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Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
Dezembro de 2007
Phainomenon e lógos
na apropriação de
fenomenologia de
Heidegger: uma
leitura do § 7 de Ser e
Tempo
Paula Campos1
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em ciência da Religião na área de Filosofia da
Universidade Federal de Juiz de fora- MG
REVISTAÉTICAEFILOSOFIAPOLÍTICA
RevistadoDepartamentodeFilosofiadaUniversidadeFederaldeJuizdeForawww.eticaefilosofia.ufjf.br
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
2
“O essencial para ela (a fenomenologia) não consiste em
realizar-se como ‘movimentos’ filosóficos. Acima da
atualidade está a possibilidade. Compreender a
fenomenologia quer unicamente dizer: captá-la como
possibilidade”.
M. Heidegger, Ser e Tempo, p. 38
Resumo: O presente artigo pretende discutir e analisar os conceitos de phainomenon e
lógos explicitados por Heidegger no § 7 de Ser e Tempo, de modo a pensar o termo fenomenologia
conforme a compreensão/apropriação do autor. Adentrar nesses conceitos nos remete ao âmago
do pensamento heideggeriano e, portanto, lançaremos mão de leituras de textos posteriores a Ser
e Tempo tais como as conferências Lógos (Heráclito, fragmento 50), pronunciada em 1951 e
Alétheia (Heráclito, fragmento 16), lida pela primeira vez no semestre de verão de 1943, ambas
encontradas em Ensaios e Conferências e Que é Isto - A Filosofia, pronunciada em agosto de 1955.
Palavras-chave: Fenomenologia, Heidegger, phainomenon, lógos, Ser.
No § 7 de Ser e Tempo, Heidegger conduz a discussão sobre o modo como a questão do Ser
deve ser tratada. Encontramos nele o cerne do confronto do pensamento de Heidegger com a
fenomenologia de seu mestre Husserl, confronto este que se refere à refutação das bases,
trabalhadas no pensamento de Husserl, para a consolidação de uma “nova filosofia”. Para
Heidegger, a filosofia é ontologia e a fenomenologia uma via de acesso, ou seja, um método para a
ontologia. Ao contrário, Husserl entende que fenomenologia e filosofia coincidem, dizem o
mesmo.
Enquanto para Husserl a fenomenologia coincide com a própria
investigação que a filosofia, como “ciência rigorosa”, é capaz de
desenvolver, para Heidegger a filosofia é ciência do ser, ontologia, e a
expressão fenomenologia indica apenas um método. Para Heidegger a
fenomenologia não visa de maneira alguma, como em Husserl, individuar
o que (was) um objeto é em seu conteúdo essencial, ou seja, a sua forma
eidética, através de um processo de “redução” que coloca entre
parênteses os dados concretos e acidentais. Para Heidegger a
fenomenologia não deve buscar colher na sua plena evidência aquilo que
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
3
imediatamente se dá, “em carne e osso”, a uma visão intencional da
essência, com base daquele princípio de todos os princípios que Husserl
enunciara no primeiro livros das Idee: “Toda visão originalmente oferente
é uma fonte legítima de conhecimento, […] tudo aquilo que se dá
originalmente na intuição deve ser assumido como se dá, mas também
apenas nos limites em que se dá”. Para Heidegger, com efeito,
fenomenologia indica o como (wie) se efetiva aquela investigação
filosófica que pretende aprofundar o ser em seu sentido, ou seja, indica o
modo em que o próprio ser, por seu manifestar-se, pode ser considerado
como tema.2
O conceito de fenomenologia é retomado por Heidegger de modo a ser pensado como
ontologia. Resgatando a etimologia do termo fenomenologia, o autor intenta pensar o que está
em jogo tanto em phainomenon quanto em lógos. A busca pela força das palavras gregas
fundamentais faz-se necessária para se pensar para aquém da tradição metafísica. Isto significa
pensar o solo fundamental no qual se assentam todas as discussões do pensamento ocidental,
solo este que, como não pensado com suficiente atenção, parece estranho diante das fórmulas
consabidas do pensamento. Este é o procedimento da “destruição da história da ontologia” que
visa retomar as fontes da origem de modo a pensar o que pela tradição permaneceu impensado.
A tradição assim predominante tende a tornar tão pouco acessível o que
ela ‘lega’ que, na maioria das vezes e em primeira aproximação, o encobre
e esconde. Entrega o que é legado à responsabilidade da evidência,
obstruindo, assim, a passagem para as ‘fontes’ originais, de onde as
categorias e os conceitos tradicionais foram hauridos, em parte de maneira
autêntica e legítima. A tradição até faz esquecer essa proveniência. Cria a
convicção de que é inútil compreender simplesmente a necessidade de
retorno às origens.3
Phainomenon deriva de phaino, um fazer brilhar e de phôs, uma luz que faz aparecer, que
torna visível. És Tò phôs ti: trazer qualquer coisa à luz do dia. Phainomenon diz tudo aquilo que é
passível de ser posto à luz, tudo aquilo que resplandece, iluminando-se. Para Heidegger, este se
2 ARAÚJO: Ser e Tempo. Fotocópias de textos-aulas apresentados em disciplina ministrada durante o 2º
semestre de 2007 no Curso de Graduação em Filosofia da UFJF. Juiz de Fora. Texto-aula 3, p. 32.
3
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 49-50.
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
4
colocar à luz do phainomenon não pode ser compreendido como uma exposição pura. O
phainomenon só pode se mostrar assim como é, a partir de uma clareira (Lichtung) que se ilumina.
Ele só é possível na abertura do Ser. O Ser permite que algo venha à luz e se mostre mas, no
entanto, ele (o Ser) permanece em uma espécie de penumbra. O Ser, enquanto se presenta e se
deixa ver como phainomenon, encontra-se na fronteira da ausência. A clareira do Ser não deixa os
entes (aquilo que se deixa ver) simplesmente expostos à luz. Ela só se dá na proximidade da
penumbra, o Ser só se mostra conjugado à ausência: este é o modo próprio de surgimento de tudo
aquilo que é. Fora deste jogo só nos restaria a mais pura escuridão. Aquilo que se põe à luz
(phainomenon), dá-se, dinamicamente, como surgimento que tende ao encobrimento. Esta
dinâmica é propiciada pelo que Heidegger compreende e interpreta por lógos.
O sentido de lógos deve ser descortinado das malhas interpretativas da tradição metafísica
que o compreende como palavra, discurso, razão, proporção. O que deve ser posto em questão é
como lógos veio a significar tais conceitos. Heidegger encontra em Heráclito (540/480 a.C) o
sentido básico de lógos como âmbito acolhedor e reunidor de tudo o que é, que em sua dinâmica
traz à tona o que se encontrava oculto. Ou seja, como âmbito que subsidia o surgimento dos entes
a partir do Ser. Em grego, lógos corresponde ao verbo légo: reunir, ordenar e a légein: dizer. O
lógos pensado por Heráclito reúne em si tudo o que se põe a mostrar, possibilita o mostrar-se do
phainomenon. A dinâmica de dispersão e retração do lógos, deixa ser o phainomenon.
No lógos, a physis (para Heidegger, o próprio Ser) adentra o surgimento. Trazendo à luz o
que se encontrava encoberto, o lógos favorece o surgimento da physis. Ao mostrar-se desde a
physis, ele se desdobra em um recolhimento. Ela surge, então, na mirada de um declínio. O
fragmento número 123 de Heráclito nos diz: "Natureza (physis) ama esconder-se".4
Ela, ao
adentrar o surgimento, favorece o encobrimento. Isto porque não se dá, neste surgimento, a
plenitude do desvelamento do Ser. O Ser apenas se deixa entrever no mostrar-se dos entes.
Pensar o advento do Ser em sua dinâmica constitutiva é pensar desde o "entre" que se oferece no
desencobrimento dos entes. Pensar desde o aberto do Ser, que não oferece determinações e
fixações, mas possibilidades que poderão ou não ser realizadas. O Ser não se deixa capturar em
uma essência; ele se constitui como pura possibilidade que, ao se determinar como isso ou como
aquilo, esconde-se enquanto clareira iluminadora que libera o ente para o aberto. O Ser se
4
HERÁCLITO. Fragmentos. Tradução de José Cavalcante de Souza. 2 a.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
(Col. Os Pensadores).
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
5
mostra/ocultando. Pensar nesta ambiência de jogo significa pensar as coisas em sua facticidade,
em sua concretude. Trata-se de pensar como as coisas podem se dar desde essa tensão de
presença/ausência que nos abre a uma dimensão que, muito embora nos seja constitutiva, nos
parece sempre distante. Essa dimensão de mistério que nos remete já sempre à ausência do Ser
em seu presentar-se abre caminho para uma ontologia que se proponha vislumbrar o Ser em sua
dinamicidade. A fenomenologia compreendida como ontologia é eleita por Heidegger como
método apropriado para a investigação filosófica. Esta visa colher as coisas em sua dinâmica
constitutiva, em seu ocorrer essencial (Wesen) do surgimento que tende ao encobrimento.
A fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se
determinar o que deve constituir tema da ontologia. A ontologia só é
possível como fenomenologia. O conceito fenomenológico de fenômeno
propõe, como o que se mostra, o ser dos entes, o seu sentido, suas
modificações e derivados. Pois, o mostrar-se não é um mostrar-se
qualquer e, muito menos, uma coisa “atrás” da qual esteja outra coisa
‘que não se manifesta’. Atrás dos fenômenos da fenomenologia não há
absolutamente nada, o que acontece é que aquilo que deve tornar-se
fenômeno pode-se velar. A fenomenologia é necessária justamente
porque, de início e na maioria das vezes, os fenômenos não se dão. O
conceito oposto de ‘fenômeno’ é o conceito de encobrimento.5
Sob este ponto de vista, novas possibilidades de se pensar o lógos se abrem. A
corrente de interpretação de lógos como apophansis (fazer ver o que se diz no discurso,
declaração) que ganha força e forma no pensamento de Aristóteles, mostra-se como um modo
possível de compreensão do lógos, não o único e nem o mais originário. Para Aristóteles, o lógos
como apophansis constitui a forma de investigação filosófica por excelência porque pode ser
verdadeiro ou falso, de acordo com a declaração. Para Heidegger, o lógos e o phainomenon
encontram-se também indissociáveis da questão da verdade mas, para ele, a verdade não se dá
primeiramente como concordância, adequação. Heidegger compreende/interpreta a verdade
como alétheia (não esquecimento).
O filósofo pensa alétheia como desvelamento dos entes através do Ser. O vir à tona de
algo que se encontrava encoberto. Neste sentido é que podemos pensar lógos e phainomenon em
5
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, p.66.
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
6
sua remissão a alétheia. O desvelamento do Ser se dá no phainomenon, propiciado pelo lógos - o
reunidor.
A verdade como alétheia não pode ser fixada; ela ocorre na liberação do ente que se dá
na retração do Ser. Na clareira (Lichtung) do Ser, o iluminar ambienta-se no penumbrar. A
dinâmica da alétheia ocorre desde este iluminar/penumbrar do Ser.
A clareira (Lichtung) não alumia (beleuchtet) apenas presentes
(Anwesendes), mas ela, primeiramente o reúne e o resguarda em uma
Presença (Anwesen). Entretanto, qual é o modo da presença de Deuses e
Homens? Eles não são alumiados apenas na Clareira, mas iluminados (er-
leuchtet) a partir dela e para ela. Assim, ao seu modo, eles então têm a
capacidade de realizar o aclarar (Lichten) (trazer na completude de sua
essência) e de resguardar (hüten) através da Clareira. Deuses e Homens
não estão apenas expostos a uma Luz, como se esta fosse algo de
sobrenatural, de modo que eles nunca pudessem se esconder dela no
escuro. Eles são aclarados (gelichtet) na sua essência (Wesen). Eles são
entreluzidos(er-lichtet): co-apropriados (vereignet) na Ereignis da Clareira,
por isto nunca ocultados, mas desabrigados (ent-borgen), este ainda
pensado em outro sentido. Como pertence ao distanciar da distância
(Ferne) o atrever-se da clareira mantenedora e retentora, agora a ser
pensado no sentido do desabrigado do abrigado (Entborgenen der
bergenden). Eles estão lançados, reunidos em suas essências para no
ocultamento do Mistério apropriar o lógos no homologéin.6
O lógos se dá na abertura constitutiva do homem a partir da clareira do Ser : no
homologéin. O apropriar-se de sua essência depende, para o homem, do fato de corresponder
(ent-sprechen) ou não ao lógos: ao que se aclara/entreluzindo na clareira. A correspondência do
homem ao lógos, o homologéin, refere-se à atenção deste à sua pertença ao Ser desde o âmbito
aberto pela clareira. Esta não é aberta pelo homem, mas é ele que oferece o espaço de
acontecimento da abertura. O homem se constitui nesta abertura que só pode ocorrer nele. No
entanto, ele não tem domínio sobre ela, sobre este aclarar-se do Ser justamente porque o modo
6 HEIDEGGER, Martin. Vorträge und Aufsätze. 1. ed. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 2000;
HEIDEGGER, Martin. “Alétheia (Fragmento 16)”. In: Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.
p. 246.
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
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de mostrar-se do Ser é escondendo-se. A luz quando ilumina, libera o aberto mas enquanto atenta
para o que se abre nesse aberto. O homem deixa de atentar para o próprio aclarar, não por uma
falha sua mas pelo próprio entreluzir do Ser que se oferece e se esconde. Na conferência Alétheia
(Heráclito, fragmento 16), Heidegger diz:
Os mortais lidam sem cessar com a reunião recolhedora, que descobre e
encobre. Lidam sem cessar com a reunião que clareia em sua vigência tudo
o que vige. Eles se afastam, porém, da clareira, voltando-se somente para o
vigente, voltando-se somente para o que encontram imediatamente, na
lida cotidiana com tudo e cada um. Os mortais consideram que essa lida
com o vigente confere, como que de per si, a familiaridade adequada. O
vigente se lhes mantém, no entanto, estranho. Pois eles não entrevêem
nada daquilo com o que estão familiarizados: não entrevêem nada do
vigorar que clareando deixa e faz aparecer a cada vez o vigente. O lógos,
sob cuja luz eles vão e vêm, se lhes mantém encoberto, é por eles
esquecido.7
O voltar-se do homem para sua pertença ao Ser, para o lógos (a reunião recolhedora) dá-
se no homologéin – a correspondência (ent-sprechen) do homem ao lógos em resposta (Antwort)
ao seu apelo. Em sua essência, lógos e homem estão reunidos no mistério do ocultamento; o
voltar-se do homem para a sua morada no mistério “apropria o lógos no homologéin”. O
apropriar-se do lógos no homologéin possibilita que o Ser se dê em sua verdade. Devemos nos
perguntar de que forma o homem deve voltar-se ao lógos em uma atenção a ele, para
corresponder/responder ao seu chamado. Nas palavras de Heidegger, na conferência intitulada
O que é isto - a Filosofia? pronunciada em agosto de 1955, a questão se formula da seguinte
maneira:
Eis o teor: será primeiro necessário fazer um esforço para atingirmos a
correspondência ao ser do ente? Não estamos nós homens já sempre
numa tal correspondência, e não apenas de fato, mas do mais íntimo de
nosso ser? Não constitui esta correspondência o traço fundamental de
nosso ser?
Na verdade, esta é a situação. Mas, se a situação é esta, então não
podemos dizer que primeiro nos devemos situar nesta correspondência. E,
contudo, dizemos isto com razão. Pois nós residimos, sem dúvida, sempre
e em toda parte, na correspondência ao ser do ente; entretanto, só
7
HEIDEGGER, Martin. “Alétheia (Heráclito, Fragmento 16)”. Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes, 2002,
p. 248.
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
8
raramente somos atentos à inspiração do ser. Não há dúvida que a
correspondência ao ser do ente permanece nossa morada constante. Mas
só de tempos em tempos ela se torna um comportamento propriamente
assumido por nós e aberto a um desenvolvimento. Só quando acontece
isto correspondemos propriamente àquilo que concerne à filosofia que
está a caminho do ser do ente. O corresponder ao ser do ente é a filosofia;
mas ela o é somente então e apenas então quando esta correspondência
se
exerce propriamente e assim se desenvolve e alarga este desenvolvimento.
Este corresponder se dá de diversas maneiras, dependendo sempre do
modo como fala o apelo do ser, ou do modo como é ouvido ou não ouvido
um tal apelo, ou ainda, do modo como é dito e silenciado o que se ouviu.8
Muito embora o homem habite a proximidade do Ser, deve tornar próprio esse habitar no
homologéin, a atenção e demora junto ao Ser. Como diz Heidegger na conferência acima citada,
a filosofia é o exercício dessa correspondência e, como vimos mais acima, tal correspondência se
dá na atenção e escuta do Ser em sua dinâmica essencial: desde o âmbito do mistério. A
correspondência à dinâmica do Ser trata-se da correspondência à retração que nos atrai.
O que de nós se retrai à maneira mencionada, afasta-se para longe de nós.
Mas precisamente isso nos leva junto e, à sua maneira, nos atrai. O que se
retrai parece estar absolutamente ausente. Mas essa aparência engana. O
que se retrai se faz vigente – a saber, através do fato de nos atrair, quer
percebamos agora, depois ou mesmo nunca. O que nos atrai já concedeu
encontro. Tomados pela atração da retração, já estamos no impulso para
isso que nos atrai, à medida que se retrai.9
A correspondência do homem ao que diz o lógos, ou seja, à dinâmica de dispersão/retração
do Ser entrelaça homem e Ser em sua referência constitutiva. Ainda que não atentemos, que não
nos voltemos para a abertura/fechamento, para o mistério que nos constitui, nos encontramos
sempre já na abertura deste impulso que, retraindo-se, nos atrai. Desde esta dimensão de
mistério, na qual o Ser se retrai nos atraindo, ganhamos a propriedade de nossa essência.
8
HEIDEGGER, Martin. “O Que é Isto – Filosofia?”. Conferências e Escritos Filosóficos. São Paulo: Abril
Cultural, 1973, p. 218. (Col. Os Pensadores)
9
HEIDEGGER, Martin. “Alétheia (Heráclito, fragmento 16)”. Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes, 2002,
p. 116.
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
9
No fragmento 50 de Heráclito, temos: “Auscultando não a mim, mas o lógos é sábio
concordar que tudo é um.”10
Neste entrelaçar, homem e Ser encontram-se em um ocorrer
essencial no qual o lógos se deixa entrever na escuta acolhedora do homem: no homologéin. Este
possibilita que Ser e homem se dêem em uma dinâmica essencial.
Phainomenon, lógos, homologéin, alétheia dizem o Ser em sua dinâmica essencial. Nesta
dinâmica, o Ser pode ser pensado como o phainomenon originário, como aquele que se mostra
desde si mesmo e faculta aos entes que emerjam na dimensão de mistério (presença/ausência do
Ser).
A tradição do pensamento filosófico tendeu a pensar o Ser desde o iluminar, desde a
perspectiva da presença (Anwesen). Dessa forma, permanece esquecido o jogo a partir do qual o
Ser se dá. Este esquecimento permite que lógos, phainomenon e alétheia sejam pensados em
sentidos não originários, mas derivados da compreensão do Ser como presença. Resgatar esses
sentidos é pensar o não pensado pela tradição, incorrer em um modo radicalmente outro de
pensar.
Marca-se, neste modo outro de pensar, a distinção do pensamento de Heidegger para o
de Husserl. Para Heidegger, o fazer filosofia não se trata mais de um encontro com âmbitos
temáticos objetiváveis. Para este autor, a filosofia constitui uma tarefa, qual seja, a de buscar
pensar o Ser desde o seu sentido e, sendo assim, “na medida em que se desvendam o sentido do
ser e as estruturas fundamentais da pre-sença em geral, abre-se o horizonte para qualquer
investigação ontológica ulterior dos entes não dotados do caráter da pre-sença”.11
O Ser é o fenômeno originário para o qual se deve dirigir a investigação filosófica. De
modo próprio, "a fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se determinar o
que deve constituir tema da ontologia. A ontologia só é possível como fenomenologia. O conceito
fenomenológico de fenômeno propõe, como o que se mostra, o Ser dos entes, o seu sentido, suas
modificações e derivados".12
A investigação filosófica que pretende percorrer o modo próprio de manifestação dos
10
LEÃO, Emmanuel Carneiro; WRUBLEWSKI, Sérgio. Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides,
Heráclito. Texto e tradução. Petrópolis: Vozes, 1991.
11
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 68. Nesta tradução de Márcia Sá Cavalcante
Schuback, Dasein é traduzido por pre-sença.
12
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 66.
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
10
entes deve ter como escopo o próprio homem, por ser este o espaço desde o qual o Ser se
ilumina. Para Heidegger, "o homem já sempre imerge na compreensão do ser. Logo, o sentido do
Ser se revela na análise das estruturas do próprio homem. Logo, fenomenologia vem ligada à
analítica existencial, ao menos em Ser e Tempo”.13
Deste modo, a temática do Ser que tem como
via de acesso a fenomenologia não pretende ser a temática do Ser em geral, como se fosse
possível um acesso sem mediações à este. O homem possui primazia entre os outros entes por ser
aquele que, na referência ao Ser, possibilita um falar e um pensar sobre ele mediados por uma
compreensão prévia e pela interpretação (Auslegung). Sempre já colocado na abertura ao Ser, o
homem é o único ente que pode colocar o Ser e a si mesmo em questão: ele é capaz de se
perguntar pelo ser que ele mesmo é, que o constitui. A fenomenologia como ontologia possui
caráter hermenêutico. "O lógos da fenomenologia da pre-sença possui o caráter de um
hermeneuin. Por meio deste hermeneuein proclamam-se o sentido do Ser e as estruturas
ontológicas fundamentais da pre-sença para a sua compreensão ontológica constitutiva”.14
Perguntando-se desde onde se dá tudo aquilo que é, dá-se, para o ente questionador (o Dasein),
aberturas de sentido – hermeneuein.
Na perspectiva de Ser e Tempo, o Dasein (que é traduzido na edição brasileira por pre-
sença) é o ente que se compreende a si mesmo e compreende aos outros entes compreendendo o
Ser.
A fenomenologia, para Heidegger, refere-se à análise das estruturas fundamentais do
Dasein e, dessa forma, trata-se de uma analítica existencial da existência. Esta analítica estrutura-
se por meio da hermenêutica. Hermenêutica refere-se, na concepção de Heidegger, a Hermes, o
mensageiro dos deuses, o mediador entre deuses e mortais. O sentido de hermenêutica é
interpretação como abertura de horizontes para que o Ser seja pensado.
O Ser pensado no horizonte do Dasein é sempre e a cada vez interpretado em seu
caráter dinâmico. Os entes que se dão a partir do Ser não são simplesmente dados (o Ser se dá na
dinamicidade) e, dessa forma, o Dasein também não é um ente já pronto. O Dasein se constitui
em uma abertura. Esta abertura é a verdade como alétheia, como desencobrimento do Ser. O que
diferencia radicalmente a análise empreendida por Heidegger a respeito ao Dasein de outros
empreendimentos do pensamento da tradição refere-se à remissão do Dasein à manifestação
13
STEIN, Ernildo. “A Fenomenologia Hermenêutica”. Introdução ao Pensamento de Martin Heidegger. Porto
Alegre:EDIPUCRS, 2002 (Col. Filosofia: vol.152), p. 54
14
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 68.
Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2
11
originária do Ser. O Dasein encontra-se sempre remetido ao dar-se constitutivo do Ser e, dessa
forma, encontra-se na abertura do acontecimento da verdade. O que se abre, então, na analítica
do Dasein, não é uma teoria acerca do homem já constituído. Antes, vislumbra-se o jogo desde o
qual homem e Ser se dão na abertura da verdade. Temos aí a própria dificuldade da tradução de
Dasein por homem. Podemos ficar em algum conceito prévio e não ascendermos a uma
compreensão mais radical de homem. Porque como já dissemos, não se trata do homem já dado,
mas de um estar a ser (Zu-Sein), de uma abertura ao Ser que se lança para o porvir. Neste sentido,
o Dasein constitui uma tarefa a ser assumida e não uma essência prévia de todo e qualquer
mortal. Ele é a sua possibilidade e não uma essência pré-determinada. A essência do Dasein,
podemos dizer, consiste em seu estar a ser, ou seja, em sua existência (Existenz); dá-se na
dinâmica do Ser.
Dessa forma, a fenomenologia como analítica existencial tem de colher o Ser que se
oferece à abertura constitutiva do Dasein. Ou seja, tem de colher o Ser como possibilidade que
pode ou não vir a se atualizar por meio deste ou daquele ente. Com esta tarefa a filosofia deve se
ocupar. A filosofia está sempre a caminho do Ser e deve colhê-lo em sua dinâmica, como
possibilidade. Deve responder ao apelo do phainomenon originário, de modo que o seu discurso
deixe ser o que se mostra desde o pôr-se a caminho do Ser.
O que se torna mais claro diante da analítica existencial de Ser e Tempo, diz respeito à
vocação do Dasein para dar conta de colher a manifestação da verdade, de se constituir como
intransferível referência ao Ser. Muito mais do que um exercício epistemológico, a filosofia diz
respeito a um modo do Dasein de dar conta do que ele mais propriamente é. Delineia-se, dessa
forma, o traço fundamental do que Heidegger compreende por fenomenologia. Phainomenon e
lógos dizem o acontecer mais próprio do Ser em sua dimensão de mistério, a partir da abertura do
Dasein. Nesta, o Ser se ilumina, mostrando e ocultando possibilidades. A fenomenologia como via
de acesso da filosofia/ontologia - tarefa assumida pelo Dasein para dar conta de colher esse
acontecimento que o afeta e constitui – dirige-se ao Ser que ao se dar, mostra-se no e como
phainomenon. O lógos acolhe e reúne os entes e os libera para o encontro, no acontecimento do
mundo, desde o qual o próprio Dasein se constitui. Phainomenon/Lógos dizem a fenomenologia
como explicitação do que se passa com o Ser desde o seu sentido sempre e a cada vez revelado ao
Dasein.

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Phainomenon e lógos

  • 1. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 Dezembro de 2007 Phainomenon e lógos na apropriação de fenomenologia de Heidegger: uma leitura do § 7 de Ser e Tempo Paula Campos1 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em ciência da Religião na área de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de fora- MG REVISTAÉTICAEFILOSOFIAPOLÍTICA RevistadoDepartamentodeFilosofiadaUniversidadeFederaldeJuizdeForawww.eticaefilosofia.ufjf.br
  • 2. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 2 “O essencial para ela (a fenomenologia) não consiste em realizar-se como ‘movimentos’ filosóficos. Acima da atualidade está a possibilidade. Compreender a fenomenologia quer unicamente dizer: captá-la como possibilidade”. M. Heidegger, Ser e Tempo, p. 38 Resumo: O presente artigo pretende discutir e analisar os conceitos de phainomenon e lógos explicitados por Heidegger no § 7 de Ser e Tempo, de modo a pensar o termo fenomenologia conforme a compreensão/apropriação do autor. Adentrar nesses conceitos nos remete ao âmago do pensamento heideggeriano e, portanto, lançaremos mão de leituras de textos posteriores a Ser e Tempo tais como as conferências Lógos (Heráclito, fragmento 50), pronunciada em 1951 e Alétheia (Heráclito, fragmento 16), lida pela primeira vez no semestre de verão de 1943, ambas encontradas em Ensaios e Conferências e Que é Isto - A Filosofia, pronunciada em agosto de 1955. Palavras-chave: Fenomenologia, Heidegger, phainomenon, lógos, Ser. No § 7 de Ser e Tempo, Heidegger conduz a discussão sobre o modo como a questão do Ser deve ser tratada. Encontramos nele o cerne do confronto do pensamento de Heidegger com a fenomenologia de seu mestre Husserl, confronto este que se refere à refutação das bases, trabalhadas no pensamento de Husserl, para a consolidação de uma “nova filosofia”. Para Heidegger, a filosofia é ontologia e a fenomenologia uma via de acesso, ou seja, um método para a ontologia. Ao contrário, Husserl entende que fenomenologia e filosofia coincidem, dizem o mesmo. Enquanto para Husserl a fenomenologia coincide com a própria investigação que a filosofia, como “ciência rigorosa”, é capaz de desenvolver, para Heidegger a filosofia é ciência do ser, ontologia, e a expressão fenomenologia indica apenas um método. Para Heidegger a fenomenologia não visa de maneira alguma, como em Husserl, individuar o que (was) um objeto é em seu conteúdo essencial, ou seja, a sua forma eidética, através de um processo de “redução” que coloca entre parênteses os dados concretos e acidentais. Para Heidegger a fenomenologia não deve buscar colher na sua plena evidência aquilo que
  • 3. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 3 imediatamente se dá, “em carne e osso”, a uma visão intencional da essência, com base daquele princípio de todos os princípios que Husserl enunciara no primeiro livros das Idee: “Toda visão originalmente oferente é uma fonte legítima de conhecimento, […] tudo aquilo que se dá originalmente na intuição deve ser assumido como se dá, mas também apenas nos limites em que se dá”. Para Heidegger, com efeito, fenomenologia indica o como (wie) se efetiva aquela investigação filosófica que pretende aprofundar o ser em seu sentido, ou seja, indica o modo em que o próprio ser, por seu manifestar-se, pode ser considerado como tema.2 O conceito de fenomenologia é retomado por Heidegger de modo a ser pensado como ontologia. Resgatando a etimologia do termo fenomenologia, o autor intenta pensar o que está em jogo tanto em phainomenon quanto em lógos. A busca pela força das palavras gregas fundamentais faz-se necessária para se pensar para aquém da tradição metafísica. Isto significa pensar o solo fundamental no qual se assentam todas as discussões do pensamento ocidental, solo este que, como não pensado com suficiente atenção, parece estranho diante das fórmulas consabidas do pensamento. Este é o procedimento da “destruição da história da ontologia” que visa retomar as fontes da origem de modo a pensar o que pela tradição permaneceu impensado. A tradição assim predominante tende a tornar tão pouco acessível o que ela ‘lega’ que, na maioria das vezes e em primeira aproximação, o encobre e esconde. Entrega o que é legado à responsabilidade da evidência, obstruindo, assim, a passagem para as ‘fontes’ originais, de onde as categorias e os conceitos tradicionais foram hauridos, em parte de maneira autêntica e legítima. A tradição até faz esquecer essa proveniência. Cria a convicção de que é inútil compreender simplesmente a necessidade de retorno às origens.3 Phainomenon deriva de phaino, um fazer brilhar e de phôs, uma luz que faz aparecer, que torna visível. És Tò phôs ti: trazer qualquer coisa à luz do dia. Phainomenon diz tudo aquilo que é passível de ser posto à luz, tudo aquilo que resplandece, iluminando-se. Para Heidegger, este se 2 ARAÚJO: Ser e Tempo. Fotocópias de textos-aulas apresentados em disciplina ministrada durante o 2º semestre de 2007 no Curso de Graduação em Filosofia da UFJF. Juiz de Fora. Texto-aula 3, p. 32. 3 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 49-50.
  • 4. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 4 colocar à luz do phainomenon não pode ser compreendido como uma exposição pura. O phainomenon só pode se mostrar assim como é, a partir de uma clareira (Lichtung) que se ilumina. Ele só é possível na abertura do Ser. O Ser permite que algo venha à luz e se mostre mas, no entanto, ele (o Ser) permanece em uma espécie de penumbra. O Ser, enquanto se presenta e se deixa ver como phainomenon, encontra-se na fronteira da ausência. A clareira do Ser não deixa os entes (aquilo que se deixa ver) simplesmente expostos à luz. Ela só se dá na proximidade da penumbra, o Ser só se mostra conjugado à ausência: este é o modo próprio de surgimento de tudo aquilo que é. Fora deste jogo só nos restaria a mais pura escuridão. Aquilo que se põe à luz (phainomenon), dá-se, dinamicamente, como surgimento que tende ao encobrimento. Esta dinâmica é propiciada pelo que Heidegger compreende e interpreta por lógos. O sentido de lógos deve ser descortinado das malhas interpretativas da tradição metafísica que o compreende como palavra, discurso, razão, proporção. O que deve ser posto em questão é como lógos veio a significar tais conceitos. Heidegger encontra em Heráclito (540/480 a.C) o sentido básico de lógos como âmbito acolhedor e reunidor de tudo o que é, que em sua dinâmica traz à tona o que se encontrava oculto. Ou seja, como âmbito que subsidia o surgimento dos entes a partir do Ser. Em grego, lógos corresponde ao verbo légo: reunir, ordenar e a légein: dizer. O lógos pensado por Heráclito reúne em si tudo o que se põe a mostrar, possibilita o mostrar-se do phainomenon. A dinâmica de dispersão e retração do lógos, deixa ser o phainomenon. No lógos, a physis (para Heidegger, o próprio Ser) adentra o surgimento. Trazendo à luz o que se encontrava encoberto, o lógos favorece o surgimento da physis. Ao mostrar-se desde a physis, ele se desdobra em um recolhimento. Ela surge, então, na mirada de um declínio. O fragmento número 123 de Heráclito nos diz: "Natureza (physis) ama esconder-se".4 Ela, ao adentrar o surgimento, favorece o encobrimento. Isto porque não se dá, neste surgimento, a plenitude do desvelamento do Ser. O Ser apenas se deixa entrever no mostrar-se dos entes. Pensar o advento do Ser em sua dinâmica constitutiva é pensar desde o "entre" que se oferece no desencobrimento dos entes. Pensar desde o aberto do Ser, que não oferece determinações e fixações, mas possibilidades que poderão ou não ser realizadas. O Ser não se deixa capturar em uma essência; ele se constitui como pura possibilidade que, ao se determinar como isso ou como aquilo, esconde-se enquanto clareira iluminadora que libera o ente para o aberto. O Ser se 4 HERÁCLITO. Fragmentos. Tradução de José Cavalcante de Souza. 2 a.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Col. Os Pensadores).
  • 5. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 5 mostra/ocultando. Pensar nesta ambiência de jogo significa pensar as coisas em sua facticidade, em sua concretude. Trata-se de pensar como as coisas podem se dar desde essa tensão de presença/ausência que nos abre a uma dimensão que, muito embora nos seja constitutiva, nos parece sempre distante. Essa dimensão de mistério que nos remete já sempre à ausência do Ser em seu presentar-se abre caminho para uma ontologia que se proponha vislumbrar o Ser em sua dinamicidade. A fenomenologia compreendida como ontologia é eleita por Heidegger como método apropriado para a investigação filosófica. Esta visa colher as coisas em sua dinâmica constitutiva, em seu ocorrer essencial (Wesen) do surgimento que tende ao encobrimento. A fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. A ontologia só é possível como fenomenologia. O conceito fenomenológico de fenômeno propõe, como o que se mostra, o ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados. Pois, o mostrar-se não é um mostrar-se qualquer e, muito menos, uma coisa “atrás” da qual esteja outra coisa ‘que não se manifesta’. Atrás dos fenômenos da fenomenologia não há absolutamente nada, o que acontece é que aquilo que deve tornar-se fenômeno pode-se velar. A fenomenologia é necessária justamente porque, de início e na maioria das vezes, os fenômenos não se dão. O conceito oposto de ‘fenômeno’ é o conceito de encobrimento.5 Sob este ponto de vista, novas possibilidades de se pensar o lógos se abrem. A corrente de interpretação de lógos como apophansis (fazer ver o que se diz no discurso, declaração) que ganha força e forma no pensamento de Aristóteles, mostra-se como um modo possível de compreensão do lógos, não o único e nem o mais originário. Para Aristóteles, o lógos como apophansis constitui a forma de investigação filosófica por excelência porque pode ser verdadeiro ou falso, de acordo com a declaração. Para Heidegger, o lógos e o phainomenon encontram-se também indissociáveis da questão da verdade mas, para ele, a verdade não se dá primeiramente como concordância, adequação. Heidegger compreende/interpreta a verdade como alétheia (não esquecimento). O filósofo pensa alétheia como desvelamento dos entes através do Ser. O vir à tona de algo que se encontrava encoberto. Neste sentido é que podemos pensar lógos e phainomenon em 5 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, p.66.
  • 6. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 6 sua remissão a alétheia. O desvelamento do Ser se dá no phainomenon, propiciado pelo lógos - o reunidor. A verdade como alétheia não pode ser fixada; ela ocorre na liberação do ente que se dá na retração do Ser. Na clareira (Lichtung) do Ser, o iluminar ambienta-se no penumbrar. A dinâmica da alétheia ocorre desde este iluminar/penumbrar do Ser. A clareira (Lichtung) não alumia (beleuchtet) apenas presentes (Anwesendes), mas ela, primeiramente o reúne e o resguarda em uma Presença (Anwesen). Entretanto, qual é o modo da presença de Deuses e Homens? Eles não são alumiados apenas na Clareira, mas iluminados (er- leuchtet) a partir dela e para ela. Assim, ao seu modo, eles então têm a capacidade de realizar o aclarar (Lichten) (trazer na completude de sua essência) e de resguardar (hüten) através da Clareira. Deuses e Homens não estão apenas expostos a uma Luz, como se esta fosse algo de sobrenatural, de modo que eles nunca pudessem se esconder dela no escuro. Eles são aclarados (gelichtet) na sua essência (Wesen). Eles são entreluzidos(er-lichtet): co-apropriados (vereignet) na Ereignis da Clareira, por isto nunca ocultados, mas desabrigados (ent-borgen), este ainda pensado em outro sentido. Como pertence ao distanciar da distância (Ferne) o atrever-se da clareira mantenedora e retentora, agora a ser pensado no sentido do desabrigado do abrigado (Entborgenen der bergenden). Eles estão lançados, reunidos em suas essências para no ocultamento do Mistério apropriar o lógos no homologéin.6 O lógos se dá na abertura constitutiva do homem a partir da clareira do Ser : no homologéin. O apropriar-se de sua essência depende, para o homem, do fato de corresponder (ent-sprechen) ou não ao lógos: ao que se aclara/entreluzindo na clareira. A correspondência do homem ao lógos, o homologéin, refere-se à atenção deste à sua pertença ao Ser desde o âmbito aberto pela clareira. Esta não é aberta pelo homem, mas é ele que oferece o espaço de acontecimento da abertura. O homem se constitui nesta abertura que só pode ocorrer nele. No entanto, ele não tem domínio sobre ela, sobre este aclarar-se do Ser justamente porque o modo 6 HEIDEGGER, Martin. Vorträge und Aufsätze. 1. ed. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 2000; HEIDEGGER, Martin. “Alétheia (Fragmento 16)”. In: Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 246.
  • 7. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 7 de mostrar-se do Ser é escondendo-se. A luz quando ilumina, libera o aberto mas enquanto atenta para o que se abre nesse aberto. O homem deixa de atentar para o próprio aclarar, não por uma falha sua mas pelo próprio entreluzir do Ser que se oferece e se esconde. Na conferência Alétheia (Heráclito, fragmento 16), Heidegger diz: Os mortais lidam sem cessar com a reunião recolhedora, que descobre e encobre. Lidam sem cessar com a reunião que clareia em sua vigência tudo o que vige. Eles se afastam, porém, da clareira, voltando-se somente para o vigente, voltando-se somente para o que encontram imediatamente, na lida cotidiana com tudo e cada um. Os mortais consideram que essa lida com o vigente confere, como que de per si, a familiaridade adequada. O vigente se lhes mantém, no entanto, estranho. Pois eles não entrevêem nada daquilo com o que estão familiarizados: não entrevêem nada do vigorar que clareando deixa e faz aparecer a cada vez o vigente. O lógos, sob cuja luz eles vão e vêm, se lhes mantém encoberto, é por eles esquecido.7 O voltar-se do homem para sua pertença ao Ser, para o lógos (a reunião recolhedora) dá- se no homologéin – a correspondência (ent-sprechen) do homem ao lógos em resposta (Antwort) ao seu apelo. Em sua essência, lógos e homem estão reunidos no mistério do ocultamento; o voltar-se do homem para a sua morada no mistério “apropria o lógos no homologéin”. O apropriar-se do lógos no homologéin possibilita que o Ser se dê em sua verdade. Devemos nos perguntar de que forma o homem deve voltar-se ao lógos em uma atenção a ele, para corresponder/responder ao seu chamado. Nas palavras de Heidegger, na conferência intitulada O que é isto - a Filosofia? pronunciada em agosto de 1955, a questão se formula da seguinte maneira: Eis o teor: será primeiro necessário fazer um esforço para atingirmos a correspondência ao ser do ente? Não estamos nós homens já sempre numa tal correspondência, e não apenas de fato, mas do mais íntimo de nosso ser? Não constitui esta correspondência o traço fundamental de nosso ser? Na verdade, esta é a situação. Mas, se a situação é esta, então não podemos dizer que primeiro nos devemos situar nesta correspondência. E, contudo, dizemos isto com razão. Pois nós residimos, sem dúvida, sempre e em toda parte, na correspondência ao ser do ente; entretanto, só 7 HEIDEGGER, Martin. “Alétheia (Heráclito, Fragmento 16)”. Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 248.
  • 8. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 8 raramente somos atentos à inspiração do ser. Não há dúvida que a correspondência ao ser do ente permanece nossa morada constante. Mas só de tempos em tempos ela se torna um comportamento propriamente assumido por nós e aberto a um desenvolvimento. Só quando acontece isto correspondemos propriamente àquilo que concerne à filosofia que está a caminho do ser do ente. O corresponder ao ser do ente é a filosofia; mas ela o é somente então e apenas então quando esta correspondência se exerce propriamente e assim se desenvolve e alarga este desenvolvimento. Este corresponder se dá de diversas maneiras, dependendo sempre do modo como fala o apelo do ser, ou do modo como é ouvido ou não ouvido um tal apelo, ou ainda, do modo como é dito e silenciado o que se ouviu.8 Muito embora o homem habite a proximidade do Ser, deve tornar próprio esse habitar no homologéin, a atenção e demora junto ao Ser. Como diz Heidegger na conferência acima citada, a filosofia é o exercício dessa correspondência e, como vimos mais acima, tal correspondência se dá na atenção e escuta do Ser em sua dinâmica essencial: desde o âmbito do mistério. A correspondência à dinâmica do Ser trata-se da correspondência à retração que nos atrai. O que de nós se retrai à maneira mencionada, afasta-se para longe de nós. Mas precisamente isso nos leva junto e, à sua maneira, nos atrai. O que se retrai parece estar absolutamente ausente. Mas essa aparência engana. O que se retrai se faz vigente – a saber, através do fato de nos atrair, quer percebamos agora, depois ou mesmo nunca. O que nos atrai já concedeu encontro. Tomados pela atração da retração, já estamos no impulso para isso que nos atrai, à medida que se retrai.9 A correspondência do homem ao que diz o lógos, ou seja, à dinâmica de dispersão/retração do Ser entrelaça homem e Ser em sua referência constitutiva. Ainda que não atentemos, que não nos voltemos para a abertura/fechamento, para o mistério que nos constitui, nos encontramos sempre já na abertura deste impulso que, retraindo-se, nos atrai. Desde esta dimensão de mistério, na qual o Ser se retrai nos atraindo, ganhamos a propriedade de nossa essência. 8 HEIDEGGER, Martin. “O Que é Isto – Filosofia?”. Conferências e Escritos Filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 218. (Col. Os Pensadores) 9 HEIDEGGER, Martin. “Alétheia (Heráclito, fragmento 16)”. Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 116.
  • 9. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 9 No fragmento 50 de Heráclito, temos: “Auscultando não a mim, mas o lógos é sábio concordar que tudo é um.”10 Neste entrelaçar, homem e Ser encontram-se em um ocorrer essencial no qual o lógos se deixa entrever na escuta acolhedora do homem: no homologéin. Este possibilita que Ser e homem se dêem em uma dinâmica essencial. Phainomenon, lógos, homologéin, alétheia dizem o Ser em sua dinâmica essencial. Nesta dinâmica, o Ser pode ser pensado como o phainomenon originário, como aquele que se mostra desde si mesmo e faculta aos entes que emerjam na dimensão de mistério (presença/ausência do Ser). A tradição do pensamento filosófico tendeu a pensar o Ser desde o iluminar, desde a perspectiva da presença (Anwesen). Dessa forma, permanece esquecido o jogo a partir do qual o Ser se dá. Este esquecimento permite que lógos, phainomenon e alétheia sejam pensados em sentidos não originários, mas derivados da compreensão do Ser como presença. Resgatar esses sentidos é pensar o não pensado pela tradição, incorrer em um modo radicalmente outro de pensar. Marca-se, neste modo outro de pensar, a distinção do pensamento de Heidegger para o de Husserl. Para Heidegger, o fazer filosofia não se trata mais de um encontro com âmbitos temáticos objetiváveis. Para este autor, a filosofia constitui uma tarefa, qual seja, a de buscar pensar o Ser desde o seu sentido e, sendo assim, “na medida em que se desvendam o sentido do ser e as estruturas fundamentais da pre-sença em geral, abre-se o horizonte para qualquer investigação ontológica ulterior dos entes não dotados do caráter da pre-sença”.11 O Ser é o fenômeno originário para o qual se deve dirigir a investigação filosófica. De modo próprio, "a fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. A ontologia só é possível como fenomenologia. O conceito fenomenológico de fenômeno propõe, como o que se mostra, o Ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados".12 A investigação filosófica que pretende percorrer o modo próprio de manifestação dos 10 LEÃO, Emmanuel Carneiro; WRUBLEWSKI, Sérgio. Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Texto e tradução. Petrópolis: Vozes, 1991. 11 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 68. Nesta tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback, Dasein é traduzido por pre-sença. 12 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 66.
  • 10. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 10 entes deve ter como escopo o próprio homem, por ser este o espaço desde o qual o Ser se ilumina. Para Heidegger, "o homem já sempre imerge na compreensão do ser. Logo, o sentido do Ser se revela na análise das estruturas do próprio homem. Logo, fenomenologia vem ligada à analítica existencial, ao menos em Ser e Tempo”.13 Deste modo, a temática do Ser que tem como via de acesso a fenomenologia não pretende ser a temática do Ser em geral, como se fosse possível um acesso sem mediações à este. O homem possui primazia entre os outros entes por ser aquele que, na referência ao Ser, possibilita um falar e um pensar sobre ele mediados por uma compreensão prévia e pela interpretação (Auslegung). Sempre já colocado na abertura ao Ser, o homem é o único ente que pode colocar o Ser e a si mesmo em questão: ele é capaz de se perguntar pelo ser que ele mesmo é, que o constitui. A fenomenologia como ontologia possui caráter hermenêutico. "O lógos da fenomenologia da pre-sença possui o caráter de um hermeneuin. Por meio deste hermeneuein proclamam-se o sentido do Ser e as estruturas ontológicas fundamentais da pre-sença para a sua compreensão ontológica constitutiva”.14 Perguntando-se desde onde se dá tudo aquilo que é, dá-se, para o ente questionador (o Dasein), aberturas de sentido – hermeneuein. Na perspectiva de Ser e Tempo, o Dasein (que é traduzido na edição brasileira por pre- sença) é o ente que se compreende a si mesmo e compreende aos outros entes compreendendo o Ser. A fenomenologia, para Heidegger, refere-se à análise das estruturas fundamentais do Dasein e, dessa forma, trata-se de uma analítica existencial da existência. Esta analítica estrutura- se por meio da hermenêutica. Hermenêutica refere-se, na concepção de Heidegger, a Hermes, o mensageiro dos deuses, o mediador entre deuses e mortais. O sentido de hermenêutica é interpretação como abertura de horizontes para que o Ser seja pensado. O Ser pensado no horizonte do Dasein é sempre e a cada vez interpretado em seu caráter dinâmico. Os entes que se dão a partir do Ser não são simplesmente dados (o Ser se dá na dinamicidade) e, dessa forma, o Dasein também não é um ente já pronto. O Dasein se constitui em uma abertura. Esta abertura é a verdade como alétheia, como desencobrimento do Ser. O que diferencia radicalmente a análise empreendida por Heidegger a respeito ao Dasein de outros empreendimentos do pensamento da tradição refere-se à remissão do Dasein à manifestação 13 STEIN, Ernildo. “A Fenomenologia Hermenêutica”. Introdução ao Pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre:EDIPUCRS, 2002 (Col. Filosofia: vol.152), p. 54 14 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 68.
  • 11. Revista Ética e Filosofia Política – Volume 10 – Nº 2 11 originária do Ser. O Dasein encontra-se sempre remetido ao dar-se constitutivo do Ser e, dessa forma, encontra-se na abertura do acontecimento da verdade. O que se abre, então, na analítica do Dasein, não é uma teoria acerca do homem já constituído. Antes, vislumbra-se o jogo desde o qual homem e Ser se dão na abertura da verdade. Temos aí a própria dificuldade da tradução de Dasein por homem. Podemos ficar em algum conceito prévio e não ascendermos a uma compreensão mais radical de homem. Porque como já dissemos, não se trata do homem já dado, mas de um estar a ser (Zu-Sein), de uma abertura ao Ser que se lança para o porvir. Neste sentido, o Dasein constitui uma tarefa a ser assumida e não uma essência prévia de todo e qualquer mortal. Ele é a sua possibilidade e não uma essência pré-determinada. A essência do Dasein, podemos dizer, consiste em seu estar a ser, ou seja, em sua existência (Existenz); dá-se na dinâmica do Ser. Dessa forma, a fenomenologia como analítica existencial tem de colher o Ser que se oferece à abertura constitutiva do Dasein. Ou seja, tem de colher o Ser como possibilidade que pode ou não vir a se atualizar por meio deste ou daquele ente. Com esta tarefa a filosofia deve se ocupar. A filosofia está sempre a caminho do Ser e deve colhê-lo em sua dinâmica, como possibilidade. Deve responder ao apelo do phainomenon originário, de modo que o seu discurso deixe ser o que se mostra desde o pôr-se a caminho do Ser. O que se torna mais claro diante da analítica existencial de Ser e Tempo, diz respeito à vocação do Dasein para dar conta de colher a manifestação da verdade, de se constituir como intransferível referência ao Ser. Muito mais do que um exercício epistemológico, a filosofia diz respeito a um modo do Dasein de dar conta do que ele mais propriamente é. Delineia-se, dessa forma, o traço fundamental do que Heidegger compreende por fenomenologia. Phainomenon e lógos dizem o acontecer mais próprio do Ser em sua dimensão de mistério, a partir da abertura do Dasein. Nesta, o Ser se ilumina, mostrando e ocultando possibilidades. A fenomenologia como via de acesso da filosofia/ontologia - tarefa assumida pelo Dasein para dar conta de colher esse acontecimento que o afeta e constitui – dirige-se ao Ser que ao se dar, mostra-se no e como phainomenon. O lógos acolhe e reúne os entes e os libera para o encontro, no acontecimento do mundo, desde o qual o próprio Dasein se constitui. Phainomenon/Lógos dizem a fenomenologia como explicitação do que se passa com o Ser desde o seu sentido sempre e a cada vez revelado ao Dasein.