas. Fez
nomear três guardas-florestais para fazerem a proteção da floresta e aterrorizou-os de tal forma que se mantiveram
insensíveis a qualquer suborno que os lenhadores lhes pudessem propor.
7. A obra não correu risco grave até à guerra de 1939. Os automóveis andavam a gasogénio e a madeira nunca era demais.
Ainda começaram a cortar os carvalhos de 191O, mas as zonas onde estavam ficavam tão longe das estradas que o
empreendimento se tornou financeiramente inviável e foi abandonado.
O pastor não viu nada disto. Estava a trinta quilómetros dali, prosseguindo tranquilamente a sua tarefa, ignorando a
guerra de 1939 como antes tinha ignorado a guerra de 1914.
Automóveis a gasogénio: possuíam um
equipamento que produzia gás
combustível para alimentar motores de
combustão interna. Convertia matérias-
primas sólidas e líquidas em gás.
8. V
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Vi Elzéard Bouffier pela última vez em Junho de 1945. Tinha então oitenta e sete anos.
Tinha retomado o caminho daquelas terras, mas desta vez, apesar das más condições em que a guerra
tinha deixado o país, havia uma camioneta que fazia o transporte de passageiros entre o vale de Durance
e a montanha.
Atribuí àquele transporte relativamente rápido o facto de não reconhecer os lugares das minhas últimas
caminhadas. Pareceu-me também que o itinerário me fazia passar por sítios novos.
Precisei de ver o nome de uma aldeia para concluir que estava mesmo naquela região outrora desolada e em
ruínas.
9. A camioneta deixou-me em Vergons. Em 1913,
esse lugarejo com dez ou doze casas tinha três
habitantes. Eram autênticos selvagens, detestavam-
se, viviam da caça com armadilhas, mais ou menos no
estado físico e moral dos homens da pré-história. As
urtigas devoravam, a toda a sua volta, as casas
abandonadas. A sua condição era sem esperança. A
única coisa que lhes restava era esperar a morte: uma
situação que não predispõe à virtude.
Vergons por volta de 1910 - a montanha é praticamente sem floresta
10. Mas agora tudo estava mudado. Até o próprio ar. Em vez das
rajadas de vento secas e violentas que sopravam no passado,
acolheu-me uma brisa suave carregada de aromas. Um som
semelhante ao da água a correr vinha do alto: era o vento da
floresta.
Finalmente, para meu espanto, ouvi o barulho de água a cair para
uma bacia. Vi que tinham feito uma fonte e, o que mais me tocou,
perto dela tinham plantado uma tília, aparentando ter uns quatro
anos, mas já forte, símbolo incontestável de um renascimento.
Além disso, Vergons mostrava sinais de um trabalho para o qual a
esperança é necessária.
A esperança voltara, portanto.
Vergons por volta de 2010
11. Acabaram com as ruínas, demoliram os muros estragados e reconstruíram cinco casas. O lugar contava agora
vinte e oito habitantes incluindo quatro jovens casais. As casas novas, rebocadas de fresco, tinham em volta jardins
onde cresciam, misturados, mas ordenados, os legumes e as flores, as couves e as roseiras, os alhos-porros e as
bocas-de-leão, o aipo e as anémonas. Era agora um lugar onde apetecia viver.
A partir dali fiz o meu caminho a pé. A guerra de que mal acabávamos de sair não permitira o desenvolvimento
pleno da vida, mas Lázaro já tinha saído do túmulo.
Nas encostas mais baixas da montanha, podia observar pequenos campos de cevada e centeio em crescimento; no
fundo dos vales estreitos, alguns prados floresciam.
Bastaram os oito anos que nos separam dessa época para que toda a região florescesse em saúde e bem-estar.
12. No lugar das ruínas que eu vira em 1913 elevavam-se agora quintas bem cuidadas, sinal de uma vida feliz e confortável. As
velhas nascentes alimentadas pela chuva e pela neve retidas pela floresta, voltaram a correr. Canalizaram-se as suas águas.
Ao lado de cada quinta, em bosques de áceres, as pias das fontes transbordam sobre tapetes de menta fresca.
As aldeias foram reconstruídas a pouco e pouco. Pessoas vindas das planícies, onde a terra é mais cara, fixaram-se na
região, trazendo juventude, movimento e espírito de aventura. Encontrámos pelos caminhos homens e mulheres de ar
saudável, rapazes e raparigas que sabem rir e que voltaram a tomar o gosto pelas festas tradicionais do campo. Se contarmos
com a antiga população, irreconhecível desde que vive sem dificuldades, e com os recém-chegados, mais de dez mil pessoas
devem a sua felicidade a Elzéard Bouffier.
13. Quando penso que um único homem, reduzido aos seus simples recursos físicos e morais, foi suficiente para fazer
surgir do deserto esta terra de Canaã, acho que, apesar de tudo, a condição humana é admirável. Mas quando faço
contas a tudo aquilo que foi necessário de constância, de grandeza de alma, de persistência, de generosidade, para
alcançar este resultado, sou tomado de um imenso respeito por este velho homem do campo sem cultura que soube
levar a cabo esta obra digna de Deus.
Elzéard Bouffier morreu tranquilamente em 1947, no asilo de Banon.
Floresta: sinónimo de água e vida?